
Encrencas
- Toma! – Almofadinhas largou o pergaminho dobrado sobre a cama.
- O que é pra ser isso? – Remus levantou o objeto, girando-o em várias direções. Todas absolutamente vazias.
- Peguei aquele monte de desenhos que você fez nos últimos meses e... – Ele coçou a nuca, um tanto nervoso. Remus entendeu que aquele era o pedido de desculpas dele.
Apesar de não estar consciente durante o ocorrido, ele tinha o direito de ficar chateado com Sirius. Como é que o amigo tinha colocado a vida dele e de outra pessoa sob tão grande risco por causa de uma vingança infantil? Chegara no quarto, sob as bençãos da lua minguante, e encontrara um clima de enterro. Pontas estava tão fulo que sequer conseguiu explicar o que tinha acontecido! Rabicho tentara amenizar a situação ao relatar o episódio, mas Remus conseguia compreender muito bem o porquê da raiva de James Potter. Por um capricho, Sirius quase fizera duas inocentes vítimas de forma irreparável. É claro que ele não admitia estar errado por completo. Na cabeça imatura do rapaz, Severus Snape merecia todo o mal que pudesse lhe atingir, custasse o que custasse. Agora, depois de mais de uma semana e a soma de outro atropelo para a conta, Almofadinhas dava o primeiro sinal de que queria consertar as coisas entre eles. Isso era bom! Parece que o tempo de mente ociosa durante a detenção com Slughorn estava sendo produtivo.
– Ah, veja você mesmo! - Com um toque da varinha, traços começaram a aparecer sobre o pergaminho como mágica. Bom... Era mágica!
- “Os Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas, feiticeiros malfeitores, têm a honra de apresentar: O MAPA”. – Ele leu as palavras, conforme iam se desenhando. – O mapa?
- É! Não é qualquer mapa. É “O mapa”. O mapa de todos os mapas. Completo, com tudo o que a gente conseguir reunir sobre Hogwarts e Hogsmead ao longo do anos.
- É um nome ruim pra caralho. – Pontas murmurou, ranzinza, sem sequer se mover da posição em que estava sentado, lustrando a própria vassoura.
- Faz melhor então, Sr. Fodão!
- Feiticeiros malfeitores? – Remus estalou língua. – Não vai pegar bem.
- Ninguém vai ver, só a gente!
- Não sei não. – Peter deu um sorrisinho, olhando para James antes de continuar. - O Pontas garantiu que vai querer passar pros filhos, então...
- ‘Tá bom. A gente pode ver isso depois. Tem mais, olha..!
Sirius deu outro toque no pergaminho, usando a varinha. Pouco a pouco, foram se tornando visíveis os diferentes andares do castelo e também os terrenos em volta. Remus reconheceu os traços feitos por ele a pedido de James, desde que eles tinham começado as incursões por Hogmead. Era bem detalhado, com indicações numeradas das passagens utilizadas para atravessar da escola para o vilarejo. Todos os cômodos conhecidos tinham os nomes indicados, com a caligrafia mal-acabada de Almofadinhas sobrepondo seus desenhos. Era maravilhoso! Embora, evidentemente, precisasse de alguns retoques. Havia um monte de traços de apoio que Remus teria que ajudar o amigo a apagar, para dar um acabamento melhor ao trabalho. Como ele tinha sido descuidado com aqueles desenhos! Também, nunca imaginara que seriam reaproveitados depois da lua cheia!
- Com um toque, volta a ficar como antes. – Sob o comando de Sirius, o pergaminho tornou a ser apenas uma folha em branco. – Dá pra enfeitiçar para que só funcione aos comandos de nós quatro. Por enquanto, só eu consigo. Tenta!
Remus se debruçou para pegar a própria varinha na mesa de cabeceira. Tocou o pergaminho com a ponta dela, ansioso. Na mesma caligrafia desleixada, as letras foram se tornando visíveis.
“O Sr. Aluado apresenta seus cumprimentos ao Sr. Remus Lupin e pede que ele não meta essa cara comprida no que não é de sua conta.
O Sr. Pontas concorda com o Sr. Aluado e gostaria de acrescentar que o Sr. Remus Lupin é um tremendo de um come-quieto.
O Sr. Almofadinhas gostaria de deixar registrado o seu espanto de que um santinho do pau oco desse nível tenha a ousadia de mexer com o que não lhe diz respeito.
O Sr. Rabicho deseja ao Sr. Remus Lupin uma boa noite e aconselha a esse bisbilhoteiro que vá procurar uma aula de Adivinhação para assistir se não tem nada melhor para fazer!.”
- Os xingamentos são personalizados? Que barato! – Rabicho se levantou, vindo ao encontro dos outros dois para ver mais de perto o mapa.
- Não vai funcionar. – Ainda concentrado na vassoura, Pontas manteve o tom emburrado.
- Para de reclamar tanto! Duvido que você conseguisse fazer o que eu fiz!
- Faria! E muito melhor!
- Então faz, PORRA!
- Se a ideia é ter um mapa pra passar pras gerações futuras depois que a gente sair de Hogwarts...
- Não é isso! – Sirius interrompeu. - Eu falei que não aguentava mais vocês desenhando essas merdas todo mês!
- Se a ideia TAMBÉM é ter um mapa pra passar pras gerações futuras... Eles precisam conseguir abrir sem a gente. Se só nós quatro tivermos acesso, a coisa morre do mesmo jeito.
- Um de nós vai estar por perto!
- Sempre? Qual de nós vai ser o professor de Hogwarts? – James franziu o cenho, enojado, e os dedos dos outros dois apontaram para Remus sem titubear.
- EU? Coloco as vestes por baixo ou por cima da cauda? – Ele conseguiu arrancar risadinhas dos outros três.
- O Pontas está certo, Almofadinhas! Quem iria fazer o mapa funcionar quando você estiver na cadeia?
- Vai se foder, Rabicho! – Sirius empurrou a cabeça do outro. – A mesma pessoa que vai resolver o problema enquanto você está ocupado se debandando pro lado de Você-Sabe-Quem!
- Seu otário! – Rabicho correu pelo quarto, catando uma meia usada embaixo da cama para enfiar na cara de Almofadinhas.
- Senhoras, vamos manter o foco, por favor! – James bagunçou os cabelos, pensativo. – Como fazer para que somente quem a gente queira posso fazer uso dele, sem que nós precisemos estar lá pra autorizar?
- E se tiver uma senha? Tipo as que damos à mulher gorda? Só quem souber a senha vai conseguir abrir o mapa!
