
Inconsequências
O
s sinos retiniam repetidas vezes, presos à porta da taberna que era constantemente aberta. O burburinho soava alto em toda Hogsmead, repleta de alunos de Hogwarts por todos os lados. Aquela seria a última visita ao povoado até o fim do ano letivo e o desespero por aproveitar cada oportunidade deixara os adolescentes em polvorosa. Para onde quer que colocasse os olhos, Remus enxergava apenas sacolas atulhadas de doces da Dedosdemel, logros da Zonkos, livros de romance água com açúcar, cosméticos e o que mais fosse possível encontrar nas lojinhas espalhadas por ali. O Três Vassouras estava entupido! Todos queriam tomar a derradeira cerveja amanteigada. Madame Rosmerta passou bem em frente a eles, carregando uma bandeja e rebolando de forma exagerada, como sempre, mesmo que tivesse uma dezena de mesas esperando para serem atendidas.
- Uma delícia! – Sirius cochichou. – A cerveja. – Se corrigiu, tomando um gole, sob o olhar nada amigável que Remus lhe deu. - Pobres coitados! – Moveu os olhos pelo salão. - Tão desesperados por espremer até as últimas gotas de prazer que há do lado de fora! – A superioridade estampada na cara dele era odiosamente arrogante.
- Nós faríamos o mesmo, Almofadinhas! SE estivemos resignados a nos aventurar fora dos muros do castelo só nos finais de semana. - Remus frisou.
- Graças a mim, os senhores podem se empanturrar o quanto quiserem desse pitoresco vilarejo! - James colocou os braços sobre os ombros dos dois, no melhor abraço que conseguiu forjar no meio do bar atulhado.
- Somos eternamente gratos, ó grande senhor dos caminhos! – Black abanou as mãos, como se saudasse a um deus.
- É uma merda que todo esse conhecimento vá se perder quando a gente se formar. – Pettegrew apertou os lábios, inquieto.
- Fale por você, meu caro Rabicho!
- E como você pretende fazer com que ele chegue à outras pessoas, se a gente vai se ferrar caso alguém descubra o que a gente tem feito com esse “conhecimento”, Pontas? – Lupin indagou em tom inquisidor.
- Vou esperar tempo suficiente pra que a McGonagall não tenha mais nenhuma influência sobre mim, para só então revelar ao meu filho todos os segredos REALMENTE importantes sobre a escola. E nada daquele monte de baboseira que escreveram em “Hogwarts: Uma história”!
- Cretino. – Remus murmurou entre os lábios, respondendo à provocação. James sabia muito bem o quanto ele venerava aquele livro.
- Então o nosso querido Pontas já anda pensando nos Pontinhas? – Peter abriu um sorrisinho travesso, ao que o outro respondeu com um bagunçar dos cabelos.
- Posso te dar uma ideia, Pontas? – Sirius encarou os três com um semblante de seriedade.
- Diga.
- Não pense! Merlin não há de permitir que esses genes malditos continuem se espalhando pela terra!
- Filho da puta! – James deu um soco no peito do amigo. – Pois agora é que eles vão! Lhe farei o favor de povoar a Grã-Bretanha com pelo menos uns cinco filhos meus. E tem mais! – Apontou o indicador bem no rosto de Sirius. – Anote o que eu estou dizendo: Você vai ser o padrinho do primeiro deles, seu escroto!
- Quem se ferra é você! E a coitada da sua futura esposinha. Vai ser a Evans, afinal? – Black divertiu-se com a própria piada, exibindo um sorriso irônico.
- Talvez!
- Admiro a sua confiança, Pontas! – Gargalhando, Almofadinhas bebeu mais um gole da cerveja. – Como é bom ser seu amigo!
- Fala pra gente, Pontas! Como anda a conquista? – Rabicho se empertigou na cadeira.
- Vocês vão saber... Quando for a hora.
- Não se iluda, Rabicho! Vamos estar mortos antes de isso acontecer. E acho que você não tem tanto tempo assim. Não era às quatro o seu horário? – As írises cinzentas de Sirius estavam fixas no grande relógio de pendulo, ao fundo do bar.
- Ai, merda!
- Você vai sair? – Remus indagou, trocando um olhar de curiosidade com James.
- Jamyle Shafiq. – Almofadinhas esclareceu.
- A CDF da Corvinal? – A expressão de incompreensão dominou o rosto de Potter.
- A própria. Nosso amigo vai levá-la para conhecer a disputada e novíssima Casa de Chá Madame Puddifoot. A inauguração foi ontem. Mesa reservada à duas semanas! Criamos bem o menino Peter...
- Não esquece a carteira! – Lupin estendeu a pecinha de couro que repousava sobre a mesa, para um Pettegrew que se apressava em vestir o casaco.
- Quanta pompa pra sair com uma menina careta.
- Vai valer a pena, Pontas! – Fitando o próprio reflexo numa colher, Peter arrumou o cabelo. - Vocês não ficaram sabendo que o pai dela é o novo editor chefe do Profeta?
- O que?! – Potter não escondeu a expressão enojada.
- Esquece um pouco o tesão pelo cargo do pai dela e vê se foca em tentar comer ELA, Rabicho! A garota! Não esquece! – Sirius tateou o bolso de James e lançou para o alto um pacote de pastilhas, que o outro pegou no ar, já se encaminhando pra saída.
- Mas o que diabos...? – Remus cruzou os braços, incrédulo.
- Asqueroso! – Pontas usou o indicador para empurrar os óculos pra mais perto do rosto.
- Vocês dois deveriam se preocupar menos com os motivos e mais com o resultado. – Bebendo de uma vez só a cerveja que restava na caneca, Sirius se ergueu da mesa. – Enquanto ele se diverte, apesar das razões questionáveis, vocês dois ficam aí chupando o dedo, ao invés de... algo melhor. Eis a minha deixa, senhores!
Acenando com uma continência, Almofadinhas caminhou até a porta, onde Oscar Clarke e mais um garoto esperavam por ele. Os cabelos loiros cobriam ligeiramente os olhos, mas Remus não teve dificuldades de reconhecê-lo: Lovegood, um dos excêntricos alunos que ele adorava acompanhar de longe. Setimanista da Corvinal, certamente conhecera Clarke no clube de teatro. Se Oscar já era visto pela Grifinória como esquisito, o que dizer de Lovegood? Sirius inventava de se meter em cada lugar!
- Posso sentir daqui o cheiro da clamídia. – Pontas suspirou.
- Era exatamente o que eu estava pensando.
- Pensando em quê?
Vinda do nada, Dorcas sentou-se na cadeira que Sirius Black tinha acabado de esvaziar. Remus deu-lhe um sorriso, seguido de um beijo tímido na bochecha, ciente de que os olhos de James estavam sobre os dois. Aquela coisa com Dorcas... Estava durando além do que deveria, ele sabia. Mas a garota parecia ter entendido o acordo tácito de que não iriam a lugar nenhum com aquilo. O que custava que se divertissem um pouco num sábado à tarde?
- E ai, Dorc?! Bebe uma cerveja com a gente?
- Não hoje. Valeu, Potter! Temos hora pra ir pro Pomorim Dourado. Campeonato de snooker entre nós e os quartanistas da lufa-lufa.
O bar, gerenciado por dois lufanos recém-formados, era pequeno e ficava mais afastado do centro, mas costuma atrair os estudantes por causa do preço barato da bebida e por fazer vista grossa a menoridade dos frequentadores. Remus tinha certeza de que a espelunca tinha os dias contados. James tomou um último gole da cerveja amanteigada, empurrando a caneca ainda meio cheia pro centro da mesa. Tirou do bolso um punhado de sicles e dispôs ao lado dos copos, acrescentando uma bela gorjeta.
- Tenha cuidado com os amigos que você faz, Dorcas! Eles falam que é pra sempre, mas mal podem esperar um fim de semana em Hogsmead pra te trocar por qualquer outro programa.
- Quanto drama, Pontas! – Lupin revirou os olhos.
- Por que você não vem com a gente, Potter? Vai ser legal!
- Não...Eu não vou me meter na patotinha de vocês. Deixa vocês se divertirem! Vou arrumar alguma coisa pra fazer. Eu me viro!
- Tem certeza?
- A galera é gente boas, Pontas! Se você não tem nada pra fazer, por que negaria uma boa competição? – Ele ergueu uma das sobrancelhas, intrigado.
- Não se preocupem! Apesar de desprestigiado, o velho Pontas ainda dá conta de dar uma volta sozinho...
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A moça ergueu o rosto na direção do céu, sentindo os raios de sol beijarem suas sardas. Era um belo dia de primavera, o que ia enchendo o seu peito de esperança de que, enfim, um glorioso verão chegaria para aquecê-los. Lily amava os verões. Eram a sua estação! Adorava se sentar sob a sombra de um árvore e ler um bom livro. Ou quem sabe tomar um copo refrescante de limonada. Ou um picolé. Um delicioso picolé! Amava ver as crianças se divertirem em suas brincadeiras suadas, rindo diante do fim das férias que parecia sempre tão distante. Era também durante o verão em que podia se dar ao prazer de estudar o que tivesse vontade, aproveitando a pausa escolar para se debruçar sobre qualquer assunto sem se preocupar com o que ia ser cobrado nas aulas. Como alguém poderia preterir qualquer outra estação em detrimento daquela? À medida que os dias quentes se sucediam, Lily ia se sentindo cada vez mais cheia de vida e de ânimo, deixando pra trás a carranca enregelada que costumava ostentar no inverno.
