Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
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Meteoro-Chinês

- Mamãe? - Narcissa empurrou a porta devagarinho, dando espaço para que sua voz adentrasse o quarto antes dela própria. – Posso entrar?

A poltrona majestosa estava voltada para a janela, mas a garota sabia que o corpo pequeno de Druella escondia-se por trás dela. Embora a manhã já estivesse adiantada, as cortinas do quarto ainda não tinham sido abertas. Cissy caminhou temerosa sob a penumbra que cobria o cômodo, preocupada em chocar-se com algum objeto.

Os aposentos de seus pais sempre haviam parecido para ela a parte mais sublime de toda a casa. Cygnus fora muito taxativo em jamais permitir que as garotas se deitassem na cama deles. Cada uma tinha seu próprio quarto e deveriam ocupá-los, mesmo se estivessem com medo durante a noite ou doentes. O mundo dos adultos era dos adultos e, por trás daquela porta, a privacidade era soberana. A proibição tinha criado uma aura de encantamento sobre o ambiente e no início da adolescência, sonhara em ter um quarto como aquele para dividir com o futuro marido. Até hoje, a curiosidade sobre a sensação de afundar-se naquele enorme paraíso de travesseiros povoava suas fantasias.

Enquanto atravessava o espaço, tudo subitamente lhe pareceu deslocado. As coisas, frias e distantes, não conversavam com o imaginário vívido que ela tinha daquele quarto. Tudo tinha um aspecto duro e oco. Seus passos estalavam contra o chão, ecoando no vazio.

- Mamãe? – Perguntou outra vez, ajoelhando-se ao lado da poltrona. – Eu estou indo.

- Tão cedo?

O devaneio se quebrou, fazendo com que o olhar que Druella perdera na varanda se dissolvesse. Ela voltou à tona, notando a presença da filha. Estava pálida, encolhida dentro do robe lilás. Sua fisionomia denotava cansaço, o que a moça atribuiu as turbulências da noite anterior.

- O trem sai em menos de uma hora.

-  Oh, Merlin! Perdi a noção do tempo! Walburga e Órion já foram?

- No início da manhã. – O semblante consternado dos tios durante o desjejum estava fresco em sua mente. - E também tio Alphard e o vovô, a pouco. Deixaram um abraço para você! Papai acabou de sair para uma reunião. Somos só Reg e eu agora.

- Me perdoe, meu anjo! Queria ter aproveitado melhor o tempo ao seu lado. – A mulher acrescentou tristonha, quase choramingando.

- Está tudo bem, mamãe!  – Narcissa deu um sorriso confortador a ela. – Logo eu estarei de volta definitivamente. Assim que Hogwarts terminar, seremos só nós duas, com todo o tempo do mundo!

Druella assentiu, desviando ligeiramente as pupilas opacas de volta a varanda entreaberta. Sua postura retraída vinha em ondas. Um estalo e a mãe que a garota sempre conhecera desaparecia dentro daquele corpo esquálido. Cissy colocou a mão sobre a dela, acariciando-a com a ponta dos dedos.

- Eu sei que vai ser difícil esse tempo com a casa vazia, mas não vai demorar pra que eu esteja aqui novamente. E você pode me escrever quantas vezes quiser até lá!

- Minha garotinha doce! – A mulher envolveu seu rosto com uma das mãos, deslizando o polegar por sua bochecha. – Sempre tão delicada! Me lembro de prometer para mim mesma, quando te segurei pela primeira vez, que aproveitaria cada minuto ao seu lado. Porque quando você nasceu, uma menina, eu sabia que seria a última. – Fitou diretamente seus olhos. - Juro que cumpri a promessa no início! Acabei por me perder no meio do caminho... Agora vejo que linda mulher você se tornou!

Cissy sorriu, colocando a mão em volta da dela, sobre o próprio rosto. Depois, puxando para si, depositou um beijo suave na pele tépida da mãe. Inspirou, enchendo os pulmões com o perfume floral que ela exalava. Druella enlaçou os dedos aos seus, para que ficassem de mãos dadas.

- Minha pequenininha... Eu consigo ver tanto de mim em você agora! Eu costumava ser uma sonhadora também. – Delineou a curva arrebitada do nariz da outra com a ponta do dedo. – Mas você vai ser muito melhor que eu, não é? Não vai deixar que ninguém arranque os sonhos que lhe pertencem, não é Cissy? Minha caçulinha obstinada e inteligente!

- Não sei se diria isso, mamãe... – Ela suspirou. – Com tudo eu... Fui deixando os estudos de lado. E agora que os NIEMS estão chegando, acho que não vou conseguir me sair bem como deveria.

- Oh, meu anjinho! Não se preocupe com isso...

- Eu preciso, mãe! – Encostou a testa no braço da poltrona, dando um tom confessional ao que diria a seguir. – Quero que vocês tenham orgulho de mim.

- Nós já temos, Cissy! Muito! Não por causa das notas... Em alguns anos você verá que elas não tinham tanta importância quanto pareciam ter. – Druella deu um sorriso, perdida em um passado inacessível a Narcissa. - Temos orgulho pela mulher em quem você está se transformando diante dos nossos olhos, meu anjo!

- Eu quero merecer isso, mamãe. – Murmurou baixinho, deixando que a mais velha lhe fizesse um cafuné.

