
Ninho de explosivins
- Já chega! - Dorcas fechou o livro num estalo.
- Espera, só preciso terminar o parágrafo!
- Não, Remus! Você vai ficar biruta de tanto estudar.
- Então leve-me para a perdição, senhorita! - O garoto levantou os braços, em sinal de rendição.
Guardou a pena e o tinteiro na bolsa gasta, enrolando o pergaminho em que trabalhava para que pudesse voltar a consultá-lo depois. Faltando tão poucas horas para o início dos NOMS, ele imaginara que já estaria sentindo que tinha estudado o suficiente. A essa altura, concluíra que nunca ia se sentir pronto pra enfrentar os exames. Bom, teria que lutar com as armas que já tinha adquirido.
A verdade é que estava fazendo tudo aquilo pelo preciosismo de tirar boas notas. Queria os “Ótimos” e “Excede Expectativas” enfileirados junto ao seu nome. Sua dedicação estava correlacionada muito mais ao desejo de receber a aprovação dos professores para prosseguir em suas matérias do que ao futuro. Sua orientação vocacional com McGonagall tinha sido constrangedora: Ela titubeou uma porção de vezes, analisando opções e apresentando a ele. Remus escolheu a primeira que ela ofereceu, fingindo que perseguiria aquilo. A professora assentiu, fingindo que ele seria capaz de conquistar qualquer coisa. Os dois sabiam que um rapaz como ele não podia se dar ao luxo de sonhar com um bom emprego. Ou mesmo qualquer emprego. Se tivesse sorte, passaria a vida inteira se contentando com bicos e empregos temporários que o permitissem fugir do estigma de ser quem era. Faltar ao trabalho em todas as luas cheias não costumava ser a receita do sucesso. No fundo, tudo o que Remus queria era que o resultado mostrasse a Dumbledore que fizera por merecer sua confiança e que toda a dor de cabeça para permitir que ele frequentasse Hogwarts não tinha sido em vão.
Dorcas jogou o corpo no sofá e deitou a cabeça no colo dele. O rapaz afagou os cabelos dourados, passando os dedos entre as mechas.
- Você falou com o Peter?
- Sobre o que?
- Nada. Só queria saber se vocês se acertaram.
- E quem disse que estávamos desacertados?
- Ninguém. – Ela se dobrou para pegar uma maçã perdida entre os materiais dele e deu uma mordida na fruta. – Não teve como não ver a encarada que você deu pra ele no almoço.
- Dei?
- Você não consegue mentir sobre nada, Remus. – Ela não fazia ideia... – De qualquer forma, não importa. Ele é meio esquisito, você não acha?
- Peter é um ótimo amigo! Só não anda sendo muito ortodoxo nos relacionamentos. – Ele puxou a mão com que ela segurava a fruta, trazendo-a até à própria boca para roubar uma mordida. - Se quer saber, eu não falei com ele. Mas farei isso, mais tarde. Agora, vou aproveitar a MINHA maçã.
- Filhos únicos são tão egoístas!
- Eu não sei como alguém que tem quatro irmãos consegue ser tão espaçosa!
- Se eu não fosse, já teria sido engolida por eles.
- O fato de você ser a única bruxa deve ter contribuído para que não ocorresse.
- É claro que sim! Já ameacei algumas vezes que colocaria um soldadinho de chumbo no lugar do pênis deles enquanto estivessem dormindo. “Deixe-os pensarem que eu posso” é o meu lema. – Ela deu um sorrisinho irônico. – Em todo caso, acho que não sou a única bruxa.
- Nicolau?
- É claro que não. Ele já tem 12! Tommy.
- 4 anos e já demonstrando aptidões?
- Não posso provar, mas tenho a impressão de que alguns dos meus bichos de pelúcia pareciam estranhamente macabros no Natal.
- Oh, Merlin! Mais um sádico Meadowes? O Ministério não terá forças suficientes pra conter isso.
- Você vai querer ver com seus próprios olhos antes de tirar uma conclusão.
Ele parou, encarando a garota. Dorcas deu outra mordida na maçã, despreocupada. Aquilo tinha sido um convite pra que fosse a casa dela? Remus colocou a mão na boca, mordendo um pedacinho de pele ao redor do polegar.
- Um ano a menos... – Ela refletiu, sem parar de mastigar. - Não vejo a hora de voltar para o subúrbio e dormir amassada, em um beliche que range, com um pré-adolescente! Esse é definitivamente meu ideal de férias perfeitas!
- É. Não posso reclamar de finalmente ter um quarto só pra mim.
- Pensei que você adorava viver coladinho 100% do tempo com seus melhores e maravilhosos amigos. – Dorcas riu com sarcasmo.
- Eu adoro! Mas preciso de uma desintoxicação anual de tanto cigarro, chulé e hormônios em polvorosa.
- Faz sentido. – Fez um biquinho, pensativa. - Você tem planos?
- Que tipo de planos?
- Pras férias. O Dimitri vai me conseguir um convite pro baile de formatura. Aposto que você pode aguentar a fedentina por mais dois dias por um bom motivo!
Merda. Não tinha dúvidas agora. Aquilo era um explícito convite. Passou a mão na cabeça, respirando fundo. Odiava ter que admitir que Rabicho estava certo. As coisas estavam mesmo passando do ponto, ele precisava conter o avanço. Ia ter que fazê-la entender os limites. Ia deixar bem clar...
- Remus? Você prestou atenção no que eu falei?
- Aham! A gente pode ver quando estiver mais perto.
Boa, Remus Lupin! Ótima! O chapéu seletor certamente mudaria de ideia se estivesse assistindo você agora.
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Virou mais uma página, sem ler nenhuma frase. As letras pareciam estar nos lugares certos, mas as palavras não faziam sentido como deveriam. Bebeu um pouco de água. Sua garganta ainda estava meio dolorida, como se um gato a tivesse arranhado por dentro. Quem sabe devesse diminuir os cigarros... Nesse caso, escolheria deixar que a ansiedade a consumisse. O sentimento de angústia estava sempre ali à espreita, mesmo que Narcissa tentasse se distrair. Somava-se a ele o medo, porque ela não sabia mais se podia confiar em si mesma. Um momento de desespero podia ser fatal e subitamente teria desaparecido para sempre! Apertou o próprio pulso para sentir o sangue sendo bombeado pelo corpo. Ainda estava aqui. Ainda estava viva.
Evan estava presente sempre que podia, certamente motivado pelo medo de que ela tentasse de novo. Todavia, estavam às vésperas dos NIEMS e ele precisava se sair muito bem para ser aceito no curso de curandeiros. Por mais que Cissy insistisse, ele tinha perdido algumas horas ao lado dela. Então a garota decidira fingir estudar também, para que ele pudesse se dedicar às revisões enquanto estavam juntos. “Juntos”. Teve vontade de rir. Não era exatamente o jeito certo de descrever a vigília quase constante que Evan exercia sobre ela nos últimos dias.
- Atrapalho? – Gwen abriu um sorriso meigo.
- Senta aí, Gwen! – Evan se afastou um pouco, dando espaço para que a menina pudesse ocupar um lugar entre eles, debaixo da árvore.
- Ainda estudando? Vocês não cansam? Eu deixei pra lá. Se não aprendi até agora, não vou aprender no último dia.
- Você tem um bom ponto.
