Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
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Verde

Então era isso. Uma vida tinha se passado desde a última vez em que Gwen estivera tão nervosa para um acontecimento acadêmico. Há pouco mais de sete anos, ela estava a ponto de vomitar quando a professora McGonagall colocou o chapéu seletor em sua cabeça. Corban insistia que ela era fraca demais para dar continuidade a tradição da família em Hogwarts. Chegou a presenteá-la provocativamente com um cachecol com as cores da Lufa-Lufa em uma ocasião. Se a Gwen do passado não fosse tão medrosa, dando fim ao presente antes que qualquer pessoa pudesse vê-lo, hoje ela enrolaria a merda daquele cachecol no pescoço mirrado do irmão, pra mostrar quem era fraca! A faixa verde e prateada que seria posta sobre a beca jazia em cima de sua cama, aguardando que ela terminasse de maquiar as amigas e fosse se vestir. “Não se preocupe, mocinha! Ansiar tão fortemente por pertencer a uma casa já me diz tudo sobre você... SONSERINA!”.

- Que cor você quer pros lábios?

- Pode ser aquele rosinha que você pôs da outra vez.

- Eu estava pensando em um vermelho. Ficaria esplêndido com o verde musgo do seu vestido, Leô!

- Vamos deixar os batons esplêndidos para as garotas esplêndidas: Narcissa, Yvonne...

- Leona!! É o dia em que todas nós merecemos brilhar!

- Eu só quero passar por essa formatura intacta, Gwen. De preferência sem ser vista!

- Credo! Já nos basta uma mal-humorada.

- Eu não estou mal-humorada! – Euphemia retrucou.

- NÃO MEXA A CABEÇA! – Cissy esganiçou, empurrando o pescoço da outra pra baixo, concentrada em prender as tranças de Effie em um coque alto e volumoso.

- Você não para de reclamar desde que o castelo ficou vazio, Effie. – Pelo visto, Leona concordava com ela.

- Eu só estou nervosa!

- Primeiro você dizia estar nervosa com os NIEMS. Agora que eles passaram, com a formatura... – Gwen girou a bala do batom e usou o pincel para pegar um pouco do produto.

- Pra você é fácil falar, Gweny: sabe exatamente o que vai fazer depois que subir no Expresso.

- Chegar em Londres e descer dele!

- Em três dias, vai ter uma festa de noivado... – Effie começou.

- Em dezoito, escolher o vestido... – Narcissa prosseguiu.

- Em vinte e seis, definir a decoração e as flores... – A voz de Leona saiu abafada, porque a mão de Gwen encobria sua boca para aplicar o batom.

- E em 64... – Yvonne estava puxando a meia-calça até as coxas.

- Felizes para sempre! - Suas quatro companheiras de quarto exclamaram, em uma só voz.

- Eu não sou óbvia assim!!!!!

- É claro que é, Gweny! O calendário está, literalmente, pregado na sua cama. – Cissy abriu um grampo, usando-o para prender uma das mechas bem próximo a raiz do cabelo negro da amiga.

- AI! Isso doeu!  – Effie gritou.

- Ser bonita dói! – A loira tornou a olhar para Gwen. - Não estamos querendo dizer que isso é ruim... É só o seu jeito de ser, meu bem.

- O que EU estou querendo dizer é que não sei no que a vida vai se transformar quando eu pisar fora daquele trem.

- Nenhuma de nós sabe, Effie. – Leona engoliu em seco. – Acabou? – Encarou Gwen por um segundo, com medo de se mover e estragar a maquiagem.

- Sim.

- Se vocês tivessem juízo, fariam alguma coisa por si mesmas. Niyati deu a vocês uma boa ideia do que iriam enfrentar... – Yve comentou, subindo o zíper do vestido carmim.

- Nós temos juízo, Yve. – Euphemia entregou um outro grampo para Narcissa. - Este é o problema.

Ia querer se lembrar do dormitório exatamente assim: Vivo, alegre e cheio de conversas. Gwen dormiria no próprio quarto por um par de dias e logo estaria dividindo a cama com Wilkes. COM WILKES! Dava pra acreditar? Ele não era muito do tipo que fala. Ia sentir saudades de ter o quarto cheio de garotas, mesmo que isso, às vezes, significasse conflitos. Até mesmo as briguinhas teriam um espaço cativo nas memórias do seu coração. Haviam sido sete longos anos em que ela nunca estivera sozinha. Agora ia ter que voltar a se acostumar ao silêncio e a calmaria de uma mansão. Mal podia esperar para encher a casa de filhos, com personalidades e gostos diversos, conversando, brincando e brigando, criando um lar! Era assim que ela se sentia naquele quarto. Em um lar, com suas incoerências, conflitos e uma rotina própria.

- Não dá pra ficar esperando a vida cair no colo de vocês e só reclamar. Se nós não assumirmos a responsabilidade pela nossa felicidade, quem vai?

- É fácil pra você dizer. Suba aqui pra mim, por favor! – Leona deu as costas a ruiva, com o zíper esperando para ser fechado.

- Por que seria mais fácil pra mim do que pra vocês? Fui eu quem tive o namorado roubado! Sem ofensas. – Deu um sorrisinho em sua direção.

- Tradição. – Effie deu de ombros, reforçando a obviedade daquilo.

- Mas eu tam...

- OK, OK! Eu vou assumir a responsabilidade pela minha felicidade agora.  Cissy, você já terminou com esse penteado? A Gwen ainda precisa maquiar a Effie e você, além dela própria, antes de a gente poder ir, e eu não quero chegar atrasada!

- A Leô está certa. Sente aqui, Effie! Em você eu vou colocar a boca vermelha!

- Oh, Merlin! Quem é você e quanto está recebendo da Bruxa Bruxuleante para promover a nova cor “escarlate formidável”?

- Deixa de ser louca, Euphemia! A cor se chama “escarlate magnífico”. – Gwen passou os olhos por cada uma das outras, guardando em seu peito a imagem da risada adolescente de suas amigas.

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- Antes de encerrarmos a cerimônia, como Diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, em nome de todo o corpo docente, concedo a mais alta Láurea Acadêmica...

- Três, dois, um... – Leona sussurrou, trocando olhares significativos com os amigos.

- ... à Srta. Euphemia Rowle! Sonserina!

- É, cara, você tentou! – Evan bateu nas costas de Nate, com um sorriso zombeteiro.

Eles explodiram em palmas e Wilkes se atreveu a assoviar em comemoração. Foi prazeroso ver a expressão desgostosa estampada no rosto dos formandos das outras casas. Como se tivessem alguma chance de vencer Effie! A moça sustentava um sorriso amplo para a foto, com Dumbledore segurando uma placa e Slughorn prendendo o broche prateado em sua beca. Não havia ninguém que merecesse mais receber aquela honra do que a dedicada e quase insana Effie.

- Creio que os senhores já devem estar desesperados por uma limonada com gelo, debaixo dessas roupas. – Risadinhas por parte da multidão interromperam a fala do diretor. – Sendo assim, encerro oficialmente esta cerimônia. Meus parabéns a todos os formados! Hogwarts estará sempre de portas abertas para recebê-los!

Caos. Capelos para o céu, abraços, lágrimas e sorrisos e centenas de pessoas se movendo para cumprimentar alguém. Narcissa demorou alguns minutos para sair do lugar, envolvida em um abraço suado e cheio de sentimento com Gwen. Interpretando a foto familiar do século XIX, seus tios estavam parados bem ao fundo do Salão. Até mesmo Regulus usava vestes a rigor, pronto para a festa. Cissy esperava ser a prima favorita dele, agora que fornecera ao quartanista um convite pro baile. Tivera que enviar uma carta com longas promessas de que cuidaria bem do garoto a tia Walburga. Não havia sinal de Sirius por ali e Narcissa agradeceu aos céus não ter que testemunhar nenhum tipo de confusão naquelas circunstâncias.

- Se não é a formanda mais linda e elegante que eu já vi! Estamos tão orgulhosos de você, Cissy! – Tio Órion deu-lhe um abraço caloroso. – Não diga a Bellatrix que eu disse isso.

- Obrigada, titio! Seu segredo está seguro comigo! Ela não veio?

