
Os elefantes não esquecem
- Uma infusão de óleos de gerânio, artemísia e ylang ylang, que ressaltarão sua feminilidade e sensualidade. As pétalas de rosa damascena são afrodisíacas e abrem o coração para o amor incondicional. É ou não é tudo o que uma noivinha precisa, minha flor??? Aproveite e relaxe, hoje é o dia mais especial da sua vida!
A falsa simpatia da mulher chegava a ser repugnante. Bellatrix controlou os olhos, para que não se revirassem a ponto de saltar das órbitas, assim que a outra saiu do cômodo, deixando-a sozinha no banheiro do primeiro andar. Trancou a porta e colocou a varinha sobre a pia. A exorbitante quantidade de coisas supérfluas que faziam parte do ritual de uma festa de casamento representava uma aporrinhação para ela. Óleos e pétalas de rosa na banheira: Que idiotice! Como se aquilo tivesse alguma função além de aumentar o número de dígitos da conta que seus pais pagariam no final. O cheiro do banheiro era ótimo, mas a experiência não passaria disso. Poderia muito bem se meter na ducha por alguns parcos minutos e terminaria igualmente preparada para o matrimônio que ocorreria dali a algumas horas. Assim como a água, os galeões gastos ali escorreriam pelo ralo da banheira.
Ainda que custasse três vezes mais ou envolvesse uma lista com outras cinquenta baboseiras, seus pais pagariam felizes, com um sorriso no rosto. Vê-la se casando, finalmente, era um alívio. E a soberba que sentiam em saber que integraria a casa Lestrange derramava-se em suas falas e olhares. Bellatrix tivera seus pelos removidos pelo corpo inteiro. A pele fora esfoliada, hidratada e massageada. Suas unhas tinham sido cortadas e pintadas em tons claros, que imitavam a cor natural da própria unha (o que lhe parecera completamente sem propósito). Os cabelos haviam sido embebidos em cremes e óleos variados, com as pontas sendo aparadas. Até seus dentes tinham sido clareados com ajuda de uma poção! Agora, aquele banho. E depois ainda passaria pelo penteado e maquiagem, antes de se enfiar no vestido com ajuda de duas ou três pessoas. De que aquilo tudo adiantaria? Nada! Seria melhor que lhe tivessem dado um uísque duplo e seus cigarros. Suspirou, chateada. Tinha que cumprir cada uma daquelas etapas, porque as pessoas esperavam aquilo dela. E hoje era excepcionalmente um dia em que daria às pessoas tudo que elas queriam.
- Aproveite e relaxe, hoje é o dia mais especial da sua vida! – Imitou a mulher, com uma voz ainda mais caricata do que a que ela utilizara momentos antes.
- Consigo pensar numa maneira melhor de fazer isso.
- Mas que porra...? - Bellatrix apoiou o quadril na bancada, virando de costas pro espelho. O susto fez com que seus batimentos disparassem.
- Se eu consegui te pegar de surpresa, estou ficando bom nisso, priminha! – O garoto atravessou o cômodo, deixando a banheira pra trás e se aproximando dela, completamente nu.
- O que diabos você está fazendo aqui? – Indagou entre os dentes.
- Você me prometeu algo, sexta.
- Eu não prometi nada! Disse que poderíamos discutir depois.
- E depois seria quando? – Ergueu uma das sobrancelhas. – Se você me evitou o final de semana inteiro...
- Eu nutria esperanças de que fosse nunca.
- Nunca? Por que me ofender assim, Bellinha?
- Eu detesto quand...
- Quando eu te chamo assim. - Colocou as duas mãos sobre a pia, nas laterais do seu quadril. - Eu sei. Sabe o que EU detesto? Que nós estejamos perdendo tempo.
Sirius se inclinou levemente sobre ela, para alcançar seus lábios. Deram início a um beijo nervoso, repleto de desejo represado. Ele segurava seu rosto com a mão esquerda, enquanto a direita pressionava sua cintura com força. Não que fosse necessário, porque o quadril dele já empurrava o seu contra a bancada com bastante firmeza. O rapaz prendeu seu pescoço, contornando a nuca com os dedos. Puxou sua cabeça pra trás, enroscando a mão em seus cabelos. Ele mordeu levemente seus lábios e seu queixo, descendo por sua garganta com beijos. Puxou com violência o chemise que ela usava, arrancando os botões das casas para deixá-la quase nua.
Ela escorregou a mão pelo peito despido do primo, arranhando-o com as unhas. Sirius a girou, posicionando-a de frente ao espelho. Seguiu beijando sua orelha, nuca e ombros. Cruzou os braços sobre seu torso, apalpando seus seios e apertando os mamilos com rispidez. Bella experimentou as mãos largas delineando as curvas do seu corpo, até alcançarem os quadris. Os dedos dele criaram espaço entre a calcinha de renda e sua pele, puxando a peça para o lado. Num arroubou, sentiu que ele a penetrava, adentrando o calor de seu corpo em brasa. Movimentavam-se ritmadamente, os gemidos escapando abafados de suas gargantas. Ele apertou seu queixo, puxando seu rosto para cima, de frente ao espelho, para que visse os dois refletidos.
Eram despropositadamente similares. Mesmo fora do espelho, pareceriam reflexos. As mandíbulas angulosas apertadas de prazer, os cabelos escuros caídos pelo rosto em fios grossos, os olhos profundos e as sobrancelhas marcadas. Enxergar a cena fazia o tesão dentro dela atingir níveis exorbitantes. Bellatrix mexeu os quadris com uma maior intensidade, querendo ouvir os gemidos que ele soltou em seguida. Sorriu, exultante. Ainda que irritantemente idiota, seu primo era um deleite! Como se lesse sua mente, Sirius deslizou a mão até sua vulva, estimulando seu clítoris. Prendeu um pouco a respiração ofegante, sentindo os choques de prazer se alongarem por seu corpo. O sorriso sacana no rosto do rapaz tomou conta do espelho. Ergueu os braços, soltando a bancada. Envolveu o pescoço dele com as duas mãos, apertando mais a cada instante, sufocando-o aos pouquinhos. Algo nele a fazia sentir como mulher perigosa que desejava ser. As vezes ela sentia falta daquilo. De ver refletido nos olhos dele a mistura entre a subordinação e a cobiça. Era tão forte quanto a vontade que ele lhe despertava de fazer coisas que ela não deveria fazer. Como estar ali, no dia do seu casamento.
O corpo da moça estremeceu suavemente entre as investidas e ela se afastou. Ainda era muito cedo. Ela queria mais! Voltou a ficar de frente para ele. Os lábios percorreram com presteza o espaço entre a boca e a virilha do rapaz, porque conheciam bem aquele trajeto. Os cílios escuros de Sirius repousavam sobre as bochechas, mantendo seus olhos fechados. Ele mordia os próprios lábios, envolvido no turbilhão de prazer que a prima ia lhe proporcionando. Bellatrix o fazia sem qualquer hesitação, movendo a língua em torno da glande, exatamente como sabia que ele preferia. Só hoje não seria má com ele. Tinha prometido dar as pessoas o que elas queriam e Sirius estava incluso nisso.