- Por que você está lendo isso, Cissy? Abandonou História da Magia desde os NOMS. – Gwen a encarou com uma expressão de incredulidade e Evan levantou a cabeça, fazendo o mesmo.
- É do Evan. - Cissy pigarreou, tentando encontrar a voz no fundo da garganta. - Só estava tentando me distrair... – Fechou o livro e jogou o exemplar de volta na mochila do amigo.
- Tenho a impressão de que faria melhor se deixasse as duas conversarem e fosse pra biblioteca. – Ele ergueu uma das sobrancelhas, calculando. Depois, juntou os materiais na mochila. – Te vejo no jantar, Cis?
- Estarei lá. – Aquilo era uma espécie de promessa. Ela ficaria bem.
- Tchau, Gwen!
- Tchauzinho! – Os cachinhos se balançaram quando ela sorriu e acenou. – Ele é tão fofo!
- É. Ele é um cara legal.
- Você tem sorte!
- Eu não vou me casar com ele, Gweny.
- Eu sei, eu sei! Só estou dizendo... Você tem sorte de tê-lo como amigo. – Ela suspirou, acompanhando a figura de Evan diminuir até desaparecer dentro do castelo. – Acho que tenho sorte também, de algum jeito. Veja isso...
A moça colocou a mão no bolso e catou um pedaço de pergaminho rasgado. “Por garantia, um estoque de tinta. Não queremos que lhe falte nada para conquistar os NIEMS necessários à vaga de melhor esposa de todas. Com carinho, Wilkes.”.
- Estava no dormitório quando eu voltei do almoço, junto com um tinteiro novo. Acho que a safada da Effie está trabalhando pra ele! – Ela fez uma expressão desconfiada e depois sorriu. – Isso foi muito fofo, não foi?
- Muito! Ele parece estar tentando fazer as coisas ficarem um pouco menos bizarras entre vocês.
- Sim. Eu não estou brava com ele. Tenho a impressão de que nisso ele é quase tão vítima quanto eu... A raiva é por ter sido feita de idiota por todo mundo, sabe?
- Você não foi feita de idiota, Gwen!
- É claro que fui! Tramaram tudo pela minhas costas e eu cumpri direitinho o papel, como uma patinha. Ser avisada do próprio noivado por um jornal é uma coisa que só uma idiota faria, Cissy!
- É uma coisa que podia acontecer com qualquer uma de nós... Eles estão cagando pro que a gente quer.
- É o que é. – A garota estalou a língua, reflexiva. – Ao menos, temos umas às outras, não é? Isso eles não podem tirar de nós.
Narcissa virou-se, para fitar a amiga. Abriu um sorriso genuíno. Talvez o primeiro, desde que voltara a Hogwarts coberta pelo luto. A outra retribuiu o sorriso e procurou o caminho até segurar a mão dela. Gwen também pulsava. Estava viva! E Cissy pensou que aquela era a coisa mais maravilhosa do mundo.
- Não, meu bem. Eles não podem! – Abraçou o corpo da amiga, sentindo o calor do abraço farto que só Gwen sabia dar. Levou a mão até a parte de baixo do braço da outra, apertando a já conhecida gordurinha macia que havia ali. – Nada nunca vai tirar você de mim!
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Enfim, o período que tanto se anunciara chegou. As semanas de NOMS e NIEMS eram um ninho de explosivins em Hogwarts. Os quintanistas viviam em estado de ebulição, prestes a perder todos os cabelos, certos de que suas vidas dependiam do sucesso naquelas duas semanas. Os setimanistas, mesmo calejados, também se encontravam intranquilos, embora a maior parte do nervosismo recaísse sobre aqueles que dependiam das notas em nível avançado para galgar os postos de trabalho que desejavam. Eram uma porção menor de alunos, que almejavam ser curandeiros, aurores, ter uma posição no Ministério ou seguir uma carreira voltada à academia, como pesquisadores ou professores.
Assim como a ansiedade, o mercado negro cresceu exponencialmente entre os alunos naqueles últimos dias. Eram tônicos para a memória, pílulas para a concentração, poções de agilidade mental e até mesmo fichas de revisão com resumos condensados do conteúdo. James, felizmente, não se sentira tentado a adquirir nada daquilo, tendo barganhado uma olhadinha nos fichamentos elaborados por Aluado por um frasco de nanquim. Gastara suas últimas gotas de sanidade revisando aquelas fichas, na esperança de que o ajudassem a garantir as notas que precisava. Felizmente a carreira de jogador de quadribol não era muito exigente quanto a isso.
Ficou aliviado à medida que os exames foram se sucedendo. Embora fossem desgastantes física e mentalmente, as exigências não estavam sendo tão apavorantes quanto os professores haviam apregoado o ano inteiro. Julgava estar indo bem, mesmo tendo estudado muito menos que os colegas. Além disso, os examinadores tinham abastecido seu repertório de piadas, sendo tão gagás quanto o próprio Merlin. Uma das velhotas alegou ter examinado Albus Dumbledore durante o NIEMS! Se os cálculos de James estivessem corretos, isso significaria que a idosa tinha cerca de 329 anos de idade. No mínimo. A vantagem de ter senhoras como examinadoras é que James desenvolvera um precioso dom para encantá-las, cuidadosamente exercitado com as dezenas de amigas que sua mãe costumava levar para tomar um chá da tarde em casa. Todas o adoravam, sem exceção! Até mesmo a Sra. Longbottom, impertinente e rigorosa, era caidinha de amores por ele. Não tinha sido uma surpresa que a faraônica Profª Marchbanks exigisse dele um simples feitiço para animar uma maçã. James o fez praticamente com os olhos fechados, acrescentando uma piscadinha pra velha, no final, que certamente lhe garantira um “Ótimo” em Feitiços.
Quando saiu da sala, Rabicho ainda estava enrolado, tentando fazer um vaso obedecer a um feitiço de locomoção. Almofadinhas e Aluado, cujos sobrenomes lhes davam dianteira na ordem alfabética, já tinham se espalhado pela escola. Isso lhe asseguraria um pouco de sossego. Abriu a mochila e catou o mapa. Aluado ainda não tinha dado todos os retoques que queria, mas ao propósito que ele precisava, o mapa seria perfeito. Era quinta-feira à tarde, a ronda de Narcissa como monitora. James iria encontrá-la, onde quer que estivesse.
Pensara nela infinitas vezes. Em todos os minutos livres que os NOMS tinham permitido. É verdade que nos primeiros dias tinha esperado um pedido de desculpas de joelhos da parte dela. Mas, agora, estava ciente de que a moça era orgulhosa demais pra isso. Havia também a possibilidade, mais concreta a cada minuto, de que ela estivesse realmente magoada com o que James havia lhe dito. Era dele, então, o papel de engolir o próprio orgulho. Não queria deixar as coisas como estavam. Não havia como negligenciar o sentimento profundo que nutria por Narcissa. Tudo ao seu redor reacendia àquela garota! Até mesmo o perfume dela parecia entranhado em sua alma. Ele a amava! Não podia simplesmente permitir que ela fosse embora sem tentar.
- Eu juro solenemente não fazer nada de bom!