- Pediu desculpas, mas teve que acompanhar o marido em um compromisso inadiável. Meus parabéns, Narcissa! – Tia Walburga a cumprimentou com um beijo seco que lançou ao ar, na lateral do rosto da garota.

- Parabéns, prima! – Regulus a abraçou rapidamente, visivelmente ansioso para escapar dali.

 - Obrigada, Reg. Te vejo lá?

- Pode apostar!

- Cissy, você não se incomodaria de deixar o seu primo em casa amanhã, não é?

- É claro que não, tio Órion! Fiquem tranquilos que devolverei o bebê de vocês intacto amanhã à noite.

- Ele está bem ciente do que pode ou não fazer. – Tia Walburga apertou a nuca do menino. – Cygnus, onde você se meteu? Não conseguimos encontrá-lo a cerimônia inteira! – Num andar firme, seu pai tinha atravessado o aglomerado de pessoas.

- Cheguei um pouco atrasado. Negócios. Não a ponto de perder a entrega do diploma. Parabéns, meu anjo! – Beijou a testa de Narcissa, no pequeno espaço entre o capelo e sua sobrancelha.

Cygnus ainda usava preto, trajando luto da cabeça aos pés. Ela também havia escolhido um tom profundo de chumbo para o vestido que estava encoberto pela beca. Era até engraçado que a boca estivesse pintada com um vermelho tão vibrante, mas Gwen havia insistido tanto e ela não conseguira negar, depois de ver a amiga recebendo não das outras três. Também era negra a caixinha de veludo que seu pai tirou do bolso e ofereceu a ela.

- Sua mãe estaria orgulhosa de você, meu anjo! Assim como eu estou.

A expectativa encorpou o ar ao redor deles. Sentia como se os tios e o primo estivessem respirando em sua nuca, apesar de não terem se movido. O abrir da caixa e o cerrar do sorriso foram simultâneos. O anel brilhava, com uma esmeralda lapidada em formato quadrado fulgurando no centro, num tom de verde sublime, em contraste ao ouro branco. Com um estalido, Narcissa fechou a caixa.

- Não quero nada que não deveria ser meu. – A joia era uma velha conhecida. Tinha sido de sua avó Irma, até ser dada a Andrômeda um par de anos atrás, em seu aniversário de 17 anos.

- O seu pai acaba de dar a você, Narcissa! – Tia Walburga era mestra em intromissão.

- Como o senhor teve coragem? – Ignorou a mulher às suas costas, virando-se irritada para o pai. - Não pode ter pensado que eu não perceberia!

- O anel pertence a essa família, Narcissa. – Cygnus deslizou os dedos pelo bigode, mesmo que não houvesse fios fora do lugar. - Assim como você.

- Eu sou a terceira filha. Esse tipo de joia jamais viria parar em minhas mãos em circunstâncias normais.

- Você está louca pelo anel, querida. Admita! – Outra vez, sua tia agindo como se tivesse sido convidada para aquela conversa. Cissy prendeu o ar, tentando conter a irritação.

- Chega de tolices, Narcissa! Deixe de agir como uma garotinha mimada e ponha o maldito anel no dedo!  

- Não, papai. Pode fazer com ele o que quiser, mas tire-o da minha vista. Para sempre! – Empurrou a caixa de volta nas mãos do homem.

- Se é assim que você prefere que as coisas sejam... – Cissy detestava mais o tom passivo agressivo de Cygnus até mesmo do que o ativo. Preferia que ele não fingisse ser bondoso quando tudo o que queria era torcer seu pescoço. - Como a caçula, deve estar ciente do que lhe espera quando retornar para casa. – Usou um tom sarcástico, guardando a caixa no bolso do terno.

- Sim, eu sei.

- É bom! Não cometerei com você os mesmos erros que cometi com suas irmãs. – Rangeu os dentes, irritado. - Sua mãe não está mais aqui para me forçar a ser condescendente com as vontades de vocês.

Apertou os olhos, captando o rosto dele por um segundo. Tinha enfurecido o pai com pouco mais do que duas frases. Cygnus adoraria humilhá-la agora, se não estivessem em público. Ele tinha conseguido esfolar seu coração com tão pouco esforço e sequer se dera conta! Seu ânimo para a comemoração tinha sido soprado e derrubado como as cartas de um castelo. Ofereceu um sorriso cínico a ele. Tio Órion estava claramente desconfortável acompanhando a cena e Regulus se mantinha alheio, com a cabeça na festa. A infernal tia Walburga não ocultava o sorriso exultante. Ela nunca tinha escondido o quanto julgava branda a forma como Druella tinha conduzido a criação das garotas. Que bela amostra de família tinha lhe sobrado!

- Não se preocupe, papai! – Narcissa deu a ele um falso sorriso de boneca, perfeitamente dócil. - Não me furtarei em cumprir meus deveres, assim que o luto acabar.

- Ótimo! Vou ver o que posso fazer para arrumar um marido aceitável para você. Mas não espere muito, afinal, você é uma terceira filha!

- TODOS OS CONCLUINTES PARA A ENTRADA DO CASTELO! TODOS OS CONCLUINTES PARA A ENTRADA DO CASTELO! – McGonagall se embrenhava pela multidão, anunciando aos gritos.

Não deixou que a água em seus olhos escorresse pelo rosto. O acúmulo das lágrimas deixava borrado o reflexo da lua, desenhada sobre a água negra, cujos pequenos barcos iam rasgando ao deslizar, afastando-se do castelo. Olhou para trás, enxergando o vulto de Hogwarts se tornar menor e menor e menor... Leona estava taciturna, encostada no suporte do lampião que clareava o caminho. No fundo do barco, Gwen agarrava um lencinho para secar as lágrimas. Sozinho num barco a frente, Hagrid também chorava, levando o que parecia ser uma toalha, que usava para enxugar o choro. Evan entrelaçou os dedos aos dela, segurando sua mão.

Tinha sido exatamente assim, 7 anos antes. Conheciam-se tão pouco, apesar de serem primos! Um reencontro em King Cross fora o suficiente para que decidissem tomar um ao outro como apoio, num lugar em que tudo era tão intimidante. Ela não largara a barra da saia de Andy e Bella durante toda a viagem de trem. Mas então, estava sozinha com os primeiranistas, com o misterioso desconhecido se descortinando a sua frente. Evan também teve medo e ofereceu a mão a ela. Confortaram-se com a certeza de que havia uma família a quem pertenciam fora daqueles muros, não importava o que acontecesse. Haviam se afastado durante alguns anos, dedicando-se a outros interesses, outras amizades. Depois, voltaram a se aproximar, reconhecendo-se como amigos, sobretudo neste último ano.

Parecia tudo tão distante! Eram outros. Hogwarts os devolvia maduros, repletos de conhecimento, capazes de dominar a própria magia e calejados pela convivência intensa com tantas pessoas diferentes. A escola os entregava para uma vida que, embora não parecesse, começaria agora. Ao contrário do familiar castelo, nada do que viria nesse novo desconhecido que se descortinava a frente deles seria tão fiel. Nada estaria ali, esperando que eles voltassem no outono seguinte, depois de viver doces aventuras de verão. Assim como da primeira vez, embora muito tivessem ouvido falar, não tinham a menor ideia de como seria dali para a frente.

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Era o quinto coquetel de camarão que Euphemia estava comendo. Camarão levemente crocante, com a quantidade perfeita de alho e um molho suntuosamente cremoso. Não importava o quão ansiosa estivesse, para aquilo era impossível dizer não! Os pequenos camarões deviam estar boiando dentro de seu estômago, mergulhados solitariamente na exorbitante quantidade de martinis que ela já tinha bebido.

A orquestra parou de tocar em algum momento e ela estava passando imaculada pelo show de “Os Duendeiros”, cogitando mastigar a coleção de azeitonas enfiadas em palitinhos que tinha acumulado nas taças vazia. Effie não era do tipo que se descabela em frente ao palco de uma banda sensação adolescente, mesmo entupida de bebida. Nate tinha desaparecido há uma hora ou dez minutos, ela não tinha bem certeza e tampouco se importava. Trocar conversa vazia com Natanael Bulstrode não era exatamente seu programa favorito, ainda que ele não fosse o pior dos espécimes masculinos presentes. Dançaram juntos uma primeira valsa e desde então ela estava plantada naquela mesa como guelricho no fundo do mar mediterrâneo.