- Bella... – O murmúrio saiu rouco da garganta dele. Bellatrix deixou uma risadinha de satisfação escapar.
Puxou a cabeça dela pra trás, pelos cabelos. Segurando-a pelas coxas, Sirius deu um impulso para ergue-la até que estivesse sentada sobre a bancada. Puxando a calcinha para tirá-la finalmente, ele escorregou as mãos até seus tornozelos, afastando-os firmemente, concedo a si mesmo o acesso irrestrito a sua vulva. A mulher consumia-se em ondas de calor. A saliva dele misturava-se aos fluídos que saiam dela, fazendo com que a língua do rapaz pudesse trabalhar sem esforço, deslizando ao seu encontro com deleitamento. Deixando que a boca se ocupasse do clítoris da garota, Sirius soltou um dos magros tornozelos, introduzindo dois de seus compridos dedos dentro dela. Bellatrix tateou a pia às cegas, procurando desesperadoramente a varinha. Fechou os dedos ao redor do objeto, lançando um desajeitado feitiço de abafamento, que lhe permitisse gemer o quanto tinha vontade. Mesmo de olhos cerrados, pode ouvir o sorriso se abrindo no rosto do primo, assim que ele dobrou suavemente a ponta dos dedos dentro dela e Bellatrix gritou.
Sirius se debruçou sobre ela, trazendo aos seus lábios o gosto do seu interior. Sorveu com vontade a língua dele, dissolvendo-se naquela boca úmida. Os cabelos dela estavam colados ao rosto e Sirius teve que soltar o tornozelo que ainda segurava, para afastá-los. Mordiscou sua orelha, sem deixar que a mão que a acariciava perdesse o ritmo. Os lábios ardentes pararam sobre sua orelha, ofegando.
- Me diga, Bella...Você sente a mesma coisa quando ele geme o seu nome? – Cochichou em seu ouvido, numa tom que misturava provocação e ciúme. A mulher não respondeu, apertando os olhos. – Eu imaginei. – Soltou o ar, dissimulando desapontamento. – Não se preocupe! Vou te dar algo em que pensar na lua de mel...
Sob protestos, ele desocupou as duas mãos. Posicionando um dos braços na dobra de seus joelhos e o outro em suas costas, levantou seu corpo, carregando-a pelo banheiro. Pousou seus pés no chão embaixo do chuveiro, prendendo-a contra a parede, logo depois de abrir a torneira. A água morna parecia gelada em contato com seus corpos em chamas. Beijavam com um desespero sôfrego, tentando desfrutar um do outro ao máximo que podiam. As pequenas gotas batiam em sua pele, ampliando a sensação de prazer. Sirius a segurou pelas nádegas, apertando-a com força contra si ao penetrá-la. Escorregou o rosto pelo peito do rapaz, sorvendo o mamilo dele. A mão dele se ergueu, descendo num tapa estalado em sua bunda e espalhando a água pelo chão do banheiro.
- Bella, querida, a Caroline já chegou! – Sua mãe anunciou, com duas batidas ligeiras na porta.
- Eu já estou indo, mamãe! – Gritou alto para sobrepujar o feitiço silenciador e o barulho do chuveiro, voltado a erguer a cabeça para entregar sua boca à de Sirius uma vez mais.
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Apertou as digitais contra a janela, sentindo a textura lisa do vidro. A gigantesca tenda já estava erguida do lado de fora e algumas dezenas de empregados trabalhavam na organização da decoração. Arranjos enormes de flores eram levados de um lado para o outro. Uma sequência de talheres banhados a ouro era disposta em cima das suntuosas toalhas. Em cima de cada prato, era acomodado um luxuoso guardanapo e um pergaminho delicado descrevendo o menu que seria servido. Do outro lado do jardim, os bancos eram enfileirados para a cerimônia.
O dia estava lindo do lado de fora, mesmo que Narcissa se sentisse péssima. Pouco tinha dormido na noite anterior, ansiosa pelo que aquele dia lhes reservava. Apertou um pouco mais o robe em volta dos seios e da cintura. Seus cabelos já tinham sido arrumados pela cabeleireira. A parte de cima estava tão firmemente presa que causava dor em suas têmporas. Um punhado de pequenas florezinhas brancas adornavam a parte de trás da cabeça, separando o pedaço preso do restante, que caia em cachos pelas costas. Agora, os cabelos de Carrie é que iam sendo repuxados pelas mãos habilidosas da cabeleireira e logo as duas madrinhas estariam prontas. Num cabide onde deveria haver três, apenas dois vestidos bordô estavam pendurados.
- Um clima tão adorável para tamanha incompetência! – A ironia aguda de Bellatrix arranhou seus ouvidos. – Fui a cozinha buscar um café e estavam carregando arranjos cheios de lírios. Florzinha mequetrefe! Consegue acreditar? Mandei tudo de volta! Eu deixei bem claro desde o começo que queria peônias. PEÔNIAS!
Alçou os olhos para fitar a irmã, que se encostara junto a janela, ao seu lado. Voltou a baixá-los, sem emitir nenhuma opinião. Os cabelos de Bellatrix estavam presos em bobes, aguardando o momento de serem penteados. Usava um robe branco de seda e chinelinhos nos pés. Sustentava uma taça de champagne entre os dedos, da qual não havia tomado um único gole. A pele estava imaculada sobre o rosto, sem sequer uma olheira ou marca. Como era bela! Se quisesse, poderia descer assim até o local da cerimônia e não seria questionada por ninguém.
- Malfoy me disse que lhe viu saindo em disparada, assim que ele chegou na festa. – Esperou um pouco que ela respondesse, mas Narcissa não o fez. - Cissy? Não banque a boba comigo, sei que você está ouvindo muito bem o que estou dizendo.
- Eu não tinha que ver aquilo.
- Como é sensível a nossa princesa! – Deu uma risadinha sarcástica. – Não sabia que você era tão frágil, irmãzinha.
- Eu não sou frágil! – Expirou. - Sou humana.
- Baboseira!
- Aquele garoto, Bella... Não merecia ser tratado como foi. Era uma criança!
- Há coisas que tornam a idade irrelevante, Narcissa.
- Como o quê?
- Aquilo... Não tinha um pingo de magia. Um aborto!
- É. EU SEI! E então, o quê? – Seu cenho estava franzido quando ela virou para encarar a irmã. Discutiam com firmeza, mas em tom de confidências. - Era uma criança, Bella!
- Eu já lhe disse que isso não importa.
- Me diga o que importa, então.
- Pureza. Sangue mágico! Pessoas! De verdade. Não essas aberrações: Mestiços, abortos e sangues-ruins.
- Os Abbot pertencem as 28 famílias sagradas.