- Eu te amei tanto, minha pequena! Tanto! Desde o primeiro instante em que senti você no meu ventre. – Segurou o rosto da filha novamente, admirando seus traços delicados. – Creio que teria amado muito mais se soubesse a pessoa esplêndida que você seria.  – Expirou, os olhos fixos nas írises da garota. – Eu sinto muito por isso, Cissy! Eu estava continuamente às voltas com as suas irmãs... Preocupada, temerosa! E você sempre tão quietinha... Me desculpe! Por não a ter amado como merecia.

- Está tudo bem, mamãe. – Narcissa deu um sorriso, os olhos marejando-se ao notar que os da mãe também estavam úmidos. – Nós vamos ter tempo pra dedicar uma à outra agora. – Pensou um pouco, antes de acrescentar. - Não vamos?

A mulher beijou sua testa. Os lábios finos fizeram cócegas bem próximo a raiz dos seus cabelos. O nariz da mãe pousou sobre as mechas, apreciando o aroma adocicado que a moça emanava. Coco e camomila, para dar brilho e maciez aos fios loiros, exatamente como Druella lhe tinha ensinado ainda na infância. Eram mesmo muito parecidas em certos aspectos, ainda que o sangue Black tivesse incutido em Narcissa uma pujança que a mãe não possuía. A filha foi envolvida num abraço taciturno, que se prolongou num par de minutos silenciosos.

- Eu deveria ir agora, se não quiser me atrasar. – Se desprendeu sem ânimo, desejando que a partida pudesse ser adiada em mais um dia, que a mãe lhe pedisse pra ficar. Ela teria ficado. Todavia, Druella não pediu. Já era hora, precisava voltar a Hogwarts uma última vez.

- Cissy! – Chamou, antes que ela saísse do quarto.

- Sim?

- Cuide-se, meu anjo! De você e do Regulus. É sempre bom para uma garota ter um irmão ou primo por perto. E ele vai precisar também. Você sabe bem o que significa perder uma irmã.

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Mastigava com desinteresse o pedaço borrachudo de frango que tinha posto na boca, usando a visão periférica para vasculhar o perímetro do Salão Principal.

- Pare, por Merlin! Pare! Ou vai me deixar louco! – Lupin reclamou, segurando o pulso de Peter para impedi-lo de continuar tamborilando o garfo na borda do prato.

- Foi mal! É difícil ficar quieto com o Pontas batendo a perna sem parar. – Gemeu, tal qual uma criança chateada por ter sido repreendida.

James interrompeu o balançar do membro, que de súbito se tornara consciente. Olhou os amigos, remexendo a comida fria na boca. Talvez estivesse ruminando a mesma garfada desde que o jantar havia começado. Não conseguia se lembrar, porque a ansiedade turvara sua percepção. Desejou ficar surdo por um momento que fosse. Estava meio exacerbado daquela convivência intensiva. Sentia-se mal por isso, mas o feriado inteiro com os dois atrás dele 24 horas por dia tinha sido exaustivo.

O início havia sido excelente! Usaram boa parte do primeiro dia trabalhando numa sacada genial de Pettegrew: Transformar uma bomba de bosta em uma bomba de ranho. Custou-lhes certo trabalho transfigurar também o odor, contudo, a empreitada tinha sido um sucesso e já fizera sua primeira e óbvia vítima: o Ranhoso. Sua barriga doera de tanto gargalhar! As noites, ao contrário, não tinham trazido tanta diversão, com as incursões a Hogsmead apenas em trio. E depois, Aluado retornara exausto e abatido como era de praxe no quarto minguante, esmorecendo os ânimos no dormitório.

- E se Walburga decidiu obrigá-lo a fazer alguma merda em família? Tenho quase certeza que foi isso. – Os olhinhos aquosos de Rabicho viravam-se de um lado a outro.

- Você é burro? – Desarrumou os cabelos, apertando os fios entre os dedos. – Pense. PENSE!

- O Regulus não teria voltado se fosse isso, Rabicho... – Remus adocicou a voz, para compensar a grosseria de James.

O trem retornara no início da noite, trazendo de volta a Hogwarts todos os alunos que tinham ido passar o feriado em casa, exceto Sirius Black. O maldito buraco criado pela ausência do melhor amigo se expandira nas estranhas de James, como uma intrusa e inesperada gastrite. Primeiro, estavam certos de que a única explicação plausível era a de que a festa de casamento se delongara. Entretanto, a aparição sem atrasos dos outros dois Black dera fim a essa teoria. Já haviam conjecturado um pouco de tudo, coisas boas e ruins. Algo dizia a James que o sumiço de Almofadinhas não podia ser bom. Não com aquele silêncio árido do espelho em seu bolso, que já durava quase dois dias.

Buscou os estudantes da Sonserina, tentando ler no semblante de Narcissa qualquer pista do que pudesse ter acontecido com o primo da garota. Não havia nenhuma, porque nada macularia a corriqueira fachada de indiferença dela, nem aquele evidente vazio na mesa da Grifinória. Bufou, inconformado com a capacidade da namorada em manter tamanha apatia frente a qualquer situação. A falta que sentia da moça quase o tinha sufocado nos últimos dias, preso naquele castelo sem poder nem ao menos mandar-lhe uma carta, sob o risco de que a família dela descobrisse que estavam juntos e o mundo caísse ao redor deles. Mas que merda! James tinha descontado parte da frustração na casa dos gritos, destruindo o que estivesse ao alcance de seus cascos. Agora, aquilo tudo havia encolhido a um ligeiro incômodo, diante da preocupação com Sirius.