- ALUADO! Você é um GÊNIO! – As mãos alongadas de Sirius seguraram seu rosto, dando-lhe um beijo em cada bochecha.
- A merda é que depois que alguém usar a senha pra abrir, qualquer um que segurar o mapa vai conseguir ver... Inclusive o Filtch ou um dos professores.
- Não, Pontas! – Remus considerou, por um instante. - Não, se também tiver uma senha pra fechar.
- FO-DA! – Almofadinhas apertou os lábios, batendo palmas para cada sílaba. – Eu adoraria ficar aqui igual uma fifi criando essa geringonça com vocês, mas se eu não for jantar agora, vou me atrasar pra detenção e aí acabarei mesmo na cadeia!
- Vamos ter que gastar um bom tempo nessa “geringonça” se a gente quiser deixar “O mapa” perfeito.
- “O mapa” não, Aluado. Esse nome é mesmo uma merda! – Peter deu de ombros, admitindo que Pontas estava certo. – Se queremos que seja memorável, vamos chamar ele de... “Mapa do maroto”.
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Anti-horário. Horário. Anti-horário. Horário. O movimento da colher fazia o líquido correr de um lado para o outro no prato, formando pequenos redemoinhos. Não havia nada de errado com a sopa de repolho. Narcissa é que já tinha perdido o interesse na comida. Com a detenção que James tinha tomado e o intensivo de estudos para os exames (ela, os NIEMS, ele, os NOMS), não tinham conseguido se encontrar na última semana. O comitê do baile de formatura também estivera tomando seu tempo além do que ela gostaria. E havia Gwen. Sempre choramingando pelos cantos por causa do gelo que ainda estava levando de Yvonne. Effie andava quieta, tão concentrada nos estudos que não conseguia dar nada de atenção ao drama adolescentes entre as duas garotas. Toda aquela carga emocional tinha ficado sob a responsabilidade de Cissy. Estava exausta!
Seus amigos pareciam imunes aos efeitos do final do ano letivo. Logan Travers mastigava com a boca aberta, gargalhando da imitação do professor Bins que Richard Jugson fazia. Euphemia estava no terceiro pãozinho, acompanhando com olhar devotado o que quer que Leona estivesse contando a ela e Emma Vanity. Até mesmo Gwen parecia absorta na conversa! Era uma rápida pausa no dramalhão mexicano. Do lado aposto da mesa, Yvonne soltava risadas escandalosas, ouvindo a conversa de Matilda Bulstrode e Harriet Burke e fazendo questão de tocar o braço de Henry Crabbe com os dedos. Entre Narcissa e a ruiva, o restante dos meninos estavam espalhados, conversando sobre alguma baboseira na qual ela não conseguiu se fixar.
Se permitiu vagar com os olhos pelo Salão, encontrando os cabelos rebeldes no mesmo lugar de sempre. James não demorou a perceber que ela estava olhando e respondeu com uma piscadinha por trás dos óculos. “Coma!”, os lábios dele desenharam no ar os sons que não podiam pronunciar. Cissy sorriu e levou uma colherada a boca. Fez uma careta: A sopa já tinha esfriado. Ele deu uma risada, que logo disfarçou. Queria poder aparatar ali, na risada dele, e fechar os olhos, para ouvi-lo contar como tinha sido o dia. Respirou fundo, inquieta. Não ia dar. Pensar naquilo fazia com que ela se sentisse ainda mais sozinha do que vinha se sentindo, mesmo diante de um salão cheio.
Tinha se tornado uma aflição não poder partilhar com ninguém tudo que ela vivenciava ao lado do rapaz, quando o que ela mais queria era recontar inúmeras vezes cada palavra que ele tinha dito. Se resignara a repetir as cenas na própria mente, uma vez atrás da outra. Ainda assim, sentia que elas estavam perdendo a vivacidade ao longo dos dias. Gastara uma madrugada inteira copiando os diálogos, acrescidos de suas próprias impressões, para o diário que ganhara de presente de Severus. Ali, seus segredos estavam seguros, embora desejassem se espalhar pelos quatro cantos do mundo.
Ficava envergonhada em admitir que tinha sussurrado ao vento algumas das coisas que gostaria de dizer, confidenciando a uma Andrômeda invisível sobre a paixão avassaladora que estava vivendo com um traidor do próprio sangue. Ela entenderia, não entenderia? Sendo ela própria uma traidora... Andrômeda seria a interlocutora perfeita! Sorriria nos momentos certos, ficaria ruborizada com os detalhes sensuais, choraria nas partes emocionantes e terminaria com um semblante doce e satisfeito, genuinamente feliz por ver a felicidade de Narcissa. Por que que ela tinha que ter estragado tudo logo agora, que Cissy precisava tanto dela?
- TO-DO santo dia! – Wilkes elevou a voz, a bocarra enorme se abrindo numa gargalhada.
- Eu nem diria dia... – Nate riu, balançando a cabeça como sempre fazia. - Porque o sol nem nasceu ainda quando ele sai!
- Antes das 5 horas da manhã, coisa de louco, completamente! De onde vem a motivação, meu querido Evan?
- Nosso guerreiro está abatido!
- Os NIEMS, cara! Eu preciso gastar tanta ansiedade em alguma coisa!
Colocou um pedaço de pão na boca. Estava amanteigado e fresco. Delicioso! Mas Cissy não sentiu prazer nenhum em comê-lo, experimentando a sensação de mastigar um punhado de areia. Empurrou o prato pro centro da mesa, não conseguia colocar mais nada pra dentro. Nem mesmo a conversa dos garotos lhe chamou a atenção o suficiente para fazer com que permanecesse sentada, esperando ouvir alguma fofoca. Levantou e arrumou as vestes. Ia ter que se contentar com um cigarro, já que o jantar tinha sido um fracasso, de comida e de socialização.
- Onde vai, Cissy? A reunião dos monitores!
- Me lembro bem, Nate. Vou estar lá em um instante! – Cissy bateu no próprio bolso, como se a necessidade do cigarro fosse a única responsável pela fuga dela, e não a válvula de escape para as verdadeiras razões.
- Ei, Cissy! – Damian elevou a voz, pra sobrepujar o barulho do salão. Ela soltou o ar, antes de se voltar na direção dele. – Por que você não ajuda o nosso amigo Evan aqui?
- Saindo pra correr em volta do lago, às 5 da manhã, Cissy! – Natanael esclareceu.