O salão estava lotado de adolescentes fazendo danças psicodélicas em um surto de histeria coletiva. Gritavam letras de canções decoradas a plenos pulmões, berravam estridentemente quando um dos membros da banda tensionava erguer a camisa e se beijavam nas músicas românticas, com uma falta de decoro impressionante. Devia ser divertido! Talvez pudesse ter sido divertido em algum momento, se ela tivesse, ao menos, boas companhias. Mas Gwen e Narcissa também tinha sumido, certamente engolidas pela multidão ou pelas línguas de seus acompanhantes. Também havia uma grande chance de que Cissy estivesse emendado um cigarro no outro. Isso era o que ela parecia fazer a maior parte do tempo, desde a morte da mãe.

Estava tudo bem. Que cada um se divertisse como sentisse vontade naquele dia. Ela ia brindar à sua formatura! Hogwarts fora um saboroso desafio. Em muitos momentos, a pressão escolar tinha sido responsável por desencadear nela uma notável gastrite. Mas, tinha chegado ao fim e Effie estava satisfeita em brindar a cada uma de suas versões que colaboraram para que ela concluísse a jornada acadêmica com louvor. Agora podia pegar o diploma e enfiá-lo numa gaveta enquanto usava sua varinha para limpar o nariz das crianças e conferir o trabalho executado pelos elfos domésticos na cozinha. Teria um curto tempo pra aprender a fingir que amava aquilo tanto quanto suas amigas. Ergueu a taça no vazio. Cheers!

- Se você já bebeu o suficiente para brindar sozinha, isso quer dizer que deveríamos nos preocupar com a segurança de nossas cabeças.

- Na verdade, ainda não bebi metade do que poderia, se quer saber, Srta. Greengrass.

- UAU! Nesse caso, acho que não a conheço tanto quando eu pensava, Srta. Rowle! – Leona não hesitou em retrucar a provocação.

- Gostaria de conhecer? – Effie sorriu com o cantinho dos lábios.

- Adoraria!

A outra puxou uma cadeira e se sentou ao lado dela, bem ao fundo do salão, onde as luzes do palco já não chegavam. Examinavam a festa que acontecia na pista de dança, como a uma peça de teatro. Vistas de longe, certamente se assemelhariam a duas velhas sentadas na praça, acompanhando o desenrolar do cotidiano como duas gárgulas:  Os raios de sol do verão e depois as folhas caindo do outono, seguidas pelo frio cortante do inverno e o florir da primavera. Tudo isso se sucedendo enquanto elas observavam a vida passar.

- É louco como a gente não conhece mesmo as pessoas, não é? – Effie elevou um pouco a voz, para que Leona conseguisse ouvi-la apesar do violento solo de guitarra.

- Disserte.

- Toda essa coisa entre a Gwen e a Yve... Semanas atrás a Yvonne seria capaz de matar e morrer para que ninguém chegasse perto do Wilkes. Teria fritado a pobre Gweny com o olhar se pudesse! Agora... Ela simplesmente não se importa! E não esconde de ninguém que o Henry é o seu novo queridinho!  Quanto à Gwen, bom... Jamais tinha visto o Wilkes como mais do que um colega e BUM! Está com um sorrisão na cara, esperando ansiosamente pelo dia em que vai poder brincar de casinha com ele, como se ele sempre tivesse sido o amor da vida dela! Volte dois meses no tempo e ela riria da ideia.

- Acho que pra Yve nunca importou tanto a pessoa com quem ela estava quanto o que essa relação podia dar a ela, se é que me entende. – A loira bebericou do que parecia ser um uísque de fogo, que já trouxera consigo. -  E a Gwen... Bom, ela é uma romântica incorrigível, Effie.

- Eu sei... Mas não te parece uma mudança de personagem absurda, de um dia pro outro?

- Acho que a vida é assim mesmo. As pessoas mudam de ideia, de fase... E as vontades mudam. Às vezes, o que me parece ser bem esse caso, elas precisam se adaptar. Presta bem atenção no que vai acontece agora e depois me diz se eu não estava certa. – Ela se arrumou na cadeira, preparando o terreno pra apresentar o argumento. Effie sorriu, fascinada. – Nós somos amigos. Eu diria que, não necessariamente grandes, porém, ao menos, bons amigos. Todos nós oito. E também o pessoal do sexto ano, claro. Mas sobretudo, nós. Eu não hesitaria em partilhar com vocês a maior parte das coisas sobre mim. Sabe o que vai acontecer quando a gente sair do trem amanhã? A vida! Cada um de nós vai pra um lado, experimentar coisas diferentes, se deparar com outras pessoas e, como se fosse de repente, vamos notar um dia que já não nos falamos faz uns meses. E que isso não fez exatamente diferença na nossa rotina. Vão vir outros amigos e se tornar mais importantes pros momentos que estivermos vivendo. Isso é a vida, Effie! As pessoas mudam e esquecem.

- É... Eu entendo que aconteça com o tempo. Só não imaginava que seria tão rápido!

- Eu aposto que um dia a gente vai casualmente se encontrar no parque e você vai estar empurrando um carrinho de bebê chique, usando uma roupa estilo mamãe chique, conversando com suas amigas chiques e quando eu te chamar, você sequer vai lembrar quem sou eu!

- Não diga uma bobagem dessas! Eu nunca esqueceria você, Leô. – Notou que tinha soado um pouco como uma criança emburrada.

- Aham, até parece! Me dê 5 anos e serei “aquela menina chata que só falava de quadribol”.

- LEONA! Eu gosto quando você fala de quadribol.

- Provavelmente então “aquela loirinha que passava os finais de semana lustrando a vassoura”?

-  Como eu poderia reduzir você a isso? – Cruzou as pernas e tomou um gole largo do martini, nervosa. - Vamos tentar de novo! “A menina que eu adorava ouvir falar sobre qualquer assunto”?

- Não parece verdadeiro.

- Certo. “A pessoa com quem eu amava dividir meu tempo livre”?

- Exagerado. – Leona usou o indicador para girar o gelo dentro do copo.

- O que você quer escutar? – Effie sorriu, puxando uma azeitona do palito.

- Estou começando a achar que seria melhor se você não lembrasse de mim por completo! Tipo “Desculpa, querida! A sua figura não me é estranha, mas de onde é que nós conhecemos mesmo?”. – Ela interpretou a perfeita patricinha-rica-mãe-esposa-modelo e Effie não segurou a risada.

- Desculpa, querida, mas eu não poderia. Eu nunca vou esquecer você, Leona. Não, não... Seria fácil demais pra você! Como eu iria simplesmente esquecer a pessoa com quem tive as conversas mais estimulantes em Hogwarts?

- Ah, por favor!

- Não é mentira! Eu não poderia esquecer, Leô. – Soltou a taça vazia sobre a mesa. - Não alguém com a mais acurada proporção entre sarcasmo e humildade, porque eu ODEIO um irônico dono-da-razão. Definitivamente não esqueceria a garota menos histérica e mais pé no chão, incluindo eu, que já passou pela Sonserina. Não com ela sendo uma talentosa jogadora de quadribol sem deixar de ser uma irrecuperável, porém discreta, comentarista da bizarra aparência alheia!

- Você é ridícula! – Ela riu, encarando as cutículas para esconder a timidez.

- Não, não sou! Eu só estou querendo fazer você entender que eu não poderia esquecer a pessoa que por si só teria feito Hogwarts valer a pena! – Effie girou na cadeira, ficando de frente para ela. -  Alguém que dá dois nós nos cadarços, porque um só seria correr risco demais. Alguém com os olhos tão verdes que faz parecer a coisa mais justa do mundo ter recebido o sobrenome Greengrass.  

Talvez ela desmaiasse. Talvez. Mas só talvez. A outra opção era colocar pra fora todos aqueles camarões que dançavam dentro do seu estômago. Ela precisava fazer alguma coisa. Qualquer coisa! Segurou o rosto da garota e, antes que perdesse a coragem, jogou os lábios sobre os dela. Eram suaves embaixo dos seus e Effie quase sorriu, mergulhando neles. Quase! Em um segundo, as duas mãos da outra estavam sobre seus ombros e Euphemia foi empurrada pra longe com uma força que Leona provavelmente guardava somente para os balaços.