- Sabe o que eu acho? Não adianta a gente se matar pensando nisso. Duvido que consigamos chegar perto da verdade... – Aluado suspirou, enchendo um segundo copo de suco de maçã. – Vamos esperar e ver o que acontece!

- Mas e se demorar? Até lá, eu terei morrido de ansiedade! – Os dedos curtos de Rabicho escorregaram pela cabeça, buscando um fio de cabelo para arrancar, o que fazia sempre que estava nervoso.

Ainda que sua atenção tivesse se desviado para os amigos, captou pelo canto do olho a turma de Narcissa se levantando. Ela já estava de pé, sugerindo estar mais apressada do que os outros em deixar o salão pra trás. Caminhava em passos compridos, como se estivesse atrasada ou procurasse alcançar alguém. James não podia perder a chance de puxá-la para um corredor afastado e descobrir o que tinha acontecido.

- E se nós formos os únicos a perceber que ele não veio? Não é você quem sempre diz que temos que avisar aos professores, Aluado? – Pettegrew acrescentou, depois de encher a boca com um pedaço enorme de batata.

- Quer saber? Foda-se! – Empurrou o prato cheio pro centro da mesa e se ergueu. – Você está certo, Aluado. Chega de perder tempo igual três patetas! Rabicho, caso ele chegue e eu não esteja aqui, meta um murro na cara daquele filho da puta por mim.

Contornou a mesa, na maior velocidade em que conseguia não parecer estar correndo para algum lugar. Isso chamaria a atenção dos amigos e ter um dos dois atrás de si estragaria qualquer possibilidade de falar com Narcissa. Tentou alcançá-la, mas, quando ela estava determinada, caminhava mais rápido do que as asas de um Gira-Gira podiam bater.  Ultrapassou os amigos dela, na porta do Salão, e mais um grupo enorme de lufanos, desviando-se para não se chocar com nenhum distraído. Subiu os degraus saltando, para vencer a distância que ainda os separava. Ofegava quando chegou perto da moça, dois ou três degraus de diferença entre seus movimentos.

- Narc... – Chamou, em um sussurro baixo.

- Agora não. – Ela murmurou, ríspida, cortando-o sem sequer olhar pra trás.

James nem parou, subindo mais rápido ao passar por ela e dissimular um motivo de pressa que estivesse mais adiante. Cerrou os punhos próximo ao corpo, irritado. Porra! Estava farto de não poder trocar uma palavra com ela, por causa do medo. Namorar às escondidas com Narcissa era excitante e tornava tudo muito mais divertido. Mas havia momentos em que era só um inferno! Tinha cansado de ser obrigado a obedecer àquelas regras estúpidas que a loira lhe impunha. O que caralhos podia dar errado em trocar duas ou três frases com ela na frente de outros alunos? O assunto era importante e justificaria por si só a interação entre os dois. Sirius era o único ponto em comum entre eles que nunca seria questionado! Contudo, ela não admitiria nenhuma atitude que pudesse despertar a mais minúscula faísca de suspeita sobre o relacionamento deles. Qualquer coisa era arriscada demais por ela. QUALQUER COISA! Ele estava cansado! James Potter não fazia o tipo comedido e não seria uma mulher a colocar rédeas sobre ele. Puxou a varinha sem interromper o trajeto, lançando uma azaração para fazer com que fumaça saísse das orelhas de um desavisado Ranhoso que James ultrapassou pelo caminho.

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- Será que você pode esperar só um minuto? –  Emparelhou-se a ele, tirando proveito da distração do rapaz com a contra azaração. – Quero falar com você, Severus!

- Estou ocupado, Narcissa. Não tenho tempo para “falar”. – Sisudo, Snape não esperou para ouvi-la.

- Pois eu acho que vai arrumar, se souber que é algo do seu interesse. – Acelerou o passo, puxando-o pelo antebraço. - Sobre... você sabe.

O moreno crispou os lábios, consentindo que o segurasse. Ela o carregou até um canto do corredor. Executaram movimentos similares ao analisar o entorno, averiguando que ninguém os observava.

- Diga. – Ordenou, com a voz dura.

- O que diabos você tem, Sev? Eu fiz alguma coisa que te aborreceu?

- Eu já lhe disse que estou ocupado. Você não consegue entender?

- Uma porra. – A loira soltou o braço dele de vez. – Não me trate como uma idiota, porque nunca fui descortês com você, garoto! Se está tão apressado para encontrar os babacas em quem estou pensando, pode esquecer, porque o que eu tenho a lhe contar vai te fazer mudar de ideia.

- Vai me dizer ou vou precisar usar legilimência, Cissy?

- Não se atreva! – Encarou o amigo com uma expressão repressora. – Você tinha dúvidas sobre a minha irmã... Não há mais: Ela é um deles.

- Você deve ter entendido errado...

- Ninguém me disse, Severus, eu vi! Mulher ou não, Bellatrix está metida nisso até os cabelos. – Soltou o ar. - No porão dos Dolohov, Bella estava... Torturando o menorzinho dos Abbot. Ela usou DUAS imperdoáveis.

- Não há um garotinho Abbot, Cissy. – As sobrancelhas espessas dele estavam franzidas sobre os olhos. - A mais nova está na minha turma.

- É claro! Você não tinha como saber, porque ele nunca veio pra Hogwarts. – Revistou o entorno novamente e baixou um pouco mais o tom de voz. – Ele é... era...um aborto.