- Problemas com ansiedade! – Wilkes tremulava de tanto rir.
- Você seria a pessoa perfeita pra resolver isso pra ele! – Mulciber fez questão de reforçar com um gestual nada discreto.
Os três garotos explodiram em risadas. Ela piscou algumas vezes, sem querer acreditar no que estava ouvindo. Até Nate! O soturno Natanael Bulstrode, que ela julgava poder chamar de amigo, envolvido numa brincadeira ridiculamente machista como aquela. Apertou as unhas contra a palma da mão, machucando-se ligeiramente para controlar a raiva. Não queria perder tempo com aqueles idiotas. Evan baixou o olhar, envergonhado. Não teve sequer a decência de falar algo pra defendê-la diante dos amigos!
- Eu tenho uma ideia melhor, Damian! Parece que você entende do problema muito melhor que eu, por que você mesmo não resolve isso? Fodido você já está. Ajuda ele a ficar também!
Caminhou com rapidez entre as mesas. Não se daria ao trabalho de ouvir a réplica daqueles babacas. Estava cansada de ser tratada como piada pelos garotos. Pro inferno com as regras de etiqueta e o que se esperava de uma dama! Se eles não a respeitavam, por que mereceriam receber dela cortesia? Não ia mais ficar calada! Puxou a caixa de cigarros e acendeu o primeiro assim que deixou a porta do Salão Principal. Ia precisar de mais de um para dissipar a ira que incendiara seu corpo de boa menina.
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Colocou um par de livros sobre a mesa, bem em frente ao local em que ela estava sentada. Lily ergueu os olhos e, depois de baixá-los novamente, empurrou o próprio material por sobre a superfície, avançando dois lugares para a direita. O rapaz repetiu o gesto, voltando a colocar os livros em frente a ela. Lily retornou então ao seu lugar anterior, sem tirar os olhos do pergaminho em que escrevia. Severus contornou a mesa, sentando-se exatamente ao lado dela e largando os materiais com um baque. Soltando o ar, a ruiva tampou o tinteiro e jogou tudo dentro da bolsa com a maior rapidez que conseguiu. Saiu da biblioteca fugindo, como o diabo foge da cruz.
- Qual o problema, Lily? – Ele veio até ela, ofegando ligeiramente para acompanhar seus passos.
- Qual o problema? Não lembra como me tratou da última vez em que nos encontramos?
- Eu estava num dia ruim! Esse tipo de coisas acontece às vezes com amigos, não é?
- Amigos? Você está falando daqueles que estavam te esperando na porta enquanto você me menosprezava?
- Pensei que fôssemos amigos? Grandes amigos?
O garoto segurou-a pelo braço, para que parassem. O pátio do castelo estava anormalmente vazio para uma sexta à tarde. A proximidade do fim do ano sempre tinha a capacidade de transformar até mesmo os mais relapsos membros do corpo estudantil em alunos dedicados. Pelo menos por algumas semanas. Os quintanistas, sufocados pela ansiedade com a chegada dos NOMS, viviam e respiravam pelos dias do exame. Ela, contudo, estava ali, ficando para trás. Pôs os olhos em Severus Snape. Ele estava visivelmente nervoso e ligeiramente culpado. Lily tinha pensado algumas vezes no que diria ao amigo na próxima vez em que conversassem. Preparara um discurso afiado, cheio de mágoa, pronto para retaliá-lo. Agora, ainda que as palavras estivessem na ponta da sua língua, ela não se sentiu capaz de dizê-las. Não conseguiria machucá-lo. Ela usou a pilastra para se apoiar. Seus olhos se mantinham no rosto do garoto, que parecia abatido.
- Somos, Sev. – Expirou profundamente. - Mas não gosto desse pessoal com quem você anda! Desculpe, mas detesto Avery e Mulciber! Mulciber! O que vê nele, Sev? Me dá arrepios! Você sabe o que ele tentou fazer com a Mary Macdonald outro dia?
- Aquilo não foi nada. Foi uma brincadeira, só isso…
- Foi Magia das Trevas! E se você acha que isso é brincadeira…
- E aquelas coisas que Potter e os amigos dele aprontam? – Snape a interrompeu, apertando o rosto com irritação.
- E onde é que o Potter entra nisso? – Por que todo mundo estava sempre falando daquele garoto? Quando tudo o que Lily queria era nunca mais vê-lo na sua frente! O verão seria um belo respiro de liberdade longe dele e da trupe que carregava consigo.
- Eles saem escondidos à noite. Tem alguma coisa esquisita naquele Lupin! Aonde é que ele sempre vai?
De novo aquela mesma história! Remus tinha suas incoerências, ela estava ciente disso. Só não se importava com o que ele fazia ou deixava de fazer. Aparentemente, Lily era a única. Boatos não paravam de rodar, especialmente entre os alunos do quinto ano, desde que a recorrência do sumiço de Lupin se tornara evidente para eles, ainda no primeiro ano. Será que algum dia se dariam por satisfeitos em entender que as coisas simplesmente eram como eram? Havia outros assuntos tão mais importantes com os quais se ocupar na escola!
- Ele é doente. - Apertou a bolsa mais perto do corpo. - Dizem que é doente.
- Todo mês na lua cheia?
- Conheço a sua teoria - Ela replicou, fazendo questão de demonstrar sua desaprovação àquele tópico. - Afinal, por que você é tão obcecado por eles? Por que se importa com o que eles fazem à noite?
- Só estou tentando lhe mostrar que eles não são tão maravilhosos quanto todo o mundo parece pensar.
As pupilas negras estavam fixas em seu rosto. Lily sentiu suas bochechas se ruborizarem. Severus devia ter entreouvido a conversa que ela e Marlene tiveram durante a aula de herbologia. Ela tinha notado que Snape estava rondando a bancada em que trabalhavam. Lily estava certa de que a palavra “maravilhoso” saíra de sua boca naquele dia, enquanto adubavam as Mortíferas Gasosas. Mas estava se referindo mais à atitude que ele tivera, do que ao próprio Potter. Severus tinha entendido tudo errado! Sabia que não tinha dito nada além da verdade sobre a atitude bondosa de Potter durante o incidente na aula de Poções. O garoto tinha sido mesmo maravilhoso quando acalmara Marlene depois da burrice que o idiota do Black cometera.