Vasculhou o pergaminho, à procura dela. Uma outra hora teria que bolar um jeito mais fácil de encontrar alguém com ajuda do mapa do que correr os olhos pela centena de possibilidades que o castelo oferecia. Excluiu primeiro o jardim, porque se ela estivesse lá não conseguiriam conversar, já que quase todos os estudantes escolhiam o jardim como refúgio depois das provas. As masmorras também não deram resultado. Por precaução, incluiu o nome das amigas dela na busca, quem sabe estivesse juntas... Não era nenhuma das garotas que acompanhava Narcissa, embora não estivesse sozinha. Euphemia Rowle estava enfiada na biblioteca, o que não o surpreendeu nenhum pouco, na companhia de Leona Grengrass, enquanto Gwen Yaxley dera uma escapadinha até o dormitório. O nome ao lado do de Narcissa era o de Evan Rosier.
Os dois caminhavam pelo círculo de pedras, marchando em direção a ponte coberta. James se apressou em subir de encontro a eles, sem tirar os olhos do mapa. Parou atrás de uma coluna, vendo-os atravessarem a ponte. Narcissa parecia séria, gesticulando e tecendo um monólogo, mas Rosier sorria. Em um momento, chegou a gargalhar! Foi quando a moça coçou a cabeça, fazendo o que parecia ser um tipo de imitação. Ela deu um sorrisinho de satisfação, vendo a risada que arrancara dele. Narcissa parecia diferente: Completamente à vontade, mas muito diferente da Cissa que era em seus braços, ali interpretava um papel mais elegante e altivo. Rosier também parecia outra pessoa ao lado dela, pelo menos quando comparado ao sisudo goleiro que era em campo. Continuava imponente, sobretudo devido à altura e aos músculos, porém tinha um ar tímido e... James empurrou os óculos contra o nariz, tentando pensar na melhor palavra para descrever a postura do outro. Encantado? Os olhos dele não saiam de cima de Narcissa por um só instante.
Lado a lado, faziam um belo casal. Exalavam a riqueza de berço que herdariam. Tão harmônicos! Apertou os dedos, travando o punho em volta da varinha. Ela não parecia retribuir, ainda que ficasse bem claro que Rosier alimentava um sentimento por ela muito além da amizade que Narcissa sempre alegara que mantinham. Será que estivera sendo feito de idiota todo esse tempo? Não, ela não faria isso. Não com aquele olhar lânguido que dava a James. Narcissa era dele e não abriria mão disso! A cena durou alguns minutos, até que o rapaz se sentou na beira da fonte e eles se despediram com um aceno.
- Malfeito feito! – Guardou o mapa no bolso e esperou que Narcissa cruzasse o lugar onde ele estava.
- Posso saber por que eu estou sendo vigiada? - Ela cruzou os braços, depois de empurrá-lo até um dos corredores laterais. – Dava pra ver essa bagunça capilar camuflada atrás da viga à 30 metros de distância daqui.
- O que você estava fazendo com ele?
- Isso não é da sua conta.
- Eu pensei que éramos namorados!
- Eu pensei que você tinha me dado um pé na bunda assim que eu voltei do funeral da minha mãe. – Cissa ergueu uma das sobrancelhas, com o rosto fechado numa carranca.
- Me desculpa por isso!
- Sério, James? “Desculpa”? – Ela largou as mãos ao lado do corpo, indignada. – Depois de tudo que eu tive que ouvir?
- Me perdoa!! Eu sei que eu fiz merda, ‘tá? – Ele encostou na parede, soltando o ar. – O que mais eu poderia dizer?
- “Eu sou um idiota insensível”?
- Ok. – James se virou na direção dela. Parou a meio caminho de segurá-la pelo quadril, para criar coragem, e então foi. – Eu sou uma idiota insensível que quis voltar atrás no mesmo instante em que falou aquelas bobagens e não parou de pensar em você um minuto sequer depois disso.
Mirou o beijo exatamente no canto da boca, testando os limites. Narcissa aquiesceu, o que lhe deu mais confiança em mover os lábios sobre os dela, pressionando o corpo da garota com o próprio. Merlin, como tinha sentido saudades disso! Sentir a respiração dela se mesclar a sua era talvez a coisa que mais o deixava confortável no mundo. Era quase como voltar pra casa e reconhecer o local ao qual pertencia.
- Você pode me desculpar? – Mordiscou o queixo dela. – Eu ainda gostaria de ser o seu namorado.
- Eu não sei.
- Cissa... Por favor! – Usou, naquela frase, toda a manha que conseguiu reunir. – Você não sentiu nem um pouco a minha falta? – Ela continuou em silêncio. – Eu estava ficando louco sem você! – Trouxe os beijos pela mandíbula dela, até alcançar a orelha. – Quanto mais eu vou ter que implorar? Você sabe que eu não sou bom nisso...
- Até você me convencer de que eu preciso de você como namorado. – Narcissa deu um sorrisinho torto, como quem demonstrava não estar convencida ao todo.
- Nisso eu posso ser bom. - Desceu a mão pelo corpo dela, escorregando até a bunda. Trouxe-a para si, segurando o rosto delicado com a outra mão, e deslizou a língua de encontro a dela.
- Sábado à noite, quando a porra desses exames tiverem acabado. – Encerrou o beijo mais rápido do que ele gostaria.
- Parece perfeito pra mim! – James sorriu, bagunçando os cabelos com a mão livre, sem afastar a outra do corpo de Narcissa. – Te busco nas masmorras com a capa. Vou preparar algo especial pra você lembrar bem porque precisa de mim como namorado! – Sussurrou a última parte no ouvido dela, antes de permitir que a moça se desvencilhasse para continuar a ronda.
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- Mais cinco minutos!
A voz do professor Flitwick tirou o pouco de concentração que sobrara a Remus. Sua preocupação com os NOMS tinham feito esquecê-lo da lua cheia que se aproximava, como se a maldição pudesse lhe dar uma trégua para que fizesse as provas. Sentia-se moído, exasperado pela energia de ter que se perder nas trevas de si mesmo uma outra vez. Ergueu o pergaminho ligeiramente, para reler as respostas que tinha escrito. Era um bom trabalho, embora houvesse espaço para melhora na quarta questão. Será que havia tempo o suficiente? Coçou o queixo com a ponta da pena e franziu o cenho.
Talvez fosse melhor deixar as respostas como estavam e se poupar o trabalho. Ergueu a cabeça para olhar ao redor pela primeira vez em um punhado de horas. Rabicho roía as unhas, encarando a prova sem mover a pena. Almofadinhas estava recostado na cadeira, com o tinteiro já tampado, ostentando um sorriso de convencimento: Ele adorava mostrar a todo mundo como era um talento nato em DCAT, mesmo que ano após ano fosse odiado pelos professores. Pouco mais a frente, Pontas terminara de rabiscar um pomo de ouro no canto da prova. Acrescentou um “L.E.” embaixo do desenho, ciente de que Marlene estava se esticando discretamente para enxergar a resposta que ele tinha dado pra última questão. O filho da puta era um maldito gênio!
- Descansem as penas, por favor! - Flitwick subiu nas pontas dos pés para gritar. - Você também, Stebbins! Por favor, continuem sentados enquanto recolho os pergaminhos. Accio! – Todos os rolos de pergaminho voaram até ele, derrubando-o. Remus escondeu a risada, cobrindo a boca, enquanto os alunos das primeiras carteiras ajudaram o professor a levantar. - Muito bem, todos podem sair!
