Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
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Respeitável público

Olhou por cima do ombro mais uma vez. O início da madrugada já se anunciava sobre a mansão e esparsos núcleos festivos ainda prosseguiam ativos no jardim. O dia havia sido longo, entretanto, a adrenalina correndo em suas veias não deixava que Bellatrix se sentisse cansada.  O primeiro passo que deu para dentro da casa descarregou uma linha de energia no chão de madeira.

Segurava a longa saia, evitando tropeços. O vestido branco, agora já amassado, parecia-lhe estúpido. Definitivamente aquela não era a sua cor! Deixava com prazer a pureza angelical para a maçante Narcissa. A ela cabia muito melhor o preto, escuro e profundo como seus cabelos, seus olhos e seu interior. A mão pesada de Rodolphus fazia pressão em sua lombar, denunciando suas claras intenções para a noite que ainda restava. Não era a lua de mel que a estava deixando ansiosa, mas a presença que se avolumava na sala. Passo atrás de passo, a tensão crescia ao seu redor, fazendo seu peito acelerar.

Podia reconhecer a energia reunindo-se, como as fagulhas que dão início a um incêndio. Seu interior fervilhava. Sentia-se capaz de acender a lareira sem sequer precisar da varinha para isso. Em seus tímpanos ressoavam as batidas apressadas do seu coração. Finalmente caminhava em direção a recompensa tão desejada! Estava um pouco mais perto de ver-se atingindo o alvo de sua ambição. Adentrou a sala, desviando dos convivas espalhados próximos a parede, tentando dissimular a ânsia desenfreada que experimentava. Dominando o ambiente, Ele havia tomado um lugar bem ao centro, acomodado confortavelmente na majestosa poltrona que Cygnus costumava ocupar. Executar uma reverência, flexionando os joelhos e abaixando cabeça, foi inevitável.

- Milorde.

Levantar os olhos à altura dos Dele seria demasiada ousadia e Bellatrix o fitou apenas de relance. Os pupilas escuras, escondidas atrás das pálpebras pesadas a julgavam de cima a baixo. Ele parecia mais pálido do que da última vez que o tinha visto. A pele alvíssima era acentuada pela cor negra que escolhera não só para o terno, mas também para a camisa e a gravata. O corpo magro ostentava uma postura faustosa, com as pernas cruzadas e um copo de uísque de fogo envolto por uma das alongadas mãos.

- Um casamento tão prodigioso, Rodolphus! Deve ser celebrado a altura.

- Certamente, Milorde! É um imensurável prazer para mim e para a minha esposa ter vossa presença em nosso matrimônio. Serviram-no adequadamente, Milorde?

- Um uísque descente. – Tilintou a unha do mindinho no copo de cristal. - Não é necessário mais do que isso para um homem modesto como eu.

A risada irônica saiu pungente de seus finos lábios, contagiando os presentes e transformou-se em uma fisgada no ventre de Bellatrix. Seus pais haviam feito questão de oferecer os melhores comes e bebes da Europa em comemoração ao seu casamento. Ainda assim, não era suficiente para o paladar exigente Dele. Pode sentir seu rosto ficando vermelho, ao som das risadas. A cada vez que o coro crescia, estivesse onde estivesse, Bellatrix sentia-se nua, despida pelas risadas graves do bando de homens que o circundavam. Ele parou de repente, calando-se, e o silêncio caiu como um pano sobre o recinto.

- Minha querida Bellatrix, venha até a mim!

O aperto de Rodolphus em seu quadril se afrouxou, permitindo que ela se movesse. Caminhou lentamente, com os olhos baixos, tentando não parecer tão insegura quanto se sentia. Ele era como um imã, atraindo-a magneticamente para si. Manteve o olhar sobre ela, apagando tudo que havia na sala em volta dos dois. Ajoelhou-se timidamente a frente Dele, sentando-se sobre os próprios joelhos logo em seguida.

- Chegaram aos meus ouvidos os relatos de suas últimas façanhas.

- Espero não o ter envergonhado, Milorde.

- Alguém como eu não se envergonha. – Cortou-a, com a voz firme, que amaciou logo em seguida antes de continuar. – Você é uma boa garota, minha querida! Tem me dado motivos para valorizá-la.  – Virou-se subitamente, enxergando ao fundo o homem mais velho encostado a parede. - Diga-me, Basil, você que me conhece a tanto tempo: É do meu feitio ser mal-agradecido?

- Nunca, Milorde. – Tal qual o filho, Basil Avery tinha uma cara alongada e dentes avantajados, como um roedor.

- E você, Rabastan, considera que sou um mau mestre? – Levantou o copo, para que seu cunhado completasse com bebida.

- Ao contrário, Milorde.

- Creio que seria polido da minha parte dar-lhe um presente de casamento adequado, minha querida.

- Não é necessário, Milorde! Sua benção é tudo que Rodolphus e eu poderíamos pedir.

- Eu não concedo bençãos. – O frio lhe subiu pela espinha e ela trincou os dentes. - Lhe pareço um desses imundos sacerdotes? – Rasgou o silêncio com mais uma de suas gargalhadas embebidas em sarcasmo. Os outros o seguiram, como fantoches. – Não, não, não, minha querida Bellatrix! Você demonstrou competência e algo que eu valorizo acima de tudo: Ambição. Que qualidade de mestre eu seria se não fizesse jus ao reconhecer os seus esforços? Eu sei que há algo que você anda querendo e que sou a único que pode lhe dar.

Bella sentiu seu rosto esquentar. Os olhos de Rodolphus queimavam suas costas. Teve dificuldades em manter suas pupilas fixas, mudando rapidamente o foco do tapete para a poltrona e logo em seguida para os sapatos Dele. Não adiantava tentar esconder qualquer pensamento ou sentimento. A mente humana era como um livro aberto para um legilimens tão talentoso quanto Ele. Engoliu o ar em inspirações curtas, tentando enviar para longe as ideias que lhe corriam.

- Servos fiéis não são fáceis de encontrar, minha querida. Todavia, sou capaz de reconhecer um deles à primeira vista. – Segurou-a pelo queixo, erguendo sua cabeça para analisá-la. - E você se provou digna de minha confiança, Bellatrix. – Soltou seu rosto, usando a mão para puxar a varinha de dentro do paletó. - Dê-me sua mão esquerda.