- Era...?

- Era. Eu disse duas. – Apertou os lábios. – Eram seis ou sete caras. Estava escuro e não consegui enxergar todos. Lestrange, só o Rabastan dessa vez, Yaxley, Gibbon e o próprio Dolohov, claro. Havia outros. Não estavam preocupados em se esconder. Nenhum pouco preocupados. – Fitou os olhos negros do amigo com inquietação. – Enquanto isso, os garotinhos de quem você anda lambendo as bolas estavam bebendo e dançando no andar de cima, sem fazer ideia.

 - Isso só porque tudo que você deixou pra mim foram as bolas. – Respondeu com uma seriedade debochada, erguendo uma das sobrancelhas.

- Vai se foder! – Uma mistura entre tosse e risada saiu da boca dela e o rapaz também sorriu com a ironia, manchando o semblante cerrado.

A luz baixa no corredor fazia com que apenas um dos lados do rosto de Snape estivesse iluminado. O nariz adunco se avultava a frente dos cabelos escuros e emplastados e as pupilas resolutas bruxuleavam por trás dos longos cílios negros. Severus não seguiria pela cabeça de ninguém que não a própria, teimoso como era, e Narcissa temia que isso fosse sua ruína.

- A guerra já começou, Sev. Falta muito pouco pra explodir. Esse homem... Não está brincando.

- É claro que não!

- Um mestiço, como você, não pode se dar ao luxo de confiar nas pessoas erradas. Ele te engoliria sem mastigar, Severus! – Suspirou e começou a morder a unha do polegar. - Não importa o lado, você precisa escolher quem possa te proteger. Não haverá meios termos! Se o que você quer é ficar do lado dele, vai precisar impressionar.

- Eu sei o que estou fazendo, Narcissa. Não sou um tolo!

- É melhor saber, querido. Esses meninos são só joguetes segurando a barra das vestes dos pais. Não podem fazer nada por você! Preste atenção no que eu estou dizendo: Você é um gênio, Sev. Um bruxo talentoso para se ter na manga! Não desperdice isso! Ou você se alia às pessoas certas logo e usa o seu potencial, ou vai ser esmagado pelos dois lados, como qualquer outro meio-sangue que estiver à paisana... – Ela mastigou a pontinha da unha. – Eu tenho o nome certo pra você: Lucius Malfoy.

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Passou a ponta da pena na própria bochecha, afagando a pele com o toque sinuoso. Aluado escrevia como um louco, copiando tim-tim por tim-tim o que a professora McGonagall dizia. Atrás deles, Pontas bagunçava os cabelos de um lado para o outro. O primeiro dia de aulas depois das férias de Páscoa estava se arrastando como uma lesma, enquanto esperavam que o sumiço de Sirius fosse explicado de alguma maneira. O almoço tinha sido quieto entre os três, cansados de tecer suposições. Já não eram os únicos a reparar e James tinha respondido com grosseria quando Marlene lhe perguntara onde Almofadinhas tinha se metido. O humor do garoto não andava nada bom desde o dia anterior.

Peter estava quase certo de que só havia duas possibilidades: Ou Sirius estava enfiado em algum compromisso enfadonho e repentino dos pais ou tinha aproveitado a oportunidade para participar de um bacanal interminável em algum beco de Londres e acabara nem percebendo que já havia chegado o dia de retornar, tão entorpecido pelas drogas e pelo sexo. Estava curioso para saber qual das duas era verdadeira, torcendo fervorosamente que fosse a segunda. Os outros não concordavam com ele. Remus insistia que o garoto devia estar doente, enquanto Pontas se conformara em apenas xingá-lo sempre que possível, ainda que aos murmúrios, para si mesmo.

- Agora, tomem um rato cada um e comecem a praticar! Quero ter a sala livre de animais até o fim da aula! – A professora bateu com a ponta da varinha na gaiola, fazendo com que os bichos ficassem petrificados. – Nada de rabos sem corpo, ouviram bem?

Remus retornou a mesa com as três caudas presas ao indicador. Arrastou os corpinhos peludos sobre a madeira para destinar uma cobaia para cada um.

- Por que sempre tem que ser ratos? – Choramingou, aborrecido.

- Procure essa resposta dentro de você mesmo, meu caro amigo! – Lupin deu de ombros, com um sorriso torto.

- Sente-se mal pelos seus irmãozinhos, Rabicho? – Pontas sorriu pela primeira vez naquele dia. – Se quiser posso mandá-lo para o “não-ser” junto com eles num estalar de dedos!

- O teu cu! – Mostrou o dedo do meio pro amigo, enquanto ria. – Se eu tivesse mania de pompa como vocês, nós estaríamos todos ferrados. Quem é que ia se meter onde os três grandalhões não alcançam?

- É verdade, meu querido. Tamanho não é documento!

- O importante é a força de vontade. – Aluado deu uma risadinha baixa.

- Vão se foder!

Começaram a trabalhar na transfiguração, tentando fazer com que os ratos desaparecessem por completo. Já tinham treinado com objetos inanimados e vermes antes das férias, e ele conseguira fazer funcionar, depois de certo esforço. Agora, trabalhando com o primeiro vertebrado, ele não sentia que teria tanto sucesso. Não era exatamente fácil como a professora dera a impressão. Primeiro, acabou por fazer desaparecer a página do livro em que estavam trabalhando, o que resultou em um problema, porque sumiram junto com ela as instruções e teve que fazê-la reaparecer. Em seguida, mandara para o além apenas parte da cor das orelhas do bichinho, deixando-as translúcidas. Na terceira tentativa, Peter fez com que as patas sumissem.