A sensação de alívio que deveria ter se apoderado de Remus não era tão grande quanto estava esperando. Ainda teriam três ou quatro horas até a execução da parte prática do exame, mas ele dificilmente conseguiria relaxar. Não tanto pela prova. Muito mais porque a ideia de se afastar de Dorcas estava lhe martelando na cabeça insistentemente, crescendo dentro dele como a lua ia se tornando cheia. Jogou a bolsa sobre o ombro e se reuniu aos amigos, na saída do Salão.
- Você gostou da décima pergunta, Aluado? – Almofadinhas levantou a sobrancelha, sorrindo ironicamente.
- Adorei! – Ele pigarreou antes de recitar: -” Cite cinco sinais que identifiquem um lobisomem.” Uma excelente pergunta!
- Você acha que conseguiu citar todos os sinais? – Pontas dissimulou um ar preocupado.
- Acho que sim. Primeiro: Ele está sentado na minha cadeira. – Foi esticando os dedos para acompanhar a contagem. - Dois: Ele está usando minhas roupas. Três: O nome dele é Remus Lupin.
Os amigos gargalharam e Remus se juntou a eles. Entraram no jardim, com o sol queimando suas cabeças. O garoto inspirou, enchendo os pulmões de ar fresco. Quem sabe algum dia fosse tocado por um milagre e pudesse fazer o mesmo sob a luz da lua cheia.
- Eu citei a forma do focinho, as pupilas dos olhos e o rabo peludo. – Rabicho acrescentou, torcendo as mãos. - Mas não consegui pensar em mais nada…
- Como pode ser tão obtuso, Rabicho? – Pontas revirou os olhos. - Você anda com um lobisomem uma vez por mês!
- Fale baixo! – Remus olhou ao redor depois de repreendê-lo, esperando que ninguém tivesse ouvido o que o amigo dissera. O Ranhoso caminhava atrás deles, mas parecia distraído. Em todo caso, ele não era mais exatamente uma ameaça quanto àquele segredo.
- Bom, achei que o exame foi fácil pra caralho! Vai ser uma surpresa se eu não tirar no mínimo um “Excepcional”.
- Eu também, Almofadinhas! – James enfiou a mão no bolso e tirou um pomo de ouro de dentro.
- Onde diabos você conseguiu isso? – Sirius olhou de esguelha para o amigo.
- Afanei.
Era mentira, mas Remus deixou pra lá. Pontas andava precisando de algo que o fizesse encher um pouco o próprio ego. Tinha acompanhado quando Dimitri entregou a caixinha pra ele na sala comunal, como um acordo de paz ou um prêmio de consolação pela posição de capitão perdida pra Marlene. Sentaram-se debaixo de uma árvore, contemplando o lago a frente deles. Pontas libertava o pomo, permitindo que voasse até certa distância, e recapturava-o. Peter acompanhava tudo com um olhar fascinado, dando a James a plateia interessada que ele queria. Sirius acendeu um cigarro e prendeu, atrás das orelhas, os cabelos que lhe caiam pelo rosto. Remus catou um livro na mochila, fingindo interesse nas páginas. Não suportava nem cogitar a ideia de que Dorcas pudesse aparecer ali e ele tivesse que falar com ela. Não agora. Acompanhou o olhar de Pontas em direção ao lago. Narcissa Black e uma garota de cabelos cacheados tinham tirado as meias e mergulhavam os pés na água. James perdera a atenção, deixando que o pomo voasse quase para longe demais. Conseguiu alcançá-lo no último segundo e Rabicho bateu palmas, entusiasmado a ponto de soltar um “viva!”.
- Quer guardar essa merda? – Almofadinhas tragou. - Antes que Rabicho molhe as calças de excitação?
- Se estou incomodando...
- Que tédio da porra! Queria que já fosse lua cheia.
- É claro que VOCÊ queria. – Fechou o livro, estendendo pro amigo. – Se está tão entediado, pode me testar para Transfiguração. Pegue aqui!
- Não preciso olhar para essas merdas, Aluado. O que eu posso não saber sobre Transfiguração?
- Acho que isso vai lhe animar um pouco, Almofadinhas! – Pontas sussurrou. - Olhem quem é que…
- Excelente! Ranhoso. – Apagando o cigarro e guardando de volta no maço, Sirius sorria.
Os dois se entreolharam antes de levantar-se. Remus respirou fundo e voltou a erguer o livro. Negligenciar os deveres de monitor no que dizia respeito aos amigos era uma coisa quando estavam sozinhos, mas na frente de um jardim cheio de alunos, seria estupidez. Cobriu ligeiramente o rosto, simulando se dedicar a revisão. Sabia que de nada adiantaria tentar impedir os dois. Já havia tentado muitas vezes, ao longo dos anos, para ainda alimentar alguma esperança. O que lhe restava era fingir-se de desentendido. Peter tampouco se moveu, embora mantivesse os olhos em cima dos outros dois.
- Tudo certo, Ranhoso?
A reação repentina de Snape, largando a mochila e sacando a varinha das vestes, foi inútil. James já o tinha desarmado antes que ele terminasse de tirar a mão do bolso. Sirius soltou uma gargalhada, seguida de uma azaração para impedir que o garoto pudesse recuperar a varinha. Os estudantes mais próximos já tinham deixado pra lá o que quer que estivessem fazendo, para acompanhar o desenrolar da cena. Rabicho se levantou para assistir melhor o espetáculo, à medida que os garotos se afastaram ligeiramente. Remus revirou os olhos.
- Como foi o exame, Ranhoso?
- Eu vi que o nariz dele estava quase encostando no pergaminho! – Sirius deu um sorrisinho malicioso. - Vai ter manchas enormes de gordura no exame todo, não vão poder ler nem uma palavra.
- Espere… para ver! – Severus Snape arquejava, fuzilando James com o olhar. - Espere… para ver!
- Espere para ver o quê? – Almofadinhas desenhou uma espiral no ar com o pulso, bancando o curioso. - Que é que você vai fazer, Ranhoso, limpar o seu nariz em nós?
Houve uma tentativa da parte de Snape para inverter a situação, mas a varinha dele estava tão distante que nenhum dos encantamentos que ele murmurou foram nada além de palavras. Pelo canto do olho, Remus conseguiu ver que Lilly vinha na direção deles. Ai, ai... Não ia sair nada de bom daquilo!
- Lave sua boca! – O tom de James era quase o de uma mãe irritada. - Limpar!
- Deixem-no em PAZ!
- Tudo bem, Evans? – A mãe irritada desaparecera, dando espaço para a voz macia que Pontas reservava para o flerte.
- Deixem-no em paz! O que foi que ele lhe fez?
- Bom... – Ele apertou os lábios e olhou pra cima, pensando. - É mais pelo fato de existir, se você me entende.
- Você se acha engraçado, não é? Mas não passa de um cafajeste, tirano e arrogante, Potter. Deixe-o em paz! Agora!
- Isso pode ser facilmente negociável, Evans. Deixo-o em paz se você quiser sair comigo. – Abriu os braços ao lado do corpo como forma de isenção da culpa. - Anda… Sai comigo e eu nunca mais encostarei uma varinha no Ranhoso!
- Eu não sairia com você nem que tivesse de escolher entre você e a lula-gigante!
- Ai! – Remus deixou escapar, por trás do livro.
- Mau jeito, Pontas! – Sirius balançou a cabeça e se virou até Snape.