- Obrigada, Milorde! – A emoção tomou-lhe com um arrojo no estômago.

Entregou o braço a Ele, experimentando o prazer de ser tocada pela mão longilínea. A segurava com firmeza, exatamente como Bella havia fantasiado. Sua pele formigava no ponto em que os dedos Dele prendiam seu antebraço. Como uma queimadura, os traços escuros foram se apoderando de seu antebraço, definindo pouco a pouco a imagem do crânio. A mulher apertou os lábios, a respiração endurecendo pela dor. Eram como talhos sendo abertos em sua carne, mas ela apreciou cada instante, fascinada. Quando a caveira abriu a mandíbula para dar vazão a cobra que deslizou em sua pele alva, Bellatrix sentiu-se tonta, enfraquecida pela agonia lancinante. Levantou o olhar, ofuscada pela ardência, cruzando seus olhos com os Dele. Havia uma ligeira satisfação no fundo das irizes escuras, que compartilharam intimamente, excluindo os outros presentes. De suas entranhas, flutuando em direção ao exterior, uma gargalhada aguda começou a tomar forma, crescendo em volume à medida que a dor pungente ia se apagando. Ele deu-lhe um sorriso, em resposta. Bellatrix era agora parte definitiva do seleto grupo. A única mulher. A sua escolhida.

Bella estava plena, certa de que contraíra seu verdadeiro matrimônio. Havia assinado um contrato irrestrito de fidelidade e dedicação. Casara-se com suas crenças, unindo-se aos reais alvos de sua afeição: O poder e a glória.  Em breve, Ele dominaria o mundo bruxo. A mulher já não tinha a menor dúvida de quem caminharia ao seu lado quando isso acontecesse. A marca era dada somente àqueles que adentravam ao mais íntimos círculos de confiança Dele. A Bellatrix havia sido concedida a honra e jamais o decepcionaria. Levantou-se aos poucos, até pôr-se de pé sobre os saltos. Os olhos nojentos deles estavam sobre ela. Eram cães, espumando de inveja e rancor. Até mesmo Rodolphus segurava o próprio antebraço, a mão pousada exatamente sobre onde a marca que ele carregava havia sido traçada, demarcando sua posição na hierarquia. Que se danassem todos eles!

Correu os olhos pelo ambiente, as pupilas pintadas de crueldade, para intimidá-los. Foi quando o avistou parado a porta. Sirius. Inferiu que ele havia acompanhado a cena, pela expressão de reprovação que mantinha no rosto. Seu corpo ardeu pela ausência dele, queimando exatamente onde ele a havia tocado mais cedo. Sentiria falta de estar com o primo, mas aquela havia sido a última vez. Divertiram-se por muito tempo, porque eram crianças, fugindo do tédio e da mesmice, ansiosos pelo perigo. Contudo, já havia passado da hora de crescerem! Ela agora era uma mulher, casada e marcada por Ele.

- Parece que temos visitas. – A voz rascante sibilou, sarcástica. - Bellatrix, faça as honras!

- Este é o meu primo Sirius, de quem lhe falei, Milorde.

- Interessante. – Girou o gelo dentro do uísque com a ponta do dedo. - Venha até aqui, Sirius!

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- Ande! – Bellatrix sussurrou, arregalando os olhos na direção dele.

Sirius soltou o ar. Atravessou a porta, em passos lentos pelo cômodo, parando próximo a ela. O garoto sentiu o estômago enredado e arrependeu-se de não ter seguido a celeridade do tio quando atravessaram a casa. Sua curiosidade acabaria custando caro. Não fora capaz de contê-la, sabendo que seria uma rara oportunidade de ver aquele de quem tanto se falava as escondidas. A aparência do homem era medonha! Muito diferente do líder carismático que Sirius havia imaginado. Tinha a pele muito branca, repuxada sobre o rosto escaveirado. O nariz era fino até um ponto que beirava o não-natural, com as narinas esticadas em fendas estreitas.  As mãos pareciam ser anormalmente compridas e as unhas pontudas, longas demais para manter qualquer nível de higiene. A única coisa fascinante eram os olhos, com pupilas escuras vívidas e atentas, que pareciam ler o entorno sem dificuldades.

- Que idade você tem, meu garoto? – Ele indagou, com a voz seca.

- 16.

- 16. – Repetiu, ponderando. – Quinto ano?

- Sim.

- Veja, Sirius. – Seu nome perdeu-se naquela boca pavorosa. – Estou procurando por um rapaz influente e comunicativo, que circule bem em todos os meios sociais de Hogwarts. Sua prima acha que você poderia ser exatamente quem eu estou buscando.

- Para quê?

- Para quê? – Deu uma risada, que foi seguida imediatamente pelo bando de abutres ao redor. – Ora, meu jovem! Para espalhar nossos ideais e trazer outros bruxos à causa! Busco alguém que consiga ser esperto e tenha a discrição necessária para fazê-lo sem despertar as suspeitas do diretor.

- Eu lamento desapontá-lo, mas isso seria impossível. – Prendeu uma risada que queria lhe escapar, soltando o ar acidentalmente pelo nariz.

- Você quis dizer que é incapaz de fazê-lo.

- Não! Se alguém seria capaz de fazer a primeira parte das tarefas que descreveu, esse alguém sou eu. – Concentrou o olhar nas próprias unhas, assegurando-se de que estavam limpas e bem aparadas, em contrapartida as do sujeito. - O que quero dizer... – Experimentou mentalmente as palavras que poderia usar, buscando uma adequada para referir-se a ele. Não ia dar-lhe a satisfação de chamá-lo como os babacas dos seguidores o chamavam. – ... Senhor, é que ninguém é capaz de esconder-se completamente de Dumbledore por muito tempo. Sobretudo dentro de Hogwarts! E quem quer que pense o contrário é um tolo. – Arqueou a sobrancelha, voltando a olhar para o homem a sua frente.