- Ótimo, agora só falta todo o resto!

Aluado fizera com que os pelos, a pele e os músculos se tornassem transparentes, dando a todos uma excelente oportunidade para estudar a anatomia interna de um roedor. Pontas já conseguira fazer desaparecer todo o corpo e fitava com o cenho franzido a cabeça voadora do animal, pensando em como resolver isso.

- Muito bem, senhorita Evans!  - McGonagall estava parada em frente a moça, fitando o espaço vazio. - Perfeitamente executado! 10 pontos para a Grifinória!

- Novidade... – Pontas resmungou, revirando os olhos. - O que ela não faz?

- Dar uma chance pra você. – Ele brincou e uma gargalhada voou da boca de Remus.

- Por que a risada, Sr. Lupin? Não vejo que tenha tido tanto progr... – McGonagall repreendia o aluno, quando uma batida na porta ressoou pela sala. – Sim? – Ela perguntou, enxergando do outro lado a Natanael Bulstrode, o monitor-chefe daquele ano.

- Desculpe-me interrompe-la, professora, mas tenho um estudante atrasado para a sua classe. O diretor pediu que permitisse a entrada dele, senhora!

- A esta hora? A classe já está quase acabando! – A mulher deu alguns passos para mais perto da porta, consternada. - Bem, mande entrar.

O monitor afastou-se, dando espaço para que um despenteado Sirius Black adentrasse a sala.

- Sinto muito, professora! Mas não queria perder a oportunidade de apreciar nem que fossem os últimos minutos de sua esplêndida aula.

- Entre, senhor Black! E veja se consegue absorver alguma coisa...

Com um sorriso irônico, o rapaz caminhou até onde os outros marotos estavam. Embora as roupas estivessem um tanto amassadas e os cabelos mais armados do que o estilo propositalmente desalinhado que costumava adotar, não dava para dizer que Sirius estivera fora da escola no último dia. Nenhum traço indicava a razão pela qual não viera no Expresso. Olheiras suaves demarcavam a parte de baixo dos olhos cinzentos. Contudo, não pareciam mais pronunciadas do que as de alguém que tivesse perdido algumas horas de sono em uma festa de casamento. Doente, ele não estava. Aluado tinha errado feio! Peter torceu para que a hipótese certa fosse a sua.

- E aí, o que ‘tá rolando? – Em voz baixa, Almofadinhas indagou.

- O que tá rolando? Eu quero que você enfie essa merda no olho do seu cu! – Pontas segurou o rato pelo pescoço, fazendo com que ele guinchasse, e soltou no colo do outro.

- Porra, Pontas! Que caralhos você tem? – Puxando o rato e jogando sobre a mesa, Black limpou os pelos que tinham caído na sua calça.

- Que caralhos eu tenho? Você SUMIU por dois dias! Sabe o que passou pela cabeça da gente desde que você não chegou naquelas carruagens, seu filho da puta?

- Não deu pra chegar a tempo na estação, acabei perdendo o trem.

- “Não deu pra chegar a tempo na estação”. – James imitou o amigo, exagerando nos trejeitos.

- A sua prima e o seu irmão chegaram, Almofadinhas. – A lógica era sempre a escolha de Remus para se posicionar nas discussões.

- Ah, é?

- Você estava comendo alguém, não ‘tava? – Peter esfregou as mãos uma na outra, ansioso pra ouvir a fofoca.

- Eu adoraria te contar uma bela história de fodelância, meu caro Rabicho... Mas não.

- Ainda consigo ver o focinho, Srta. McKinnon! – A voz da professora ecoava ao fundo.

- Então o que foi? Fala pra gente! – Ele se arrumou na cadeira, para ouvir a justificativa mirabolante. – Walburga e Órion te obrigaram a fazer alguma merda?

- Eu orgulhosamente não respondo mais a esses dois escrotos, Rabicho. Sou um homem LIVRE! Cheguei atrasado porque não deu pra me darem uma carona antes a Hogsmead.

- Não responde mais...?

- Você fugiu de casa? – Lupin arregalou os olhos.

- O termo “emancipação voluntária” me agrada mais, Aluado.

- Até parece, Almofadinhas! – Pontas soltou o ar com força, largando a varinha em cima da cadeira depois de conseguir fazer o rato finalmente sumir por inteiro. – Se você não mora mais com os seus pais, com quem mora agora?

- Com os seus.

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- Asfódelo. – Euphemia elevou um pouco a voz, para sobrepor os gritos de um grupo de grifinórios.

- Pode crer!!! – Matilda molhou a pena no tinteiro, preenchendo os quadradinhos com as letras com a velocidade de quem fazia aquilo rotineiramente.

Angiosperma capaz de melhorar o sono, 8 letras. Essa tinha sido fácil! Ajudar Matilda quando as palavras cruzadas tratavam de herbologia era sempre uma diversão pra Effie. Grande parte das dicas era extremamente óbvia, mas aquilo a ajudava a revisar pros NIEMS no tempo livre. Com a proximidade dos exames, Euphemia já não conseguia pensar em quase nenhum outro assunto e lazer soava como uma perda de tempo. Pelo menos assim ela não se sentia tão culpada em estar esparramada no jardim naquele fim de tarde.