- QUE PORRA É ESSA, EFFIE? VOCÊ ENLOUQUECEU? – Leona procurou um guardanapo solto em cima da mesa, passando-o sobre os lábios. - O QUE FEZ VOCÊ PENSAR QUE PODIA FAZER ISSO?

- Eu... Eu pensei que...

- PENSOU O QUÊ?

- No dia do jogo dos veteranos... Você... Eu disse “garotas como nós” e você concordou! – Seu coração estava pulando dentro do peito com o medo.

- Eu achei que você estava falando sobre não sermos bonequinhas cor-de-rosa como as outras!! O que você pensou? Que eu era... Você não pensou que eu era “ESTRANHA” COMO VOCÊ, pensou?

- Eu pensei que você gostava de mim, Leona! Como eu gosto de você.

- QUE NOJO! Todo esse tempo, eu estava sendo legal pra não deixar você sozinha enquanto a Cissy e a Gwen surtam e você estava... Pensando essas coisas...Repulsivas sobre mim? – Se pôs de pé, praticamente num salto.

- Leô, não é bem assim! Me desculpe se eu entendi tudo errado! – Se levantou também, tentando impedir a outra de se exaltar. - Primeiro nós nos tornamos amigas. Faz pouco tempo que eu me apaix...

- NÃO OUSE FALAR ISSO! Merlin, eu vou vomitar! Você é nojenta! – Esfregou o guardanapo na boca freneticamente. – Nós não somos amigas, Euphemia. Não podemos ser! Não fale comigo, nunca mais! Eu nunca vou ser uma aberração como você! NUNCA!

Effie olhou pra ela, paralisada pelo choque. Não conseguiu impedir que ela fosse embora, carregando o orgulho ferido. Estava se sentindo enxarcada, como se um balde de gelo tivesse sido despejado em sua cabeça. O entorno se movia em câmera lenta ao seu redor. Podia ver os dedos sendo apontados para ela, as risadas soando. A verdade é que a festa seguia alheia a briga delas. Não havia ninguém para vê-las ali, naquele canto escuro. Contudo, Euphemia jamais havia se sentido tão exposta e tão frágil. Escolhera mostrar o mais íntimo do seu ser para a pessoa errada. Tinha confiado tão cegamente na própria intuição. Leona era tão diferente das outras! Por que não podia ser igual a ela? Por que ela tinha que ser a única diferente, a única... estranha? POR QUÊ? Atirou a taça de martini, repleta de cólera. Não era uma maldita batedora, mas a raiva ainda podia lhe render alguma força. Os cacos de vidro se espalharam sobre o chão. Pisou sobre eles em seu caminho apressado para fora dali. As lágrimas lavaram seu rosto. Eram de dor, não importava o que a infligira.

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- Ai está você! – Apressou o passo até alcançá-lo, na varanda. - Eu estou bancando a acompanhante pirada?

- O quÊ? – Ele se encostou no parapeito, descansando os olhos na vista do povoado. - De onde você tirou essa ideia, Cis?

- Você estava fugindo de fininho! – Apoiou os cotovelos na estrutura de madeira.

- Talvez um pouco pirada. É, acho que sim.

- Vá se foder!

Hogsmead não era exatamente uma bela visão, com as luzes apagadas em quase sua totalidade àquela hora. Não havia muito para ver, exceto as montanhas, iluminadas ao longe pela lua crescente. O clube em que estavam se tornara tradicional, depois de quase um século de festas de formatura dos alunos de Hogwarts sendo realizadas ali, ano após ano. A verdade é que já não conservava o mesmo glamour, adquirindo um ar de ligeira decadência. Tinha sido um trabalho complexo usar a decoração e um punhado de feitiços para deixá-lo como o comitê tinha imaginado para o tema. Ela tinha aceitado “jardim encantado” com alívio depois que Patricia Wood sugerira “baile de máscaras”. Não era tão brega e haviam conseguido fazer funcionar. No fim das contas, a festa estava linda, considerando a dificuldade em alinhar as opiniões dos oito membros do comitê. Por sorte, Gwen e Yvonne tinham voltado a se entender pouco menos de um mês atrás, permitindo que as coisas recomeçassem a andar.

- Me arranja um cigarro, por favor? – Ele tamborilava os dedos repetidas vezes na madeira.

Abriu a bolsa de festa, recolhendo um cilindro na caixinha de metal, que entregou a ele. Com um toque da varinha, acendeu a ponta do cigarro, que Evan já prendera na boca. O barulho da banda ainda era alto, mesmo ali, apesar dos feitiços de abafamento. Cissy nunca tinha visto nada como a loucura febril dos adolescentes diante dos ídolos. Era um pouco trágico, um pouco cômico e bastante assustador.

 - Você devia parar com isso! Sabia que essa merda vicia?  – Abriu os lábios em um sorriso rebelde.

- Eu tenho outras preocupações maiores, senhorita. – Ele usou os dedos para brincar com os dela, quietos em cima do parapeito.

- Eu sei. Como o que fazer para me irritar!

- Exatamente. – Aspirou o fumo. - Esse é o cargo para o qual aplicarei meus NIEMS.

- No fim das contas, isso aqui não se transformou no desastre que eu estava esperando. - Cissy virou-se, apoiando as costas no peitoril. Tirou os pés dos scarpins, pisando no chão de madeira com alívio.

- Como eu te disse. – Derrubou as cinzas do cigarro sobre a rua lá embaixo. - Até que é bem legal poder falar isso, sabe?

- Posso imaginar! Faz com que eu sinta que sou paranoica.

- De fato.

- UAU! Obrigada, Evan! Esse momento vai direto para a caixinha de memórias que eu gostaria de guardar da formatura.

Um grito esganiçado chamou sua atenção e ela olhou através do vidro. Stubby Boardman estava deitado na beira do palco, berrando no microfone enquanto remexia os quadris de forma um tanto obscena. Era isso ou Sirius tinha subido ao palco. Merlin, como era possível que fossem tão parecidos?

- Esse show não vai terminar nunca?

- Posso te levar de volta pro castelo, se estiver cansada.

- Ah, por favor, me leve desse país! Você é a única pessoa em quem eu posso confiar, Evan!

Ele riu, balançando a cabeça em negação. Tinha arrumado o cabelo num topete mais alto do que o habitual. Estava charmoso, com um terno elegante em azul-marinho. Cissy imaginou se aquele paletó terminaria a noite protegendo seus ombros do frio ou se chegaria a ser lançado ao chão em algum lugar diferente que o quarto dele. Cygnus tinha implodido seu ânimo, mas parecia estranho terminar uma festa como aquela na própria cama. Talvez devesse arrumar mais uma dose de bebida, pra não pensar naquilo agora.

- Na verdade, eu estive pensando sobre isso.

- Sobre fugir do país?

- Sobre confiar em alguém.

Narcissa colocou os olhos sobre ele, analisando o rosto impassível a procura de uma explicação. Ela tinha feito algo de errado que despertasse a desconfiança dele? Não tinha deixado escapar nada sobre James, tinha? Apertou as sobrancelhas, esperando que ele continuasse.

- Sim?

- Eu gosto de você, Cis. Você sabe... Gosto da sua companhia, de conversar com você... – Cada palavra era arrancada com dificuldade da garganta dele. – E eu acho que você sente o mesmo por mim.

- Pra dizer bem a verdade, eu secretamente te odeio.

- Cissy! – Ele revirou os olhos.

- Certo, você venceu! Eu estava só brincando.

- Bom, nós não somos mais crianças. Ou não deveríamos ser. – Evan arregalou os olhos, em referência à piada inoportuna dela. – Um dia desses, vamos ter que casar com alguém. E eu pensei, bom, andei pensando nisso nos últimos dias... que se é inevitável que façamos isso uma hora ou outra, talvez você gostaria de... casar comigo.