- Vocês ouviram isso? – Forçou uma risada chistosa, embora Sirius tivesse percebido que sua provocação causara rebuliço. – O rapaz pensa que é impossível manter-se fora do radar do velho! – As gargalhadas se espalharam pela sala, como se fossem um cardume seguindo o mesmo fluxo. – Aquele ali já está gagá há um bom tempo. Esqueceu-se até mesmo de morrer!

- Pois eu lhe asseguro que não há nada passando despercebido aos olhos dele, como pensam.

- Me parece, Sirius.... – Ele aumentou o tom de voz, para calar os outros. - Que sua prima esqueceu de dizer petulante.

- Acho que ela fez um julgamento equivocado sobre mim.

- Ouça a razão, garoto! Você tem bom nome, vem de uma sólida família, de bruxos notáveis, sangue-puro... – Bebeu um gole do uísque, finalmente fazendo uma pausa.

Os olhos sombrios aterrissaram sobre ele com intensidade. Sirius sentiu o espaço ao seu redor se alongar e se comprimir em seguida. Um súbito frio assolou seu interior, alastrando-se sob sua pele. Como água se derramando em sua garganta, abrindo caminho e afogando-o, experienciou a sensação de que algo forçava os contornos de suas ideias. Imagens entrecortadas tomaram sua mente: Ele, caminhando pelos corredores de Hogwarts, falando com pequenos grupos de alunos. “Sirius...”, o tom reptante parecia vir dos seus pensamentos. Os outros também estavam ouvindo ou aquilo estava desenrolando-se apenas em sua mente? Tentou desviar o olhar para a lareira, mas as mesmas imagens continuavam se desenvolvendo diante de seus olhos. Os estudantes o contemplavam com admiração, acenando para ele mais do que de costume. Estava em Gringotes, subindo as escadas, parecia um pouco mais velho, usando trajes elegantes enquanto ia sendo cumprimentado por homens em posturas imponentes. “Não é isso o que você almeja, Sirius?”. O cofre dourado reluzia a sua frente, os milhares de galeões empilhados. “Não seria necessário muito esforço...Você sabe bem como fazê-lo....”. Subindo a torre de astronomia, para encontrar dois meninos e conversar com eles. “Quer que as pessoas saibam quem você é? Que qualquer um na Grã-Bretanha conheça o seu nome?”. O Ministro da Magia cumprimentando-o com um aceno da cabeça, atravessando a rua em direção ao prédio do Ministério. “Eu posso lhe dar o que deseja...”. Ele subia pelas escadas da Mansão, seus pais sentados a mesa de jantar, cochichando sua admiração sobre ele. “Você merece toda a glória que deseja, Sirius...Nós só precisamos resolver um pequeno inconveniente...O câncer que nos infecta precisa ser extirpado... “. Pessoas imundas, miseráveis, amontoando-se abaixo de pontes, tremendo de frio, lutando para acender uma simples fogueira. Trouxas! “Você pode ser lembrado por isso, Sirius. Pela sua coragem para enfrentar o caminho difícil! Pela lealdade! Pelo poder!”. Usava um terno elegante, ovacionado ao adentrar ao Hall do Ministério. Não seria nada mal...” Vai alcançar o que realmente deseja, sem renúncias!”. O rosto de Tio Alphard tornou-se claro em sua vista. Não. Não era isso. Nada disso! O Sorriso de Pontas, o abraço cálido de Aluado, o olhar cheio de admiração de Rabicho. Empregou uma força descomunal, puxando as pupilas até a própria mão. O anel reluzia em seu dedo mindinho. Os elefantes não esquecem! Foi como desaparatar, sua mente sendo expelida de volta a realidade. O homem ainda bebia o mesmo gole, com um sutil sorriso. Não haviam se passado mais que alguns segundos. Filho da puta!

- Creio não poder oferecer o que procura. – Cuspiu as palavras, entre os dentes.

- É uma pena, garoto... Você parecia ter muito potencial para tornar-se alguém.

- Não se compadeça, senhor. – Sirius pintou um sorriso debochado nos lábios. - Se isso significa viver rastejando na escuridão, aproveitando-se dos outros como um sanguessuga enquanto brinco de sociedade secreta, eu prefiro continuar a ser ninguém.

Foi como um pulso de eletricidade. Uma dor aguda parecida com a de quando tinha perfurado o tímpano por acidente, brincando com a varinha de Órion, ainda criança. Sentiu-se zonzo. Centenas de abelhas raivosas ferroando sua carne. A solidão crescendo em volta dele, como um cobertor pesado do qual não conseguia se livrar. Ele estava sozinho. A pele coberta de fuligem, os cabelos desgrenhados enquanto se encolhia contra o chão frio. Uma queimadura forte, atingindo as camadas mais profundas da pele. Afundando-se na própria tristeza. Risadas altas e dedos apontados para ele. Exposto ao ridículo. A cabeça latejando sem descanso. E então desapareceu. Ele respirou fundo e tossiu, engasgando-se com o ar.

- Meninos petulantes merecem boas lições. – Mais um pulso, rápido dessa vez. O tempo suficiente para deixá-lo nauseado. Sirius sabia que não aguentaria muito mais. – Em respeito ao casamento da sua prima, a lição vai ser adiada... Contudo, meu caro Black, não se deixe convencer de que ela foi esquecida. Poderá tardar, mas não falhará.

Sirius trincou a mandíbula, apertando ligeiramente as pálpebras. Nenhum dos marionetes dele se moveu. Escutavam quietinhos a situação se desenvolvendo, certamente prontos pra atacar se necessário, ainda que temerosos demais para se meter. Asquerosos, todos eles! Tão preocupados em proteger os próprios rabos que não se importavam em rastejar em volta de quem pudesse lhes dar alguma notoriedade. O garoto podia imaginar a expressão envergonhada e idólatra no rosto da prima. Tão repugnante quanto os outros! Ou mais! Porque o circundava como uma cadela no cio.

- Peço desculpas por desapontá-lo, senhor. – Encharcou a voz de ironia. – Contudo, é bom que tenha sido dessa forma. Quanto antes deixarmos as posições bem claras, melhor! – Caminhou em passos largos até a porta. Voltou a virar-se de frente, executando uma reverência improvisada. – Foi um prazer finalmente conhecê-lo, milorde!

