
Sobre megeras, saudações e clichês
Apressou o passo, se esgueirando e enfiando-se na mesa no último minuto antes que Dumbledore começasse o discurso desejando um bom retorno ao ano escolar. As centenas de pares de olhos estavam fixos no diretor, ouvindo as palavras proferidas por ele, cujo sentido Peter não costumava se dedicar especialmente a captar, depois de cinco anos na escola. O falatório encorajador e quase sempre semelhante ao de todos os semestres o fazia pensar que o velho estava ficando, se é que já não tinha ficado, completamente biruta.
- Porra, Rabicho, onde você estava? – Remus se arrumou no banco, dando espaço para que ele se sentasse.
- A gente te procurou pelo jardim inteiro, seu filho da puta! – Almofadinhas sibilou, repreendendo-o com um olhar contrariado.
- Estava conversando com a Milicent Fudge perto das carruagens. Fui dar os parabéns! Vocês não ficaram sabendo que o pai dela é o novo chefe do Departamento de Acidentes e Catástrofes Mágicas?
- Quem caralhos se importa com os cargos dos otários do Ministério?
- O Rabicho, aparentemente. – James respondeu a Sirius, baixando os olhos na direção dele por um instante.
- Bom, eu estou aqui agora, meus queridos. – Ajustou a gola da camisa, dando um sorriso amistoso aos outros três. – Como foi o Natal, Almofadinhas?
- Uma merda, como sempre! Walburga enchendo meu saco, Órion arrastando sua legião de fãs, Regulus borrando as calças de vontade de ser perfeito, meus tios bancando o casal modelo e as garotas tagarelando um monte de asneiras, principalmente sobre casamento. Bellatrix está noiva, a propósito: Rodolphus Lestrange. – Cuspiu o nome do homem, com desprezo evidente.
- Uau! – A menção foi suficiente para atrair de volta a atenção de Remus, que abandonou por um breve momento a falação do diretor.
- A porra toda saiu do controle completamente no aniversário da Narcissa, mas eu conto tudo mais tarde.
- Vou preparar o estômago para ouvir! E o seu Natal, Pontas? Como foi?
- Eh... Foi bom. Com os Longbottom. Comida gostosa e tal. – Respondeu sem entusiasmo, mal abrindo a boca para falar.
- O nosso foi ótimo! Comida farta, lareiras quentes, o castelo todo pra nós! Sentimos a falta de vocês todos os dias. – Peter sorriu com entusiasmo, encharcando o rosto de afabilidade.
O olhar do outro rapaz estava perdido por trás dos óculos, concentrado em um ponto às costas dos amigos, na mesa da Corvinal. Pettegrew seguiu os olhos dele, curioso, virando a cabeça para encontrar o alvo em que Potter se debruçava, mas não avistou nada de interessante, apenas dois terceiranistas da Corvinal jogando uma acirrada disputa de “caldeirão, pergaminho e varinha” por baixo da mesa. Apertou os olhos, para enxergar mais adiante. No fundo da mesa da Sonserina, a antipática prima de Sirius conversava com Snape. Ah, era isso! Devia estar planejando alguma peça para pregar no Ranhoso. Pontas tinha uma mente inquieta, sempre conjecturando os próximos passos dos marotos.
Os olhos da loira estavam úmidos e Peter tapou a boca com a mão, escondendo uma risadinha. O Ranhoso era tão desprezível que uma simples conversa era capaz de dar às garotas vontade de chorar! Ele jamais se permitiria ser daquela forma: Asqueroso, obtuso, insignificante. Jamais! E era por isso que estava sempre atento ao seu redor, ao que as pessoas queriam.
Os seres humanos só precisavam ser atendidos para se sentirem felizes o suficiente para estimá-lo verdadeiramente. Com os marotos, era fácil, ele já havia aprendido há muito tempo: Almofadinhas adorava ter suas rebeldias reconhecidas, saber que era visto como diferente, como um astro do rock. Pontas precisava ser idolatrado, ter o ego massageado por elogios, sobretudo em relação ao que considerava seus talentos natos, como o quadribol. Remus só carecia de uma atenção interessada, de um afago nos dias em que se sentia deprimido, para constatar que era aceito e que sua opinião era validada.
Dissecá-los tão profundamente em seus âmagos não significava que Peter era indiferente aos seus amigos. Pelo contrário! Ele os adorava intensamente e Hogwarts jamais seria a mesma sem que os quatro estivessem juntos. Mas conhecê-los e dar a eles exatamente o que desejavam tornava a convivência tão mais simples! Agradar os três era seu ato de amor, de servidão para eles, como retribuição por lhe serem companheiros tão leais.