A garota era a única que estava realmente preocupada com as provas. Gwen não falava de nada além do casamento dos Lestrange, deslumbrada com toda a pompa e o romance que testemunhara. Narcissa andava dispersa, quieta e reflexiva, mesmo quando o grupo todo se reunia. Leona não ia pensar nos estudos até que a partida contra a Corvinal acontecesse, muito embora a Sonserina não tivessem mais chance de ganhar o campeonato. Yvonne... Bem, não era novidade que ela não tinha olhos pra outra coisa que não fosse Clifford Wilkes Jr.

Effie deteve-se na loira, de pé há alguns metros, numa área mais aberta. Dezenas de vezes, Leona erguia os braços, atirando a goles na direção de Evan, para que ele defendesse um dos aros imaginários, demarcados pelos pares de sapatos deles. Sacudiu os próprios pés, encostando os dedos na grama suave: Emprestara os seus sapatos para compor o terceiro dos aros. A posição de batedora e sua dedicação aos treinos tinham delineado o corpo de Leona Grengrass de forma incomum. Os músculos, principalmente dos braços, que agora se ocupavam em lançar a goles, tinham se tornado rijos e pronunciados. As panturrilhas grossas se contraiam quando ela se preparava para um novo arremesso, flexionando a ponta do pé. A expressão de alerta que ela carregava era inquietante, com as pálpebras mais abertas do que o usual. Quase sempre presos, os cabelos eram puxados para trás, forçando as têmporas a fazerem o mesmo movimento, de forma mais suave.

- Quanto eu dormi? – Cissy murmurou, passando os dedos nos cabelo e espalhando as pequenas florezinhas que Gwen cuidadosamente enfiara entre os fios, enquanto a moça cochilara com a cabeça em seu colo.

- Cerca de 3 anos, querida. Seu marido está exigindo a lua de mel! – Harriet brincou, dando uma de suas risadinhas de hiena.

- Conseguimos entretê-lo com quadribol, mas não ia durar pra sempre. – Matilda indicou a Rosier com um movimento da cabeça.

- Acho que vou dormir por mais cem anos! - Narcissa riu, cobrindo o rosto com os braços cruzados.

- Não se preocupe, Cissy! Ele vai te acordar com um beijo de amor verdadeiro! – Gwen suspirou, segurando os pulsos da amiga e afastando-os.

- Bu! – Cissy gritou, fingindo avançar em direção a Gwen. O susto se transformou em gargalhadas das duas garotas.

A relação daqueles dois era confusa para a mente calculista de Euphemia. Se diziam amigos e nada mais. Todavia, os olhares que trocavam pareciam contar outra história. Evan olhava a Narcissa de forma lânguida, sem forças para lutar contra o magnetismo que a garota exercia sobre ele. Gwen e Yvonne estavam certas em dizer que ele sentia algo por ela, mesmo que não admitisse. Era isso ou ele era um completo maluco! Effie sabia que era paixão, porque aquele olhar de submissão e desejo contido ele reservava só para a caçulinha Black. Em resposta, Cissy sorria pra ele com ternura. As pupilas brilhando com brandura e o rosto moldado ao aconchego. Não era possível que não se amassem! Ao menos de um algum jeito... E embora Narcissa jurasse de forma veemente que não, Euphemia não duvidava que eles terminassem se casando alguns anos à frente.

  - Toda vez que eu entro nessa aula de Trato das criaturas mágicas eu me questiono como é que fui me deixar convencer de que seria uma boa ideia continuar nela depois do NOMs! – Emma Vanity jogou os livros no chão, bem ao lado de Gwen e Narcissa, deitando-se com a cabeça apoiada neles logo em seguida.

- É muito fácil responder essa pergunta, Em! Porque você é louca por mim! – Logan Travers se sentou ao lado de Effie, jogando o corpo para trás para se encostar no tronco de uma aveleira.

- Paspalhão! – Atirou um punhado de folhas no peito dele. - E ainda vou ter que aguentar mais um ano dessa merda!

- Eu acho que é um campo de estudos fascinante! Pena que não consegui conciliar os horários e continuar nessa disciplina.

- Você acha tudo fascinante, Effie! – Matilda revirou os olhos, com um sorriso irônico no rosto.

- Tudo, menos o que interessa! – A voz anasalada de Harriet puxou as risadas de todo o grupo. – O Henry ainda anda se arrastando por você, querida!

- Que vá se arrastar bem longe daqui! – Brincou, sorrindo para esconder o fundinho de verdade que havia na afirmação.

- Credo, qual o problema de vocês com os garotos? – Gwen fez um biquinho.

- Nenhum, Gweny. O problema não somos nós, são eles. – Enquanto ela falava, a mão esguia de Narcissa se ergueu até Effie, para que a garota pudesse bater em cumprimento.

- Eu tenho que concordar, minhas queridas. Os meus adversários de fato não andam com nada... – Logan estalou a língua, fingindo decepção. - Só fazem bosta.

- Ih! Parece que lá vem mais um que cagou. – Indicando o lago com a cabeça, Matilda fez com que todos virassem os olhos até lá.