Ela teria engasgado, se estivesse bebendo algo. Na falta de um copo ou qualquer coisa que pudesse usar para esconder o desconforto, se manteve paralisada, olhando para Evan como uma psicopata faria. Engoliu em seco, surpresa. Dois pedidos em casamento espontâneos em menos de um mês! Devia mesmo haver algum tipo de prêmio para quem alcançasse aquele feito. Ela ia ter que se informar sobre.

- Você não precisa responder agora, é claro. – O garoto gaguejou um pouco. - Foi só algo em que eu andei pensando.

- Evan, você é um cara incrível!

- Mas? – Ele respirou fundo, batendo o cigarro para apagá-lo.

- Mas... você sabe que não é bem assim que as coisas funcionam na minha família.

- Eu posso falar com o seu pai, Cis! Meu pai e eu podemos ir à sua casa. Se você quiser.

- Não é uma questão do que eu quero, mas do que o meu p... Aquela era a Effie?

- Acho que sim.

Evan também tinha se virado pra olhar, assustado. Puta merda! Euphemia tinha passado correndo por eles, voando como um maldito pomo de ouro, aos prantos, completamente descabelada.  Narcissa tinha perdido quase uma hora trabalhando naquele coque, que estava esfacelado! Que porra estava acontecendo? Imaginou que sair de um lugar atrás de uma amiga chorando também estava se transformando num hábito. Será que nesse caso havia algum prêmio envolvido? Narcissa enfiou os sapatos nos pés com pressa.

- Desculpa, Evan, mas podemos conversar sobre isso numa outra hora? Eu realmente preciso ir atrás dela.

Nem sequer esperou pela resposta, descendo as escadas de forma acelerada. Tentou se lembrar do que tinha fantasiado pro dia de sua formatura. Certamente não envolvia ser ameaçada pelo próprio pai, aleatoriamente pedida em casamento ou sair correndo atrás de uma chorosa melhor amiga. Narcissa amava emoções fortes! INFERNO! A varanda dava acesso ao jardim, onde era provável que uma dezena de casais estivesse se aproveitando da meia luz, e à rua. Não foi preciso pensar muito pra intuir para onde Effie estava indo.

- EFFIE! ESPERA! EFFIE! – Segurou o braço esguio, apertando a pele escura. – Porra, Euphemia! O que caralhos está acontecendo?

- EU! Eu aconteci, está bem? Você pode me deixar ir embora agora? – As lágrimas tinham desenhado uma porção de linhas borradas no rosto dela.

- É claro que não! Não enquanto você não se acalmar!

- Eu posso voltar sozinha, Cissy.

- Não tenho a menor dúvida de que você consegue fazer a porra que quiser fazer, Effie. Mas eu não vou te deixar sair assim daqui! Você precisa se acalmar!

- COMO EU DEVERIA SUPOSTAMENTE ME ACALMAR? ME DIGA! Eu não podia simplesmente seguir a minha vida quieta... Eu tinha que dar um jeito de estragar TUDO!

- O que quer que tenha sido, vai parecer menor quando você respirar fundo e tomar um pouco de água. Vem, vamos no banheiro arrumar essa maquiagem! – Segurou o rosto da amiga, fitando-a.

- Eu não vou voltar pra dentro dessa merda de lugar! – Ela puxou o braço com força, se sacudindo inteira pra se soltar.

- Por favor, Effie! Você não vai querer ficar chorando aqui no meio da rua, vai?

- Por que não, Narcissa? Por que isso iria ferir meu orgulho? EU NÃO TENHO MAIS NENHUM! POR QUE EU NÃO POSSA CHORAR NO CARALHO DO MEIO DA RUA, HEIN? A quietinha Effie! A estudiosa! Tão centrada! Jamais faria algo assim! FODA-SE! FO-DA-SE! EU TAMBÉM SINTO, OK? TAMBÉM ESTOU VIVA!

- Effie, por fav... – Piscou algumas vezes, encarando a amiga colocar o conteúdo do estômago pra fora. Aquela cena parecia extremamente familiar, de algum jeito. – Acho que temos mais de uma razão para ir ao banheiro, agora.

A varinha de Narcissa trabalhava com calma e precisão, limpando o vômito respingado em cada trança. O chão do banheiro não estava grudento, graças a Merlin, mas parecia que ela tinha se sentado em cima de um cubo de gelo. O assento tinha sido erguido e Effie também estava sentada no chão, abraçada ao vaso sanitário, com a cútis ligeiramente acinzentada.

- Você quer saber o que aconteceu.

- Não precisa me dizer agora, Effie. Só tente não... – Cissy puxou as tranças que já tinha limpado pra trás, enquanto a outra expelia mais um punhado de martinis. O vômito tinha um cheiro horrível de álcool puro e Narcissa quase prometeu a si mesma que passaria um tempo sem beber, enojada.

- Eu te digo o que aconteceu. – Limpou a boca com as costas da mão. - Eu fui uma idiota! Deixei as ideias da Gwen me contaminarem e pensei “Bom, todo mundo parece estar tão feliz. Por que eu não deveria ficar também?”. E é claro que eu fiz tudo o que estava ao meu alcance pra FODER COM A MINHA VIDA INTEIRA! Como se ela já não fosse fodida o suficiente.

- Eu realmente duvido que você tenha conseguido foder com a sua vida inteira aí dentro desse salão.

- Não é como se houvesse muita coisa pra foder... Mas sim, eu consegui! – A voz da garota estava ligeiramente embargada.

- Effie, não diga isso! Você tem uma vida maravilhosa!

- Ah, nem vem, Narcissa!

- O quê? É claro que você tem! Será que você sequer se lembra que foi laureada hoje? – Puxou duas tranças, que estavam coladas pelo fluído viscoso, para separá-las. – Qual é, Euphemia! Você é a garota mais inteligente que existe! Você é divertida, espirituosa, estilosa! E é uma gata também!

- Nada disso importa.

- Como não, Effie?

- Porque é tudo mentira!

- É claro que não é!

- EU sou uma mentira, Cissy. Eu sou uma farsa! – Uma lágrima comprida caiu pelo rosto dela, escorrendo pela borda do sanitário.

- EFFIE! Você é a pessoa mais autêntica que eu conh...

- Eu gosto de garotas, Narcissa. – Segurou com firmeza as laterais da privada, buscando por algo em que pudesse se apoiar, ao menos fisicamente.

Cissy afrouxou os cabelos da outra. Depois, largou-os completamente, estática. Effie. Não uma garota qualquer da escola. Sua melhor amiga, Euphemia Rowle, sentia atração por garotas. Recapitulou os últimos 12 anos da sua vida, desde que se lembrava de conhecê-la e procurou qualquer sinal que a fizesse diferente. Qualquer um. Não conseguiu encontrar. Effie era só... Effie. Sua Effie. Puxou a amiga para si e abraçou as costas dela, cruzando os braços em volta do corpo gosmento da outra. Ela se encolheu um pouco, sem jeito.

- Effie...

Foi como se uma chave tivesse sido virada e o choro recomeçou com força total. Euphemia soluçava, presa no abraço com Narcissa. Doze anos e ela nunca tinha verdadeiramente olhado para a amiga como agora! Todo esse tempo, Effie estivera ocultando aquilo dela? Sentia como se não conhecesse a garota com quem tinha divido a vida toda. Tinha sido tão estúpida e insensível!

- Desculpa, Effie! Eu devo ser a pior amiga do mundo! Eu nunca percebi nada de diferente em você!

- Porque não tem, Cissy! Eu só... Gosto de garotas. Isso não aparece na pele! Sei lá, eu acho que gosto. Eu nem sequer tinha beijado alguma garota até hoje... – Houve um pouco de riso misturado ao choro naquela frase.

- Foi isso que aconteceu? Você beijou alguém?

- Leona. – Admitiu, a contragosto. -  Eu tentei beijar a Leona.

- E ELA te deu um fora?

- Eu queria que fosse isso. Ela... Ela disse... Que eu nunca mais devia chegar perto dela. – Effie soluçou mais alto. – Ela disse que eu era nojenta, Cissy!

- Filha de uma puta! Eu vou quebrar os dedos dela um por um! Espere aí... Você gosta dela, não é?

- Eu não sei! Acho que sim. Eu não... Eu só pensei que ela... Que ela entenderia.