- E se deixaram corromper a ponto de permitir o absurdo de conservar a existência de um aborto!
- Porque ele é humano, Bellatrix! Humano como nós! Não deixar que faça parte da comunidade mágica, sim. Mas... Agir daquela forma?
- Aquela coisa não era humana, Cissy! Você precisa entender que sacrifícios são necessário em prol do que é certo.
- Como torturar uma criança pode ser certo? – Baixou ainda mais o tom de voz. - Tenho medo de que você tenha perdido quem você é.
- Equivoca-se, meu anjo! – Ela riu alto, jogando a cabeça para trás. – Essa Bellatrix é a que sempre esteve presa, tentando sair. Eu nunca me senti tão eu mesma na minha pele!
- Então eu sempre tive a impressão errada de você.
- Eu diria o mesmo, irmãzinha. Sempre acreditei em você, mas agora vejo... – Desceu o olhar furioso pelo rosto de Narcissa, com desdém. - Você é tão fraca quanto ela!
As lágrimas comprimiam seus olhos. Suas unhas pressionavam a palma da mão com força. Inspirou e expirou duas ou três vezes, tentando se reequilibrar. Não podia ceder. Estava cansada de ser tratada como vulnerável. Por que Bella precisava ser tão cruel? Espezinhá-la em todas as vezes que podia? Não ia deixar barato. Não ia! Mesmo que aquilo lhe custasse uma humilhação e o rosto inchado em todas as fotos do casamento.
- Não vai existir um muro para sempre, Cissy! Em breve todos vão precisar escolher um lado. E se você fosse esperta, escolheria logo o lado certo enquanto pode.
- Agora nós estamos tomando lados? O que é isso? Uma guerra, por acaso?
- Você é muito tola se não percebe que a guerra está por um fio, irmãzinha.
- Prefiro ser tola do que me submeter a cometer atrocidades para me provar. – Os olhos da morena cintilavam cheios de raiva. Cissy tinha tocado propositalmente em um ponto sensível. – Ouça bem o que eu estou dizendo: Eu nunca vou compactuar com uma atrocidade como essa!
- Pois bem. Faça o que bem entender! – Bebericou da taça pela primeira vez, saboreando o que ia dizer a seguir. - Por que não segue o exemplo dela e prova que papai esteve certo o tempo todo em lhe dar esse nome? Nar-cis-sa.
- Vejam só minhas duas joias! – A frase de sua mãe partiu o clima carregado em dois pedaços.
Druella passou os braços ao redor das moças, aproximando cada uma de um dos lados do seu corpo. As duas mantiveram o olhar na janela, dissimulando a raiva e a mágoa que sentiam. Beijou o rosto de Bellatrix primeiro, sussurrando o quanto estava orgulhosa da primogênita. Depois virou a cabeça, para beijar a face da caçula.
- Anjinho, você está chorando! – Adocicou a voz, enchendo-a de candura.
- Sim, mamãe. – Apertou os lábios, para evitar que as lágrimas salgadas entrassem em sua boca. – Acho que vou sentir mais falta da antiga Bella do que tinha imaginado.
- Não se preocupe, Cissy! Vocês continuarão tão amigas quanto sempre foram! Nada pode separar duas irmãs! Não é, Bella?
- Claro, mamãe! Eu ainda tenho muitas coisas a ensinar a Narcissa...
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Tamborilou os dedos com nervosismo na madeira do banco. Folgou um pouco a gravata, sentindo-se sufocado pelo calor. O relógio já se aproximava das dezesseis, mas o sol continuava em seu esplendor, impiedoso para uma tarde de outono. Sirius sentia-se pegajoso, suportando o clima abafado embaixo de todas aquelas roupas, e ele não era o único. As mulheres abanavam seus leques, calculando cuidadosamente o espaço para não atingirem os esdrúxulos chapéus umas das outras.
Tudo o que ele desejava era um banho. As gotas de água caindo sobre ele, molhando seus cabelos até escorrerem pelo rosto e... a boca de Bellatrix na sua. Porra! Sacudiu levemente a cabeça, tentando afastar aquela ideia. A perturbação se espalhou por seu corpo. Não era muito saudável que estivesse pensando na prima nua enquanto todos estavam esperando que ela surgisse num vestido de noiva. Enfiou a mão no bolso para puxar um cigarro, mas Órion colocou discretamente o braço na frente, impedindo-o de puxar a carteira. Puta que pariu!
- Espere a cerimônia acabar. – Seu pai ordenou, em voz baixa.
O burburinho iniciou-se nos bancos posicionados ao fundo, percorrendo o espaço como uma onda que atingiu cada convidado, até chegar ao noivo. Rodolphus Lestrange esperava inquieto ao lado do juiz que celebraria o casamento. Usava um terno divino, mas não tinha presença para sustentá-lo. Parecia ridículo, preso no traje faustoso, um boneco vestido por uma criança sem senso de estilo. O dinheiro não era suficiente para dar a ele o porte que precisava para vestir-se daquela forma. Os traços rígidos da face do homem não conversavam bem com o requinte das roupas. Sirius, por outro lado, sem dúvidas ficaria lindíssimo num terno como aquele. Do fundo do jardim, Narcissa vinha abrindo passagem. Usava um vestido num tom de vinho e sustentava um buquê delicado entre as duas mãos. Os convidados foram se levantando de forma quase contagiosa, murmurando sobre a aparência primorosa da irmã da noiva. Muito pouco se falou sobre a franzina Caroline Burke que marchava atrás dela, em traje semelhante. Sob o som tortuoso de violinos, as duas percorreram o caminho até o altar, a loira com um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos.
Respirava-se a ansiedade pungente no ambiente. Quando os músicos concluíram os últimos acordes, Sirius ouviu alguma senhora murmurar que iria desmaiar. Seu pai mudava o peso de um pé para o outro e Walburga apertava firmemente o braço do marido. Regulus parecia mais pálido do que o usual. Passeou os olhos pelas fileiras de convidados. No fundo, o grupinho de amigos de Narcissa cochichava. Harriet Burke deu uma piscadela pra ele e Sirius retribuiu. O sorriso se congelou no rosto do garoto quando a Clarinada Verdi começou a soar. A consonância entre a trompa, os clarins e o trompete tinha nuances tão densas que o coração de Sirius pareceu ser comprimido contra suas costelas. Sentiu que poderia utilizar uma faca para cortar a atmosfera do lugar, tão concentrada estava. Então, os instrumentos de cordas se uniram aos de sopro para dar início a marcha nupcial. Assim que o coral se juntou a harmonia, a noiva começou a atravessar o gramado, de braços dados com um envaidecido Cygnus Black.