Atravessou o átrio da mansão, em passadas ansiosas, aguardando sentir a dor excruciante a qualquer momento. Sirius sabia que tinha extrapolado todos os limites e a represália seria dura. Todavia, não pode evitar dizer o que estava entalado em sua garganta. Era ridículo! Todos falavam daquele cara, orbitavam ao redor de suas crenças e vontades, mas muito poucos tinham estado frente a frente com ele, para saber quem realmente era. Tratavam a ele como um rei. Ou pior: Um messias! Predestinado a salvá-los da possível diminuição de seus privilégios na sociedade bruxa. Desgraçados! Nenhum deles se negaria a mamá-lo ali mesmo, se ele pedisse. Que fossem pra puta que os pariu! Os cabelos de sua nunca se arrepiaram com o barulho dos saltos às suas costas. Parou, a dois metros da porta que lhe levaria à liberdade do jardim.

- Como você se atreveu? – Sirius baixou os olhos e um xingamento qualquer saiu como um murmúrio de sua boca. – Como você PÔDE?

- Eu não sei do que você está falando, Bella. – Girou nos próprios calcanhares. Ela estava parada a uma curta distância. O vestido de noiva já amarrotado e a marca escura cintilando na pele alva.

- Não banque o tolo comigo, Sirius! – Rugas estreitas se formaram na testa da mulher. – Como pôde me envergonhar dessa forma?

- TE envergonhar?

- Envergonhar o nome da nossa família! JOGÁ-LO NA LAMA!

- Como VOCÊ pode sair por aí oferecendo o MEU nome para negócios escusos nos quais sabia que eu jamais teria qualquer participação?

- Eu estava lhe fazendo um favor! Lhe dando um caminho certo pra trilhar!

- Aprecio o seu esforço de merda! – Enfiou um cigarro na boca, os dedos tremendo levemente.

- Mas é óbvio que você é fraco. FRACO! Merlin, eu estou rodeada de COVARDES! Irmãs, primos, todos. UMA GERAÇÃO PERDIDA! Só eu...

- Só você é perfeita e digna de todos os louvores!

- Não sou, mas faço ALGUMA COISA! – Ela bateu a mão no peito três ou quatro vezes, com força. -  Enquanto todos vocês ficam se arrastando como coitadinhos, só esperando para embolsar a herança! UNS FROUXOS! Incapazes de entender que as coisas vão mudar e se não estivermos firmes, toda a história da CASA BLACK IRÁ POR ÁGUA A BAIXO!

- O que você quer? Hein? – Acendeu a ponta do cigarro com a varinha e deu uma tragada. – Que eu faça TANTO quanto você faz? E o que você está fazendo pela família, Bella? – Baixou o tom de voz, para que apenas ela pudesse escutar o que ia dizer. – Torturando? Matando? É isso? Ou chupando o pau dele? – O rapaz deu uma risadinha irônica. - ORA, POR FAVOR! Não defina os seus interesses como tábua de salvação! Esta MERDA VAI AFUNDAR DE QUALQUER JEITO!

- SÓ POR CIMA DO MEU CADÁVER!

- Espera pra ver... – Soprou a fumaça para cima, em direção ao teto.

- Por que você tem tanto prazer em arruinar a minha vida?

- EU?

- Não pode ver a porra da minha felicidade por um instante sequer sem querer estragar tudo!

- Mas que merda...? Eu não sabia que você já estava tão maluca assim!

- EU NÃO SOU LOUCA! NÃO VENHA COM ESSA DE LOUCA! Não pra cima de MIM! O meu dia, Sirius. O MEU CASAMENTO. O MEU MOMENTO DE GLÓRIA! E VOCÊ precisava APARECER MAIS. Por que você é o rebeldezinho... Você é o garoto especial, o diferente! VOCÊ SIM É O BOM! Todo mundo é medíocre. Mas não você!! – Foi a vez de ela dar aquele sorriso exagerado, mostrando a gengiva. - VOCÊ É UMA ESTRELA! E O CARALHO DO MUNDO TEM QUE GIRAR AO SEU REDOR! – As veias da garganta dela saltavam, traçando caminhos em que a voz deslizava. - SÓ QUE ISSO É TUDO UM MONTE DE MERDA!

- Ah, vai se foder!

- NÃO IMPORTA QUE VOCÊ PRECISE DESTRUIR A PORRA QUE EU VINHA CONSTRUINDO A VIDA INTEIRA PRA BANCAR O SEU SHOW!

- Respeitável público, não fique de fora dessa! Garanta seu ingresso! – Sirius repetiu a reverência que fizera mais cedo, em direção a ela e a uma plateia imaginária. O sarcasmo azeitando sua encenação.

- Por que é isso que você faz, não é? Uma vez depois da outra, desde que nasceu. Apareceu pra roubar o que era meu POR DIREITO! EU era a primogênita. EU! EU seria a pessoa certa pra conduzir a família. EU TENHO PULSO PRA ISSO!

- FICA COM ESSE CARALHO PRA VOCÊ, ENTÃO!

- Agora é tarde demais!

- Você acha que é isso o que eu quero? EU NÃO DOU A MÍNIMA, BELLATRIX! Eu tenho NOJO dessa porra toda! Nojo de vocês, das tradições, dos valores, DESSA MERDA SUPREMACISTA QUE VOCÊS CULTUAM SEM NEM DISFARÇAR!

- Para pagar a sua vida de bon vivant a família serve, não é? É fácil manter a postura de herói quanto não te custa UM PUTO NUQUE!

- Pra vocês tudo sempre se trata disso, não é? A porra do dinheiro e da honra que vocês ACHAM que tem.

- E pra você, Sirius? Se trata de que? – Bella ergueu a sobrancelha, cruzando os braços sobre o colo.

- Afeto, Bellatrix! Pessoas que se importam comigo, que compreendem e respeitam meu jeito de ser e as coisas nas quais acredito. Não aquelas que só me tolhem e repreendem o tempo inteiro pelo que pensam que eu vou fazer pra arruinar a família SIMPLESMENTE POR EXISTIR!