- Ou, meu bem! – Apertou o abraço com um pouco mais de força, tendo cuidado de que não fosse o suficiente para fazê-la vomitar de novo.

- Acho que eu só queria alguém que pudesse me amar.

- Eu te amo, Effie! –  A garganta de Cissy estava trancada, porque ela tinha começado a chorar também.

- Não, Cissy! Não desse jeito. Alguém que pudesse me amar como mulher. – Provavelmente era a primeira vez que ela dizia aquilo em voz alta, porque soava receosa. – Você não tem a menor ideia do que tem sido viver a vida inteira ouvindo que eu devia ser perfeita para que um homem me amasse e então, de repente, perceber que eu estava sofrendo por algo que eu nem queria! Todos esses anos, CINCO PUTOS ANOS desde que o Wilkes me beijou na comemoração da taça das casas, você não tem a menor IDEIA de como era horrível estar com aqueles homens, Narcissa! Eu não conseguia entender o que diabos tinha de errado. Porque eu sentia tanta vontade de me limpar todas as vezes em que eu os deixava tocarem em mim! Porque eu me sentia tão imunda! Eu gastei um vidro inteiro de sabonete em um único banho quando eu dei pro Dolohov naquele Reveillon na sua casa!

- Eu sinto muito, Effie! - Os soluços das duas se mesclavam, apertadas uma contra a outra. Narcissa queria poder aliviar a dor que a amiga sentia.

- Eu tentei, juro que tentei! Fechei os olhos... Gemi... Fingi orgasmos... Uma porção de vezes! Por que eu devia estar sentindo prazer, não devia? Beijei garotos todas as vezes em que parecia certo. Festas, saídas, passeios por Hogsmead. Fui pra um, depois pro outro, procurando uma coisa que nenhum deles NUNCA ia poder me dar! Eu tentei, tentei e tentei! Porque eu queria saber qual era o problema!! Até que eu entendi, Cissy. O problema era eu. – Euphemia se desvencilhou, esfregando debaixo dos olhos para secá-los.

- Não diga isso!

- Era eu. Sou eu.

- Effie! Não tem nada de errado nisso.

- Sério? Agora, Leona me odeia! Uma das únicas pessoas com quem eu gostava de verdade de conversar!

- Ela vai esfriar a cabeça e mudar de ideia.

- Talvez. Mesmo assim, como pode não ter nada de errado? Se tudo o que esperam de mim é que eu seja uma esposa? Como é que eu vou fazer isso, Cissy? Me casar com um homem, me deitar com ele, ter filhos... Como?

- Merda. – Narcissa murmurou, percebendo que havia muito mais nuances do que ela tinha considerado.

- É. Merda. MERDA! Eu não podia só ter um marido que eu odiasse. Eu tinha que odiar QUALQUER marido que meus pais escolhessem. A porra de uma vida inteira de nojo e infelicidade!

- Eu queria poder fazer alguma coisa... – Narcissa secou o rosto também. – Talvez eu tenha bebido demais pra isso. Mas eu te juro, Effie, eu juro, que eu estou do seu lado! Você pode gostar de garotas ou garotos ou os dois ou herbologia, credo, você realmente gosta de herbologia! – Euphemia deu uma risada tímida, com o nariz escorrendo um pouco. – Eu não me importo. Sabe, por quê? Você vai ser sempre a minha Effie! Minha melhor amiga, inteligente para um caralho, sabichona e dona da porra toda. E sabe o que? FODA-SE a Leona e quem mais te magoar!

Effie olhou pra ela com uma expressão esquisita. Era quase como se estivesse entalada com algo. Narcissa franziu o cenho, esperando que ela dissesse alguma coisa. Quase não teve tempo para puxar as tranças para trás, quando a garota se dobrou sobre a privada e vomitou outra vez. Oh, Merlin!

- Desculpem interromper, mas será que eu poderia usar o banheiro?

Uma loirinha colocou a cabeça pela lateral da parede, abrindo um sorriso ligeiramente desconfiado. Cissy a reconheceu como uma das garotas do time de quadribol da Grifinória. Lembrava de ter visto ela conversando com James algumas vezes. Ela ficou parada, como uma estátua, esperando a resposta.

- Claro, querida! Fique à vontade! Ela só está precisando um pouco de ajuda, mas não tem ninguém na outra cabine. Ou está aí há mais de meia hora e vou ter que matá-la depois de tudo que ouviu! - Cissy deu uma risada irônica e a garota foi simpática em rir também.

- Com licença! – Timidamente, ela avançou até a porta do lado, fazendo um pouco de força para abri-la.

O grito de terror da menina foi tão alto que descompassou seu coração.

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Há pouco, seu coração ainda pulsava no ritmo da música. Agora, não mais. A banda tinha encerrado o show pela segunda vez e o público clamava para que voltassem ao palco para mais um BIS. O silêncio foi súbito, seguido por um burburinho generalizado. Todo mundo olhou em volta, pra ver de onde tinha vindo o grito. James enxergou Narcissa sair correndo do banheiro, voando em cima dos saltos altos, segurando o vestido prateado acima das panturrilhas para não tropeçar. Era um milagre que Rosier não estivesse em seu encalço como nos últimos dias. James sequer tivera a chance de cogitar se reaproximar dela depois da cena com Louisa, com o filha da puta grudado nela tal qual uma sanguessuga albina do capeta. Ao menos assim não voltava a pôr em cheque sua amizade com Sirius, que parecia estar retornando ao normal.

A multidão se remexia temerosa. Alguns riam, entorpecidos, imaginando que se tratava de uma brincadeira. Outros se questionavam o que estava havendo. Por que a música tinha parado? Eles só queriam se divertir! Afinal, ainda havia muitas horas de festa pra acontecer! Não demorou para que Cissa retornasse com Slughorn em seu encalço. Não sabia qual dois tinha a aparência mais pálida. Imaginou que uma das garotas devia estar passando mal, dentro do banheiro. Alguns grupos caminharam para a varanda, para tomar um ar enquanto as coisas não voltavam ao normal. Então, o tumulto se deslocou do palco até ali.

- Ei, Jay, vamos ver o que está rolando! – Lulu, curiosa, puxou seu braço em direção ao aglomerado de pessoas.

Não conseguiu mensurar a quantidade de cabeças viradas e dedos apontados pra cima. Acabou se sentido impelido a seguir com o olhar a direção que indicavam. James não ia esquecer nunca daquele dia: A primeira vez em que vira o símbolo com os próprios olhos, fora das páginas do jornal. Daqui para a frente, a aflição ao vê-lo seria a mesma, todas as vezes. Lembraria do pavor daquela primeira experiência para sempre, reavivado a cada encontro com a funesta assinatura. Flutuando no alto céu, bem em cima do clube, havia uma marca negra. Era enorme! De um verde tão brilhante, que chegava a encandear. A caveira, expelindo uma cobra, fosforescia como um bizarro letreiro neon, anunciado a tragédia em forma de espetáculo.

- Puta que pariu! – James xingou, paralisado.

O pânico já tinha se instalado, espalhando-se como erva daninha. Lulu segurou seu braço, afundando as unhas em sua carne. As luzes do salão se acenderam e ele franziu os olhos, incomodado com o súbito clarão. James se sobressaltou com o estalido na rua e logo o professor Dumbledore estava subindo as escadas, depois de aparatar. Vozes meio altas cobravam uma explicação a professora Sprout. Flitwick tentava acalmar os alunos mais afoitos, pedindo que se mantivessem afastados. Dois, três, cinco estalidos na rua. As capas amarronzadas dos aurores. Sirius estava olhando pra ele, nos olhos dele a mesma pergunta que todos estavam se fazendo.

Talvez tivessem se passado apenas 20 minutos, mas a tensão suspensa no ar fazia parecer com que estivessem ali há horas. Todos os tipos de rumores circulavam, mas podia ser que nenhum fosse verdadeiro. A única certeza que eles tinham era a que a marca tinha trazido: Alguém tinha morrido.