Impecável, Bellatrix segurava um buquê de copos de leite, caindo em cascata a frente de seu corpo. O vestido tinha a cintura marcada logo abaixo dos seios, dando a impressão de que as, já longas, pernas da mulher eram longuíssimas. Toda em branco, a peça com mangas curtas e bufantes deixava a parte superior dos seios dela a mostra, exposta pelo decote arredondado. A visão era deliciosa! Os braços estavam cobertos por luvas também brancas, que iam até um pouco acima dos cotovelos. Na cabeça, uma tiara dourada ornava o coque feito em seus cabelos negros, que contrastavam com o longo véu. Puta merda! Sirius estava arrepiado da cabeça aos pés.
Não sorria, porque um sorriso não combinaria com a imagem dela. Mas ostentava um olhar de plenitude, caminhando satisfeita em direção ao destino que tinha cunhado para si. Na fileira da frente, Tia Druella enxugava os olhos com um lencinho. Enfim, era chegada a tão aguardada hora! Bellatrix iria desprender-se deles, deixando para trás o sobrenome e a família Black, tornando-se a esposa de alguém e parte integrante de uma outra casa. Sirius apertou as mãos no fundo dos bolsos. Tinha se permitido conceber um tempo infindável antes que aquilo tudo acontecesse. E ainda que tivesse demorado para chegar, viera como um ciclone, atropelando-o sem discussão.
A despedida tinha sido saborosa. Contudo, ele havia se enganado em pensar que amenizaria o incômodo do rompimento definitivo. As lembranças se sucediam diante de seus olhos, sobrepondo a cena da travessia que testemunhava. Não queria pensar em tudo o que tinham vivido. Embora aquilo estivesse lhe machucando, tudo agora era passado. Cada passo dela na direção de Lestrange empurrava para trás um dos momentos em que ele e a prima tinham estado juntos. A verdade é que sempre tiveram ciência de que eram apenas um passatempo um para o outro, mas ainda assim, não tinham se cerceado em nada. Naquela eterna disputa que construíram, Sirius tinha arriscado todas as cartas que possuía e sabia que ela fizera o mesmo. Agora, não havia restado mais nenhuma carta na manga. Nenhum ás permanecera por jogar.
Perdera-se no trajeto até ali. Entre as madrugadas, deixou-se acomodar ao calor do corpo de Bella, iludindo-se em pensar que de alguma forma pertencia àquele lugar. Imaginara uma reciprocidade inexistente, um carinho mútuo do qual só os dois tinham conhecimento. Tolice! Nunca houvera nada. Todo o sentimento de posse e pertencimento transformou-se pó naquele instante, quando sorrindo, Bellatrix reafirmou que nunca estivera ligada a ele, ao confiar sua mão à de Rodolphus sem pestanejar.
Houve um leve tumulto enquanto os convidados se acomodavam nos assentos para acompanhar a cerimônia. Tio Cygnus se postou ao lado da esposa, com uma pose ostensiva, e ouviu com o semblante sério o que ela lhe sussurrava, meio sorrindo e meio chorando. Do lado oposto, o pai do noivo também se manteve de pé. Assim que as boas-vindas foram dadas a todos e o juiz reforçou a alegria de estarem ali reunidos para celebrar a união dos dois jovens, o primeiro ritual teve início. Caminhando até a mesa, seus tios carregavam uma longilínea vela branca, que fora acessa por suas varinhas em conjunto e permanecia fulgurando. Sirius almejou que o vento, que estivera calado o dia inteiro, se manifestasse naquele instante, mas nada aconteceu. Portando as velas que lhe foram confiadas pelos pais, Rodolphus e Bellatrix estenderam os braços, para juntar as chamas e acender uma única vela, um tanto mais robusta, que representava a união de suas famílias. Dali, não havia mais volta.
Levantando-se e prosseguindo até o púlpito, o homem altivo seguiu lentamente, agravando o silêncio e a ansiedade dos presentes. Pollux Black era seu avô materno. Um velho detestável: conservador e arrogante até os últimos fios de sua cabeça branca. Contudo, não se podia negar sua elegância e o encanto em seu timbre encorpado. Posicionou-se atrás da tribuna, apontando a varinha para a própria garganta para amplificar o alcance da voz, ainda que isso não fosse necessário. Segurava um pergaminho antigo, de onde começou a recitar o tratado das sagradas 28 famílias acerca da união matrimonial. Sirius odiava aquela baboseira de honra, preceitos e manutenção do sangue bruxo. Seu estômago dava voltas todas as vezes em que era forçado a ouvir aquela mesma leitura, casamento atrás de casamento. Como se qualquer uma daquelas afirmações tivesse significado real! Como se a vida estivesse ao controle deles e de suas regras.
De cima, os deuses os observavam e divertiam-se as suas custas, sentados em seus tronos de gelo, distantes daquela realidade humana limitada. O destino era para eles um joguete, modificando-se ao sabor do vento. Uma jogada era capaz de modificar tudo. Impérios eram destruídos, certezas massacradas e a chama de uma vela como aquela se extinguia, levando todo o domínio que os humanos pensavam possuir. Um simples lance de dados podia significar aqui embaixo a perda de alguém querido. Assim fora a jogada que arrancara Andrômeda de suas vidas, mesmo que carregasse seu sangue. Assim também era aquele casamento, um mero fruto do acaso. Atribuir aquela união à força e a glória de suas famílias era uma estupidez.
Após a excruciante salva de palmas, deu-se prosseguimento aos votos. Ajoelhados frente a frente, os noivos prenderam a mão direita ao punho um do outro, aguardaram que o celebrante colocasse a ponta da varinha sobre as mãos unidas. O feitiço do voto perpétuo surgira há tempos longínquos, por causa das tradições de casamento. Ao longo dos séculos, os votos haviam se tornado um tanto mais flexíveis na celebração. O descumprimento de um dos votos não mais implicava na morte de um dos cônjuges, mas anulava automaticamente todas as minúcias descritas no contrato de casamento, definido num momento anterior na presença dos noivos e seus pais. A maioria deles envolvia não somente a perda do direito a herança, mas também à guarda da prole e até ao uso do sobrenome familiar. Sirius conseguia compreender por que a fidelidade tinha sido posta de lado com o passar do tempo nos juramentos. Do contrário, haveria muito poucos contratos de pé àquela altura.
Lealdade era o primeiro dos votos e a espiral prateada envolveu o aperto firme que Lestrange e sua prima sustentavam. Em seguida, prometiam a cumplicidade, estar ao lado do outro independente das circunstâncias que os rodeassem. Por fim, o último voto era o de dedicação, a entrega e o sacrifício em prol do matrimônio que se estabelecia. Naquele ponto, uma boa parte das mulheres já estava aos prantos, usando um lencinho para secar as lágrimas discretas que derramavam. Walburga, obviamente, se mantinha firme em sua apatia. Os votos eram uma parte bonita do ritual, tinha que admitir, se ditos com ternura e emoção, por noivos de fato devotados. Todavia, pronunciados com leviandade, perdiam sua força, ainda que a voz dos noivos dissimulasse firmeza em seus propósitos. Um sopro levaria tudo aquilo.