- Afeto. – Com um miado, ela repetiu, fazendo um biquinho. Logo emendou uma detestável gargalhada gasguita. – Não se faz nada com afeto! Família e lealdade não tem a ver com gostar das pessoas! É sobre fazer o que for preciso pra proteger aqueles que são sangue do seu sangue. Eu me coloquei na reta! Me expus para lhe dar a chance de mostrar o seu valor e para protege-lo, Sirius. E você não foi capaz de pensar além do seu umbigo! Porque você NÃO TEM HONRA! VOCÊ NÃO LIGA PARA NINGUÉM QUE NÃO SEJA VOCÊ! Essa é a verdade. VOCÊ CAGA PRO LEGADO QUE ESSA FAMÍLIA LEVOU SÉCULOS PRA CONSTRUIR! VOCÊ ESTÁ POUCO SE FODENDO PARA O QUE O NOME BLACK REPRESENTA!

- Se você queria tanto a PORRA do nome dessa família para você, por que diabos correu pra gravar outro por cima? Na hora de comprar a posição que você queria, essa merda não te serviu de NADA, serviu?

O barulho oco do tapa reverberou pelo cômodo. Pela primeira vez em muito tempo, a dor e o prazer tinham se desconectado entre os dois. Sirius não reagiu. Manteve-se impassível, levando o cigarro a boca mais uma vez. Não ia deixar que ela se sentisse vitoriosa, esfregando o próprio rosto para dispersar a dor.

- Está se sentindo melhor? Pronto? Já deu pra você voltar pra eles de cabeça erguida, dizendo que me deu a lição que eu merecia? Isso é o suficiente pra eles te jogarem um biscoito enquanto você abana o rabo?

Ela avançou em sua direção, a varinha empunhada, pronta para azará-lo. A boca fina havia se crispado, abrindo-se em seguida para expor os dentes muito brancos. Arregalados, os olhos negros fulguravam de ódio em sua forma mais pura. Sirius deu um pulo pra trás, tateando sem sucesso os bolsos a procura da própria varinha. A pancada, como um soco na beira do estômago, atingiu seu ventre. Porra! De nada adiantou que tivesse finalmente encontrado a varinha no bolso interno do paletó, porque Bellatrix o desarmou sem pestanejar. Dois lampejos roxos em seus ombros, empurrando-o para trás e fazendo com que se chocasse contra a parede.

- Que diabos de gritaria é essa?

A irritação e o desapontamento de Walburga estavam estampados em sua cara. Desarmou Bellatrix, impedindo que o duelo continuasse. A ira cresceu nos olhos da noiva. Como um cometa, Bella cruzou o hall disposta a enfrentá-lo a próprio punho. Órion foi mais rápido, fazendo força para segurá-la em seus braços e impedir que o estrago fosse maior.

- Eu não quero mais olhar pra sua cara. SAI! SAI DA MINHA FRENTE! AGORA!  SAI que eu sou capaz de te matar! SAI! – Bellatrix urrava, os cabelos soltos do penteado formando uma coroa arrepiada ao redor do rosto esguio.

- Você precisa se acalmar, Bella! – Ouviu seu pai sussurrar para a garota.

- Os dois perderam o juízo? Voltaram a ser crianças? Que cena é essa? Bellatrix, você é uma senhora agora!

- É bom saber, titia! – A morena entregou um sorriso falso a outra, empurrando o torso para tentar se desvencilhar do tio. – Ao invés de tomar conta disso, devia se ocupar de castigar seu precioso filhinho pela humilhação que fez a nossa família passar.

- Vai deixá-la dizer do que deve se ocupar, mamãe? – Sirius sorriu com sarcasmo, esfregando as mãos na calça.

- Calado! AGORA! – Walburga apontou a varinha para ele, ameaçadoramente. Bellatrix não conteve o sorriso satisfeito. – O que é que esse verme fez?

- Agiu como uma palhaço, como sempre. Atreveu-se a desafiar o Lorde das Trevas! Se ele não fosse tão benevolente..! Por consideração a mim é que esse merda do filho de vocês continua vivo. Se dependesse da arrogância e da burrice dele, não teria sobrado nenhum fio desses precioso cabelinho pra contar história! Vamos ter muita sorte se conseguirmos reverter a situação.

- Conte a ela o que VOCÊ fez, Bella!

- NÃO DIRIJA A SUA PALAVRA A MIM!!! – Forçou mais uma vez o aperto, procurando se soltar. – Eu estava tentando fazer você conseguir ser alguém, seu IDIOTA! Você só precisava aceitar a porra da oportunidade da sua vida!  Eu errei em confiar que você seria capaz de fazer algum sacrifício por nós.

- Errou. Eu nunca venderia a minha dignidade praquele escroto! Uma concubin, na família, para o harém dele já é o suficiente.

Numa explosão, Bellatrix abocanhou com ferocidade a primeira pele exposta que conseguiu encontrar nas mãos de Órion. Aproveitou-se do instante de dor e surpresa pra se desvencilhar do tio. Catou a varinha no chão, erguendo-a firmemente e direcionando-a ao peito de Sirius. Ela tremia ligeiramente, consumida pela ira. Manteve os olhos febris no rosto dele.

- Eu não vou mais desperdiçar meu tempo com você. – Deu meia volta e parou, já perto da saída para o corredor. Soltou o ar com força e virou-se para olhá-lo última vez. - Um dia, você vai estar sozinho. E quando se der conta de que no pior momento da sua vida ninguém ficou, nem esses amigos a quem você atribuiu tanta importância, você vai se lembrar de mim, Sirius! Dessa conversa. E se arrepender, por não ter dado ouvidos à puta da sua prima!

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Ele sabia que as coisas sairiam do controle antes mesmo de entrar na casa. Tinha ido ao resgate da esposa, preocupado com os olhares tortos que ela estava dando à primeira-dama. Lady Minchum tornara-se uma amiga íntima de Druella desde que seu marido assumira o Ministério da Magia e ela passara a frequentar os eventos de caridade dos quais as damas da alta sociedade tanto se orgulhavam de promover. Era bem o tipo de pessoa que Walburga abominava: Teatral e esnobe. Por via das dúvidas, era melhor afastá-las antes que o álcool arrancasse o último fio de discrição que restava à sua mulher e os olhares se transformassem em palavras que dificilmente não seriam interpretadas como ofensas. Arrependeu-se de trazê-la para dentro da mansão assim que os berros esganiçados da sobrinha lhe atingiram os ouvidos. Só uma pessoa podia ser alvo das acusações que ela proferia: Seu filho mais velho. Tentando evitar um pequeno escândalo, Órion tinha proporcionado todas as condições para que uma enorme catástrofe tivesse início. Oh, Merlin!