Era uma pena que as visitas ao vilarejo de Hogsmead se encerassem tão cedo! É claro que os alunos precisavam se dedicar a estudar para os exames finais, mas ela adoraria ter a oportunidade de passear por ali durante o verão. A última visita trazia sempre um senso de urgência aos estudantes, fazendo com que as ruas e o comércio ficassem abarrotados. Contou pelo menos 59 cabeças passando pela via principal naquele minuto, incluindo a si própria. Tinha sido um sufoco conseguir se enfiar na Dedosdemel para comprar meia dúzia de bombons de amêndoas. Comprara também uma caixinha de quadrados cor-de-rosa de sorvete de coco para levar pra casa, quando as férias começassem. Seu pai era completamente apaixonado por aqueles docinhos bruxos e ela fazia questão de presenteá-lo com uma porção todas as vezes que voltava pra casa.
Com isso terminado, ela arrastava os pés. Olhava as vitrines sem muito interesse, apenas para aproveitar o sol. Seu ritmo lento ia na contramão do que o restante dos alunos fazia, destoando do fuzuê que se formara. Tudo bem que fosse assim, Lily estava acostumada a andar na contramão quando se tratava das pessoas da sua idade. Sua avó dizia que ela tinha nascido com uma alma antiga. Remus tinha lhe dito... Como tinha sido mesmo? Que ela estava sempre “preocupada em fazer tudo de forma sensata”? E que por isso as pessoas não gostavam dela. Bom, que não gostassem! Se o preço de ser querida era ser uma delinquente, como Potter e Black...Ela estava fora! De toda forma, havia pessoas que gostavam dela. Marlene era uma ótima amiga, embora Lily não tivesse a menor ideia de onde ela estava agora.
Deu uma olhadinha na aglomeração, se erguendo nas pontas dos pés para tentar enxergar por cima das cabeças e encontrar os cachos volumosos da companheira de quarto. Não seria nada mal ter alguém para partilhar um último chá em Hogsmead naquele ano. Não havia nenhum sinal da amiga por ali. Contudo, a procura não foi em vão, porque enxergou ao longe uma cabeça que reconheceu, vindo coincidentemente em sua direção. Sorriu, surpresa, e esperou até que isso acontecesse naturalmente, evitando apenas ser atropelada pela horda de adolescentes que vinha em sentido contrário.
- Ei, você! Não esperava te ver por aqui! – Ela abriu um sorriso, segurando o ombro do garoto ligeiramente quando ele cruzou a sua frente. – Pensei que você detestava esse lugar.
- Detesto.
- Então o que te trouxe aqui logo no pior dia de todo o ano para vir a Hogsmead? Bom, exceto a véspera de Natal, é claro.
- Eu... – O rapaz olhou para os lados, inquieto. – Precisava comprar um novo tinteiro. O idiota do Pettegrew derrubou o meu, na última classe de Feitiços, se você não se lembra.
- É claro que eu me lembro! O caos que vocês fizeram, como cão e gato! O pobre Professor Flitwick teve que subir na cadeira para ser ouvido...
- Balaços e batedores.
- O que disse?
- Como balaços e batedores. – Resmungou, a contragosto.
- Como?
- Nenhum bruxo usa a expressão “como cães e gatos”, Lily.
- Ah! Por favor, Severus! Não seja tão rabugento comigo!
- Eu diria que isso é inevitável, considerando onde eu estou metido.
- Bom... Agora que você já está aqui de qualquer jeito, por que não tomamos uma xícara de chá?
- Por que eu não amarro a mim mesmo em um hipogrifo raivoso e saio voando por aí? – Snape revirou os olhos.
- Quanto drama! É só uma xícara de chá.
Prendendo o próprio braço ao braço do rapaz, Lily o arrastou até a emplumada Casa de Panquecas de Mrs. Lovett, uma quadra a frente. Não era exatamente o lugar que Lily gostava de frequentar, mas por sorte, não havia fila, embora não houvesse muitas mesas vazias.
-... Tuny tem um namorado agora, chamado Vernon. Dá pra acreditar? Não que ele se chame Vernon... Que a minha irmã tenha um namorado! Parece que se conheceram no escritório em que ele trabalha, em Londres. – A ruiva tomou outro gole do chá. Pêssego, doce e aconchegante. – Agora mamãe está preocupada que eu volte pra casa. Petúnia acha que não vou me sair bem conhecendo ele. O que eu poderia fazer de errado?
Os olhos angulosos de Severus Snape estavam pousados sobre ela, avaliando o que dizia, embora não emitisse nenhuma opinião. Tampouco bebeu do chá, deixando a xícara intocada esfriar, encaixada sobre o pires a sua frente. As mãos compridas tamborilavam nervosas pela borda da mesa, remexendo-se como se a cadeira estivesse cheia de pregos. Se Lily não conhecesse bem o introspectivo Snape, diria que ele tinha algum lugar mais urgente para onde ir.
- Eu disse a elas que não havia por que se preocupar. Ele é um trouxa, é claro! Mas eu tenho vivido como trouxa a maior parte da minha vida, por que é que iria sair da linha logo agora? – Levou um dos biscoitos amanteigados na boca. – Você acha que eu vou me sair mal, Severus?
- Não sei por que você se preocupa tanto...
- Exatamente! – Ela soltou o pedaço de biscoito, meio mordiscado, em cima do prato. - Eu sou perfeitamente capaz de conhecer o novo namorado da minha irmã sem causar uma catastr...
- Você nem deveria se misturar com esse tipo de gente. – Snape interrompeu, ignorando o que ela dizia.
- O quê?
- Por que perder seu tempo voltando pra lá?
- Nossa família vive lá? Meus pais... Minha irmã. É Cokeworth! – Lily ergueu os ombros, arregalando ligeiramente os olhos. - Nossa casa, Severus.
- É aqui que nós pertencemos, Lily.
- Não estou entendendo aonde você quer chegar.
- Eu não vejo nenhum motivo pra me meter de novo no meio de um monte de trouxas.
- É de onde viemos, Severus! Você e eu. Por que renegaríamos nossas origens?
- Porque agora sabemos a que lado nós pertencemos.
- Eu não pertenço a nenhum lado. – A garota franziu o cenho, se arrumando na cadeira. – Eu sou nascida trouxa, Severus. Não há lados nesse caso.
- Não existe meio termo, Evans. Ou você é uma bruxa ou brinca de teatrinho e vai conhecer o namorado trouxa da sua irmã trouxa.
- Então eu não sou uma bruxa. Quem vai recolher a minha carteirinha? Ou você vai chamar alguém pra levar a minha varinha embora? – Lily ergueu as sobrancelhas, sentindo uma mistura de irritação e agitação percorrer seu corpo. – Eu não deveria ser considerada bruxa porque eu tenho uma boa relação com a minha família? Ou é porque eu vim de uma cidadezinha trouxa no meio do nada? Você por acaso se lembra de onde veio, Severus?
- Eu não continuo me confraternizando com eles como se fosse normal.
- “Eles”? “Normal”? Eu suponho que esteja falando das nossas famílias, nossa comunidade. Repito: De onde eu E VOCÊ viemos!
- Esquece, Evans! Eu nem deveria estar aqui perdendo tempo. – O rapaz empurrou a cadeira, se levantando com agilidade.
- Perdendo tempo? Comigo? Por que eu sou uma nascida trouxa? Eu não estou te reconhecendo, Severus!
- Adeus, Evans. Tenho coisas mais importantes pra discutir. E obrigado pelo chá!
Consternada, Lily viu que ele vasculhou os bolsos até o fundo para encontrar os parcos nuques que colocou sobre a mesa, antes de sair. Na porta, Avery e Mulciber esperavam por ele.
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A camada de poeira em cima da mesa tinha um dedo de espessura. Sirius preferia não conjecturar sobre qual a última vez em que o copo em que estava bebendo o rum fora lavado. Há informações que são melhores quando desconhecidas. É possível que ele tivesse preferido que aquele bar, como um todo, tivesse continuado desconhecido para ele. Entretanto, não se podia exigir muito de um lugar onde um quintanista podia beber álcool sem se preocupar. Oscar, por outro lado, parecia achar a decadência do Cabeça de Javali charmosa. Não que alguém pudesse confiar totalmente nas escolhas dele. Xenophilius Lovegood era uma das duvidosas. Definitivamente, estava longe de fazer o tipo de Sirius. Mas Oscar parecia interessadíssimo nele, ouvindo sem pestanejar toda a bobagem que o loiro ia despejando. Sirius preferia que ele ocupasse a boca com outras coisas.
Bateu no próprio bolso, tateando a chave do quarto. A porta do bar rangeu, teimosa, dando passagem a outros três alunos da Sonserina. Já eram oito, contando todos que ele tinha visto se dirigirem aos fundos. O último da fila era o Ranhoso. Ao invés da chave, puxou um cigarro. A coisa estava ficando interessante ali.