A troca das alianças selava o que fora traçado. A encorpada circunferência de ouro puro deslizou pelo dedo de sua prima. Dedos que tantas vezes tinham se enredado aos seus cabelos. Dedos que perdiam horas lhe acariciado a pele. Dedos que lhe envolviam por inteiro, contendo-o. Agora, pertenciam a outro. Uma expressão exultante empanturrava o rosto de Lestrange, enquanto Bella colocava o anel em sua mão grosseira. Canalha! Diante de todos, devorava a mulher com os olhos. Iria dar-se ao luxo de esperar o fim da festa para comer Bellatrix? O suco gástrico queimou sua garganta. Rodolphus beijaria sua prima de modo similar ao que ele próprio costumava beijar? Tão ensandecido pelo desejo que nem via as horas passarem? Derretendo-se junto a ela e fundindo-se em uma só boca, um só corpo, um só prazer? Seria capaz de dar a ela aquele almejado instante em que perdia o ar?
E ele próprio, conseguiria alcançar o gozo febril que só ela o conseguira proporcionar? Bellatrix despertara nele tudo o que viera a sentir. Sob as mãos dela, havia conhecido a dor e o prazer que a luxúria poderiam lhe propiciar. Embaixo do corpo da prima, ele havia se tornado homem. Quando os noivos cruzaram a fila em que ele se encontrava, Bella franziu vagamente o cenho, apertando os olhos em sua direção. Tão discretamente que mais ninguém notaria. Ninguém além dele. Ela devia saber que Sirius iria sentir falta do que tinham. E a forma como se agarrara aos últimos momentos no banheiro, indicava que ela provavelmente sentiria falta também. Não haveria mais, entre roupas largadas, cigarros e taças, a loucura dos dois. Agora, Bellatrix estava casada e essas eram as regras. Do encontro que eles haviam vivenciado por tantos anos, não restaria nada. Nem mesmo as lembranças, que se apagariam apressadamente ao sabor do tempo e do vento. Muito em breve, seriam como os estranhos que sempre deveriam ter sido.
Aqueles termos sempre estiveram muito claros para os dois. Era o curso natural do destino. Pensou que seria mais fácil deixar que ela simplesmente fosse. O que tinha com Bella não passara de um monte de tesão acumulado, misturado a fúria e ao desprezo. Por que então seu peito parecia massacrado agora? Sua prima tinha sido a primeira mulher com quem ele estivera e nada mudaria isso. Mas se fora apenas sexo esse tempo inteiro, de onde vinha aquele sentimento de derrota eminente? Vendo-a cruzar a multidão de braços dados a outro homem, portando agora o sobrenome dele, sentiu como se um cordão umbilical fosse cortado de si. Sirius se apequenou. As regras estavam claras e naquele dia, ele tinha sido derrotado. Bellatrix ganhara o jogo e ele não podia reclamar. O vencedor levava tudo.
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O sapato de salto estava esmagando seus dedos mindinhos. Tentou respirar fundo para aliviar a dor, mas a finíssima cintura do vestido impedia que ela enchesse por completo a caixa toráxica de ar. Por quase toda a sua vida, tinha fantasiado acerca da festa de casamento das irmãs. As variadas imagens que pintara de si participando de uma data como aquela nunca tinham se assemelhado a que de fato se concretizara. Tudo lhe parecia esmaecido. Ela própria sentia-se como um rascunho. Perdida entre a exuberância da Narcissa que um dia fora e a autenticidade da que se tornara ao lado de James. Ouvira centenas de elogios das pessoas que vieram cumprimentá-la. Tinha sorte de ser tão boa em dissimular, assim, nenhuma delas tinham enxergado a tristeza que havia no fundo de seus olhos.
Grande parte dos convidados se encontrava espalhada pelo jardim, desfrutando do coquetel, enquanto o jantar não era servido. Cissy acompanhava com os olhos a interação entre eles. Sua mãe dedicava-se docilmente a ouvir uma longuíssima história que a avó de Gwen estava lhe contando. Seu pai representava um monólogo diante do Sr. Avery e de Harold Minchum, o Ministro da magia. Tio Órion estava empregando toda a sua atenção para escutar o que vovô Pollux tinha a dizer, enquanto Tio Alphard revirava os olhos, inquieto na cadeira. O semblante fechado de tia Walburga demonstrava o quanto ela estava entediada em estar na mesma roda de conversa da fofoqueira Lady Flint. Regulus e Amycus Carrow aproveitavam-se da distração dos adultos para virar boas doses de bebida. Sirius tinha desaparecido, como era de praxe, metido com alguma garota ou afogando a própria melancolia em um copo. Bella caminhava ao longo das mesas, parando para conversar com todos os convidados, posando de esposa perfeita ao lado de um presunçoso Rodolphus. Tinha sonhado tanto com aquele casamento, por tantos anos! Agora, tudo lhe parecia pasteurizado.
- Uma bebida pra animar a festa da minha garota preferida! – Oferecendo uma borbulhante taça de champagne, Evan parou ao lado dela, escondendo-se superficialmente por trás do chafariz.
- Obrigada! – Murmurou, sorvendo um pouco do líquido, sem muito interesse.
- Estou certo de que você já ouviu uma boa quantidade de vezes que está linda hoje.
- Umas... 238, só.
- Agora, 239. – Cissy ergueu a taça, como se brindasse a ele e Evan riu.
- Parece que da batalha de hoje você deu conta sozinho.
Com uma das sobrancelhas arqueadas, Narcissa indicou ironicamente o grupo com um dos dedos que usava para segurar a bebida. Mulciber, Avery, Crabbe e Wilkes caminhavam juntos, vindos do outro lado do jardim, o mesmo de onde Evan viera a um instante. Avançavam como um pequeno bando de hienas, rindo, com aspecto mal-encarado. Era a turminha com quem Severus andava metido nos últimos tempos. Cissy adicionou um lembrete mental para falar com ele assim que voltasse a Hogwarts. Queria mantê-lo por perto... Os garotos se juntaram ao restante do grupo de amizade habitual. No centro da roda, Jugson estava no meio de uma anedota exageradamente dramática. Evan bebeu do uísque, mantendo os olhos na festa que se desenrolava a frente deles, assim como ela estava fazendo.
- Se não pode vencer seus inimigos...
- Junte-se a eles? – Ela franziu o cenho. – Francamen...
- Ao menos dissimule que está disposto a ouvi-los. – Interrompeu, antes que ela pudesse prosseguir.
- Devo fingir que acredito nisso? - Pelo canto do olho, fitou o garoto, intrigada.
- Eu não preciso mentir pra você, Cissy. Você sabe bem o que eu acho dessa merda toda. – Não. Ele não precisava. Mas tão pouco parecia estar lhe dizendo exatamente a verdade. Evan soltou o ar com força, passando a mão pelo rosto. - Eu não estava lá na sexta.
Então ele sabia do que tinha acontecido. E mais do que isso, compreendia o peso que tivera sobre a consciência dela. Narcissa fechou os olhos, revivendo os clarões que reverberavam pelo porão e as palavras ácidas de sua irmã. Os gritos ensurdecedores do garotinho ainda pareciam vívidos dentro de sua cabeça, causando-lhe calafrios.