- Mas, eles não usam Magia das Trevas. - Lily diminuiu a voz. - E você está sendo realmente ingrato! Me contaram o que aconteceu outra noite. Você estava bisbilhotando naquele túnel do Salgueiro Lutador e James Potter salvou você de sei lá o que tem lá embaixo…
- Salvou? – Subitamente, ele perdeu a compostura, contrariado. - Salvou? Você acha que ele estava bancando o herói? Ele estava salvando o próprio pescoço e o dos amigos também! Você não vai… Eu não vou deixar você…
- Me deixar? – Ela franziu o cenho. Que ideia era aquela de que tinha alguma autoridade sobre ela? - Me deixar?
- Eu não quis dizer… Só não quero ver você fazer papel de boba…- Severus torceu as mãos e inspirou, prestes a dizer algo contra a própria vontade. - Ele gosta de você, James Potter gosta de você! E ele não é… Todo o mundo acha… Grande herói de quadribol…
Incoerente. Um monte de frases soltas. Lily arregalou os olhos, sem controle da própria expressão. De onde ele tinha tirado aquela baboseira? Era óbvio que Potter fazia questão de constrangê-la com aquela história de convidá-la para sair. Só mais uma das piadinhas que ele adorava contar, na frente de todo mundo, para sentir que as pessoas o achavam engraçado. Não era. Nenhum pouco! E ela ODIAVA ser parte daquilo. Sua primeira reação tinha sido tratá-lo com violência, na esperança de que aquilo o afastasse. Não tinha funcionado. Também tentara devolver na mesma moeda, mas as risadas tinham sido muito poucas e não conseguiram arrancar o sorrisinho atrevido do rosto dele. Agora, decidira tratar a situação com indiferença. Acreditava que era o melhor que podia fazer. Porém, de ser alvo de uma brincadeira constrangedora a acreditar que James de fato estava interessado nela? Severus só poderia estar louco! Se havia duas pessoas mais opostas e que não suportavam uma à outra, eram eles. Como é que poderiam algum dia sequer ficar juntos? Além disso, por que alguém como Potter olharia pra ela se qualquer outra das meninas do colégio daria tudo para receber atenção dele? Lily era apenas uma garota correta e dedicada sendo alvo de zombaria de um idiota popular. Não havia nada ali além da velha história que se repetia em todos os colégios.
- Eu sei que James Potter é um biltre arrogante. Não preciso que você me diga! – Não ia se prolongar naquele assunto. Não mesmo. A conversa deles não era sobre Potter. Não havia sido ele que causara a briga entre os dois. - Mas a ideia que Mulciber e Avery fazem do que seja brincadeira é simplesmente maligna. Maligna, Sev! Não entendo como você pode ser amigo deles.
- Se vocês os conhecesse... – Ele deu de ombros, com um ligeiro sorriso no rosto.
- Prefiro evitar contato com gente que acha que eu não sou digna de estar aqui.
- Tudo bem! Tudo bem! Não fico mais perto deles quando estivermos juntos. Não vamos deixar outras pessoas se meterem entre nós, está bem?
- Está. – Ela respirou fundo, antes de responder. - A sua amizade é muito importante pra mim! – Teve a impressão de que o sorriso no rosto de Severus murchou um pouco, mas imaginou que era efeito da luz crepuscular que atravessava as janelas.
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- Se você não for logo embora, eu vou ser obrigada a chamar o Barão!
- Eu só estava brincando com os calourinhos...- Os olhos dele dançavam no rosto. - A senhorita não faria isso!
- Experimente! – Ela ergueu uma das sobrancelhas.
A cabeça de garotinha estava escondida debaixo de suas vestes. Ela tremia um pouco e Narcissa a apertou mais contra si. Quanta diversão para uma sexta à noite: Afugentar um poltergeist malcriado para longe de uma primeiranista! Era exatamente o tipo de passatempo que Narcissa Black tinha em mente para aquele dia. Como era maravilhoso ficar responsável pela ronda nas masmorras logo no fim de semana!
- Vai ser um prazer vê-la ir embora daqui pra sempre, Srta. Black! – Ele cantarolou, flutuando para longe e desaparecendo no corredor.
- Ora, eu diria o mesmo! Quem ele pensa que é? – Cissy se curvou diante da miudinha Srta. Flint. Usou as pontas dos dedos para ajudá-la a pinçar os pedacinhos de papel higiênico que Pirraça derrubara na cabeça dela.
A mão dela segurou a sua com timidez e Cissy se perguntou se ela também era tão pequena quando tinha chegado à escola. A cada ano, os primeiranistas pareciam chegar mais novos à Hogwarts. A dona daquela mãozinha certamente ainda não abandonara a infância. Um castelo enorme como aquele, tão cheio de mistérios e perigos, podia ser mesmo assustador para alguém tão novo! Narcissa apertou os dedinhos com firmeza para transmitir um pouco de segurança.
– Está tudo bem agora, querida! Eu vou te acompanhar até a sala comunal.
A noite já estava felizmente chegando ao fim. Algumas rondas eram tranquilas, sem maiores intercorrências. Hoje não havia sido uma dessas noites. Ela tinha separado uma briga entre dois quartanistas, por causa de uma aposta de jogo. Depois, ajudara uma segundanista que tivera sua menarca bem no sofá da sala comunal. Por fim, fora a vez de salvar a Srta. Flint das garras de Pirraça. Às vezes, ser a monitora do sétimo ano parecia um pouco com ser uma mãe. Talvez por isso ela estivesse sentindo que toda a sua juventude tinha sido sugada. A única coisa que a mantinha conectada aos ímpetos da adolescência era a capa que pesava em seu bolso.
Cinco minutos. Foi o tempo que conseguiu ter de folga para encontrar com James, às escondidas. Trocaram um beijo rápido, enquanto ele se despia da capa de invisibilidade e a colocava no bolso das vestes de Narcissa. “Sopa de Coroação”, ele tinha murmurado em seu ouvido languidamente, para que a garota conseguisse passar pela Mulher Gorda. A promessa do encontro no dia seguinte foi o que deu forças para que eles se desvencilhassem, depois de tantos dias longe um do outro. Se ele tivesse insistido só mais uma vez, Cissy teria largado tudo para que passassem a noite juntos. Foi difícil deixá-lo ir quando seu corpo e seu coração pulsavam com tamanha ânsia por ele.
Agora que a ronda chegara ao fim, ela afundaria num dos sofás, de frente para o lago. Sob a fraca luz da lua minguante, não haveria muito o que ver, além da profunda escuridão da água. De toda forma, estar ali era sempre apaziguador para sua mente. Quem sabe devesse ir antes à cozinha, buscar uma xícara de chá?