- Você tem certeza mesmo que eles estão por aí, Xeno?
- Absoluta!
- Onde você pensa que vai? – Merda. Ele esperava sair sem ser visto. – Não vai fugir antes de a gente subir, vai? - Oscar o fitava com um olhar manhoso.
- Banheiro! – Deu um sorriso falso, abrindo os braços como se pedisse desculpas. – Volto em um instante e podemos ir.
Era uma tremenda “coincidência” que o banheiro estivesse localizado nos fundos do estabelecimento, exatamente como a mesa em que o Ranhoso e sua trupe estavam sentados. Sirius nunca tinha visto o garoto sair do castelo pra uma visita a Hogsmead. Até hoje, tinha certeza de que ele tinha medo de ser encurralado pelos marotos em alguma pegadinha fora dos muros da escola e da supervisão direta dos professores. Ele estava surpreso em vê-lo ali. Com... Amigos? Não sabia se podia usar aquele termo. Contudo, os cabelos emplastados e o enorme narigão marcavam evidente presença no recinto.
A visão era boa da porta do banheiro, mas não conseguia ouvir quase nada do que eles discutiam. O fato de falarem em tom tão baixo é o que estava deixando seus cabelos em pé. Catou no ar algumas poucas palavras: Reunião, pureza, bruxos, blábláblá. Nada que o ajudasse muito a entender do que se tratava. Ia ter que chegar mais perto, se ambicionasse tirar alguma informação dali. Apagou o cigarro, guardando o que restara do bolso. Ia querer aquilo mais tarde. Agora que não era mais um abastado herdeiro de uma família puro-sangue, não dava pra continuar gastando como se fosse. Os Potter dificilmente concordariam em desprender uma boa quantidade de dinheiro pra sustentar seus vícios. Suas parcas economias iam ter que ser suficientes por um tempo.
Um largo pilar mais a frente, encoberto por uma vitrola velha, pareceu um bom lugar para usar como disfarce. Ele caminhou até ali, meio se escondendo, meio fingindo que não estava fazendo nada de errado. Virou de lado, encostando o ombro no pilar. Não dava para vê-lo dali. É provável que não fosse perto o bastante para que ele ouvisse bem o que diziam, mas teria que servir.
- Não sei se fazer na formatura é a melhor ideia...
- Tem que ser! – Aquela voz ele conhecia. Crabbe, o idiota que tinha assediado a amiga de Cissy.
- Isso não é negociável, Evan. – Mais um conhecido, o grosseirão Damian Mulciber.
- Os formandos...
- Que se foda se vocês não terão a noite de princesa que esperam. Isso aqui não é uma brincadeira, porra!
- O que diabos pensa que está fazendo aqui?
A última voz foi quase sussurrada em seu ouvido. Sentiu o baque do empurrão e, em seguida, foi arrastado de volta para o banheiro. Ia ter que lavar muito bem a roupa, depois de engordurá-la naquelas paredes que não deviam ver água a séculos.
- Tira o caralho dessa varinha da minha cara, agora! – Ele tentou puxar a própria varinha, mas Snape não deixou que ele se movesse.
- Responda o que eu perguntei.
- Sou a porra de um cliente dessa espelunca tanto quanto você!
- E você estava só indo ao banheiro, certo? – Snape baixou a varinha do rosto dele, embora a mantivesse entre os dedos.
- Desde quando tenho que dar um relatório a você do que faço ou deixo de fazer, Ranhoso?
- O que você ouviu?
- Nada. - Puxou a jaqueta com força, libertando-se do aperto em que Snape o mantinha. – Já disse que estava só indo ao banheiro.
- O que você ouviu, Black?
- Porra nenhuma!
- Se esgueirando pelos cantos... Ouvindo conversas atrás da parede. Onde está a coragem que a Grifinória prometeu? O que você quer? – Teria arrancado com os punhos o sorriso irônico que o rapaz ostentava, se pudesse. Mas não quis criar confusão, com aquele bando de brutamontes reunido tão perto.
- Me desculpe se tomei o seu lugar.
- Como é? – Os dedos magrelos de Snape comprimiram a varinha.
- “Se esgueirando pelos cantos... Ouvindo conversas atrás da parede.” Pensa que eu sou idiota? ‘Tá na cara que você anda espionando a gente. A pergunta certa é... O que VOCÊ quer?
- Eu não sou cego, Black. Está claro como água que vocês escondem alguma coisa! Coincidência o amiguinho de vocês estar fora de Hogwarts todo mês, não é? Já viu a lua hoje? Crescente.
Sirius pensou em erguer a varinha e estuporá-lo, mas estava ciente de que seria suicídio. Levantou o punho para plantar um soco naquela cara oleosa. Contudo, se o que queria era ferrar o Ranhoso, tinha uma ideia bem melhor.
- Não sei onde você quer chegar.
- Algo me diz que o Lupin terá uma emergência familiar dentro de poucos dias. Talvez seja melhor você avisar para ele ir se preparando!
- Você é um pateta, Ranhoso!
- Vi ele atravessando pro salgueiro lutador com Madame Pomfrey. Eu sei muito bem o que ele está escondendo. E sei também que Dumbledore odiaria que esse boato se espalhasse.
- Sabe mesmo? Se as coisas fossem tão óbvias a ponto de uma idiota como você entender...
- Se não são, Black, então como é que são? Me diga você, se é tão esperto.
- Eu não preciso dizer... Venha ver com seus próprios olhos!
- Um monte de merda!
- Estou falando sério... Se você acha que sua teoria é boa mesmo, não devia ter medo de comprovar o que sabe. - Sirius se acercou, aproximando a boca da orelha do outro, tanto quanto o cabelo permitiu. – Tem um nozinho no salgueiro lutador. Sentido noroeste, a partir do castelo. Um galho comprido deve servir. Aperte e entre pelo túnel. A resposta que você tanto quer estará lá... – Deu meia volta, saindo do banheiro. Sem contudo deixar de acrescentar: - Mas tem que ser na lua cheia, hein?
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- Você está atrasado! Eu pensei que eu já tinha lhe dito para nunca deixar uma dama esperando.
O tom solene e a expressão travessa que Narcissa ostentava eram dissonantes. As unhas longuíssimas entrelaçaram-se nos cabelos da sua nuca num instante e ela o fitou, erguendo ligeiramente a cabeça para que seus olhares se cruzassem.
- Eu imploro pelo seu perdão, mademoiselle! – Trouxe a outra mão dela até os próprios lábios, roçando-os provocativamente sobre a pele perfumada. – Prometo que irei lhe recompensar pelo tempo em que esteve me esperando.
- Isso soa interessante, Jamie. Pode me contar mais? – A carinha curiosa era dissimulada especialmente para enlouquecê-lo e o fato de ele perceber claramente o jogo não prejudicava nem um pouco o resultado.
- Tudo o que você quiser, meu bem. Absolutamente tudo! Mas não aqui.
- Por que não? A gente já perdeu tanto tempo...
- Confia em mim, eu tenho uma ideia melhor!
A caminhada foi mais longa do que ele estava acostumado, sobre apenas dois pés. Em alguns trechos precisou ajudar Narcissa e descer os barrancos, segurando-a pela cintura. A moça permanecia em silêncio, seguindo a trilha que ele ia indicando, mas James podia sentir o desconforto em sua quietude. Não havia calculado que o trajeto seria tão cansativo para um humano, sobretudo um que estivesse utilizando salto alto. Parecia muito mais perto, nas vezes que o faziam durante a lua cheia.
Quando finalmente chegaram, ele largou o próprio corpo sobre a coberta que estendeu para os dois, suspirando de alívio. Cissa arrancou os sapatos dos pés, aconchegando o corpo contra o dele. O garoto beijou-lhe os cabelos, acompanhando as pupilas inquietas que admiravam o infinito azul e verde descortinado acima deles. A clareira já era linda sob o luar, todavia reluzia como nunca banhada pela luz do entardecer.
O sol aquecia seus corpos e Narcissa estava morna em seus braços. O canto ameno dos pássaros o embalou, enrodilhado ao murmúrio da água se movendo. Deixou que as pestanas caíssem, trazendo-lhe aos poucos para um ligeiro torpor, ainda aspirando o perfume dela. Os pontos de luz dançavam nas árvores acima deles, mesmo diante de suas pálpebras cerradas.
- Você está tão quieta... – Interrompeu a placidez, numa tentativa de se agarrar a superfície e manter-se acordado. - Fiz mal em te trazer até aqui?
- Não! É um lindo lugar, Jamie! Só não achei que qualquer comentário que eu pudesse tecer seria digno. O silêncio parecia tão pleno...
- Silêncio? Mas não há silêncio aqui. – James franziu o cenho, tocando a orelha dela com a ponta dos dedos. – Tudo fala, Cissa.
Esticou o braço e tomou uma das folhas que se depositara sobre o chão. Aproximou-a da boca, soprando ao redor da folha. A fisionomia da garota não conseguiu esconder o riso que ela tentava prender, questionando-se quanto a possível loucura de James.
- O quê? Não consegue ouvir? Escuta! – Desenhou a borda da folha, enquanto assobiava baixinho, próximo ao ouvido da namorada. – O vento também não está quieto, consegue perceber? – Beijou a nuca dela com delicadeza. – Ele está dizendo o seu nome.