Os braços compridos de Wilkes bateram com força na lateral do próprio corpo, anunciando seu aborrecimento.  O garoto virou o rosto para cima, revirando os olhos. Effie apertou as pálpebras para ler o que ele dizia pelo movimento dos lábios: “Qual é, Yvonne!”. Se usasse legilimência, certamente encontraria pensamentos contrariados com a personalidade dramática de Yve. Entretanto, a moça não voltou a dar atenção a ele, agitando as mãos acima da cabeça, com os dois dedos médios estendidos num gesto obsceno. Seguiu uma trajetória dura até onde a turma estava, cruzando o gramado. Vinha furiosa, pisando firme e bufando. Travara os punhos ao lado do quadril e o vermelho do cabelo dava a impressão de ter se espalhado por todo o rosto.

- Leô, vamos! – Ordenou, antes mesmo de chegar até eles.

- Que foi? – Leona interrompeu o lançamento, prendendo a goles com a pontinha dos dedos no último segundo.

- Posso querer conversar com a minha melhor amiga?

- Ah! – A garota levou os olhos até onde Wilkes estava parado, seguindo uma discreta indicação de Rosier. Estremeceu, vendo ao namorado da outra socar a parede do castelo. – Ok... – Enfiou os sapatos nos pés com pressa, entregando a goles ao rapaz e acrescentando um pedido de desculpas sussurrado.

- Não fica assim, Yve! Esses garotos são uns bobos! Mas não vai demorar pra vocês se resolverem e retomarem essa linda história de amor com ainda mais paixão! – Gwen deu um sorriso carinhoso.

- Sabe qual é o seu problema, Yaxley? É impossível manter a porra dessa sua boca quieta! - Se virou de forma súbita, a raiva queimando suas pupilas. – Quem sabe se você de vez em quando usasse a limitada capacidade intelectual que tem, conseguiria finalmente deixar de ser uma menina idiota em seu mundinho privilegiado cor-de-rosa de contos de fadas e se tornasse uma mulher de verdade?  Talvez isso ajudasse também a entender que não tem o direito de se meter onde não é chamada só por causa do seu sobrenome! – E saiu, como se sozinha fosse um pelotão de guerra, com Leona em seu encalço.

- Eu disse alguma coisa errada? – Num murmúrio entremeado de choro, Gwen conseguiu balbuciar.

- Nada, meu bem. Nada! – Narcissa se sentou, trazendo a amiga para o próprio peito em um abraço. – Não ligue para o que essa grosseira diz.

- Ela só perdeu a cabeça, Gweny. – Effie acrescentou, tentando consolar a outra.

- Que saco esses dois, hein? – Evan resmungou, trazendo os sapatos de Effie em uma das mãos para devolver a ela.

- A Yve só se descontrolou e descontou a irritação em você, Gwen. - Foi a vez de Emma tentar colocar panos quentes no que tinha acontecido. - Mas não é nada pessoal! Logo logo ela se desculpará, você vai ver!

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Então era isso: James ganhara tardiamente um irmão. É óbvio que seus pais tinham concordado em acolher Sirius Black em sua casa, adoraram o garoto desde a primeira vez que o viram! Cada visita de Sirius significava entrar pela madrugada debatendo e ouvindo os papos mirabolantes dele, que julgavam “interessantes” e “muito maduros”. Isso era muito, considerando que os dois velhos não eram de permanecer longo tempo acordados depois do cair da noite.

Contudo, uma visita era bem diferente de adaptar-se totalmente a rotina de uma nova família. Sirius era cativante e divertido, menos quando dava um de seus chiliques. Era bem provável que a paz reinasse por duas ou três semanas, até que o garoto caísse na real sobre as implicações de sair de casa. Ele insistia que não tinha mais volta. James, por sua vez, apostava que aquela determinação não resistiria às primeiras férias sem glamour que ele tivesse que enfrentar. Estava curioso para ver o quanto tudo aquilo ia durar antes que o melhor amigo voltasse com o rabinho entre as pernas para a casa dos pais.

Apesar do alívio, o retorno do amigo não trouxera a James o apaziguamento que ele esperava. Pequenas lagartas mastigavam seu íntimo, lembrando-o de tempos em tempos da recusa de Narcissa em falar com ele. O nariz empinado e a voz seca da garota voltavam à tona com frequência e a distância que ele propositalmente impusera a ela, como represália, alimentavam o ressentimento como à boca flamejante e insaciável de uma lareira. Tinham se cruzado no corredor um dia antes e a loira lhe enfiara um bilhete no bolso. James fez questão de jogar fora sem nem ler. Se ela podia rechaçá-lo como fizera, merecia receber na mesma moeda.

Empregava a ira acumulada em dar voltas de vassoura ao redor do campo de quadribol em uma velocidade imprudente. McGonagall se mostrara resistente de início, mas acabara cedendo-lhe a permissão para usar o campo, mesmo sozinho. Teria pouco mais de quarenta e cinco minutos entre o relutante sim da professora e a hora em que o time da Corvinal chegaria para usar o espaço. O jogo final do campeonato, entre Corvinal e Sonserina, aconteceria dentro de dois dias e poderiam comemorar enfim o já definido tricampeonato da Grifinória. James andava sentindo falta dos treinos mais constantes, agora que o time não competiria mais até o ano letivo seguinte. Voar de vassoura lhe ajudava a clarear as ideias e os métodos rígidos de Dimitri eram fantásticos para dias como aquele, em que a tormenta de estar preso na própria mente era fatigante demais.