Havia pouquíssimos alunos na sala comunal, considerando que o final de semana tinha começado. Num dos cantos, um casal trocava beijos e Narcissa se convenceu a olhar para eles de vez em quando, só pra verificar se manteriam o limite do razoável. Uma menina tricotava um cachecol listrado em uma infinidade de cores, sentada o mais longe possível dos namoradinhos. Diante da lareira apagada, sete segundanistas jogavam snap explosivo, entre risadas e brigas. No fundo, mesmo encoberto pela pouca luz, não foi difícil identificar o vulto de Mulciber. Falava em voz baixa com dois garotos. Cissy apertou a boca, depois de virar a cabeça para ver melhor. Não eram quaisquer dois garotos. Olhando regularmente ao redor, para averiguar que ninguém os observava, Damian estava murmurando caraminholas para Regulus e o garoto Carrow. Como era mesmo o nome dele? Não importava. A ira ferveu seu sangue em um átimo, tempo suficiente para que Narcissa transpusesse a sala até o ponto onde eles estavam sentados.
- Boa noite, rapazes! Creio que está na hora de irem para a cama. – Embora suas palavras se dirigissem aos três, seus olhos fuzilavam ao primo.
- Há alguma proibição nova sobre a qual eu não esteja ciente, Narcissa? – Mulciber a encarou.
- Qual é, Cissy? Nós estamos na sala comunal! – Regulus tinha uma expressão mista de súplica e indignação.
- Não discuta comigo, Regulus Black! – Respondeu entre os dentes, com o braço erguido indicando a entrada do dormitório. – Você também, Sr. Carrow. – O pálido menino não tinha se movido.
- Não vejo razão para sair daqui, Srta. Black.
- Bem, deixe-me ver... Eu sou monitora e gostaria de ter uma conversinha a sós com o Sr. Mulciber, se você me permitir.
- Vem, Amycus! Ela não vai desistir...
AMYCUS! Era esse o maldito nome: Amycus Carrow. Não sabia bem por que os primos tinham um faro tão esquisito para arrumar amigos. Eram sempre garotos sorumbáticos, insossos, com olheiras fundas... Entre Carrow e Lupin havia tão pouca diferença! Narcissa esperou que os dois desaparecessem, mantendo o silêncio.
- Sente-se, senhorita! – Damian indicou o lugar vazio à sua frente.
- Estou bem assim. Obrigada!
- Como quiser.
- Eu vou ser bastante breve, Mulciber. – Ela olhou bem dentro dos olhos do rapaz. – Eu não me importo nem um pouco com o que você faz fora dos portões dessa escola. Mas aqui dentro, não vou tolerar esse tipo de conversa.
- Eu não faço a menor ideia do que você está falando, Cissy. – Disse seu apelido com tamanha arrogância que Narcissa se nauseou.
- Tenho certeza de que você sabe exatamente sobre o que eu estou falando, Damian. – Não distanciaram os olhares, como se a verdadeira briga por poder fosse ver quem desviaria os olhos por último. – Que diga o que quiser aos maiores, lá fora. Contudo, aos pequenos e aqui, não.
- Eles são bem grandinhos para saber o que querem ou não ouvir.
- São crianças, Damian! CRIANÇAS!
- Eles tem 14 anos, Narcissa. Você já era bem crescidinha nessa idade... – Ergueu as sobrancelhas, provocativo.
- Eu não sei de onde você tirou a ideia de que pode me tratar como se eu fosse da sua laia. Não sou, Mulciber. Nem nunca fui! E espero que você entenda isso de uma vez por todas. – A boca dela estava apertada, quase a ponto de ranger os dentes. - Dirija a palavra a mim nesse tom de novo e eu não terei tanta educação para responder!
- Eu disse algo que te incomodou, Cissy? – Piscou os olhos, fingindo-se de inocente.
- Você pode fazer o que quiser com a porra da sua vida, querido. Mas aqui, dentro dos portões de Hogwarts, não quero ouvir você alistando ninguém para a suas malditas fileiras! Se o vir de novo abordando alguém que ainda não esteja no quinto ano... Eu não vou hesitar em falar com o professor Slughorn, estamos entendidos?
- Você não sabe com quem está se metendo, Cissy. Não sabe mesmo.
- Mande-o vir resolver diretamente comigo, então. – Ela revirou os olhos.
- De onde você tirou essa síndrome do pequeno poder, Narcissa? Pensa que manda em tudo, como se fosse dona disso aqui... Sua família não tem mais tanta influência assim, tem?
- Até onde eu sei, enquanto o ano não terminar, eu ainda sou monitora. – O distintivo para o qual ela apontava tremeluzia em seu peito. - Meu dever é zelar pela segurança dos estudantes, Mulciber. E eu não vou deixar você envolver crianças nessa merda. Não importa o que me custe! – Bateu com a mão sobre a mesa, que estalou em resposta. - Além disso, senhor, caso não esteja bem ciente, vou esclarecer: Eu defendi você na porra daquela reunião, porque o Nate me implorou. Se eu decidir voltar atrás e pedir uma horinha de conversa com Dumbledore, pra falar sobre o que tenho observado você fazer aqui dentro, não vai sobrar pedra sobre pedra nessa tua cara pedante. Eu ficaria quietinho e acataria o que eu estou mandando, se fosse você. Ou pode estar com a bunda num trem, de volta pra casa, amanhã de manhã.
- Isso é uma ameaça, Narcissa?
- Compreenda como quiser! Só fique longe dos mais novos. Você me entendeu? – O outro manteve a carranca intacta. - Você me entendeu?
- Sim.
- Ótimo! Tenha uma boa noite, Damian!
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James tinha o gosto de frutas silvestres. O sumo escorrendo pela boca, criando marcas tão vermelhas quanto as das mordidas que Narcissa ia deixando pelo seu corpo. O cheiro dele era refrescante como a brisa e estava por toda a parte ali, no travesseiro e nos lençóis que os envolviam. Não era necessário dizer nada quanto ao calor que emanavam, movendo-se embolados pela cama, com as cortinas fechadas ao redor deles. Cissy suava, misturando-se a ele.
Provavam-se, experimentando os limites e além, desde que fossem capazes de imaginá-lo. Inspirava-o, desejando que a preenchesse até que não restasse nada mais senão ele em seu interior. Expirava-o, para que deslizassem um pelo outro, sem limitações. Se existia qualquer coisa no universo para fora daquela cama, ela já não se importava. Nos braços de James não havia a perfeita Narcissa Black e suas imposições. Só Cissa. A Cissa dele. E ela era livre, despretensiosa e espontânea. Se deixou embeber do rapaz. Sentia-se ligeiramente tonta, ébria e fora de si.