- A gente só precisa aquiescer até a formatura.
- Não acho que vá ser tão fácil... O problema não está em Hogwarts! Na verdade, lá ainda parece ser o lugar menos afetado por isso tudo. – Ela ponderou. Evan não era bobo. Sabia muito bem que o cerco estava se fechando ao redor deles, envolvendo todos que conheciam. Não iam conseguir continuar se esquivando por muito tempo.
- Mais tranquila agora que o casamento aconteceu? – Mudou de assunto, depois de tomar alguns goles em silêncio.
- Na verdade não. – A garota deu uma risada nervosa.
- Relaxa, Cissy! – Evan vasculhou o espaço com os olhos, até encontrar Bellatrix dando atenção a algumas senhoras. - Ela parece feliz.
- Ultimamente, essa felicidade é o que mais me assusta.
- Você tem que parar de querer controlar tudo, Professora McGonagall! – Caçoou dela, tocando-lhe suavemente os dedos das mãos com os próprios.
- Idiota!
Narcissa virou-se de frente para ele, batendo com o punho cerrado sobre o ombro robusto do garoto. Ele deu um sorriso, prendendo o pulso dela com a mão. Franziu o nariz e a boca, encarando-o com uma afronta zombeteira. Evan retribuiu a careta, descendo a mão em que segurava o uísque até a omoplata dela. O fundo gelado do copo trouxe um arrepio a sua pele. Ergueu levemente o queixo, pra olhar bem dentro do olhos do rapaz, incitando-o.
- Você devia se preocupar com coisas que as pessoas da nossa idade se preocupam, tipo... NIEMS...e... namorar.
- Ah, é?
- É, sim.
- Obrigada, Evan! Eu pensei que ia conseguir passar um maldito dia sem pensar na porra desses exames.
- Não pense... – Deu de ombros, sorrindo.
- Fácil assim?
- Fácil assim.
- Como, então?
- Ah, sei lá... Quer dançar?
- Dançar? – Ela ergueu a sobrancelha, desconfiada.
- É! Dançar, Cissy! Fazer alguma coisa sem motivo pra essa sua cabecinha neurótica poder desligar um pouco.
- Neurótica é a s...
- Narcissa! – Ouviu a voz de Leona ao longe, forte, chamando sua atenção. Virou o rosto, correndo os olhos até onde a colega apontava com a cabeça.
Em passos delgados, usando trajes de notável elegância, Lucius Malfoy afastava-se de suas amigas, seguindo a indicação de Effie para chegar até onde ela estava. Desvencilhou-se de Evan, com as bochechas corando suavemente, sem graça. A aura que justificara as provocações entre eles tinha se dissolvido sob o chamado de Leona, dando brecha para que uma camada de vergonha se instalasse. Malfoy pareceu alheio a isso, cumprimentando a Evan com um manear da cabeça antes de beijar a mão que Cissy lhe ofereceu.
- Como vai, Srta. Black? Estava procurando por você, para dar-lhe minhas felicitações pelo casamento!
- Ah! Obrigada, Malfoy! É muita gentileza sua.
- Nós podemos conversar? – Estendeu o braço para indicar um espaço mais afastado logo a frente, num dos bancos vazios do jardim.
- Claro! – Cissy soltou a taça vazia na beira do chafariz. – Nós dançaremos mais tarde, Evan, eu prometo! – Deu um sorrisinho para o amigo, abandonando a ele para seguir com o outro e descobrir o que Malfoy queria com ela.
Sentou-se primeiro e Lucius o fez logo em seguida. Dali, mantinham a visão da festa, mesmo que a uma distância maior. Seus amigos riam, os ruídos adolescentes amplificados pela bebedeira. Gwen rodopiava ao redor de si mesma, segurando a mão de Wilkes em cima da cabeça e gargalhava. Matilda Bulstrode e Harriet Burke grasnavam entre gritinhos, fofocando sobre algo. Richard Jugson e Logan Travers devotavam-se a uma bizarra tentativa de imitar os duendes de Gringotes, puxando as calças para cima. Como eram estúpidos e imaturos! Sentiu a vergonha subir por suas bochechas e baixou o rosto, para que ele não percebesse. Desejou que desaparecessem, evitando passar a impressão de que ela era tão tola quanto eles. Não era uma garotinha, cujo tempo podia ser desperdiçado com bobagens! Quis acender um cigarro, mas lembrou-se de que os tinha deixado sobre a penteadeira, trancados em seu quarto.
- Fui surpreendido pela sua partida à la vendaval na sexta-feira. – Com um sorriso irônico, ele a analisou.
- Eu não o vi, me desculpe! Não estava me sentindo bem. – Cortou o assunto somente, desejando que ele não o prolongasse mais.
- Vocês duas são mais parecidas do que julgam, sabia?
- Bellatrix e eu? Eu não diri...
- Você e Andrômeda.
Parou no meio da frase, fitando o rapaz. Os olhos esguios não se desviaram dos dela, esperando pela reação que teria. Não pareciam querer encurralá-la, embora a pressionassem por uma réplica. As frases entregues por seus lábios aos ouvidos de Lucius Malfoy eram como respostas a um teste. Narcissa sentia certa obrigação em ser aprovada em todas elas, porque ver a decepção e o asco mancharem aquele rosto tão bem desenhado lhe embeberia em uma sensação culpada. Manteve-se em silêncio, como se o desafiasse. O comedimento era a contrapartida mais elegante que ela conseguiu arquitetar.
- Ela teria feito o mesmo. – O homem justificou-se, ciente de que Cissy não lhe responderia.
- Eu não tenho tanta certeza. – Apertou os lábios, contemplando-o com sinceridade. - Creio que sempre soube menos sobre ela do que imaginei saber.
- Perdoe a minha inconveniência em tratar repetidamente deste assunto. – Teve a impressão de que uma ligeira sombra maculara a cristalinidade das írises cinzentas de Malfoy. - Acabo sendo impelido pela ideia de que a senhorita é a única que compreenderia.
- Não julgo que haja inconveniência, Malfou! Só penso que precisamos... deixá-la ir.
Com um aceno vago da cabeça, o rapaz aquiesceu. As mãos delgadas alisaram o tecido da calça sobre as coxas. A bolha de silêncio cresceu, se tornando incômoda entre os dois. Cissy prendeu o ar por alguns segundos, nervosa. Seus dedos formigavam pela segurança que o cigarro lhe traria. Entre as sobrancelhas de Malfoy, uma fina ruga de concentração se formara. As pupilas estavam fixas num ponto que não existia de forma física e Narcissa quase podia enxergar os pensamentos sendo revisitados dentro da mente dele.
- De todo modo, não foi este o motivo pelo qual quis conversar com a senhorita. A sua saída na sexta-feira, pode parecer memorável e até engraçada...