Não demorou um segundo depois que a azaração perdera o efeito para que o Ranhoso apontasse a varinha para James e, com um lampejo, traçasse um corte na face do garoto, espirrando sangue. A contrapartida foi ainda mais rápida. Logo o sonserino tinha sido elevado, de cabeça pra baixo à alguns metros do chão, com as vestes penduradas para exibir a cueca na frente da escola inteira. Lupin engoliu em seco. Aquilo ia ser terrivelmente ruim!
- PONHA ELE NO CHÃO!
- Como a senhorita preferir! – Um aceno da varinha de Pontas e Snape rolou pela grama. Não tardou para que Almofadinhas o petrificasse. Merlin, onde aquilo ia parar?
- DEIXE-O EM PAZ! – Lilly gritou, exaltada, e puxou a varinha.
- Ah, Evans, não me obrigue a azarar você! – Pontas pediu, com um biquinho.
- Então desfaça o feitiço nele!
- Pronto. – Atendeu a ela, entediado, vendo o outro se levantar. - Você tem sorte de que Evans esteja aqui, Ranhoso…
- Não preciso da ajuda de uma sangue-ruim imunda como ela!
Furioso! Snape parecia prestes a ter uma síncope. Ou matar o primeiro que lhe interpelasse. Entretanto, tudo o que fez foi proferir aquelas palavras horríveis. Remus fechou os olhos, por um breve instante, mas não sem ver os olhos de Lilly ficarem marejados. Ela controlou a voz, antes de falar.
- Ótimo! – Acrescentou, cheia de ironia. - No futuro, não me incomodarei. E eu lavaria as cuecas se fosse você!
- Peça desculpa a Evans! – James apontou a varinha de novo para o Ranhoso, numa ameaça declarada. É óbvio que o senso de justiça de Pontas, relativamente deturpado, é verdade, mas ainda assim forte, o impediria de deixar alguém pronunciar uma ofensa como aquela e sair ileso.
- Não quero que VOCÊ o obrigue a se desculpar! – Evans olhou o rapaz de cima a baixo. - Você é tão ruim quanto ele.
- O quê? – James passou a mãos pelos cabelos, nervoso. - Eu NUNCA chamaria você de… você sabe o que!
- Despenteando os cabelos só porque acha que é legal parecer que acabou de desmontar da vassoura, se exibindo com esse pomo idiota, andando pelos corredores e azarando qualquer um que o aborreça só porque é capaz… Até surpreende que a sua vassoura consiga sair do chão com o peso dessa cabeça cheia de... titica! Você me dá NÁUSEAS!
- Evans! — Pontas gritou, quando ela deu as costas e caminhou para dentro do castelo. - Ei, EVANS! – Ela nem sequer olhou pra trás. - Qual é o problema dessa garota?
- Lendo nas entrelinhas, eu diria que ela acha você metido, cara. – Sirius sorriu, satisfeito em continuar na dianteira da aposta.
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A luz da lua minguante entrava pelas aberturas, desenhando raios pelo chão. As pequenas velas que ele espalhara pelos cantos tremulavam em consonância. Narcissa estava boquiaberta quando James tirou a capa de invisibilidade que os encobria, encantada com a aura mística que invadira a Torre de astronomia, cenário perfeito para uma reconciliação. Era tarde, muito tarde. A madrugada já estava bem avançada quando ele finalmente recolhera a garota nas masmorras, mas só uma noite tão adiantada traria a possibilidade de se encontrarem ali. Assim como o horário, a capa e o mapa também tinham sido fundamentais para que evitassem trombar com algum professor pelos corredores.
Narcissa abriu os braços, cerrando as pálpebras e voltando o rosto para o céu, com a noite deitando-se sobre ela. Expandiu os pulmões, permitindo que a brisa invadisse seu peito. James se aproximou e beijou a curva da nuca da moça, sentindo a pulsação dela acelerar nas veias. Encheu as narinas com o cheiro floral que ela emanava. Em resposta, Cissa apenas lhe deu um vago sorriso, presa à própria circunspecção.
Era impossível evitar que seus lábios fossem ao encontro dos da garota, saboreando-os uma outra vez. Com o polegar, explorou as linhas do rosto dela. Seus olhos divagaram pelos traços em companhia ao movimento da mão. Havia um eterno paradoxo em conhecer aquele rosto a ponto de sentir que ela lhe pertencia e não conseguir compreender o que se passava por trás daqueles olhos anis. Esta noite pareciam ligeiramente marejados, como se a sombra de lágrimas anteriores maculassem a limpidez das írises. Não queria que ela chorasse mais. Queria ser o conforto e abrigo onde ela esqueceria toda a dor que os últimos tempos a tinham infligido.
James distribuiu um beijo em cada uma das pálpebras, sentindo cócegas ao tocar os cílios compridos com os lábios. Depois, tirou-a para dançar, segurando a mão fina e fazendo com que ela desse uma volta ao redor de si. Colaram os corpos, balançando ao som de uma música inexistente. Não importava, porque ela estava sorrido e aquilo era tudo que James Potter podia pedir ao universo.
- Desculpa pela minha estupidez... – O garoto cochichou, com a lateral do rosto encostada ao dela. – Eu só quero te fazer feliz.
As folhas das árvores tremularam lá embaixo e o farfalhar dissipou o encantamento que os envolvia naquela dança. Numa crescente, a ventania se espalhou pela torre, extinguindo as chamas que ainda crepitavam. A escuridão alumiada pelo luar foi o convite que aguardavam e o cobertor estendido num canto tornou-se ninho para que se aconchegassem. Os braços longos estreitaram seu pescoço, aninhando os dedos nas mechas escuras de seus cabelos. Cissa deu um sorrisinho quando tirou os óculos do rosto dele e lançou-os para longe. Brincou com a meia dúzia de botões da roupa que ela usava, demorando-se em abri-los enquanto alongava os beijos e estendia as carícias. O corpo dela, plácido e convidativo, desabrochou para receber o dele, ávido e apaixonado. Os murmúrios ao pé do ouvido foram os únicos sons a macular o silêncio, mesclados às respirações entrecortadas. Pela primeira vez durante o sexo, Narcissa lhe pareceu tímida, soturna. No lugar do riso travesso havia um olhar devotado, preenchido de afeto em cada gesto. Naquela noite, James a tomou com todo o amor contido que lhe esmagava o peito, misturado ao remorso de tê-la magoado.
- Não vá. – Ela implorou, num sussurro lançado contra seu pescoço suado.
- Pra onde eu iria, Cissa? – Segurou-a pelo queixo, obrigando-a a fitá-lo.
- Eu não sei. – Mastigou as palavras. – Só não vá... Como todo mundo fez.
Ofegavam, os corpos cansados aninhados enquanto buscavam estabilizar a respiração. Em conjunto, deslizou os dedos de uma das mãos pelos ombros dela, cerdas de um pincel desenhando um quadro sobre o aveludado da pele. Pintou cada canto, delineou as clavículas, esboçou a curva dos seios. Parou a mão no espaço entre eles, cobrindo com o indicador o pingente que dera a ela. A estrela cintilava sobre a pele, solitária, adornando o colo alvo.
- Ainda que eu quisesse ir, como eu poderia? Cada pedacinho de mim pertence a você.
- Não minta pra mim!
A moça se ergueu em um rompante. Sentou-se, apoiando as costas nos tijolos expostos da parede que os rodeava. Parecia tão frágil! O vento que ululava pelos círculos da noite poderia levá-la num sopro.
- Eu nunca mentiria! Você sabe que eu te amo.