- Besta! – Narcissa riu, revirando os olhos.
- É sério! Tudo fala, Cissa.
- Tudo? Tudo mesmo? E essa pedra? – Erguendo um pequeno seixo, ela o trouxe até próximo dos dois.
- Deixe-me ver... Ou melhor, ouvir! – Ele colou o ouvido a mão dela, que levantava a pedra. – Definitivamente! Você não consegue escutar? “Você é linda!” – Sussurrou, dramatizando o que pensou ser uma voz digna de uma rocha.
Narcissa jogou a cabeça pra trás, voltando a rir, e James encheu o próprio peito com aquela harmonia. Largou a pedra e segurou o rosto dele com as duas mãos, beijando-lhe a boca com ternura. Ele espalmou a mão nas costas dela, trazendo-a mais para perto, e correspondeu ao beijo. Cissa sabia ser doce quando queria e ele deixou que o dulçor se espalhasse por seus lábios, beijando-a com gentileza. Puxou os óculos para longe do rosto, soltando-o no chão, para colar-se a ela. A moça distribuía pequenos beijos pelo rosto dele, parando para dar uma mordidinha na ponta do nariz.
- Me mostre! – Murmurou, desvencilhando-se dele e se pondo de pé. – Os dentes de leão? – Arrancou um deles, entregando-o a James.
- “Deixe acontecer...” – Ele balançou a planta próximo ao ouvido, antes de dar-lhe a resposta.
- Um galho? – Deu a ele um pedaço fino de madeira, que catou no chão.
- “Nada muda o amor.”
– O salgueiro?
Caminhando de costas, Narcissa apoiou-se no tronco. O rapaz sorriu, levantando-se finalmente e indo até ela. Atravessou a clareira em passos largos, sentindo a ausência do corpo dela junto ao seu. Apoiou a mão na cintura dela e usou o quadril para pressionar o corpo esguio contra a árvore, roubando-lhe mais um beijo cálido.
- O salgueiro? – Ela repetiu, com uma expressão inquisidora, mas afável.
- “Ele moveria montanhas para ficar ao seu lado, garota”.
Desenhou a boca da moça com a ponta do dedo, marcando o formato do sorriso tímido que ela ostentava. Depois, James a beijou. Dessa vez, com a intensidade que vinha palpitando dentro de seu peito desde que tinham se encontrado. Enroscou os dedos nos cabelos loiros, numa tentativa vã de conter o ardor que estava ateado dentro dele. Espalhou os beijos pelo pescoço dela, sorvendo o sabor delicado daquela pele.
Um certo sentimento de remorso sempre o assolava pouco antes de despi-la, porque Narcissa se vestia como uma boneca e era tão bonitinha arrumada nos mínimos detalhes! Logo que ele vencia a inércia e se livrava da primeira peça, esquecia completamente, não só da culpa, mas também de qualquer outra coisa. Não que as lingeries provocantes, que ela escondia tão bem por baixo de tanta delicadeza, não fossem deliciosas, porém o que havia debaixo é que era muito melhor do que qualquer roupa. Prestes a tirar a blusinha fina que ela usava, James deslizou a mão por baixo da peça, acariciando a pele tenra.
– Até o seu corpo está falando... – A linha traçada pelos seus dedos ia conduzindo o arrepio nela. – Precisa de mais alguma prova?
Narcissa deu-lhe um sorriso jocoso. Estava concentrada em abrir os botões da camisa dele, enquanto prolongava o beijo lânguido que trocavam. James adorava a sensação daquelas unhas raspando seu peito, embora não fosse um grande fã das marcas vermelhas que precisava esconder depois. Ela beijou sua orelha, mordiscando o lóbulo antes de pousar os lábios mornos sobre o ouvido.
- Você está certo, Jamie! Pode ouvir os sussurros vindo do lago? Acho que quer nos dizer alguma coisa...
Ela abaixou as mãos, abrindo distraidamente os botões do próprio short e largando-o no chão, junto com a calcinha. Demorou só um instante para puxar a blusa por cima da cabeça, transformando os cabelos numa bagunça dourada. Ela dobrou as mãos até as costas, abrindo o fecho do sutiã para se livrar da última peça que ainda vestia. A imagem era celestial, com o crepúsculo emoldurando as curvas da garota. James perdeu o fôlego, só por um instante.
- Você não vem? – Desvelou um sorriso travesso, afastando-se ao caminhar em passos decididos até a água e tornando-se apenas um borrão para ele.
O garoto deu de ombros, balançando a cabeça, e tirou o que ainda restava de sua roupa num segundo. Correu pela relva, tomando-a no colo no instante em que ela molhava os pés. Girou-a no ar, ouvindo a gargalhada de Narcissa tomar conta do ambiente, expandindo seu peito em um sentimento que chegava a ser descabido, de tão forte. Narcissa Black era linda. Linda! Em cada pequeno detalhe. Desceu aos poucos os braços, para que ela se aproximasse da água.
- O que ele está dizendo, Cissa?
- Jamie! Nem pense nisso!
- O que o lago está falando?
- JAMES POTTER! Se você me jogar, eu vou...
Ele a trouxe para cima de novo, arrancando um beijo sôfrego, até deixá-la ofegante. Os braços dela envolveram seu pescoço, acercando-se o máximo que podia. James distribuiu beijos pelos antebraços esguios, trazendo os pulsos até sua boca também, um e depois o outro.
- Você vai... o quê? – Murmurou, no ouvido dela.
E então ele a soltou, lançando água para todos os lados. Imergiu logo em seguida, molhando-se por inteiro para se acostumar a temperatura gélida da água.
- Porra, James! Eu vou t...
Tapou a boca da garota com um beijo, afastando os loiros cabelos molhados da frente do rosto. Segurou Narcissa pelos braços, trazendo-a para si. Encaixou as coxas tenras ao redor do seu quadril, derramando os lábios sobre os ombros finos. Os mamilos dela, enrijecidos pelo frio, roçaram seu peito e um surto de desejo alastrou-se pelo corpo do garoto. Escorregou as mãos pelo corpo dela, desenhando o quadril e a cintura, desfazendo a barreira que a água formava entre eles. James a queria perto, muito mais perto. Juntou-a ao seu peito. O calor que ela emanava por entre as pernas se espalhou, logo acima do umbigo dele. Narcissa não hesitou em abaixar o quadril, procurando por ele. Voltou a beijá-lo, de um jeito pouquíssimo recatado. Os lábios dela iam brincando com os seus, quase com desinteresse, enquanto a língua se movia cheia de lascívia, lhe dando claros sinais do que ela realmente queria fazer.
- Eu quero ouvir o que as águas têm a dizer, Cissa. – Separou os lábios dos dela só o suficiente para a lembrar.
- Por que você é tão teimoso? - A garota rolou os olhos, fitando-o com uma suave irritação que James adorava provocar, porque a deixava ainda mais bonita.
Cissa respirou fundo, olhando-o bem dentro das pupilas escuras. O silêncio se avultou ao redor deles, exceto pela água seguindo seu fluxo. Ela pousou o queixo na testa dele, dando um beijo delicado em seus cabelos. Prosseguiu com os lábios pela testa e logo pelo nariz e o queixo do rapaz, evitando deliberadamente a boca. Separou seus corpos, soltando as pernas.
- Escute! – Ela ordenou.
A garota mergulhou no logo só até a altura do nariz, sem tirar o olhar de cima dele por um instante. Não foi preciso que James usasse os óculos para entender o “eu te amo” sussurrado por trás de borbulhas que os lábios dela esboçaram na água.
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As cortinas avermelhadas se enrolavam como serpentes, torcendo-se em torno umas das outras e subindo pelo dossel. Merda, ele ia ter que resolver aquilo! Aluado não ia gostar nada de ter serpentes no quarto. Faria isso, com certeza. Assim que tudo parasse de girar tão intensamente e ele conseguisse descobrir onde tinha enfiado a varinha. Prendeu as mãos no lençol da cama, para se segurar. Não queria cair, mesmo que, aparentemente, o mundo estivesse dissolvendo-se debaixo dele. As serpentes não pareciam se importar com isso.
- Que horas vamos jantar? – Sirius indagou, experimentando a própria voz. Sua garganta estava pastosa e ele soava como um babaca engomadinho da Corvinal. Por que estava soando como um babaca?
- Eu não te disse que nós já jantamos, Almofadinhas? – Rabicho não ergueu os olhos da revista em quadrinhos que estava lendo. Virar a cabeça para olhar para ele fez o mundo estremecer um pouco mais.
- Eu já perguntei isso?
- Duas vezes.
- Então por que estou com tanta fome? – Seu estômago roncava ensandecido, como um urso acordando depois do inverno.
- Por que será?
- Isso só você mesmo pode nos dizer, meu caro. – A voz de Aluado parecia tão distante. Será que o terremoto tinha separado o quarto deles em dois?
- Aqui, come isso! – Peter entregou um pacote de biscoitos com gotas de chocolate na sua mão. Aquelas gotinhas tinham patinhas demais para serem chocolate, não tinham? Cinco, seis, sete... Se mexendo em cima do biscoito.