- Você vai consertar isso. – Seca e abrupta, Walburga nem esperou que o filho conseguisse se recompor.

- Quê?

- Você vai voltar lá, dizer que se arrepende do seu comportamento e que depois de repensar, decidiu aceitar a oferta.

- Não. – Entre a incredulidade e o sarcasmo, Sirius esboçava um ligeiro sorriso.

- O que disse?

- Eu não vou.

- Isto não é uma escolha, Sirius.

Para Órion, era sempre uma surpresa a entonação desdenhosa com que a mulher conseguia pronunciar o nome do filho deles. A definição daquele nome tinha sido refletida por meses. Walburga tivera uma insônia terrível durante a gravidez do primogênito e não era incomum que ele acordasse no meio da noite e notasse a cama vazia. Órion costumava abandonar o quarto e juntar-se a ela pela madrugada, ainda que enquanto ele precisasse estar de pé para tratar dos negócios nas horas seguintes, ela pudesse voltar a se acomodar entre os lençóis mesmo com o sol a pino. Fazia aquilo como um dever a ser cumprido: Onde sua família estivesse, Órion também estaria.  Viam o dia suceder a noite e a barriga de Walburga esticar-se, sentados em frente a tapeçaria, avaliando cada um dos nomes de seus antepassados e debatendo a melhor escolha. Um nome forte, porém adaptável. Com peso e sutileza. Respeitável, mas dotado de charme. E sobretudo, que exaltasse a história da casa Black! O concesso, afinal, fora um alívio e quando o bebê chegou, um menino para carregar o sobrenome dos dois, Órion sentiu-se regozijado porque a criança receberia o nome com o qual tanto tinham sonhado. Agora, ela pronunciava-o sem prazer, como se não tivessem se dedicado com tanto afinco àquela escolha.

- Walburga, vamos ser razoáveis... – Decidiu intervir, ainda massageando a mão dolorida pela afrontosa mordida cravada por Bellatrix. – Isso só pioraria as coisas.

 - Fique quieto! – Sibilou, dura. -  É por ter dado ouvido às suas complacências que criei dois libertinos sob o meu teto! – O dedo indicador dela estava estendido, acusando-o. - Se você não fosse tão poltrão, tirando a minha autoridade a todo tempo, poderíamos ter feito deles homens de valor!

Sempre tivera uma afinidade natural com crianças. A longa espera para que uma das gravidezes de Walburga prosseguisse foi dolorosa para ele, não pela pressão de produzir um herdeiro, mas porque ansiava pela presença daquele filho que transformaria tudo em sua vida. Uma criança traria sentido ao casamento dissonante, criando a harmonia que faltava àquele projeto de família que estavam construindo sobre destroços. Se apaixonou perdidamente por cada uma das três pequeninas que Druella gerou, no momento que as conheceu, dando tudo de si para encher os ouvidos com aquelas risadinhas inocentes e receber beijos babados em troca. A figura do tio lhe caia bem, mas era muito pouco. Ao fim do dia tinha que voltar para casa, onde o silêncio maduro e amorfo da vida adulta tomava cada canto.

A chegada de Sirius, com o corpinho quente recheando seu colo vazio, derreteu seu peito. Contou diversas vezes os dez dedinhos, verificando que era perfeito. O frágil bebê logo se transformou num menino curioso e questionador, emendando um porquê no outro. E então Regulus somou-se a eles, com aqueles olhos atentos e inquisidores. O caçula vinha correndo até a porta todas as vezes em que ele retornava ao fim de um dia, agarrando suas pernas num abraço desajeitado. Gostava de imitá-lo, calçando seus sapatos e colocando a gravata em volta do pescoço. Como poderia olhar aqueles sorrisos sapecas e lhes frustrar os desejos? Não. Não! Seus filhos seriam felizes! Tanto quanto ele jamais fora.

No que lhe pareceu um minuto, os dois tinham se convertido em rapazes. Opostos entre si, em muitos sentidos, cheios de personalidade, e muito mais ao molde de Walburga do que ao seu. Observou o mais velho, parado a sua frente, avaliando o porte galante dentro do terno e os cabelos compridos emoldurando o arrogante rosto fino. Podia enxergar os traços similares aos de sua juventude no garoto, mas era só. Não havia nada da calmaria de seu caráter conciliador. Em Regulus, nem mesmo um pouco da aparência havia saído a ele. O mais novo era orgulhoso, preocupando-se excessivamente com as tradições dos Black, tal qual a mãe. Era jovem demais para ignorar o que os outros pensavam sobre ele, ainda no início da fase em que tudo que mais queria era ser aceito como alguém relevante. Apesar disso, tinha um inegável coração altruísta e um desejo profundo de ser amado, tentando sair da sombra do resplandecente irmão. Isto porque Sirius era um evento! Sempre havia sido. Era pungente, intenso e impossível de conter, exatamente como Walburga. Confiante demais, teimoso demais e imprudente demais. Era bondoso e dedicado, embora andasse em uma fase egocêntrica que tirava a Órion do próprio eixo. Ainda não tinha perdoado a si mesmo pela dura que havia dado no filho a poucos dias. Ao contrário do que sua esposa pensava, ele estava convicto de que a rígida repreensão e as ameaças não eram o melhor caminho com nenhum dos dois garotos. Seus garotos! Não eram perfeitos, afinal, porém ele preferia que fossem assim: Vívidos e humanos. Imaturos, é verdade, mas autênticos, como ele não era capaz de ser.

- Eu não vejo problema nenhum nos nossos filhos.

- É claro que não vê! – Ela bufou.

- São garotos, querida!