McGonagall foi a primeira a deixar o banheiro, enrolando um cobertor ao redor de, uma extremamente trêmula, Dorcas. Narcissa saiu em seguida junto com Slughorn, escoltando Euphemia Rowle, que estava completamente assustada e descabelada. Por último, Dumbledore, conversando com quem James reconheceu ser o famoso Alastor Moody, figura recorrente no Profeta. Dois aurores permaneceram em frente a porta do banheiro feminino, guardando a entrada. Os outros vieram atrás do Diretor. Em meio a eles, James enxergou de longe o rapaz conhecido.

- Ei, Frank! FRANK! Sou eu cara, James Potter! – O rapaz deu-lhe um aceno com a cabeça, sem desviar do caminho. – Pode me dizer o que está rolando?

- Fique tranquilo! Nós vamos escoltar vocês de volta ao castelo.

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- Proudfoot, assuma a guarda com Robards. E chame Savage aqui! Eu vou precisar dela.

- Sim, senhor.

O grampo mal colocado estava raspando seu couro cabeludo. Tudo o que Narcissa mais queria era remover aquela maquiagem, soltar o penteado e poder lavar o aspecto grudento pra longe do seu corpo. Já tinha perdido a noção do horário, mas a dor que os saltos causavam nos seus pés indicavam que a madrugada ia alta. Não sabia exatamente por que tinha sido chamada primeiro ali, mas é bem provável que tivesse a ver com o fato das outras garotas estarem na ala hospitalar. Uma poção analgésica não cairia nada mal, considerando o quanto suas têmporas latejavam.

- Srta. Black, eu sou Rufo Scrimgeour, seção de aurores. – Estendeu a mão e Narcissa correspondeu ao aperto, não tão firme quanto deveria ser o de um homem respeitável. – Este é John Dawlish, vai me auxiliar a transcrever o seu depoimento.

- Muito prazer! – Um sorriso educado e formal foi o que deu a eles e nada mais.

O homem que falava com ela tinha um rosto duro, formado por linhas firmes. Usava um modelo de óculos ultrapassado, com um aro grosso de metal encobrindo um tanto os olhos amarelados. O pouco que sobrava era sombreado pelas espessas sobrancelhas de tom castanho e pelo cabelo desgrenhado ao redor do rosto. O mais novo, posicionando numa mesa lateral segurando uma pena, era provavelmente pupilo dele. Tinha olhos muito claros e cabelos escuros, rentes à cabeça. Não devia ter começado tanto tempo atrás, porque tinha uma aparência bem mais jovem, contudo, não podia ser novo o suficiente, porque lhe tinham confiado mais do que uma simples guarda.

- Primeiro, Srta. Black, eu fui informado de que a senhorita é uma bruxa maior de idade. Isso está correto?

- Sim, senhor. Era a minha festa de formatura hoje.

- Meus parabéns!

- Obrigada!

- Antes de começarmos, gostaria de lembrá-la, Srta. Black, de que este é um depoimento oficial. Por isso, embora a senhorita já seja considerada maior de idade pela lei, como ainda está sob a tutela de Hogwarts, o Professor Slughorn vai estar presente durante toda a nossa conversa. Tudo bem, senhorita? – Ela anuiu. – Ótimo. Gostaria de lembrá-la ainda, Srta. Black, de que qualquer informação fornecida pela senhorita será considerada por nós para a investigação e que, caso seja identificado que forneceu informações deliberadamente falsas para o Ministério, irá responder a um processo em corte. Por favor, confirme sua ciência do fato.

- Eu compreendo, senhor.

- Vamos começar, então. – Scrimgeour dobrou uma das pernas, sentando-se na beirada da mesa do Diretor. Como era mal-educado! – Me conte o que a senhorita estava fazendo hoje à noite.

- Tudo? – Ela arregalou os olhos.

- Tudo o que puder se lembrar, desde que deixou o castelo.

- Bom... Isso vai demorar um pouco. Assim que eu cheguei ao clube, precisei procurar a Yve com urgência! Tiramos as becas antes de entrar nas carruagens para vir até aqui, mas eu só vi o vestido da Sienna Clearwater naquela hora e, MERLIN, era horrendo!

- Certo. – Ele a interrompeu. - Talvez não TUDO. A senhorita estava na cena do crime com mais duas garotas. Que tal se começar seu relato no momento que as encontrou?

- Eu estava conversando com o Evan, do lado de fora.

- Evan?

- Evan Rosier, também setimanista. Ele era meu acompanhante pro baile.

- Certo. Prossiga.

- Nós estamos conversando na varanda, quando a Effie, Srta. Euphemia Rowle, a garota negra, com quem eu estava no banheiro, passou correndo por nós e desceu as escadas até a rua, chorando.

- A senhorita consegue se lembrar que horas eram?

- Na verdade não. Sabe como é... Relógios não combinam muito com vestidos de gala. – Deu um sorrisinho simpático. - Tudo o que eu sei é que o show já tinha começado há um tempo. Eu autorizei que começasse às 23h30, então já devia estar perto da meia-noite. Era pra ser às 23h, mas o Stubby chegou atrasado. O cantor. – Revirou os olhos.

- A senhorita disse que autorizou o início do show..?

- Ah, sim! Eu sou a presidente do comitê de formatura. Então essas coisas de horário eram comandadas por mim.

- E a senhorita não estava usando um relógio?

- Evan estava.

- O seu acompanhante?

- Isso.

- Presidente do comitê... – Ele coçou o rosto. - Bom, isso vai ser interessante para nós. Dawlish, anote isso! Vou lhe fazer mais algumas perguntas.

- Como quiser, senhor.

- Prossiga.

- Eu desci atrás da Effie, pra saber por que ela estava chorando. Nós somos melhores amigas.

- Pode me dizer o porquê, senhorita?

- Bom, nós conhecemos há 12 anos, ela é uma garota maravilhosa! Confesso que a achei tão astuta desde a primeira vez q...

- Perdão, Srta. Black. Eu quis dizer o porquê de ela estar chorando.

- Ah, sim! Me desculpe, mas acredito que esse é um assunto privado, senhor. Não é importante!

- Nós é quem definimos o que é importante ou não, Srta. Black. Por favor, me conte em detalhes tudo o que aconteceu a partir desse momento.

Cissy tomou um gole lento no copo de água que tinham colocado a sua frente. Analisou os dois com os olhos calmamente, antes de recomeçar. A pena de Dawlish transitava pelo pergaminho com velocidade, para não perder nenhuma parte do que ela ia dizendo. Contou tudo, contornando o máximo que pode quanto às questões de Effie, desde sua conversa com Evan até o momento em que Dorcas saiu da cabine dando aquele grito aterrador.

- O que me impressiona, Srta. Black, é a sua calma e a agilidade em chamar um responsável, diante do corpo morto da sua colega...

- Eu sou monitora, Sr. Scrimgeour. – Ela alisou o vestido, por cima das pernas cruzadas. - Já tive que agir rápido em emergências outras vezes. Definitivamente nenhuma tão grande quanto esta! Mas podemos dizer que eu já tinha alguma experiência prévia.

- Você reconheceu a vítima na hora em que a viu?

- Sim, sou uma boa fisionomista. – Era outro jeito de dizer que gostava de julgar a aparência alheia. -  Srta. Hughes não era alguém com quem eu tivesse qualquer tipo de relação próxima, mas ela era do mesmo ano que eu, então já tínhamos nos cruzado em algumas aulas. Aquele cabelo cor de rato que ela tem não é exatamente muito comum. Eu só não sabia que ela estava morta àquela altura, embora estivesse um tanto arroxeada, eu devo acrescentar.

- A hora provável da morte é entre 22h30 e 00h30, segundo o legista. Se você alega ter chegado ao banheiro depois da meia-noite, é provável ela tenha sido atacada exatamente durante o show. Muito barulho, pessoas distraídas com a música... Você não viu nenhuma movimentação suspeita nesse horário, Srta. Black?

- Não, senhor. Eu estava na varanda com Evan, como eu lhe disse.

- Quem mais tinha acesso ao horário em que ocorreria o show?

- Só o comitê.

- Vou querer uma lista completa com os nomes dos integrantes. Você pode fornecê-la ao Dawlish depois, sim?

- Claro, senhor.

- Você diz que passou pelo menos 30 minutos ajudando a Srta. Rowle no banheiro. Não achou estranho que a porta da outra cabine estivesse fechada?