- Não vejo assim.
- Ótimo! Eu não repetiria. – Havia certa advertência no tom que ele usou. – Não vai ser bem-visto.
- Você fala como se houvesse olhos sobre mim. – Ele levantou sutilmente as sobrancelhas, numa concordância velada.
- O casamento de Bellatrix e o que aconteceu com... Todos agora estão esperando o curso que você irá seguir. A sua atitude intempestiva demonstrou uma inclinação que pode ser perigosa... Pra você.
- Posso decidir sobre isso sozinha, Malfoy.
- É claro que pode! Compreendo que seus sentimentos estejam mexidos com... – Maneou a cabeça discretamente, apertando as mãos compridas sobre o colo. - Não deixe que isso afete sua leitura aguçada do entorno.
- Nada afetaria.
- Fantástico! Você é uma mulher inteligente, Narcissa! Sempre soube bem onde estava pisando. Pessoas como nós precisam estar bem firmes em suas escolhas, num momento como esse, em que um passo para fora pode não ter volta.
- Você não veio aqui tentar me persuadir pelo medo, veio, Lucius? Porque comigo isso não vai funcionar.
- Eu vim como um amigo, lhe sugerir cautela, minha querida. Você é uma Black, afinal!
- Eu não preciso que me relembre o que isso significa.
- Oh-la-la! – Desviando-se dela, os olhos do rapaz se perderam sobre a festa.
Num estalo Malfoy se arrumou no banco, subitamente apertando o olhar, para enxergar melhor algo na direção da tenda em que as mesas estavam montadas. A garota seguiu a linha que as pupilas dele tinham traçado, os lábios abrindo-se em surpresa.
- Pelas barbas de Merlin!
Bambeando em cima das próprias pernas, Corban Yaxley segurava uma taça quase vazia. Batera com a colher contra o vidro até quebrá-lo, trazendo risadas aos convidados. Algumas, como a que estava pregada no rosto de Druella, certamente nervosas. O jantar ainda nem havia sido servido, mas o homem estava embriagado demais para perceber que era demasiado cedo para propor um brinde. De certo se empolgara além da conta com os festejos, porque parecia incapaz de manter-se de pé por mais cinco minutos. Cissy se levantou, comprimindo os olhos, no anseio de não enxergar as cenas vergonhosas que se estenderiam dali. O irmão mais velho de Gwen era o melhor amigo de Lestrange e por isso fora escolhido como padrinho. Uma péssima decisão, na opinião de Narcissa. A verdade é que o rapaz não tinha um bom controle pra bebida e acumulava uma expressiva lista de problemas causados publicamente pelo excesso de álcool. Começar a ter problemas tão cedo significava que o rumo daquela festa tinha tudo para não ir bem.
- Algumas coisas nunca mudam, minha querida. – Lucius deu-lhe um sorriso debochado, levantando-se e parando ao lado dela.
- Desafortunadamente.
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- Só uma noite, Alphard. Só a porra de uma noite. – O resmungo rouco pra si mesmo precedeu a chegada do homem aos fundos da casa.
- Uma mais, titio! – Sirius levantou o copo já pela metade, propondo um brinde.
- É aí que você está se escondendo, meu querido? – Afastando os cabelos do rosto, ofertou um sorriso para o sobrinho. - Perdendo toda a diversão?
- Tentando preservar meus últimos neurônios...
- Ah, sim, sim. Me parece justo!
O homem apoiou o corpo esquálido na parede, ao lado do outro. Passou as mãos pelos bolsos, tirando de lá um velho cachimbo. Com destreza, espalhou fogo sobre o tabaco usando a varinha, antes de voltar a guardá-la dentro do paletó. Tragou lentamente, apertando as rugas ao redor da boca ao fazê-lo. Sirius assustou-se com a quantidade de vincos sobre o rosto do tio, como se eles não estivessem ali até então. A pele tinha um aspecto macilento, esticada sobre as maçãs do rosto saltadas e um tanto frouxa sobre a mandíbula, dando a impressão de que não fora bem-posicionada sobre a estrutura óssea angulosa dos Black. Ressecados, os fios de cabelo grisalhos emolduravam sem precisão o rosto magro, até a altura do queixo. O cavanhaque e o bigode também já estavam rajados de fios brancos. Os olhos escuros, sempre ativos, concentrados em enxergar um mundo que não parecia ser acessível aos outros, estavam injetados, dispersos na fumaça que se dissipava a frente dos dois. Embora fosse mais jovem do que Walburga, a aparência descuidada acrescentara a Alphard alguns anos. Certamente o acúmulo de décadas embaixo do sol tinha pesado sobre o herbologista.
- Se eu fosse tão esperto quanto você, teria feito o mesmo ao invés de ouvir as baboseiras do seu avô.
- Ficar com aquele velho por mais de 5 minutos é pra foder a cabeça de qualquer um!
- Seu pai está lá, há duas horas...
- Nada de novo sob o sol do perfeito mundo de Órion. – O rapaz voltou a erguer o copo em um segundo brinde imaginário.
- Quer um trago? – A risada seca de tio Alphard se transformou em tosse, logo antes de ele oferecer o fumo ao sobrinho. Pelo cheiro, Sirius já tinha percebido que não se tratava só de tabaco. Não duvidava que o tio tivesse um cultivo próprio de erva.
A mão do moço parou no ar, desviando o curso que seguia em direção ao cachimbo para segurar, num arroubou de atrevimento, o antebraço do homem. Trouxe mais para perto de si, puxando na direção da luz, tentando enxergar melhor o anel que o mindinho de Alphard sustentava e que lhe chamara a atenção. Maciço, em ouro, um pequeno elefante com um olho de rubi fulgia. Não parecia ser uma das joias de família que os Black costumavam ostentar. Era dourado e vermelho, como a Grifinória. Num lampejo a ideia de possuir o anel lhe passou pela mente. Em sua mão tenra, o ornamento teria muito mais destaque! Tio Alphard o examinava atento, esperando, que o garoto terminasse. Acanhado, largou o punho do tio com sutileza, fechando os dedos ao redor do cachimbo e dando uma tragada comprida.
- Belo anel!
- Gostou? Sua mãe diria que é...
- Um ultraje? – O rapaz riu, fumando outra vez. – Posso te perguntar uma coisa, titio?
- Sempre, filho.
- Alguma razão para ter escolhido um elefante? Nessa família tudo costuma ser preterido em favor das cobras. – Devolveu o cachimbo ao tio.
- Por Merlin! – Alphard deu uma risada, envolto na fumaça. – Eu poderia dizer que achei o anel bonito quando o vendedor mostrou e não seria uma mentira. Mas no fundo, a beleza nisso é... – Interrompeu o pensamento, enquanto levava o cachimbo a boca. – Os elefantes não esquecem.