Não era tão claro assim enxergar o desejo de todos como era o dos marotos, ainda que as atitudes de alguns gritassem à primeira vista de qual tipo de culto precisavam. O segredo era observar e ir desvendando aos poucos o que cada pessoa buscava no outro e assumir esse reflexo, sem afetação, no nível perfeito. Passar do ponto significava ser considerado bajulador, o que não tinha nenhuma vantagem. O ideal era que a leitura dos outros sobre ele fosse a de um afável e bem-educado rapaz.
Peter sabia que não era bonito ou rico como Sirius, estudioso como Remus ou carismático como James. Por isso, precisava se mover. Não podia passar despercebido, enquanto ainda era notável, ali, em Hogwarts. Ter uma boa rede de contatos e uma imagem polida lhe garantiriam a vida confortável e preguiçosa que ele desejava ter no futuro.
- Esplêndido! – Aluado aplaudia com fervor o fim do discurso do diretor, sustentando um semblante fascinado. – O professor Dumbledore é sempre tão adequado, tão sábio! Não é?
- Sempre, Aluado! – Fez coro aos aplausos entusiasmados do outro, unindo-se ao restante dos alunos. – Homens ajuizados como vocês são poucos, meu amigo. Muito poucos!
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Suas costas estavam doendo, mas ela não queria se afastar. Apesar da esqualidez, o corpo de Severus ainda conseguia transmitir um pouco de calor, amainando o frio que os rodeava. Narcissa estava tão bem aconchegada no banco, que relutava em mover o próprio corpo. Os longos dedos do rapaz trançavam e destrançavam os finos cabelos loiros, enquanto a sua cabeça estava repousada delicadamente sobre a coxa dele.
- Então, me diga de novo. Rowle, Yaxley e...
- Lestrange, obviamente. Eu já lhe disse uma porção de vezes, Severus! Os dois rapazes Lestrange.
- Certo. Tem certeza de que não tinha mais ninguém?
- Sim.
- E com o seu pai?
- Tio Órion, o Sr. Avery... – Pensou um pouco, rememorando de olhos fechados a festa do noivado de sua irmã. - O Sr. Lestrange, Sr. Carrow e o Sr. Crouch.
- Crouch? – Severus cuspiu o nome, surpreso.
- É. Mas não por muito tempo. Ele não parecia muito interessado.
- É óbvio que não! Crouch daria os próprios dentes pelo Ministério. – Ele ponderou.
- Ah! Você não vai acreditar em que está de volta! – Prolongou a interrupção, para trazer mais suspense à fofoca. – Lucius Malfoy.
- Malfoy? Ele não estava na América?
- É, mas parece que retornou. Agora em definitivo, segundo me disse o próprio.
- Bom saber... – Passou alguns segundos em silêncio, digerindo a informação.
Narcissa deixou que as pálpebras permanecessem cerradas, dedicando-se a experimentar o frio cortante lambendo seu rosto. O vento uivava pela amplitude do corredor vazio. As aulas haviam retornado há apenas dois dias e a biblioteca permanecia quase intocada. A baixa quantidade de deveres fazia com que ela fosse pouco atrativa quando comparada às salas comunais. Assim, pouquíssimos alunos atravessavam aquele corredor para acessá-la naquela tarde e isso dava aos dois a privacidade que almejavam para discutir os assuntos que haviam ficado interrompidos pelas férias.
- Depois convidaram o Crabbe para se juntar a eles, foi o que você disse? Os mais novos. – A voz profunda do amigo a trouxe à tona novamente.
- Aham. O Mulciber e ele. E o Avery foi junto, é claro! Agora andam colados para todos os lugares, como um bando de diabretes.
- Interessante... Vou querer ouvir o que o Damian tem a dizer sobre.
- Céus, me dá asco só de lembrar daquela voz apalermada!
- Pensei que ele era seu amigo, minha querida. – Snape deu uma risadinha irônica.
- Se você ouvisse o monte de bobagens das quais ele estava se gabando no Natal, não ia querer vê-lo nem coberto de pó de fada.
- Eu já te disse que...
- Esse é um ditado completamente estúpido, porque as fadas são criaturas obtusas e não possuem nenhum tipo de propriedade especial, exceto em suas asas. – A garota abriu os olhos e ergueu um dos dedos, imitando a expressão que o amigo costumava usar quando estava dando uma de suas aulas. – Eu sei, Sev, eu sei. Mas não fui eu quem criei os ditados, sabia?
- Só estou lhe salvando da ignorância, Cissy.
- Sabe o que eu acho? Você deveria virar professor. Assim ia ter uma infinidade de cabecinhas inúteis pra corrigir ao seu bel-prazer!
- Quem sabe, quando eu for um pesquisador de grande prestígio... Aí o Dumbledore poderia me convidar pra transmitir meus conhecimentos inigualáveis às gerações mais jovens! – O rapaz brincou, estufando o peito com pronunciada afetação.
- Sua primeira tarefa de pesquisador vai ser descobrir como fazer alguém aguentar pessoas cuja presença é intragável.