- Já não era sem tempo! – Sra. Xarope atacava novamente. Sirius gargalhou, pensando naquele nome. Era um apelido que ele tinha criado para a personalidade controladora de Remus. Não era genial? Sra. Xarope! Ela usava bobes nos cabelos e chinelinhos. HAHAHAHA.
- O que diabos aconteceu com ele? – Pontas também parecia falar de longe, encostando a porta.
- O que você acha?
- Oh, Merlin! – O baque do corpo do amigo na cama ao lado da sua fez com que o mundo saísse dos eixos de vez.
- CARALHO, PONTAS! Eu estou tentando não cair aqui.
- Estou vendo, Almofadinhas. Estou vendo! Que tal se você tomar um pouco de água? Vai ajudar. – Sentiu que James colocava o copo sob seus lábios, empurrando suas costas ligeiramente pra cima. Como ele tinha chegado perto tão rápido?
- Ajudar? Com o quê? Você por acaso virou discípulo da Sra. Xarope? – Ele riu, cuspindo a água que estava em sua boca. – Por que eu precisaria de ajuda?
- Sexo e drogas demais, Almofadinhas. E pouco Rock’n’Roll.
- VAMOS CANTAR!
- Vamos, mas só depois que você tomar esse copo de água todinho.
- Que porra de água! Garçom, me traz um uísque!
- Nada de uísque por hoje. Vem, toma esse copo logo!
- Esse bar tem cheiro de espelunca barata. – Bebeu um gole atrás do outro, pra se livrar logo daquilo. A água parecia oleosa, escorrendo por sua garganta e deixando seu céu da boca emplastado. – Ah, não... É você que está cheirando a cigarro!
- Que maluquice é essa, Almofadinhas? – O amigo o ajudou a se recostar, com apoio do travesseiro. - Come esses biscoitos logo. A cama já está cheia de farelos...
- E digo mais: Aquelas merdas mentoladas. – Mastigou até que os insetinhos virassem uma pasta dentro de sua boca. Não é que eles tinham mesmo gosto de chocolate? Devia ser coisa da Zonkos. - Puta que pariu, James Potter! Eu odeio esse caralho desse cheiro!
- Eu vou me meter no banho em um segundo e te deixo em paz.
- Você realmente está cheirando a cigarro. – Ouviu Aluado sussurrar, pelas suas costas.
- EU FALEI!
- Fica quieto e come! – A ordem de James e Remus veio em uníssono.
- Faz tempo que ele chegou assim? – Tinha quilômetros de distância entre a voz cochichada de Pontas e a cama de Sirius.
- Faz. Estamos aqui há um bom tempo desde o jantar. Você é que sumiu! – Aluado tinha um tom acusatório na voz. Por que estava sendo tão duro com o amado Pontinhas? Era aquela Sra. Xarope tomando conta dele. Ela era rabugenta! Sirius gargalhou de novo. Ai, ai...
- Parece que vai e vem em ondas. – Rabicho acrescentou. – Meia hora atrás ele cismou que ia arrancar a roupa e sair pra Sala Comunal. Nós dois quase não conseguimos segurar.
- Vocês guardaram a varinha?
- Não, somos dois energúmenos. É claro que guardamos! – O timbre de Remus parecia cansado.
-EI! A minha varinha! Vocês viram? – Sirius gritou, tentando fazer com que sua voz sobreposse a dos outros.
- Daqui a pouco ela volta, Almofadinhas. Termina os biscoitos! – O aumento no tom de Remus fez os ouvidos de Sirius doerem. Por que ele precisava gritar tão alto?? - Onde você se meteu esse tempo inteiro?
- Hogsmead, onde mais? Traçando a rota pra semana que vem. Vamos montar o mapa? – Lá vinha ele com aquele história de mapa de novo. POR MERLIN! Aluado já tinha feito tantos rabiscos que podia encher a biblioteca de Alexandria.
- Depois que você tomar banho.
- Todo mês vocês fazem de novo a merda desses mapas. QUE PERDA DE TEMPO! – Sirius gritou, para que sua voz alcançasse o outro lado do quarto. – Por que diabos não fazem uma porra de um mapa de Hogsmead inteira, com os cacetes das passagens secretas e o caralho a quatro?
- Não se mete, Almofadinhas!
- Na verdade, não seria uma má ideia.
- E se alguém encontrasse o mapa? – Rabicho se intrometeu, curioso.
- É exatamente o meu ponto.
- Era só a gente não perder. – Quase dava pra ouvir Aluado dando de ombros.
- Óbvio, Aluado. É fácil para um caralho controlar que um lobisomem e três animagos se lembrem de não perder um pedaço de pergaminho.
- A gente controla outras coisas piores!
O mundo parecia estar ao revés quando Sirius levantou o corpo para olhar para os amigos, borrado em pinceladas vermelhas e douradas, como o quadro da mulher gorda. O rapaz esfregou os olhos, afastando os cabelos que tinham se grudado no rosto com o suor. Aluado e Pontas se pareciam com dois arbustos, tremulando ao vento. Alguém podia fechar a janela? Sirius sentiu o próprio corpo tremer com o frio.
- Vocês são bruxos ou dois idiotas?? - Ele deu outra gargalhada. Como é que seus amigos podiam ser tão estúpidos e se sair tão bem na escola? A falta de malícia era tão tremenda quanto a de um par de sacos de batatas. - É só usar um feitiço pra que só quem a gente quiser consiga ver o que está desenhado lá.
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James fechou os punhos da jaqueta. A madrugada podia se tornar fria em Hogsmead, sobretudo na floresta. Peter estava embrulhado na cama, dando um último cochilo antes de eles saírem. James nunca tinha conseguido entender como ele era capaz de dormir naquela situação. A tensão pré-fuga era sempre eletrizante demais para que ele fosse capaz de pregar o olho. É possível que a enorme quantidade de comida que Pettegrew ingerira no jantar fosse a forma dele gastar a ansiedade antes da hora de irem. Sirius estava gastando a dele no banheiro, onde tinha se enfiado há pelo menos meia hora. James imaginou que ele pudesse estar com alguma companhia. Era bom que voltasse rápido, porque já estava tarde pra vagar pelos corredores. Isso quer dizer que logo chegaria a hora de eles saírem.
Sentia certa inveja do amigo. Por mais que fosse difícil, James tinha que abdicar de Narcissa naquelas noites. Não seria seguro que ele encontrasse com a garota, correndo o risco de perder a hora ou de deixar os amigos desconfiados. Aquele eterno jogo de esconder tinha se tornado cansativo nos últimos meses. Precisava que uma parte de sua mente estivesse sempre vigilante, ainda mais agora, com a falta de roupas e o excesso de barulho. Queria poder ter a liberdade que Sirius julgava justo ter para suas libertinagens.
- Você chegou cedo pra próxima lua cheia, Almofadinhas. – Juntou toda a ironia que conseguiu naquela frase, limpando os óculos na camisa para evitar propositalmente olhar para o outro.
- Eu nunca estou atrasado, Pontas. O segredo é não ter relógio! – A piscadela petulante veio a seguir, como James já esperava.
- Por que tanta demora? Você não estava fazendo um banheirão, estava?
Os cabelos ainda estavam molhados do banho e Sirius se deitou na cama, com a toalha presa no quadril. Revirou os olhos, como se fosse inútil responder àquela pergunta.
- Com o Oscar? Você usou alguma coisa?
- É claro que não! Eu não sou tonto o suficiente pra tentar transfigurar a mim mesmo estando alto, né? Por Merlin! - Sirius abriu a gaveta, para pegar um resto de cigarro, que reacendeu.
- Mas que merda, Sirius?! Nós temos que ir!
- Eu não estou com pressa. – Catou uma camisa suja no chão, enrolando-a e lançando na cabeça de Rabicho.
- NÃO FUI EU! – Peter pulou da cama de súbito, procurando a varinha.
- Hora de sair, Rabicho! – James também se virou, para buscar a varinha na mesa de cabeceira.
- Mas o Almofadinhas está de toalha!
- Ele vai ficar pronto antes que eu consiga contar 3.
- Não vou não.
- Porra, Almofadinhas! A rota de hoje é longa!
- A rota, a rota... Que porra de rota! Até pra gente se divertir agora tem que ter protocolo. Foda-se sabe?
- ‘Tá bom. – Ele amontou os travesseiros embaixo do cobertor, uma precaução que provavelmente não fazia nenhum sentido. Hábitos eram hábitos. – Vamos deixar nosso amigo mofar sozinho lá embaixo, enquanto você fuma tranquilamente um puto cigarro depois de foder!
- Quem disse que ele está sozinho?
- Eu... Você... Ele disse? – Os olhos de Rabicho transpareciam confusão quando ele olhou para James.
- Que porra você falou, Almofadinhas?
- Disse que arrumei um encontro pro nosso amigo. – Sirius quase não conseguia conter o sorriso diabólico.
- Puta que pariu! – James largou os travesseiros, bagunçando os cabelos de forma frenética. – De onde você tirou a ideia de que seria divertido mandar a Dorcas se encontrar com um lobisomem adulto, Almofadinhas????