Sirius olhou para o tio, vendo-o, pela primeira vez naquela noite, tal como era. O tempo havia levado a juventude que um dia lhe pertencera e agora Alphard desfrutava da calmaria que a maturidade lhe trouxera. A serenidade assentava bem nele, ao contrário das rugas. Nem sempre fora assim, é claro! Sirius ainda conseguia enxergar a mente agitada por trás daqueles olhos escuros. Para alguém com tanto a pensar, devia ser realmente difícil não esquecer do que ficara no passado e acabar perdendo-se em si. Apesar da aparente plenitude, o homem parecia sempre um pouco deslocado. Talvez não ter uma esposa e filhos a quem se ater o tornassem assim, um tanto etéreo, solto daquela realidade rígida em que toda a família estava inserida. O arrependimento escorreu frio pelo seu peito, porque nunca tinha prestado atenção ao seu tio como deveria. Ouvira suas histórias e se entusiasmara com suas descobertas acerca das plantas. Sempre admirara a vida livre que tio Alphard levava, mas jamais se dedicara a entender o homem que havia por trás do pesquisador.
- Você realmente gostou ou foi um elogio volúvel para agradar seu velho?
- É uma bela joia, titio!
- Então, toma! Agora é seu. – Puxando o anel do próprio dedo, Alphard virou a palma da mão do sobrinho pra cima, depositando ali o pequeno elefante.
- Sério? – Sirius arregalou os olhos, sentindo o peso do ouro.
- Claro!
- Tio Alphard, não precisa!
- Eu quero que fique com ele. – Falou com a voz firme, para impedir que Sirius se delongasse nos protocolos que a boa educação instituía. - Será muito mais admirado nessas mãos sem manchas e rugas.
- Um dia estarão como as suas...
- Até lá, você terá desfrutado muito dele, eu espero! E então também poderá dá-lo ao seu sobrinho favorito.
O rapaz não conseguiu conter o sorriso que se espalhou pelo rosto. Segurou o anel com firmeza, apalpando os contornos do ornamento. Sobrinho favorito, caralho! Ao menos alguém na porra daquela família enxergava algum valor nele. Desprezando qualquer resquício de etiqueta, jogou o braço em volta do pescoço do tio, apertando-o em um desajeitado abraço. Inspirou, absorvendo o cheiro de cedro, tabaco e maconha que emanava dos cabelos acinzentados.
- Obrigado, tio Alphard! – Murmurou, afastando-se lentamente do outro. – Não sei como agradecer!
- Ora! – O mais velho deu uma risadinha tímida. – Não é para tanto também, meu rapaz!
- O senhor não sabe o quanto!
Sirius voltou a sorrir, enquanto ia deslizando o anel pelo próprio dedo mindinho. Depois olhou para tio Alphard, distinguindo nele uma enorme parte dos traços que compunham a ele mesmo. Dali a muitos anos, sua mente fadigada retornaria àquele momento, quando se deparasse com um espelho pela primeira vez em mais de uma década e reconhecesse na própria imagem a figura desconexa do tio. Entenderia, então, o quão cansado o velho Alphard estava de lutar. Agora, ensoberbado pelo ímpeto da juventude, Sirius só conseguiu enxergar o aventureiro que ele desejava ser.
- O senhor já disse que posso lhe fazer perguntas quando quiser, então... – Revolveu o silêncio calmo das tragadas do tio, ao mesmo tempo em que acendia um cigarro para si.
- Vá em frente.
- É difícil sustentar o peso das escolhas que o senhor fez no passado? – Parou, enchendo as veias de nicotina. – O que eu quero dizer é... O senhor se arrependeu?
- Não sei se arrependimento é a palavra adequada, filho. Há determinados pontos da vida em que as escolhas precisam ser feitas. E esteja certo de que elas serão feitas, mesmo que nós não tenhamos participação ativa nisso! – Colocou o polegar na boca, roendo a ponta da unha já curta demais. – Na sua idade, a gente acha que sabe de tudo. Porra nenhuma! Ninguém sabe. O contraditório é ter que definir tanta coisa quando a gente é tão ignorante sobre a vida e sobre a gente mesmo. Eu escolhi o que tinha certeza de que era o certo. Hoje, já nem sei se era. Mas estou satisfeito com o que fiz, com a cabeça que tinha. Gosto de pensar que teria acabado onde eu estou, mesmo que não tivesse escolhido assim.
- Não doeu, deixar certas coisas pra trás?
- Tudo tem um preço, Sirius. Algumas pessoas podem fazer parecer que tem tudo que sempre desejaram e esta é uma das maiores mentiras que a nossa família vem contando há séculos! Ser um Black significa sempre renunciar a algo. Eu escolhi a paz de espírito. Mas tive que pagar por ela, com o exílio. – Usando o indicador, puxou a pálpebra para baixo, aumentando ligeiramente a abertura do olho. – Preste atenção! Todos, todos eles pagaram de alguma forma... Sua mãe escolheu o orgulho, mas esse processo lhe custou a temperança. Órion preferiu a honra, abrindo mão do que sentia. Você acha mesmo que foi fácil para o seu pai ver a prometida apaixonar-se pelo primo a quem sempre foi considerado superior? – Soltou o ar, com os olhos levemente arregalados. - Meu irmão escolheu o sentimento que o arrebatou e precisou engolir a própria moralidade. Os anos acabaram por evanescer o escândalo, mas decidir por Druella também custou a Cygnus a aspiração de ter um herdeiro para carregar o sobrenome que idolatra. O tempo e a vida se encarregam de cobrar, meu sobrinho, esteja certo. E não há de demorar! Nossa Andrômeda escolheu o amor. Em razão disto, foi forçada a abandonar suas raízes e sua história, desprender-se de quem foi. E Bellatrix... Essa nunca escondeu que escolheria o poder, mesmo que a contrapartida disso fosse deitar-se com um homem vil e desprezível. – Trouxe o cachimbo até a boca, sorvendo uma vez mais. – O tempo está passando... Não tardará até que chegue para você, Narcissa e Regulus. E quando chegar, meu querido, só você poderá dizer ao que não renunciará. – Puxou a mão que Sirius usava para segurar o cigarro, apertando com força o dedo mindinho em que o elefante de ouro resplandecia. – É isso? Dinheiro, regalias, uma vida de conforto? – Deu um peteleco na beirada do copo de uísque que o sobrinho sustentava com a outra mão. – Ou isso? Os prazeres carnais? – Franziu os lábios, balançando a cabeça em uma suave negação. – Você estaria disposto a pagar para ter isso, mesmo que o preço sejam as pessoas que estão ao seu lado? Permita ao seu velho dizer o que pensa: Não! A porra desse abraço, Sirius, já me deu a resposta! Você sabe bem o quão mole é o seu coração, meu sobrinho! Não vai ser fácil endurecê-lo. Se você escolher assim, saiba bem tudo que lhe aguarda. Não dá pra ter tudo. E isso... Essa escolha, não vai sair nunca da sua cabeça. – Bateu mais uma vez com o indicador sobre o anel. – Os elefantes não esquecem.
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