- Com todo respeito, senhor, minha amiga estava vomitando a roupa inteira, eu sequer tive condições de prestar atenção em outra coisa!

- Claro, claro. – Scrimgeour a avaliou por um segundo. – Tem alguém que poderia corroborar com o seu relato dos fatos, Srta. Black?

- Effie, é claro! – Cissy arregalou os olhos, indignada. Aquele coroa estava mesmo achando que ela tinha alguma coisa a ver com a morte da menina? – E também Evan, eu suponho. Ele pode confirmar onde eu estava até a hora em que Effie passou correndo por nós. Estivemos juntos a noite inteira.

- Ótimo! Vou querer falar com esse rapaz, Dawlish. Uma última pergunta, Srta. Black. Como presidente do comitê, poderia nos fornecer uma lista com o nome de todos os presentes?

- Eu receio que não possa, Sr. Scrimgeour.

- Não? – Uma das sobrancelhas grossas se ergueu de forma acentuada.

- Nós não temos controle algum sobre isso. Os convites são entregues, um nominal e dois livres, a cada formando. Cada um pode levar um acompanhante e fornecer os outros dois convites a quem desejar, desde que não sejam vendidos. O professor Flitcwick se assegurou pessoalmente de enfeitiçá-los para que isso não fosse possível! O melhor que posso fazer é conseguir uma lista com o nome de todos os alunos do sétimo ano.

- E eu teria que perguntar a cada um deles a quem forneceram os convites? – Ele olhou para o ajudante, com um sorriso sarcástico no rosto.

- Mesmo assim, creio que seria impossível rastrear, senhor! Cada convite corresponde ao convidado e um acompanhante. 3 convites por formando, 6 entradas. A maioria deles pode nem saber quem foi acompanhar as pessoas que convidou...

- Então eu não conseguiria rastrear os presentes?

- Eu creio que não, senhor.

- Não há nenhum impedimento de que os convidados sejam de fora de Hogwarts, Srta. Black?

- Não.

- Dumbledore vai ter que me explicar como achou que seria seguro autorizar o comitê a fazer isso... – Pensando alto, o auror coçou a cabeça.

- É a tradição, senhor! Não foi criado por nós... Já vem acontecendo assim há pelo menos 10 anos!

- Entendo. Teremos que trabalhar com amplas possibilidades.

- Me desculpa, Sr. Scrimgeour, mas eu não creio que seja com os convidados que tenha que se preocupar.

- O que disse?

- Havia uma marca lá, não havia? A marca dele.

- Sim, senhorita, mas precisamos buscar os responsáveis.

- Bom, procurem a ele!

- Excelente ideia, Srta. Black! Como eu não pensei nisso antes?  Savage! - A mulher se aproximou ao comando do chefe. Era alta e corpulenta. Facilmente poderia matar os outros dois aurores com uma mão, Cissy tinha certeza! - Savage vai fazer uma revista rápida em você, se não se importa, Srta. Black. Procedimento padrão.

- É claro que não.

Cissy se pôs de pé. A varinha curta parecia um brinquedo, nas mãos grossas da auror. O feitiço começou a agir sobre ela como um formigamento no couro cabelo. Desceu pela pele, enluvando cada centímetro do seu corpo. Eram dedos, fazendo cócegas e vasculhando cada lugar, de cima a baixo. Não havia muito o que esconder num vestido justo como aquele e ela estava limpa de qualquer magia, exceto pela trança que tinha feito no cabelo.

- Nada, senhor. – A voz fininha destoava completamente da imagem que Narcissa tinha criado dela em sua mente.

- Fantástico! Obrigado! Uma última coisa, Srta. Black.

- Sim?

- Pode nos emprestar sua varinha um instante, por favor?

- Perdão?

- Outro procedimento padrão. Preciso verificar quais os últimos feitiços realizados por você.

- O senhor tem certeza de que isso é legal?

- Plena certeza, senhorita.

Era ofensivo, extremamente ofensivo! Ela levou os olhos até os de Slughorn. O professor confirmou com uma aceno. Cissy entregou a varinha a ele, a contragosto. Um a um, começando pelo último, os feitiços foram retrocedendo a olhos vistos: O feitiço de limpeza que ela tinha usado nas tranças de Effie, a fagulha para acender o cigarro, as estrelas cintilando para a hora do brinde, o trançado em seu próprio cabelo, o feitiço para enrolar em cachos os cabelos de Yvonne, os lençóis da cama sendo arrumados, o accio para juntar as roupas dela espalhadas pelo banheiro dos monitores...

- Acho que já é o suficiente, senhor! – Ela interrompeu, nervosa.

- O Ministério agradece a sua colaboração, Srta. Black! A senhorita pode retornar aos seus aposentos agora, acompanhada pelo professor.

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Chloe Hughes. A amigável e risonha Chloe Hughes. Tinha aquele cabelo esquisito e os óculos pretos largos de uma bibliotecária, mas nunca deixou de animar a torcida em um jogo sequer da Grifinória! Era estudiosa, embora gostasse mesmo era das festas. Era sempre uma das primeiras a chegar em todas que eles tinham organizado, porque odiava chegar atrasada em qualquer lugar, e, contrariando todas as expectativas, uma das últimas a sair. Gostava de contar, uma risada franca em seu rosto quadrado, que a tia-avó solteirona dela, única outra bruxa da família, gastara todo o salário de auxiliar de curandeiro do St. Mungus para lhe comprar a lista inteira de materiais que Hogwarts exigia, para o primeiro E segundo ano, no dia em que ela tinha recebido a carta. James tinha rido uma porção de vezes daquela história. A velha devia estar inconsolável agora!

Chloe Hughes. Morta no dia da sua formatura. Sequer chegara a aproveitar a festa até o final, como tanto gostava! Tinham decidido por ela que não aproveitaria. Largada num banheiro por horas, até que alguém percebesse... Dizem que ela já estava roxa quando a encontraram. Dorcas. Dorcas a tinha encontrado. Agora a loirinha viajava em um vagão acompanhada por McGonagall, assustada demais com a perspectiva de que podia ter sido o inverso, porque também vinha de uma família trouxa. E se Chloe é quem tivesse encontrado a ela? James tirou os óculos e esfregou os olhos, borrando ainda mais a paisagem do lado de fora do trem.

- Não fique tão emocional, Pontas! – Sirius estava deitado com o corpo esticado no banco inteiro.

- Como eu poderia, Almofadinhas? A garota morreu!

- Ela nem era sua amiga!

- Não é sobre isso.

- Então sobre o que é?

- Você não entende, Almofadinhas? Uma menina morre. Na formatura. Ela era da Grifinória! Podia ser um de nós!!

- Nós somos de famílias bruxas, Pontas. - Jogava uma bolinha no teto e a pegava de volta, de novo e de novo.

- É. Diziam que ele não mataria crianças. Que estávamos seguros em Hogwarts. E agora?

- Tecnicamente, não foi em Hogwarts.

- Não, mas foi quase. Foi uma afronta, Almofadinhas! Pra mostrar que ele pode, se quiser! – Suspirou, aflito. - Quanto mais vai demorar pra ultrapassar essa outra linha que só existe na nossa cabeça e começar a matar puros-sangues? É isso que a gente vai esperar pra fazer alguma coisa? Em que isso nos torna diferentes dele, então?

- Eu não vou ser responsável pela queda dele, Pontas. Ou você.

- Talvez não.

- Talvez? PORRA! Se nem o Dumbledore consegue...

- Você viu a cara dele hoje de manhã? – James se afundou no banco. - Foi o pior café da manhã da minha vida!

- Da nossa vida! Ele deixou bem claro que Hogwarts não permitirá mais nenhuma formatura. O caralho da NOSSA formatura foi pro beleléu!

- Nossa formatura? A CHLOE MORREU, ALMOFADINHAS! É nisso que você está pensando?

A bola batendo no teto: ping-ping-ping.

- É claro que não. – Sirius parou e segurou a bolinha contra o próprio peito. – Eu só quero fingir que não perdemos o único lugar em que ainda conseguia me sentir alheio a essa porra toda.

- Acabou, Almofadinhas! Ou a gente se mexe e faz alguma coisa pra parar com esse cara ou vamos ficar só esperando chegar a nossa hora.

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