James Potter era o seu novo vício. Muito mais forte e exigente do que o cigarro. Ela nunca estava satisfeita. Sentia urgência dele. O tempo inteiro. E jamais de apenas uma parte, mas dele, como um todo. Tinha dificuldades para se concentrar em uma ideia que não o envolvesse. Era uma fixação, que não lhe saia da cabeça. Cissy se pegaria cantarolando James Potter no banho, se ele fosse uma música. Nunca parecia haver tempo o suficiente dele. Nem mesmo James o suficiente. Separar-se era sempre uma tortura, quase como se tivessem sido feitos para estar atados.
Queria a ele por completo e se derramava, para sentir que parte nenhuma do seu corpo estava apartada do dele. Eram mãos, bocas, quadris, pernas. O pulmão dela se expandia tão profundamente que parecia prestes a explodir, puxando o ar que necessitava para manter acessa a combustão. Quase sempre era obrigada a prender na garganta o grito que permitiria expressar a intensidade de sensações e sentimentos que a permeavam. Então, eram os arrepios e tremores que anunciavam o delicioso desespero que tomava conta dela. Apertou os olhos, criando milhares de constelações no breu de suas pálpebras. Com uma firmeza quase bruta, James prendeu seu quadril com as mãos. Cissy levantou a cabeça e olhou para ele, questionando por que diabos tinha parado, logo agora, de se mover embaixo dela.
- Tudo certo, Pontas? – De fora das cortinas, a pergunta os atingiu. Alguém tinha entrado no quarto. – Esqueci minhas fichas com as anotações de Herbologia.
Narcissa prendeu a respiração. O barulho de um milhão de pergaminhos sendo revirados, numa cena que era oculta para os dois, atrás dos panos vermelhos. James arregalou os olhos, em aviso, quando ela tensionou se afastar. A movimentação provavelmente soaria suspeita.
- A Marlene está arregaçando a matéria de cima a baixo. Tem certeza de que não quer ir? Uma ajudinha cairia bem... Você não é exatamente um primor nessa aula.
- Eu não preciso do NOM em Herbologia, Aluado.
- Sei que não. Mas uma boa nota não faz mal a ninguém. E a Professora Sprout não te odeia...tanto.
- Valeu, mas vou ter que me virar sozinho nessa.
- Está mesmo tudo bem? Sua voz está esquisita!
Rouco. James estava rouco. Só não era por causa de uma indisposição, como tinha alegado aos amigos. A garganta de Cissy também estava seca. Há quanto tempo ela não bebia um copo d’água? Não fazia ideia de quantas horas tinham se passado desde que ela saíra do próprio dormitório, encoberta pela capa de invisibilidade.
- Quer que eu te acompanhe na ala hospitalar? Você devia abrir essas cortinas, deixar o ar correr um pouco!
- NÃO! – Cissy percebeu que James se arrependeu do tom elevado que deixara escapar. - Só preciso descansar e mais tarde vou estar me sentindo como novo!
- Você é quem sabe... Espero que esteja melhor depois do almoço. Não vou repetir tudo de História da Magia só pra você.
- Vou fazer o meu melhor pra isso! Tomei uma poção analgésica. Vou tentar dormir um pouco pra ver se faz efeito logo.
- Qualquer coisa, você sabe onde a gente está... – A porta fechou suavemente.
Mantiveram os ouvidos atentos, acompanhando os passos para longe nos degraus da escada. Sem controle, uma vontade arrebatadora de rir foi se apossando dela. A tensão acumulada subiu pelo ventre, até que ela explodiu numa gargalhada. Ela saiu de cima dele, jogando-se na cama ao lado do garoto. Riam juntos, ela muito mais, com a barriga doendo de rir. Ele, rindo porque estava contagiado. James se virou sobre ela, capturando sua boca entre os risos.
- O que é tão engraçado, Cissa? – Mordiscou o lábio inferior dela. – Hein? Quer um motivo para rir?
As mãos dele foram ágeis em tecer cócegas sobre os pontos fracos que já conhecia. Debaixo das axilas, na curva do pescoço... Narcissa se contorcia, as gargalhadas crescendo, ofegantes.
- Para! Jamie!!! – Os cabelos dela cobriam o rosto, embaçando a visão que tinha dele, desgarrados pelas tentativas de se desvencilhar.
- Você vai me dizer qual a graça?
- Não!
- Então nada feito. – James voltou a mover os dedos pela barriga dela, subindo e descendo para arrancar gargalhadas ainda mais altas.
- POR FAVOR, JAMIE! Eu peço penico!!!!
- Tem certeza?
- Tenho!
- Então ‘tá. Perdedora! – Arrancou um beijo dela, deitando-se com a cabeça no travesseiro e puxando para que ela se aninhasse junto dele.
- O que diabos é “Pontas”? – Cissy indagou, curiosa, entre as risadinhas escassas que ainda escapavam.
- É como os meninos me chamam.
- Isso eu entendi... Mas por quê?
- Foi surgindo por causa dos nossos patronos.
- Você tem um?
- Claro. Um veado. Por isso “Pontas”. – Ele levantou os dedos, fingindo tocar em chifres imaginários. - Você não?
- Nunca tentei.
- Deveria! Pode ser útil. E não é tão difícil... Você sabe: Escolher uma memória boa, se fixar nela e executar o feitiço.
- Que memória você escolheu? – Narcissa ergueu os olhos, para fitá-lo.
- A copa mundial de quadribol. Meus pais me levaram pra assistir à final, dois anos atrás. Foi a maior algazarra, todos empunhando seus dissimuladores para enfrentar a proibição de varinhas entre os torcedores. E a Síria venceu com uma captura belíssima do pomo! Foi o dia mais incrível da minha vida.
- Eu escolheria você. – Foi quase um sussurro. Um pensamento em voz alta, que escapou sem que ela quisesse.
Era verdade. Mesmo que admitir pudesse não soar tão bem. Narcissa mal conseguia se lembrar exatamente de ser feliz antes de que suas vidas colidissem. As memórias anteriores a James eram sempre esmaecidas quando comparadas a intensidade com a qual ela aprendera a viver desde que se enamorara dele. Sua bucólica vida se transmutara em uma confusão de cores, formas, cheiros, sons e toques, desde que se entregara ao amor que sentia por James Potter.