- A Dorcas? E supostamente eu é que usei drogas? Por que eu faria isso com alguém que eu gosto?
- Se não foi a Dorcas, quem você...? – Peter não era capaz de completar nenhuma frase debaixo de tanto nervosismo.
- O Ranhoso, é claro!
- Caralho, SIRIUS! – James enfiou o tênis nos pés em um nanosegundo.
- Pra ver se aquele idiota para de bisbilhotar e se meter onde não é chamado! Muito em breve ele deve estar entrando no túnel e vai ter o que merece.
- PUTA QUE PARIU, SIRIUS! Você falou pra ele sobre como desarmar o salgueiro?
- Ele me enquadrou! Só dei uma dica como quem não quer nada... Como ele se acha tão fodão, não tenho dúvidas de que mordeu a isca direitinho. Onde é que você vai? – Ele franziu o cenho, assim que James jogou a capa de invisibilidade sobre o corpo.
- Tentar consertar a merda GIGANTESCA que você fez!
- Qual é, Pontas? E ferrar a gente? Deixa o idiota se foder sozinho!
Ele só podia estar brincando! Tentou respirar fundo, mas tudo o que emanava do seu corpo era medo, nervosismo e frustração. Como era possível que Sirius pudessem ser tão estúpido? Foi até a porta em dois passos, ciente de que sairia do quarto e encontraria uma tragédia. Contudo, se não saísse, passaria o resto da vida remoendo a própria covardia.
- ESSE TANTO DE PORCARIA QUE VOCÊ USA DERRETEU SEU CÉREBRO? EM ALGUM CARALHO DE MOMENTO NA SUA BRINCADEIRA VOCÊ PENSOU NO QUANTO O ALUADO VAI SE FODER QUANDO DESCOBRIREM QUE UM LOBISOMEM ATACOU UM ALUNO NA ESCOLA, PORRA?
- Mas o otário do Ranhoso se meteu lá porque quis!
- Claro, Sirius! É claro que é assim que as coisas acontecem. Porque qualquer pessoa em sã consciência vai achar que UM LOBISOMEM é a VÍTIMA da história! ACORDA, PORRA!
- O filho da puta do Snape é só um pobre mestiço, Pontas! Não é como se a comunidade bruxa fosse se importar.
- Às vezes você soa assustadoramente como a família a quem tanto despreza, Black.
James abriu a porta, os dedos sacudindo violentamente. Não dava pra esperar mais um segundo. Na verdade, ele já estava atrasado demais. Podia não ter sobrado Ranhoso nenhum para contar história. Fez uma prece para que aquilo não fosse verdade.
- Eu vou com você. – Almofadinhas veio atrás ele no corredor, fechando o zíper da calça jeans, sem cueca nenhuma por baixo.
- A capa é pequena pra dois. Fica quieto e vê se não atrapalha mais!
Voou pelas escadas num instante, deixando os dois amigos pra trás. Já tinha conjurado um feitiço silenciador nos próprios sapatos antes de passar pelo quadro da mulher gorda. A última coisa que ia querer agora era ser pego. Seria fantástico poder saber por onde andavam os monitores e professores que faziam a ronda noturna, enxergá-los na forma de pontinhos que cintilassem como estrelas no céu noturno. Infelizmente, só podia contar com a própria astúcia e com a sorte. Se trombasse com alguém ou despertasse qualquer suspeita, estaria muito ferrado! Quase sentiu vontade de rir, avaliando se havia forma de ficar ainda mais ferrado do que ele já estava.
A lua cheia reluzia alta no céu. Era uma ironia que a noite estivesse tão linda para acomodar a tragédia que tinha se anunciado. Snape não estava em lugar nenhum. Exceto por ele, encoberto pela capa, o jardim estava completamente vazio, como deveria estar àquela hora. Isso significava que ele já tinha entrado no túnel. Merda, merda, merda! Correu os últimos metros, enxergando o buraco aberto entre as raízes. Era um golpe de sorte! Fazia pouco tempo que o Ranhoso tinha entrado. Oh, Merlin! Por favor, por favor! Se o sonserino estivesse diante de Remus transformado, James teria que se transfigurar, para lutar com o amigo. Não ia ser nada bonito! Ele não sabia como o lobisomem reagiria diante de uma presa que viesse ao seu encontro tão indefesa. E tampouco lhe parecia favorável que o Ranhoso, logo a mais asquerosa e arrogante de todas as pessoas que ele conhecia, tomasse consciência do maior segredo que os marotos guardavam. Isto é... Do segundo maior. O maior de todos, a verdade sobre Remus Lupin, ia ser difícil de continuar escondendo.
Ele escorregou pela descida de terra até o leito do túnel. Enfiou a capa pra dentro do bolso da jaqueta, mantendo a varinha em punho. Encurvou-se e seguiu adiante. O túnel estava parecendo mais longo do que nunca! Fazia o trajeto correndo, sem se importar em ser ouvido, com as passadas mais longas que conseguia dar estando tão curvado. A cada metro, sentia o desespero se avolumar ao seu redor. Estava suando como um porco, por todas as partes do corpo. Ia dar merda. Já tinha dado merda!
O túnel finalmente começou a subir. O coração de James estava aos solavancos. MERLIN! Ranhoso estava ali. Ainda estava ali! Tinha ficado parado, em frente a passagem. Estava tão perto...Perto o suficiente? Segurou o rapaz pelo braço, usando toda a força que tinha no corpo para jogar os dois ao chão.
- ME SOLTA!
- Shhh! Ele vai te ouvir. – O final da subida guardava o quarto em que o lobisomem estava.
- Me solta, Potter!
- Nós temos que ir! Logo! – Deixou que ele de desvencilhasse. Cada um deles se afastou para um dos lados do túnel, meio deitados, meio sentados.
- Eu não vou a lugar nenhum!
- Você é idiota? Quer morrer? Porque a coisa que está lá não vai ter piedade de um jovenzinho de cabelos oleoso e nariz avantajado.
- Vai se foder!
- Escuta só, Ranhoso: Nós temos que voltar. Agora! Antes que ele nos ouça e venha atrás de nós.
- Eu não preciso que você me salve, Potter. – O semblante enojado de Snape era tão presunçoso que James sentiu o impulso de deixar que ele se ferrasse. - Posso cuidar de mim mesmo!
- Posso ver! Indo ao encontro de um...
- De um o quê, Potter? – Ele ergueu a sobrancelha.
- Você sabe o quê. – James murmurou, contrariado.
- Vocês são nojentos! Se fingindo de bonzinhos, de divertidos... Se esbaldando em popularidade, em soberba...
- Eu devia ter deixado você morrer.
- Seria mais digno! Do que vir aqui só pra poder se gabar.
- Ah, por favor! Eu estou salvando a sua vida!
- É o que você vai fazer questão de dizer pra escola inteira amanhã.
- Acha que eu sou idiota?
- Acho!
- Então vai tomar no cu!
- Vai você!
- Porque eu seria burro o suficiente pra contar pra toda a escola que o meu amigo é...? Eu tenho cérebro, Ranhoso!
- Isso é novidade!
- Tudo bem! Por mim, você podia se foder inteirinho. Ser atacado, morrer ou se condenar a uma vida inteira de marginalidade. Eu sinceramente não ligo! Até que eu ia gostar de ver! Mas sabe o quê? Por trás daquela besta, tem um cara que eu... amo! E ele não merece arcar com as consequências das sandices de dois idiotas inconsequentes como você e o Sirius. Pra ele, isso aqui não é nenhuma brincadeira. - Snape pareceu reconsiderar, olhando para os dois lados do túnel. - Vamos! Você já viu o que queria. A sua teoria estava certa. Satisfeito? – Como se fosse programado, o lobisomem grunhiu, resfolegando. – Vamos! Agora.
O corpo de James ainda tremia, tomado pela emoção. Arrastou o outro, empurrando-o para que subisse a sua frente. Olhava para trás a cada poucos segundos, com medo de que estivessem sendo seguidos. As varinhas clareavam o caminho, enquanto os dois fugiam. Quando enfim alcançaram a superfície, ele respirou aliviado. Não podia ser verdade que tudo tivesse ficado bem! Exceto pelo segredo de Aluado, que estava arruinado graças a estupidez e imaturidade de Sirius. Não podia ser verdade! Apagaram as varinhas. Agora só precisavam voltar aos dormitórios sem que ninguém percebesse. Ele enfiou a mão no bolso, prestes a revelar o terceiro maior segredo dos marotos para o seu pior inimigo, mas não teve tempo o suficiente para puxar a capa de invisibilidade.
- É uma bela noite para empreender um passeio tão arriscado, não acham, senhores? – Albus Dumbledore, em pessoa, estava parado em frente o Salgueiro Lutador, com a varinha iluminada apontando para os rostos dos dois garotos.
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Raiz de romãzeira selvagem. Foi num vislumbre que ele leu a etiqueta. Apertou os olhos, antevendo o barulho do vidro se espatifando no chão. Não demorou um instante para vê-lo flutuando em retorno à prateleira. James sorriu, aliviado que a barreira enfeitiçada por ela tinha funcionado. A mão longilínea agarrou sua nuca, reivindicando o seu regresso. Ele não hesitou, deslizando a boca de volta ao calor do baixo ventre dela.