- Dois irresponsáveis! – Esbravejou, voltando-se repentinamente para o filho. – Este aí nem sequer tem vergonha de agir como o verme que é! Veja como me afronta, Órion! Fazendo piada da nossa família! É um desavergonhado! Como se não bastasse ter quebrado a tradição dos Black ao ir para aquela casa imoral e andar com quem anda! Faz o que pode para nos afundar e humilhar e ainda tem a coragem de negar a única oportunidade de se redimir! É um ególatra! Um rato despudorado! Um conspirador torpe, desdenhando de nossos valores debaixo de nosso teto!

- Está proferindo tantos elogios porque eu me neguei a lamber as bolas daquele crápula ou estava guardando todos eles para um momento especial, mamãe?

- Olhe como fala comigo, fedelho impertinente!

- Se estamos passando as coisas a limpo, deixe-me dizer-lhe algumas coisas, Walburga. – Em afronta, Sirius proferiu o nome da mãe com repugnância. – Em primeiro lugar: Vocês dois estão pouco se fodendo para o que nós pensamos e sentimos.

- Cale a boca!

- Não, não! – O rapaz rodou o pulso no ar, fazendo um floreio. - Eu vou dizer tudo que estou pensando e vocês VÃO OUVIR. Eu estou FARTO! E puto de ter que engolir as merdas que vem de vocês! – Desceu a mão com força ao aparador, fazendo com que os enfeites apoiados sobre ele tremulassem. - Se somos vermes desavergonhados ou ratos despudorados, não importa! Não faz diferença quem nós somos, porque o que vocês queriam não eram filhos, mas dois fantoches que atendessem, SEM QUESTIONAR, a todas as suas expectativas e vontades!

- Eu disse: CALE A MALDITA BOCA!

- Mesmo aquele idiota... que anda atrás de vocês igual um cachorro e baixa a cabeça para tudo o que dizem, esperando por aprovação, não é o suficiente! Porque vocês nos queriam INERTES! Coniventes com tudo que fosse do agrado e do interesse de vocês! Nos queriam como clones, vazios, réplicas dos pensamentos e vontades de vocês!

- Eu estou avisando...

 - E sabe o porquê??? Pra nos engolir, como os déspotas que são! Porque quando tiveram a chance de tocar o rumo da família, seguiram o que queriam a mamãezinha e o papaizinho de vocês, COMO TOLOS...

- Você não quer me ver perder a paciência, SIRIUS BLACK! – O descontrole ia galgando aos poucos o caminho, despontando no fundo da voz da sua esposa.

- ... E agora estão desesperados pra fazer como queriam tudo o que não conseguiram antes. Mas adivinha só? Nós não somos a segunda chance pro fracasso de vocês!

- É óbvio que não! – Walburga deu uma risada saturada de falsidade. - Vocês SÃO o próprio fracasso! Qualquer um perceberia ao olhar para você, seu patife! Débil, parvo, incapaz de fazer algo que preste..! DESESPERADO POR ATENÇÃO, custe o que custar!

Não havia um diálogo. Os dois sobrepunham um ao outro, ouvindo apenas a si mesmos. Disputavam o tempo e o espaço que se estendia a frente deles, tentando abafar o que o outro dizia para que sua própria voz fosse ouvida. Órion não arriscou uma intervenção, porque ninguém o escutaria. Eram duas forças, um maremoto e um furacão, colidindo diante de seus olhos. Ele seria engolido como um grão de areia no meio dos dois. Qualquer tentativa vinda dele seria inútil. Ou colocaria ainda mais lenha na fogueira. O trem ia descarrilhar independente do que ele fizesse. Preparou-se para apartá-los se necessário e murmurou uma pequena prece para que a discussão não estivesse sendo ouvida pelos que festejavam do lado de fora e nem pelos que estavam reunidos do lado de dentro.

- UM CASTIGO! – Walburga rangeu os dentes antes de gritar. - Só pode ter sido um castigo! Colocar no mundo um DEGENERADO! PARA JOGAR MINHA HONRA AOS PORCOS!

- Queria saber o que caralhos é essa HONRA de que vocês tanto falam! EXPLIQUE PRA MIM, MAMÃE!

Órion tinha ouvido aquela palavra muitas vezes. É provável que a memória de ser cobrado para atender àquela expectativa fosse sua mais antiga lembrança. Mesmo assim, também tinha demorado um pouco para compreender o que aquilo significava para os Black: Ser um bom homem. Não envergonhar seus pais e sua ascendência. Nunca deixar que os outros percebessem suas fraquezas, o que se constituía em não sentir em público. Chorar jamais! Isto e demonstrar muita compaixão só faria as pessoas questionarem sua virilidade.  Não permitir que os outros conhecessem sua intimidade. Seguir as regras ditadas por seus antepassados, porque eles sabiam mais. Manter-se firme e incorruptível em seus princípios, pois ideias modernas eram truques para afastá-los da verdade soberana que era apenas uma: A superioridade do puro sangue mágico e o orgulho de pertencer a família bruxa mais poderosa da Grã-Bretanha.

Pra cabeça de um menino, ocupada em arquitetar como extrairia do mundo cada gota de prazer, aquilo era mesmo muito. Difícil de compreender e de engolir. Negligenciar todos os seus ímpetos e vontades em prol de algo que só iria ter valor cerca de uma década depois era uma castração. E Sirius fazia questão de resistir a qualquer investida para domesticá-lo.

- Não me venham com outra de suas tentativas sórdidas de deturpar as coisas! Você sabe bem do que eu estou falando. O orgulho da Casa Black! A lealdade ao seus, ao sangue bruxo! Toujours Pur!

- HAHAHAHAHA! Isso parece exatamente como um show de horrores! A lealdade aos seus não se sustentou PELA PORRA DE UM SEGUNDO na hora de jogar Andrômeda ao relento!

Uma pontada atravessou o coração cansado de Órion. Os sorrisos meigos da sobrinha ainda povoavam seus sonhos e mais de uma vez ele havia acordado com os olhos marejados. Há duas semanas tinha avistado a garota na calçada oposta, nas ruas laterais ao Beco Diagonal. Caminhava sem dificuldade, apesar da barriga proeminente, atenta ao que parecia ser uma lista de compras. Tão adulta e dona de si! Sentira um pesar profundo, dando-se conta de que já tinha esquecido qual o tom daquela voz a qual tantas vezes tinha se dedicado a ouvir. A sagaz e afável Andrômeda estava, pouco a pouco, sendo levada dele.