As írises castanhas estavam pousadas sobre ela, suavemente esverdeadas sob aquela luz. Segurou seu rosto, acariciando sua orelha com o polegar e prendendo o restante dos dedos nos cabelos loiros. Cissy não piscou, com receio de perder algum detalhe daquele momento. James a beijou, delicado, como uma pétala roçando seus lábios.
- Não há nada no mundo que eu ame mais do que você, Cissa. – Sussurrou, em tom confessional. – Eu espero que você já saiba disso. Porque se não souber, significa que eu estou fazendo tudo errado.
Inspirou profundamente, enchendo o peito com o cheiro que vinha dele. Ela sabia. E a consciência disso era o que lhe atormentava. Não era certo amar tão exageradamente a alguém e manter aquilo como um segredo, guardado a sete chaves. Não era certo que se sentisse tão intimamente ligada a James e ninguém mais no mundo soubesse que pertenciam um ao outro. Narcissa o beijou, porque nada que falasse seria o bastante. Por um só instante, desejou que sua família não existisse. Sem os entraves e imposições inerentes a Casa Black, Cissy estaria livre para amar e ser amada por quem desejasse. Se um simples agitar de varinhas fizesse com que desaparecessem, ela nunca mais precisaria renunciar às suas vontades. Fechou os olhos por um segundo, imaginando como seria não precisar abandonar a própria felicidade em detrimento de nada.
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- Se vocês me convencerem de novo que é uma boa ideia perder o sábado inteiro assistindo um aulão pro NOMs, organizado por alunos, por favor, enterrem meu pobre corpo debaixo do Salgueiro Lutador!
- Não seja tão dramático, Almofadinhas!
- DRAMA, Aluado? Não resta uma gota de serotonina nesse corpinho!
- As aulas foram boas. – Rabicho deu de ombros.
- Sopa de Coroação. – Pontas deu um sorriso charmoso para a Mulher Gorda, esperando que ela os deixasse entrar.
- Excelentes. A Marlene estava uma gata lá na frente! Pena você ter perdido essa parte, Pontas. Valeu cada segundo! Mas...Não é de aulas que a juventude se alimenta. Eu preciso fazer alguma coisa que me faça sentir vivo, antes que eu... Que eu... Esteja abrindo um livro por prazer!
- Um dia você vai valorizar isso, Almofadinhas! Vai querer encher a cabeça com alguma coisa.
- Com certeza, meu caro Aluado! Com certeza! Agora, a única coisa que eu quero é ingerir um monte de porcaria e deixar isso corroer o meu cérebro.
- Por que eu ainda tento? – Levantou as mãos e olhou para o céu.
- Somente porque você é um mocinho incorrigível, Aluado! – Pontas afundou no sofá como uma pedra.
- O papo está ótimo e é sempre uma pena deixar vocês, mas é sábado à noite, queridos. Uma ducha e depois... Bom, se a Patrícia Wood perguntar pra mim, digam que eu chego em um minuto!
- Eu vou aproveitar a deixa. – Rabicho acompanhou com os olhos o amigo desaparecendo nas escadas. – Combinei uma partida de xadrez com o Tommy Martin. Vejo vocês mais tarde!
- Parece que tem sido nós dois quase sempre nos últimos tempos, meu velho amigo. Ah, espere! – James segurou o queixo, pensativo. - A Dorcas está vindo aí?
- Hoje não.
- Merda! Por quê? Logo hoje que eu aceitaria o convite para uma diversãozinha a três sem culpa!
- Vai se foder, Pontas!
- Você é quem está pondo maldade na coisa...
- Como eu poderia não...?
- Eu não sei! – Pontas agitou as mãos à frente do corpo, se isentando da culpa. – Nem sabia que as coisas tinham chegado a este ponto entre vocês dois.
- Que ponto? – Remus se engasgou com a própria saliva. – Não sei de que ponto você está falando.
- Não! Ponto nenhum... Eu estou louco. É a dor de cabeça voltando! – Ajustou os óculos no rosto, segurança o riso. – Eu só imaginei que se tivesse chegado...Você diria. Nós não temos segredos.
- Não temos, Pontas?
- É evidente que não!
- Então quando você vai me contar o que está acontecendo?
Remus posicionou-se estrategicamente para mirá-lo bem de frente assim que as palavras saíssem de sua boca. Queria ver exatamente a reação que cada uma delas causaria no amigo. James não titubeou em responder. Foi um mísero elevar das sobrancelhas, que ele logo disfarçou, que o denunciou.
- Em que área da minha vida? Posso lhe falar com detalhes sobre todas. O mais interessante que aconteceu nos últimos tempos foi quase ter morrido pra salvar a vida de um escroto que eu odeio porque isso arruinaria a vida de um grande amigo. Mais cinco minutos e eu e o meu arqui-inimigo teríamos virado picadinho juntos.
- É só isso?
- Só? Você queria mais do que isso?
- Entendo... A sua ausência hoje de manhã foi extremamente ocasional.
- Como qualquer mal súbito.
- Assim como o seu desaparecimento na última visita a Hogsmead.
- Eu estava fazendo a rota, Aluado. Onde é que você quer chegar com tudo isso?
Remus enfiou a mão até o fundo do bolso. Apertou o objeto entre os dedos enquanto o trazia para fora. Estendeu a mão aberta para o amigo. Debaixo da luz esmaecida da sala comunal, a pequena esmeralda cintilava repousada na palma de sua mão.
- A sua indisposição perdeu isso na porta do dormitório, hoje de manhã.
- Eu nunca vi isso antes, Aluado!
- Posso ser qualquer coisa, Pontas. Mas burro, eu não sou. Tinha alguém com você quando eu entrei no quarto, não tinha? – Fechou a mão sobre a joia, antes que um bisbilhoteiro os observassem de esguelha.
- Você acha que eu sou louco?
- Acho. – Baixou a voz, resmungando entre os dentes. – Você sabe muito bem que é proibido levar garotas pro dormitório, Pontas! Nem o Sirius é inconsequente a esse ponto.
- Você não reclamou na Saudação do Semestre.
- Não seja leviano! Não é nem de perto a mesma coisa. – Voltou a baixar o tom, para acrescentar. - Ainda mais uma garota de outra casa!!
- As aulas devem ter sido demais para você, Aluado. Não sei de onde está tirando tanta caraminhola! Eu estava me sentindo resfriado e preferi ficar na cama, exatamente como eu disse a vocês.
- Certo. Você quer bancar o sonso? Onde está a sua capa?