- Shhhhhhhh!...aos desavisados, o chá desta erva pode tornar-se um vício. Por isso a quantidade de gotas deve ser precisamente medida na poç...
Onde ele estava mesmo? Ah, sim! Raiz de romãzeira selvagem. A adrenalina circulava veloz em seu corpo. Ele estava suando, apertado naquele armário. A perna da moça, apoiada na escada de madeira, estremecia ligeiramente a cada vez que a língua dele descobria novos caminhos por dentro dela. A respiração entrecortada da garota era um bom termômetro do seu desempenho.
- Sr. Black e Srta. McKinnon, a conversa de vocês está tão interessante! Não gostariam de trabalhar juntos? – Slughorn parou diante da mesa em que Sirius estava, com um sorriso encharcado de ironia.
Narcissa apertou a estante com mais força e os vidros tilintaram uns contra os outros. Centenas de ingredientes raros, cujo acesso deveria ser reservado ao mestre de poções, correndo o risco de se despedaçarem. Bastava um só movimento em vão. Ela se esforçava em manter o controle e uma insensata parte de James trabalhava justamente para que ela o perdesse. Levantou, sob protesto, unindo-se a ela em um beijo, enquanto escorregava os dedos de encontro à umidade que se espalhara por entre as coxas dela.
- Tudo bem, Sr. Potter? – O professor pigarreou. - Sr. Potter?
- Perdão, Professor? – James se rearranjou na cadeira, passando a mão pelos cabelos num gesto de nervosismo. Lily Evans estava postada de pé, exatamente ao seu lado.
- Pelas barbas de Merlin, o que está havendo? Vocês estão impossíveis hoje! – O velho bufou, já sem paciência. – Como o Sr. Lupin não pôde vir a aula hoje, creio que o senhor não se incomodaria em fazer a gentileza de corrigir o erro que causei deixando a Srta. Evans sem dupla. Incomodaria?
- Como o senhor quiser, professor.
- Sr. Pettegrew pode se juntar a vocês também, é claro. Tentem não explodir algum coisa! – O homem puxou a capa atrás de si, dirigindo-se a quietude da própria mesa.
- Certo. Acho melhor começarmos com a raiz de romãzeira, já que precisa esfriar. Pode me passar o infusor, Potter?
- Aqui! – Rabicho se esticou por cima dele, alcançando o objeto para a garota.
- Eu devo ter cochilado em algum momento... Por que é que mesmo estamos trabalhando em dupla hoje?
- Baixa disponibilidade de ingredientes. – Evans nem se deu ao trabalho de tirar os olhos da planta.
- O Ministério anda em cima do professor Slughorn! – Peter estava entusiasmado para se mostrar entendido do assunto diante da moça. - O uso de animais em poções e toda aquela discussão sobre crueldade... Você sabe.
James não sabia, mas ficou quieto. Se o Ministério era contra aquilo, o rapaz estava do lado deles pela primeira vez. Usar animais como ingredientes em poções não parecia muito ético mesmo. Ainda mais para uma poção que... Ele levantou os olhos para a louça, procurando o que diabos eles estavam estudando. “Poção anfíbia, para respirar na superfície e embaixo d’água”. Certo. Agora o cadáver estendido e dissecado do sapo fazia algum sentido.
Evans trabalhava como um robô, executando corretamente cada uma das ações descritas no livro. Não titubeava, consultando as páginas apenas para confirmar o que já sabia de cor. Rabicho e ele não precisaram de muito esforço, atendendo aos pedidos dela para realizar as partes mais simples. Bocejou, entediado, enquanto cortava a vitória-régia em finas fatias longitudinais.
- Você é muito boa! – James tentou quebrar o gelo.
- Não é adequado se distrair com conversas, se está trabalhando com uma faca.
- Acho que sou perfeitamente capaz de conversar e executar uma tarefa como essa. Desde os... 8 anos de idade. - Ele revirou os olhos. Não dava pra contar que ela se afastasse um centímetro da linha.
- Se você está dizendo. – A fumaça subiu em espiral sobre o caldeirão, quando ela desenhou 4 voltas em sentido anti-horário.
O grito veio do nada. Tão estridente quanto aterrador. Foi impossível que toda a sala não se virasse para ver de onde tinha vindo. Uma bancada atrás, Sirius ainda conservava no rosto os vestígios do sorriso travesso que ia se dissolvendo. O professor se levantou, vindo em passos decididos até eles. O coração de James disparou. Vinha sendo assim, nos últimos dias. Quase tudo era capaz de deixá-lo nervoso. A semana tinha sido cheia de emoções fortes demais.
- PARE! PARE! – Lily largou tudo sobre a mesa, a face tornando-se vermelha de raiva. - Você é idiota??
- Foi só uma brincadeira!
Marlene tinha desaparecido, o corpo encolhido contra o chão. Suspenso no ar, o sapo se movia, reanimado. Sirius, estático, mantinha a varinha apontada, erguendo-o ali.
- Srta. McKinnon, a senhorita está bem? – A voz retumbante de Horário Slughorn tomou a sala.
- Com você é sempre uma brincadeira, não é? A vida é uma grande diversão! Ela tem FOBIA à sapo, Black!
- Eu... Eu não sabia.
- É claro que não sabia! Você não liga pra nada além do seu próprio umbigo. – Lily se aproximou da amiga, pondo as mãos sobre os joelhos dela. – Está tudo bem, Marlene. Foi só um feitiço idiota! Vem, levanta!
A morena arfava, como se o ar não fosse suficiente para lhe encher os pulmões. Ela cobria o rosto com uma das mãos trêmulas. A outra estava sobre o lado esquerdo do peito. James já tinha visto aquela cena. Largou a faca e deu a volta correndo na bancada.
- Marlene, você consegue me ouvir? – Ele se agachou, falando em tom baixo. A garota balançou a cabeça ligeiramente. – Ótimo! Você precisa respirar, tudo bem? Nós podemos contar... E então você respira! No três, que tal? Um, dois, três...Respira!
Não funcionou. Marlene parecia uma asmática, incapaz de puxar o ar. Ele sabia que não era isso. Os outros alunos encaram a cena meio estarrecidos. É provável que a maior parte das poções já tivesse estragado a esse ponto, mas ninguém se moveu. Sirius abaixou a varinha, largando o sapo sem-vida de volta ao seu repouso eterno. James fechou os olhos, pensando. O que poderia acalmar Marlene McKinnon?
- Tem uma música que meus pais cantavam pra mim quando eu era criança. Aposto que você conhece! Hahaha, hihihi, ninguém conseguiu enganar Babbitty! – Ele começou a solfejar, baixinho para que só ela ouvisse, embora o canto tenha ecoado pela sala, em que o silêncio sepulcral era quebrado apenas pelo borbulhar dos caldeirões. – Por que você não canta comigo? Hihihi, hohoho, do rei trouxa ela só teve dó.
Lily Evans o encarava como se estivesse vendo um louco imitar o próprio Merlin. Slughorn tinha os olhos atentos e a mão nas vestes, preparado para sacar a varinha a qualquer momento. James manteve a voz baixa, esperando que Marlene o seguisse.
- Hahaha, hihihi, ninguém ... Vamos, Marlene! Eu sei que você já ouviu a história da velha Babbitty! Ninguém conseguiu eng...
- Enganar Babbitty. – Ela murmurou, a voz fraca, e depois tossiu.
- Isso! Você precisa cantar, vamos! Hihihi, hohoho...
- Do rei... Do rei trouxa ela só...Teve dó.
- Maravilha! Agora vamos juntos, está bem? Você tem que cantar comigo. Onde já se viu? Falsas varinhas! Onde já se viu?
- Ca-Cachorros latindo! – Marlene tirou as mãos do rosto, observando-o, temerosa.
- Onde já se viu? Cortada ao meio! Onde já se viu?
- Uma árvore malvada!
- Hahaha, hihihi...
- Ninguém conseguiu enganar Babbity! – James observou a respiração se estabilizando, a medida em que ela tomava posse da canção infantil.
- Hihihi, hohoho, do rei trouxa ela só teve dó.
Cantavam juntos, quando ela começou a retornar aos eixos. Só então James se levantou, afastando sua atenção da moça. Os olhos arregalados de Evans estavam sobre ele, assustando-se quando ele a fitou. Toda a turma parecia ter voltado a respirar, dissipando a atmosfera de emergência que tinha se instalado. Ele estendeu a mão e McKinnon a segurou, usando-o como apoio para se erguer.
- Isso foi... – A ruiva começou, piscando os olhos com interesse.
- Crise de pânico. – James a interrompeu, em baixa voz. – Minha mãe tinha episódios recorrentes depois que foi atacada por um cachorro.
- ... tão bondoso, Potter! Quanto heroísmo para uma única semana! – Evans acrescentou, ostentando um sorriso irônico.
- Srta. McKinnon, a senhorita está se sentindo melhor? Creio que deveria ser levada até a ala hospitalar. Srta. Evans, por favor, a acompanhe! – Slughorn apertou os dedos, pensando. – A CLASSE ESTÁ DISPENSADA POR HOJE! Sr. Black, venha comigo imediatamente! A diretora da sua casa vai querer estar a par do que acabou de acontecer aqui.