- Não toque no nome daquela MERETRIZ diante de mim! – A frase derrapou ligeiramente na garganta dela.

- Por que não? Tem medo de não conseguir dormir a noite lembrando do que fez, Walburga?

- Fizemos o que era certo e justo. Não distorça os fatos para virá-los a seu favor!

- Justo! Certo e justo! – O garoto gargalhou. – É ridículo até onde são capazes de mentir para justificar seus crimes.

- Sirius, por favor! – Órion intercedeu, numa desesperada tentativa de pôr fim a discussão.

- BASTA! Isto já passou de todos os limites! Dissimulado! Atrevido! Desaforado! NÃO ADICIONE TRAIÇOEIRO A ESSA LISTA! JÁ HÁ DESONRA o bastante sobre a nossa família!

- SOU! Posso até ser um filho da puta do caralho. Mas só porque VOCÊ me fez assim! Ouvi a PORRA DA VIDA INTEIRA que eu não prestava, que era um erro... Como é que eu poderia ser diferente disso? Eu virei o que VOCÊ modelou em mim. MAS AGORA CHEGA! CHEGA! Você não pode me destruir e reconstruir ao seu bel prazer. EU É QUEM VOU DECIDIR QUEM É SIRIUS BLACK! E sabe o que mais, mamãe? A verdade é que eu JÁ SOU TUDO que você sempre teve medo de ser. – Bateu no próprio peito, com orgulho.

- Ora, faça-me rir! Além de tudo você também quer ser patético?

- Eu sou QUERIDO, Walburga! Fora dessa merda de mansão as pessoas se importam comigo. Alguém já quis estar perto de você pelo prazer de desfrutar da sua companhia? Eu duvido! Sou popular! A metade de Hogwarts adoraria ser visto por mim como um amigo e a outra metade daria TUDO pra isso. Sou divertido! As pessoas apreciam a minha presença em um ambiente, porque tudo fica mais interessante quando eu estou lá, ao invés de parecer um DEMENTADOR que faz qualquer ocasião virar a porra de um ENTERRO!! E acima de tudo, sou alguém que tem CORAGEM de fazer o que quer e arcar com as consequências. Eu NUNCA ficaria paralisado pelo medo, incapaz de existir pelo receio de desagradar alguém. QUERO MAIS É QUE SE FODA QUEM FOR CONTRA A MINHA FELICIDADE, SEJA BLACK OU NÃO!

Um touro não investiria com tamanha força contra alguém. O instinto de Órion o fez tampar os olhos por um instante antes de correr em direção aos dois. Um, dois, três tapas atingiram a face lívida do rapaz. Walburga cerrou os punhos, com a varinha firmemente presa em um deles, preparando-se para atacar o filho. Ele enfiou-se no meio, as costas viradas para o garoto, segurando a esposa pelos ombros.

- Walburga, já é o suficiente!

- Saia da minha frente agora!

- Não se meta, Órion! O problema dela é comigo. – O menino puxou a varinha do bolso, tomando uma posição de defesa.

- Walburga, é o casamento de Bella... – Ignorou o filho. -  Vamos subir! Resolveremos isso depois.

- SAIA, SEU PALERMA! AGORA! – Enfiou a varinha pelo espaço entre o braço e o corpo dele, dando um jeito de estuporar a Sirius.

- O escândalo, Walburga! Por Merlin!

- Este insolente precisa ser punido, Órion! Saia da minha frente já! – A mulher puxou os braços com força do aperto. – SAIA DA MINHA FRENTE!

- Deixe-a, Órion. Deixe-a! – Cheio de ironia, Sirius se levantou num salto, desamassando a própria roupa. - Punição é a única forma de ser uma mãe que ela conhece. Sabe... Eu sempre quis ter uma mãe como as que eu ouvia falar, calorosa e acolhedora! Mas o medo que ela tinha de que eu falhasse, assim como ela, transformou seu colo numa prisão oca e gelada. Talvez... – Sirius começou e Órion quase pode ver a ideia tomando forma em sua mente, ganhando força a cada instante, até firmar-se como uma decisão. - Talvez eu possa encontrar isso lá fora, enquanto ela se perde no próprio vazio até definhar.

- Você não vai se safar outra vez, seu verme!

- Quem sabe eu... Possa tocar o foda-se e me ver livre dessa merda toda? – Deu um sorrisinho torto, satisfeito com a própria astúcia.

- Sirius, não seja tolo! – Ele já tinha compreendido as cartas que o filho estava pondo sobre a mesa e seu estômago se contraíra em resposta.

- Eu nunca me encaixei de fato nessa porra. E isso tornaria as coisas muito mais fáceis pra todos nós! Uma ideia tão amável! Altruísta, eu diria! Tiraria tantas preocupações da cabeça de vocês! – Deu de ombros, girando em direção a entrada da casa. – Eu não posso desonrá-los se não estiver aqui pra isso. E vocês não vão mais me cercear. Vejam só que bela ideia: Todos saem ganhando! – Parou em frente a porta, a mão amenamente encaixada na maçaneta, hesitando por um segundo. - Exceto pelo pobre Regulus é claro! Mas creio que ele vai ficar feliz em se tornar o único herdeiro.

- Basta das suas cenas, garoto! Ponha UM pé para fora dessa porta e você não pertencerá mais a essa família! – Com um tom ríspido entremeado pela respiração ofegante, Walburga acrescentou cada palavra lentamente.

- Se eu soubesse que seria tão simples, teria feito antes. – Sorrindo, ele girou a maçaneta, abrindo-a. – Au revoir, Órion! Auf Wiedersehen, Walburga! Agora você pode queimar meu nome da tapeçaria. Creio que foi o que você secretamente sempre desejou, não é? Ah! – Bateu com a mão na testa dramaticamente. - Antes que eu esqueça, querida: Enfia a porra do Toujours Pur no seu cu!

Com a mesma intensidade que demonstrara desde o seu nascimento, Sirius partiu. Sem preocupar-se em levar nada, porque tudo o que precisava estava fora dali. Levantou a mão, acenando um adeus irônico e saiu, batendo a porta atrás de si para nunca mais voltar.

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