- No meu malão.
- A de invisibilidade.
- No meu malão. – Repetiu, convicto.
- Suba agora e me mostre!
- Você desconfia de mim a esse nível, Remus? Estou me sentindo ofendido!
- Se eu estivesse ferindo tanto o seu orgulho, James Potter, você já teria se levantado e feito um escarcéu. Se não fez ainda, é porque tem culpa. Você sabe que a capa não está lá. Porque você emprestou pra garota misteriosa entrar aqui! – Remus colocou o brinco no bolso da camisa que o amigo usava. – Supondo que eu esteja mesmo errado quanto a hoje pela manhã... Você voltou de Hogsmead cheirando a cigarro. O Sirius percebeu de longe e ele estava louco!
- Tudo bem. Eu fumei! E daí? O Almofadinhas faz isso o tempo inteiro! Eu só queria sentir um pouquinho o gostinho da rebeldia.
- Tem meses que você anda esquisito. Eu sei muito bem que você não assistiu a final do quadribol! Eu não sou cego, surdo e nem idiota, Pontas. Não sou inocente como o Rabicho, nem tão egocêntrico quanto o Almofadinhas. Se você não quer me contar, podia só admitir isso. Eu ia entender que não somos tão amigos quanto eu pensava.
- Não seja chantagista, Aluado! Eu já disse que não tem nada.
- E você subitamente perdeu o interesse em toda e qualquer garota?
- Por causa da aposta! Eu não posso ficar com alguém se quero conquistar a Evans.
- Fácil assim?
- Como voar de vassoura.
- Tudo bem, Pontas. Você venceu! Se não quer me dizer quem é a garota com quem você está, é uma escolha sua. Mas eu não vou ficar fazendo papel de trouxa! Só não se chateie se eu compartilhar minhas desconfianças com o Almofadinhas...
- Você não ousaria!
- Por que não? Minhas acusações são totalmente infundadas, não são? Por que você se incomodaria que ele soubesse?
Remus cruzou os braços na frente do peito, encarando o outro. Dava para ler o conflito nas expressões de James. Ele queria falar, queria mesmo. Havia algum porém que o impedia e fazia repensar. Foi pra frente e voltou tantas vezes que Remus pensou que ele vomitaria a qualquer momento.
- ÓTIMO! Se você não consegue aguentar a porra de UMA coisa que eu não quero compartilhar, eu vou dizer, Aluado: Sim, eu estava com alguém. Sim, eu sei que isso é errado. Sim, eu também sei que não devia esconder isso dos meus amigos. Só que não dá pra contar, ‘tá bom? Eu já teria contado, se pudesse. Isso está me matando todo PUTO segundo! Você acha que é fácil ficar 24h por dia grudado em vocês e sentir que até os meus sonhos estão sendo vigiados? Eu ia preferir mil vezes se eu pudesse logo tirar esse peso das minhas costas. Entretanto, se eu contar pra vocês, a família dela vai saber e...
- Como é que a família dela ficaria sabendo por causa de nós? – Ele franziu o cenho, logo antes que as coisas clareassem diante de seus olhos como o nascer do sol.
- O Rabicho é o maior fofoqueiro da porra dessa escola! – James tentou consertar, mas o estrago estava feito.
- Você está saindo com a prima do Sirius? PUTA QUE PARIU, Pontas!
- Shh!!!! Fala baixo, PORRA!
- Ele vai te matar quando souber!
- Ele NÃO PODE SABER. Você ouviu? NUNCA!
- Caralho, Pontas! – Remus jogou a cabeça no encosto do sofá, fitando o teto. – Isso é a coisa mais errada que você podia fazer. Especialmente considerando que ele fugiu de casa porque odeia a família e agora ele mora na sua casa!
- Eu sei. ‘Tá? Já estava rolando muito antes dessa merda toda.
- MUITO ANTES?
- Eu devia ficar quieto antes que eu me complique mais.
- Muito antes é quanto tempo, Pontas?
- Uns meses.
- MESES?
- Isso importa?
- E você não falou nada esse tempo inteiro?
- Você ouviu a parte que eu não posso falar pra ninguém?
- Não consigo entender por quê. Você é puro-sangue, afinal.
- Traidor de sangue, Aluado. Eu estou confraternizando com você, não estou? Se alguém souber... Bem, ela provavelmente vai ter o mesmo fim que a irmã.
- Cacete!
- É por isso que você vai ficar bem quietinho sobre o assunto e ESQUECER essa história toda.
- Você não chegou naquele ponto com ela, né?
- Ponto? – Foi a vez de James tossir.
- Você não... Você transou com ela? - Ele virou o rosto para observar o amigo. James não se moveu. – Puta que pariu, Pontas! Ele vai te matar!
- Eu ia falar, ‘tá? Eu vou falar. – Bagunçou os cabelos. Numa noite febril em que as possibilidades pareciam muito distantes, tinham prometido nunca esconder uns dos outros quando perdessem a virgindade. - Só que eu ainda não descobri como contar isso pra vocês sem ter que dizer com quem foi.
- Quando ele souber que você está escondendo isso há meses..! Não quero estar lá pra ver.
- O único jeito de ele saber é se você contar. E você não vai contar, não é?
- Não. Mas ele vai descobrir, Pontas. Ele também não é burro! É melhor ele saber por você. Se não, a coisa vai ficar feia... Principalmente porque se ele não souber por você, eu tenho certeza de que ele vai descobrir que foi com ela. – Apertou o lábio inferior entre o polegar e o indicador, pensativo. – Mais alguém sabe?
- Não! Quer dizer... O Dimitri me encobriu algumas vezes, mas ele não sabe com quem eu estava.
- Ele não vai contar.
- Não. Não vai. Nem eu. Nem ela. E NEM VOCÊ! Então, não tem como ele saber.
- Caralho, caralho, caralho!
- É. Eu sei.
- Você está gostando dela?
- Ela é a mulher da minha vida, Aluado!
- Porra, Pontas! Onde é que você foi meter esses chifres, cara? Um deles já não era o suficiente pra complicar nossa vida? Por que é que você tinha que se meter logo com outro Black?
- Dessa vez eu juro, eu JURO, Aluado, que não fui atrás!
- É claro, Pontas! Por que as encrencas é que sempre vem até você, não é?
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Nota da autora: O diálogo travado entre Lily Evans e Severus Snape é adaptado do livro Harry Potter e as relíquias da morte, com contribuições minhas ao que J. K. Rowling escreveu originalmente.