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- E então? – James já estava de pé, quando ele entrou. Se olhasse por baixo, Sirius certamente veria um buraco onde o amigo estivera andando de um lado para o outro.
- Eu estou completamente fodido. – Sirius largou-se sobre a cama, sem cuidado.
- O quê? Por quê?
- Nós já fizemos brincadeiras piores antes. – Rabicho balançou a cabeça, meio incrédulo.
- Pra eles não, Rabicho. Pra eles não.
Sirius prendeu os cabelos num coque frouxo. Seus dedos ainda tremiam ligeiramente. Ele estava angustiado. Mais preocupado com Marlene do que com a própria pele. Era óbvio que ele tinha feito merda e ia ter que pagar por isso! Não importava, ele era capaz de aguentar. Todavia, se a garota não estivesse bem, de onde ele ia arrumar forças pra lidar com a própria culpa? Eles eram amigos, afinal. Bons amigos! E às vezes até um pouco mais do que isso. Como é que ele não tinha se dado conta que aquilo ia dar errado? Encantar um sapo para zombar da menina só pareceu uma boa ideia pelos poucos instantes em que demorou pra formular a brincadeira. Usou a varinha para acender um cigarro e deu três tragadas, antes de ter coragem pra se explicar.
- Os professores acham que eu... Estão me acusando de ter feito um inferius, cara.
- O QUÊ? – Os dois amigos soaram juntos, abismados.
- É. Me interrogaram vinte vezes perguntando onde eu tinha aprendido aquela magia pra fazer a porra do sapo dissecado voltar a vida. – Ele deixou a fumaça sair pelo nariz, devagar. - Eu SEI LÁ, porra! Eu só pensei que seria engraçado e fiz... Não passei meses procurando necromancia na seção reservada da biblioteca. Eu só... fiz.
- Mas, era um sapo! – O cenho de Pettegrew estava franzido.
- Exatamente! A inofensiva porra de um sapo. Só que pra McGonagall e pro Slughorn, criar o caralho de um sapo zumbi é magia das trevas. – Ele voltou a lançar o corpo contra a cama, com um baque. – Eu estou completamente fodido!
- Você bem que mereceu. – Pontas falou entre os dentes, visivelmente decepcionado. - Dois GRANDES vacilos na mesma semana, Almofadinhas! Qual é, cara? Quer matar a si mesmo e mais quantas pessoas? E eu nem estou contando o seu porre na última visita a Hogsmead.
- Eu sei.
- O que você fez com o Ranhoso... Se não fosse por mim! Podia ter dado uma merda tão grande, mais tão grande..! Eu ainda vou passar duas semanas pagando pelo que você fez! Eu devia ter contado ao Dumbledore que tinha sido ideia sua. O Ranhoso quase deu com a língua nos dentes. Mas eu quis ser um bom amigo e te salvar.
- Eu sei!
- Ele é nosso inimigo, ok. Não justifica, mas explica. Só que... a Marlene?
- EU SEI! EU JÁ OUVI! Foda-se também...
- Quanto eles te deram de detenção? – O garoto arrumou os óculos no rosto.
- Até a semana anterior aos NOMs. Todos os dias. E podia ter sido pior!! O Slughorn queria chamar Órion e Walburga aqui! Só não fez isso porque a McGonagall interferiu. Ela achou que não valia a pena incomodar os seus pais com isso, Pontas. – Deu outra tragada, tentando aliviar o nervosismo. – O filho da puta do Slughorn teria me expulsado, se pudesse! Teria feito isso, se não tivesse acontecido o que aconteceu.
- Se não tivesse acontecido o quê? – Peter se acercou, o rosto enrugado, sentando-se ao lado do amigo.
- Vocês não sabem?
- Saber do que, Almofadinhas? A gente estava parado aqui igual duas estátuas, esperando você voltar! – James também veio até a cama dele.
- Fala logo, porra!
- Atacaram a MacDonald. A maluquinha, do 6º ano! Eu não sei quem foi, mas o Slughorn ficou mansinho na frente da McGonagall quando disseram que tinha sido alguém da casa dele. Isso aí é que foi magia das trevas de verdade...
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Estalou os dedos, logo depois de largar a pena sobre a mesa. Euphemia continuava concentrada. Os olhos escuros se moviam de uma ponta da página à outra, absorvendo tudo o que as letras impressas no pergaminho podiam dar. Evan também se mantinha fiel ao livro, copiando um trecho ou outro para suas anotações. Numa mesa mais ao fundo, Yvonne tinha espalhado os próprios materiais. A ruiva sustentou o olhar, encarando Narcissa sem pudor. Aquela história já vinha durando muito mais do que ela julgava ser natural. Cissy desviou o olhar para o relógio posicionado bem acima da cabeça de Madame Pince. Já estavam ali há quase quatro horas.
Com a aproximação dos NIEMS, até mesmo os setimanistas menos dedicados andavam com a cabeça nos estudos. Nas últimas semanas, ela tinha se sentado junto aos amigos na biblioteca todos os dias, dedicando-se aos livros como louca para compensar a enorme quantidade de tempo em que sua mente insistia em vagar sempre para o mesmo ponto: James Potter. Inferno! Ela estava tentando correr atrás de tanto prejuízo e talvez até tivesse conseguido aprender alguma coisa nova naquele meio tempo. Mas a verdade é que ainda pensava muito mais nos encontros que tivera com o garoto do que no enorme volume de baboseira que seria requerido dela nos exames.
Quatro horas por dia não eram nada se ela realmente quisesse tirar notas boas. Mesmo assim, ela estava exausta. As têmporas latejavam, suplicando por um descanso. Seria mentira se dissesse que se incomodou quando percebeu que Natanael Bulstrode vinha na sua direção, atravessando a biblioteca com pressa. Nate estava sempre apressado! Ela se empertigou na cadeira, esperando ouvir as palavras de alforria que viriam da boca do garoto.
- Cissy, você pode vir comigo? – Foi como ter anjos tocando harpa ao seu redor e ela fez o que pode para dissimular um incômodo em ter que deixar a biblioteca para trás.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntou, mesmo já sabendo a resposta, depois que tinham entrado no corredor.
- É claro que aconteceu! – Ele parou, olhando pra trás. - Você vai vir ou não?
- Se você me contar o que aconteceu. – Os braços dela estavam cruzados em frente ao corpo.
- Eu vou! Não seja teimosa. – Nate segurou seu braço, arrastando-a pelo corredor. - Ande rápido!
- E então?
- É uma garota, da Grifinória. – O monitor-chefe olhou para os dois lados antes de começar a responder, em voz baixa. Cissy quase voava ao lado dele, para manter a mesma velocidade e conseguir ouvir o que ele ia dizendo no caminho. – MacDonald. Nascida trouxa, é claro! O nosso querido amigo Damian achou que seria legal pregar uma peça nela. Só que os professores não viram muita graça na coisa toda. Alegam que ele usou... – Ele baixou ainda mais a voz, obrigando Narcissa a praticamente ler seus lábios. - Artes... das trevas.
- Espere! O quê?
- Reação perfeitamente adequada. – Natanael olhou para os lados de novo, enquanto subiam as escadas até o terceiro andar. – Temos uma reunião da diretoria e talvez a coisa toda acabe no conselho, se for preciso. A McGonagall vai pedir a expulsão dele.
- Espere! O quê? Aquela mulherzinha caquética!
- Reação perfeitamente adequada, de novo. Viu? É por isso que eu chamei você!
- Com isso você quer dizer...? – A garota franziu o cenho, ressabiada.
- Bem... Nós dois sabemos que o Sr. e a Sra. Mulciber fazem ótimas e regulares doações para a educação de jovens bruxos, não é? – Esperou que ela assentisse, antes de continuar. - E certamente concordamos que eles não gostariam nada de ver o próprio filho ser expulso nessa altura do campeonato.
- É claro! Mas o que EU tenho a ver com isso?
- Nós dois também sabemos que você tem um certo prestígio com o nosso estimado Diretor, depois daquela coisa com a vice-diretora de Beauxbatons. – Ela deu de ombros, com falsa modéstia. - E que sabe agir como uma excelente advogada do diabo quando quer, não é mesmo, Cissy? Considerando que o nosso amigo está fodido como o inferno, quem melhor pra me ajudar a melhorar a situação dele do que a advogada do diabo?
- O professor Slughorn certamen...
- O professor Slughorn achou que era uma excelente ideia chamar você para nos acompanhar. – Nate deu uma olhada de esguelha, avaliando o semblante fechado que Narcissa ostentava. -Por favor, Cissy! Só tente me ajudar a diminuir o estrago que já está feito. PUDIM DE LARANJA! Não vamos querer ver o escândalo que vai ser se o Damian for expulso. – Ao comando do rapaz, a entrada da sala do Diretor começou a aparecer por trás da estátua em formato de águia.
- O que eu não faço por você, Natanael Bulstrode? – Soltando o ar com força, ela subiu no primeiro degrau da escada, logo atrás dele.
- Excelente!
- Nate. – Ele torceu o tronco para fitá-la. – Como a garota está?
- Quem liga pra como está uma sangue-ruim, Narcissa?
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