Se ergueu também, sentando-se de frente a ela. Sentia necessidade de permanecer em contato com ela. Era o toque de seus corpos que o mantinha vivo. Narcissa puxou a mão dele, espalmando-a e medindo a diferença entre os comprimentos dos dedos dos dois. Dobrou-os, entrelaçando suas mãos. James repetiu o gesto, apertando com firmeza. Trouxe-a até si e beijou a ponta de cada um dos dedos dela.
- Eu sou seu, Cissa.
- Pra sempre?
- Pelo que resta da eternidade.
- Então prometa!
Era um desafio. Ela o fitou, com as pupilas faiscando, um vislumbre da Narcissa de verdade que estava encoberta pela tristeza. Sentiu-se aliviado, por reconhecer a namorada naqueles olhos famintos que o devoravam, prestes a mastigar sua alma.
- Eu vou fazer melhor. – Bagunçou os cabelos, agitado. – Vamos fazer um pacto!
A garota arregalou os olhos, tomada pela curiosidade. James deu a ela um sorriso maroto. Narcissa pareceu desconfiada, examinando o rosto do rapaz. Um pacto, para um bruxo, era muito mais do que uma simples promessa. Histórias lendárias sobre pactos, feitos no calor do momento e que não haviam terminado bem, eram passadas de geração em geração, para alertar os jovens sobre o perigo de fazê-los. O medo se tornara ancestral em todo bruxo, incrustrado em seus genes, sobretudo quanto ao Voto Perpétuo. Unir as intenções de dois bruxos, canalizando a magia através dos dois criava laços praticamente impossíveis de dissolver, em diferentes medidas. Uma simples brincadeira podia gerar intrincados resultados, muitas vezes desconhecidos, invisíveis e até inesperados. Ser leviano ao fazer um pacto podia ter consequências seríssimas para os bruxos envolvidos. Ela apalpou o chão, buscando as roupas jogadas e alcançando as varinhas dos dois. Entregou a dele e empunhou a própria, instigando-o como se quisesse ver até onde ele sustentaria aquela história. James largou a varinha de lado.
- Nós não vamos precisar disso... – Fechou a mão em volta da varinha dela, empurrando-a para o chão, perto da sua.
- Mas... Como?
- É muito maior do que isso, Cissa.
- Maior do que magia? – Ela ergueu a sobrancelha, analisando-o.
- Maior do que qualquer coisa. – Segurou o rosto dela, o polegar desenhando carícias sobre a bochecha. – Amor. Nada é mais forte do que isso, Cissa
- A magia faria com que fosse impossível de quebrar. – Apertou os lábios, numa expressão cética.
- A magia nos impediria de agir contra o que prometemos, mesmo que desejássemos. Bobagem! O que eu quero é exatamente o contrário: Nunca desejar agir contra o que prometemos, mesmo que nada nos impeça, além de nós mesmos.
- Isso soa frágil demais para se sustentar.
- Será impossível de quebrar, Cissa! Se nós o fizermos para ser.
James passou o dedo pelos tijolos, mas não conseguiu encontrar o que precisava. Se levantou, enfiando as calças de qualquer jeito sobre o corpo e caminhando até a varanda. Seus dedos corriam pelo parapeito, tateando no escuro com extrema atenção. Narcissa veio logo depois, o corpo esguio coberto pela camisa dele, ainda fechando os últimos botões. Tão linda que James desejou arrancar aquela camisa e beijá-la imediatamente! Contudo, o desejo ficaria pra mais tarde. Finalmente ele tinha tocado um vértice que iria servir: Uma ponta um tanto mais afiada do que deveria. Esticou bem o polegar, imprimindo certa força ao arrastá-lo pelo ferro. A pele ardeu quando o corte se abriu, espalhando sangue pelo metal.
- Eu vou jurar com toda a minha alma. – James suspendeu o dedo na altura dos olhos dela. – Se você tiver coragem de fazer o mesmo... Elas serão nossas testemunhas. - Apontou o rosto para as estrelas que cintilavam no céu sobre eles.
Narcissa gastou alguns instantes encarando o rapaz. Não faria nada de forma irrefletida. James sabia bem que a namorada era do tipo que pensava em minúcias antes de agir. Ela se dirigiu em passos lentos até o parapeito. Deslizou o indicador três vezes sobre a pele do polegar, antes de dar a ele o mesmo destino que James dera ao seu. O sangue dela parecia quase negro se avolumando sobre a pele tão clara. James parou de frente a Narcissa, sem desviar os olhos dos dela por um átimo sequer. Levantaram as mãos direitas e uniram os polegares, mesclando o sangue que fluía. O silêncio era sepulcral no terreno da escola. Até mesmo as corujas se calaram em seu reinado para ouvir as promessas solenes que seriam feitas pelos dois amantes.
- Eu, James Potter, juro, de corpo, mente, alma e espírito, amar e proteger à Narcissa Black com tudo que estiver ao meu alcance, incluindo a minha própria vida. Prometo, de todo o coração, estar ao lado dela, independente dos custos e consequências disso, honrando a nossa história e a confiança que depositamos um no outro, até o fim dos tempos.
As palavras iam saindo de seus lábios sem que ele tivesse muito controle, porque permitiu que o que vinha sentindo a tantos meses se materializasse naquelas promessas. Eram, talvez, um compilado de tudo que ele já tinha ouvido em casamentos, visto em peças de teatro e lido em livros. Aos 16 anos, pareceram as palavras mais sérias que ele era capaz de proferir. As írises cerúleas efervesciam sobre o rosto dele e James sentiu um calafrio quando ela começou a falar.
- Eu, Narcissa Black, juro, de corpo, mente, alma e espírito, amar e proteger a James Potter... – Ela parou um instante, pesando as palavras que diria a seguir. - ... e toda a sua descendência, com tudo que estiver ao meu alcance, incluindo a minha própria vida. Eu prometo dar-me por inteiro ao nosso amor, batalhando contra as dificuldades que tentarem se sobrepor a ele. Honrarei a confiança que depositamos um no outro, não importa o que aconteça, até o último dia da minha vida.
Cissa aumentou a força com que apertavam os polegares, selando as frases proferidas. Ele trouxe a mão dela até a boca, manchando os lábios com o sangue mesclado dos dois. Estava feito. James a beijou, misturando sangue, suor e saliva. Agora, como nunca, eram um do outro. Narcissa Black corria por suas veias.
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Tinha certeza de que o amanhecer e a angústia tinham sido paridos pela mesma mãe. A madrugada era dele, mas encontrar-se com o alvorecer era um desprazer. Detestava o sentimento de melancolia que se abatia sobre ele quando estava acordado naquele horário. Era sempre o fim de uma noite onde sentira muito, vivera muito, experimentara muito, sendo substituída pelo vazio da manhã. Mas não hoje. Mascou a ponta do cigarro, desgostoso ao encarar o nascer do sol. Tragou uma mistura de ansiedade e ira, soprando a impaciência junto com a fumaça. Já estava inquieto com toda aquela premeditação. Se algo podia ser feito de forma passional, preferia assim. Sirius detestava comer qualquer prato frio.