A brisa vicejante da primavera levava seus cabelos despenteados para longe do rosto. As folhas das árvores, renascidas em verde vivaz, dançavam ao sabor do vento. Abriu os braços, inspirando profundamente para encher os pulmões com o frescor que o rodeava. Ao longe, as construções parelhas de Hogsmead se amontoavam como favos de mel. No castelo, as luzes começavam a se acender, combatendo o lusco-fusco. Somando-se a elas, três pequenos lampejos em lilás que lhe atingiram o canto dos olhos. Fez uma curva suave, virando o rosto para o local de onde vieram. Parada junto às arquibancadas, Narcissa acompanhava sua trajetória, com a varinha estendida a frente do corpo. O que primeiro lhe ocorreu foi a certeza imperturbável de que iria fingir que não a tinha visto até que ela fosse embora. Contudo, bastou que a loira sorrisse, no instante em que o desenho do campo fez com que voasse de frente a ela, para que tudo se dissolvesse. Cortou o gramado mais uma vez, buscando outras pessoas nos arredores, para certificar-se de que estavam seguros e depois desceu até ela.

- Olá, campeão! – Os braços dela cruzaram-se em volta do seu pescoço, antes que James pudesse largar a vassoura. Sorria de um jeito açucarado, os olhos cintilando por trás das pestanas longas. Se ela achava que ia convencê-lo assim, estava eng... – Eu senti sua falta, Jamie. – Desceu os lábios pelo pescoço dele, beijando a pele que não estava coberta pelo uniforme.

- Esse não é um bom momento, Narcissa. – Murmurou, tentando ser tão ríspido quanto ela fora. Não era tão fácil, com aqueles lábios se demorando em seu corpo.

- Narcissa? – Usou um tom ingênuo, quase magoado. – Eu não tinha como saber, você não respondeu meu bilhete...

- Você sabe bem o porquê.

- Sei? – As pontas das unhas compridas rasparam em sua nuca, enquanto ela afrouxava a gravata para abrir espaço pra boca.

- Segunda-feira, você me...

- Aquilo, Jamie? – Franziu os lábios num biquinho, dando-lhe um olhar de gazela. – Você não vai ficar bravo comigo por algo tão pequeno, vai? Eu precisava resolver algo importante... – Jogou a boca sobre a dele, beijando-lhe os lábios e o queixo.

- O que eu tinha a dizer também era importante Narcissa! O seu primo...

- Eu sei, eu sei... Eu deveria ter ouvido. – Respondeu entre os beijos que ia dando no rapaz, as mãos já ocupadas em meter-se por baixo da camisa dele. – Você vai me desculpar, não vai, Jamie? – Piscou longamente, tragando-o com as írises azuladas. – Você nem imagina quantas saudades eu senti! – Voltou a encará-lo, ostentando uma expressão de súplica inocente. Quão repreensível James deveria se sentir por achar aquela cara manhosa estupidamente sensual? – Por favor... – Ela sussurrou, os lábios colados em sua orelha.

O garoto largou a vassoura, empurrando Narcissa até que prendesse as costas na parede da arquibancada. Mandou para a puta que pariu qualquer ideia de castigá-la e correspondeu ao beijo com sofreguidão. Ela sorria, com a boca colada a dele: Tinha conseguido o que queria. James não estava nenhum um pouco arrependido. Adorava mais do que tudo aqueles sorrisos que a moça dava entre os beijos. Desceu as mãos pelo corpo dela, enfiando-as por baixo da saia de pregas. Apalpando uma das nádegas em cada mão, ergueu-a levemente, pressionando com mais brutalidade entre a arquibancada e seu próprio corpo.

- Você também sentiu saudades, Jamie? – Deu uma risadinha, as unhas arranhando seu couro cabeludo.

- Cada puto segundo. – Enfiou o rosto no pescoço dela, inebriando-se com o perfume e a maciez das madeixas loiras. – Mas agora, eu tenho que ir. – Largou as pernas que envolviam seus quadris, pousando Narcissa de volta no chão.

- Por quê? – Ela choramingou, contrariada, apertando-o junto ao corpo.

- O time da Corvinal vai usar o campo nos próximos três minutos. – James indicou, com um manear da cabeça, um agrupamento de pequenas figuras atravessando o espaço aberto em direção ao campo. – E eu tenho um compromisso! – Tudo bem que era apenas o velho Aluado esperando para ajudá-lo com a tarefa de Feitiços, mas Narcissa não precisava saber daquilo.

- Não dá pra desmarcar? – A menina abriu um sorrisinho cheio de malícia que quase o fez repensar a decisão.

- Hoje não, meu bem. – Mordiscou os lábios dela. – Mas podemos nos ver no sábado de manhã.

- De manhã? Na hora do jogo?

- Exatamente! O time vai pensar que estou assistindo com meus amigos. Meus amigos vão achar que estou assistindo com o time. A sua galera vai achar que você está enfiada em algum lugar na torcida. – James beijou o queixo dela, depois de apanhar a vassoura. – E o dormitório estará completamente vazio por horas... – Murmurou um accio apressado, para trazer a mochila, que largara na beira do campo, até onde eles estavam. Abriu o zíper com pressa, arrancando de lá a capa de invisibilidade e entregando nos braços dela. – A escada do lado esquerdo, no quinto andar.

- Você tem certeza disso, Potter? Eu não brinco. – Narcissa ergueu uma das sobrancelhas, com uma expressão que misturava apreensão e desafio.

- Nem eu, Cissa. – Deu-lhe um beijo rápido nos lábios, saindo dali. – A senha é “Meteoro-Chinês”.

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