Quando se sentou naquele sofá, com a carteira de cigarro cheia, não imaginou que ia demorar tempo o suficiente para que ela se esvaziasse. Todavia, já tragava o penúltimo cigarro quando o quadro da Mulher Gorda, enfim, girou. Não houve barulhos de passos, mas ele não esperava por isso. Já usavam feitiços silenciadores em conjunto com a capa há algum tempo. Ele esperou alguns instantes em silêncio. O que seria mais um minuto diante da noite inteira que tinha se passado? Havia algum prazer em estar no controle, mesmo que só ele soubesse.
- Foi uma boa noite, não?
Não precisou elevar a voz, vazia como a Sala Comunal estava. Conhecia James ao ponto de enxergar a expressão de pânico: Parando ao pé da escada, os olhos arregalados por detrás dos óculos, a boca apertada. Bateu o cigarro no beiral da janela, para que as cinzas caíssem. O mau-caráter tinha a audácia de se fingir de morto! Permanecia quieto, supondo que Sirius imaginaria ter se enganado. Se o chamasse de idiota em alta voz seria menos ofensivo.
- Excelente para trair seu melhor amigo. – Acrescentou, sereno.
- Diga logo o que quer dizer, Almofadinhas. - James puxou a capa de uma vez, dobrando-a num bolo que enfiou no bolso.
- Eu quero dizer alguma coisa? – Dissimulou uma cara chocada. – Diga-me você o que é.
- Chega de teatro, Sirius. Vamos, diga!
- Muita arrogância pra quem foi pego no flagra, Pontinhas.
- Pode me dizer do que se trata isso? – Soltou as mãos ao lado do corpo com impaciência.
- Eu estou te dando a chance de se explicar primeiro.
- Não tenho nada pra explicar.
- Sério? – Sirius cruzou os braços.
- Eu estava fora da cama, hoje é sábado à noite. O que tem de errado nisso?
- Você quer uma lista?
- Perdão, Almofadinhas. Deixa eu me corrigir: O que tem de errado nisso quanto a você? Pras regras da escola nós dois estamos pouco nos fodendo desde...sempre, que eu saiba.
- Com quem você estava?
- Isso é coisa minha.
- Eu costumava ser o seu melhor amigo.
- Exatamente! Melhor amigo, não o meu pai. Eu não te devo esse tipo de satisfação, cara.
- Pontas, Pontas, Pontas... Você é bom, de verdade. – Apontou com o cigarro pro amigo, fazendo um floreio no ar. - Tem um certo talento natural, eu admito. Mas ainda falta muito mais do que eu achava que estava faltando.
- Eu vou dormir, Almofadinhas.
- Não ainda. – Fechou o rosto, com a voz firme. – Eu estou falando com você, caralho!
- Então fala logo, porra!
- Você está mentindo pra mim há meses! Me enrolando, como se eu fosse um idiota! Por que é que eu tenho que ser bonzinho com você?
- Não entendi.
- Ah, não?! Não entendeu, o pobrezinho! – Sirius adocicou a voz com fingida compaixão. – Vai se foder, Pontas! Você nem tenta esconder mais a porra do cheiro de sexo antes de voltar. Mate a minha curiosidade: Como você fazia antes? Tomava um banho ou era algum feitiço que eu não conheço?
- Eu não vou ficar aqui ouvindo essas merdas, Almofadinhas.
- A gente pode acabar com isso rapidinho se você me poupar do trabalho e disser logo com quem você estava fodendo.
- Por que diabos isso importa pra você? Você passou a noite inteira aqui me esperando voltar, pra me interrogar como se eu fosse um bandido, por que eu estava com alguém?
- Alguém. – Uma risada meio irônica, meio esquizofrênica, saiu de seus lábios. – Alguém... Por acaso eu tenho cara de otário, Pontas?
- Me pondo contra a parede assim, parece que tem.
- Vai tomar no meio do seu cu, James! Impregnado de cigarro mentolado, marcas de unha nas costas, um súbito gosto por furtar o meu estoque de uísque de fogo..! Eu devo ser um otário mesmo, por não ter ligado os pontos antes! Você tem a porra da escola inteira nas suas mãos...– Amassou o cigarro para apagá-lo. – Você tem a porra da escola inteira pra escolher e decide comer a víbora da minha prima, caralho? A única, ÚNICA pessoa que faz questão de foder com a minha vida, é justamente a que você resolve ser perfeita pra traçar?
- Não exatamente... – James empurrou os óculos para mais perto do rosto. – Eu poderia ter enrabado o seu irmão.
- Filho da puta! - Sirius se levantou, num arroubo de ira e sacou a varinha.
- O que você vai fazer? Vai me azarar, Almofadinhas?
- Você é um escroto, James! – Guardou a varinha de volta no bolso, consternado. - Há quanto tempo você ‘tá mentindo pra mim? Foi um sadismo recém-adquirido depois que eu saí daquele ninho de cobras ou eu estou sendo feito de otário há muito tempo?
- A sua fonte não te deu a informação completa?
- Fonte? Que porra de fonte?
- O filho da puta do Aluado! Você acha que eu já não saquei que ele abriu a boca?
- Ele não me falou porra nenhuma, além de se cagar nas calças quando eu perguntei! EU FIQUEI PUTO! O corno é sempre o último a saber, não é mesmo? O Rabicho vai ser padrinho do casamento?
- Que merda é essa, Almofadinhas?
- Eu é quem pergunto que PORRA é essa, Pontas. O cara que eu considerava meu melhor amigo, fodendo escondido com a pessoa que mais me odeia que ele conseguiu alcançar. Teria comido a Walburga, se pudesse? Pena ter que se contentar com a Narcissa!
- QUE NOJO! Para com isso! Nem tudo é sobre você, sabia?
- É sério? VOCÊ está me dizendo isso?
- Eu a amo, Almofadinhas! Estou apaixonado por ela muito antes dessa merda com os seus pais, ‘tá bom?
- Então eu estava sendo feito de otário há muito tempo mesmo! Puta que me pariu! Eu sou um burro do caralho. O que você contou de mim pra ela?
- NADA! A gente não fala de você.
- Ah, é! Esqueci que vocês estão ocupados demais fodendo enquanto você se finge de virgenzinha pra mim!
- Eu não me fingi de porra nenhuma! Isso é coisa minha.
- Isso é coisa minha, isso é coisa minha. – Imitou a voz do outro, reforçando trejeitos. – Você sempre soube que eu ODEIO a porra dessa garota, Pontas! Que eu não suporto a frivolidade e a cabeça doutrinada da bonequinha de porcelana do inferno!
- CALA A BOCA!
- UMA PORRA! Eu conheço essa vagabunda antes de você aprender a limpar o próprio cu!
- CALA A BOCA, SIRIUS! Você se acha o espertão, não é? Mas você não passa de um egocêntrico! Você esteve sempre tão ocupado interpretando o rejeitado que não se deu ao trabalho de conhecê-la de verdade! A Narcissa é uma mulher incrível, se quer saber!
- NÃO, PORRA! NÃO! A Narcissa é sonsa, James! SONSA! Você não faz ideia de quem ela é!
- Não. VOCÊ não faz ideia de quem ela é!
- Ela está te enganando, seu idiota! Deve estar rindo da sua cara com as amigas agora mesmo.
- Você não consegue acreditar que uma mulher possa gostar de mim de verdade?
- É claro que eu consigo, Pontas! Mas não a porra da Narcissa! Essa garota é uma cobra! Ela... Ela... – Respirou fundo, soltando o ar com toda a força que conseguiu reunir. – Ela não gosta de você. Ela nunca vai gostar! Sabe por quê? Porque ela não gosta de ninguém! Ela é incapaz de sentir! Não tem nada no mundo mais importante pra ela do que a porra do toujours pur!
- Do que o quê?
- Toujours pur, James! PUREZA DE SANGUE!
- Eu sou puro-sangue.
- Foi isso que ela te disse?
- Não.
- Você diz que a ama... Ela já te apresentou pra alguém?
- Não. – Respondeu, consternado.
- Ela disse que vai apresentar?
- Não.
- Ela NUNCA vai levar você a sério, Pontas. Por que ela esconderia o que vocês tem, se realmente tivesse algum futuro?
- Porque ela tinha medo de você descobrir e dar um chilique EXATAMENTE como está fazendo!
- Eu era o problema?
- É!
- Ótimo. Então agora vocês vão anunciar pra todo mundo que estão juntos?
James não respondeu. Passou as mãos pelo cabelo, agitando os fios rebeldes. Caminhou em círculos, soltando o ar.
- Você adora estragar tudo que pode me fazer feliz, não é? Dá pra ver o prazer na sua cara! Acabando com a minha noite, rindo de mim com a Marlene quando ela roubou minha posição...
- Não meta a Lene nisso.
- Ela você não quer que meta!
- O assunto não tem nada a ver com isso.
- Tem a ver com você ser um merda de melhor amigo, Almofadinhas!
- Eu sou um merda de melhor amigo? Você acabou de admitir que passou meses mentindo pra mim!
- Porque eu SABIA que você ia surtar, caralho! Que você não ia conseguir ficar feliz por eu amar alguém! Amar, de verdade, a ponto de dar um passo a mais com essa pessoa...
- Ela não te ama, Pontas.
- Você não sabe do que está falando.
- Eu conheç...
- Você não sabe o que é amor, Sirius. – Virou as costas, seguindo para as escadas. - E nunca vai saber.
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- Ele não quis me dizer o porquê.
- Parece que algo não cheira bem no reino da Dinamarca.
- O quê?
- Nada. É só... Só um ditado trouxa.
Marlene deu uma risada, expansiva e intensa, como Marlene era. Ela estava concentrada em pintar as unhas dos pés com um esmalte laranja, que se destacava bem na pele dourada. Os cabelos estavam presos pra cima, em uma touca, besuntados com uma poção. Lilly odiava o perfume doce e enjoativo do produto que a amiga usava para deixar os cabelos enrolados, mas pela boa convivência tentava não demonstrar.
- Você tem cada uma, Li! Seja como for, eu já tinha cantado a bola de que o Potter não ia demorar pra explodir pro lado do Sirius, desde que ele me defendeu. Deu pra sacar que não ia ficar por aquilo mesmo.
- Até agora não me desce ele ter te confrontado. Como se fosse o dono da maldita vaga!
- Ele acha que é o dono do mundo, meu bem. Por que a vaga de capitão também não seria dele?
Alguém bateu na porta. As duas se entreolharam. O que qualquer pessoa podia querer tão tarde em um domingo? Lilly torceu para que não fosse alguma urgência dos monitores, porque ela já estava de camisola. Se levantou, colocando o robe por cima da roupa de dormir.
- Eu espero que não seja ele.
- Não tem como garotos subirem no dormitório feminino, Li. – Marlene levantou os olhos para encaixar o pincel dentro do vidro. - Você sabe disso.
- Eu sei! Mas não duvido que o Black daria um jeito de quebrar qualquer regra. – Abriu a porta.
- Desculpa pela hora!
- Oi, Mary! – Com o cenho franzido, encarou a sextanista, desejando que nada de sério tivesse acontecido. - Em que eu posso ajudá-la?
- O Snape está lá embaixo, Lilly. Plantado na porta. Diz que só vai embora quando falar com você.
- Comigo?
- É. – A garota fez uma bola de chiclete enorme e Lilly sentiu receio da lambança que o doce faria se estourasse e grudasse pelos cachos escuros. - Falou que vai dormir lá, se for preciso.
- Eu o deixaria mofar esperando. – Marlene decretou, ao fundo. O cheiro da acetona que ela segurava aberta tinha empesteado o quarto.
- Obrigada por avisar, Mary! Eu vou resolver isso.
- Lilly!
- Eu não posso deixá-lo ficar fora da cama uma hora dessas, Lene. Vai acabar causando problemas pra mim!
Fechou a porta atrás de si. Mary a acompanhou pelos lances de escada, até que estivessem na Sala Comunal. Não havia quase ninguém lá, exceto um grupinho de sextanistas jogando conversa fora em um dos cantos. A garota foi até eles e Lilly seguiu seu caminho pra porta. Deu a senha a Mulher Gorda e ganhou o corredor. Severus se levantou de um pulo quando a viu.
- Me desculpe!
- Não estou interessada. – Ela cruzou os braços a frente do corpo, deixando bem claro que ele não deveria se aproximar.
- Eu sabia que você viria, Lilly! Que você me ouviria! Me desculpe, por favor!
- Poupe seu fôlego! Eu só saí porque Mary me disse que você estava ameaçando dormir aqui.
- Estava. – O garoto balançou a cabeça em reafirmação. - Teria feito isso. Nunca quis chamar você de sangue-ruim, simplesmente me…
- Escapou? – A indignação se expandiu em seu peito. - É tarde demais, Severus! Há anos dou desculpas para o que você faz. Nenhum dos meus amigos consegue entender sequer por que falo com você. Você e seus preciosos amiguinhos Comensais da Morte... – Esperou que ele se sobressaltasse ao ouvir o termo, mas ele nem se moveu. - Está vendo? Você nem nega! Nem nega que é isso que vocês pretendem ser! Você mal pode esperar para se reunir a Você-Sabe-Quem, não é?
Severus engoliu em seco. Esperou que ele revidasse, que se enfurecesse e voltasse a cobri-la de insultos. Teria sido melhor assim: Um fim definitivo para a amizade deles. Acabar de vez com o relacionamento morno que vinham empurrando com a barriga em nome de um apego ao passado que já não fazia sentido para nenhum dos dois. Estava cansada de mentir pra si mesma, esperando por uma melhora, um retorno ao que um dia tinham tido, que nunca viria. Ele chegou a abrir a boca, mas preferiu se calar covardemente.
- Não posso mais fingir. Você escolheu o seu caminho, eu escolhi o meu.
- Não… escute, eu não quis…
- Me chamar me sangue-ruim? Mas você chama de sangue-ruim todos que nasceram como eu, Severus. Por que eu seria diferente?
Dessa vez, não esperou que ele retrucasse. Não havia qualquer motivo pra postergar o fim. Deu as costas e entrou pelo buraco do retrato, num adeus à sua amizade com Severus Snape. Que a infância ficasse no passado, exatamente onde deveria estar. Ela não era mais uma criança boba que necessitava insistentemente de um amigo que compreendesse o mundo mágico para lhe orientar. Lilly Evans se tornara uma jovem bruxa perfeitamente capaz de guiar-se por si mesma.
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Nota da autora: A cena da briga entre Sirius, James e Severus é adaptada a partir da cena descrita por J. K. Rowling em "Harry Potter e a Ordem da Fênix". O mesmo ocorre com a discussão entre Lilly e Severus, adaptada de "Harry Potter e as Relíquias da Morte". Ambas mesclam o diálogo e a situação escrita por Rowling com a minhas impressões e enredo.