- Em alguns casos, isso seria impossível.
- Ah, é? Como qual?
- O seu, por exemplo, Cissy. É um caso profundo de repulsa generalizada! Você é muito justa. Odeia todos de forma igual! – Ele riu e Narcissa o acompanhou, perdendo o olhar no teto do castelo.
- Severus? – O timbre tímido quase passou despercebido abaixo das risadas deles, mas a atenção dos dois foi despertada pela aproximação da moça.
Narcissa virou a cabeça, para analisar a quem pertencia a voz. Enrolada em três voltas apertadas de cachecol, Lily Evans estava parada pouco a frente deles, segurando uma pilha de enormes volumes de runas antigas. É claro que uma voz tão trivial pertencia a ela! Aquela garota insípida era justamente o que Narcissa definiria como um desperdício. Tinha um belo rosto, de traços românticos, e chamativos cabelos em um tom vivo de vermelho, sempre presos em um rabo de cavalo baixo. Rabo de cavalo baixo era o penteado mais interiorano que existia. Um cabelo como aquele jamais deveria estar escondido em um penteado tão démodé!
- Como você está? Senti sua falta nas férias... Fui duas vezes à sua casa, mas não tinha ninguém. Estava preocupada!
- Eu tinha coisas mais importantes para fazer do que voltar àquele lugar. – O tom adotado pelo seu amigo era ainda mais ríspido do que o habitual.
- Eu estou interrompendo? – A garota perguntou, envergonhada, embora uma das sobrancelhas tivesse se alçado com curiosidade.
- Não, docinho. Eu já estava de saída! – Narcissa ergueu o tronco, sentindo uma suave vertigem pela velocidade com que se sentou.
- Cissy, fica ai! – O rapaz ordenou entre os dentes.
- Ah, Severus, por favor! Uma dama sabe quando sua presença não é requisitada. – Ela se levantou, puxando a carteira de cigarros do bolso com celeridade.
- Eu ainda preciso te perguntar uma coisa.
- Então pergunte. Não tenho nada a dizer que não possa ser ouvido por ela... – Ela acendeu o cigarro, depois de prender o suporte no dedo.
- Sem drama, Narcissa. Só espere um pouco!
Snape puxou seu corpo pra baixo pelo braço, fazendo com que ela voltasse a se sentar. Tragou lentamente e cruzou as pernas de forma ensaiada, fingindo concentrar-se em arrumar a própria bota. Podia sentir os olhos moles da ruiva se delongando sobre ela, analisando cada detalhe da cena. O garoto também estava visivelmente desconfortável, batendo o pé de forma impaciente.
- Me perdoem se incomodo, mas eu só queria conversar um dia desses, Severus. Ainda somos amigos, não somos?
- Claro.
- Então... A gente se vê, certo? – Perguntou, insegura do que dizia. - Foi bom falar com você, Severus.
Os dois acompanharam com os olhos a quase silenciosa trajetória de Evans pelo corredor, até que ela desaparecesse por trás das portas da biblioteca. Narcissa esquadrinhou o rosto do amigo, a procura de qualquer sinal do que aquela cena tinha significado. Mas ele parecia apenas confuso: Aliviado, mas ao mesmo tempo pesaroso, por ela ter ido embora.
- O que você ainda quer saber?
- Não seja tão ciumenta, Narcissa!
- Eu não sou ciumenta! – Respondeu pausadamente, evitando que sua voz aparentasse dizer o contrário de suas palavras. – Eu realmente preciso ir. Nate quer falar comigo, alguma baboseira nova dos monitores. – Bateu delicadamente o cigarro na ponta do banco, para que as cinzas caíssem. – Além disso, não há uma situação razoável em que possa existir competição entre mim e ela, não é? – Deu uma risadinha venenosa, sem tirar os olhos do amigo.
- Eu estava imaginando... A sua irmã... Por acaso ela não estava no meio do grupo, estava? – Franziu o cenho, afastando os cabelos engordurados da frente do rosto.
- É claro que estava. Ela é noiva do Rodolphus agora, esqueceu?
- Hum...
- Você não está querendo insinuar que a Bella...
- Me parece que sim, Cissy.
- Mas ela é mulher!
- Isso é exatamente o que me intriga.
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Tinha plena certeza de que estava ficando bêbado. Ok, já estava bêbado. Mas não muito. Ainda tinha consciência das pontas dos dedos, então estava tudo bem. Quando deixasse de senti-las, estaria cruzando os limites. Encheu mais um copo de ponche, se recostando contra a mesa, e o levou a boca, enquanto analisava o ambiente.
As quatro camas tinham sido empurradas para as paredes e unidas, formando dois longos sofás, em lados opostos. O meio do quarto tinha sido transformado em uma pista de dança e um globo de espelhos girava no teto. Ele preferia não saber como Sirius tinha arrumado aquilo. As cortinas estavam fechadas, para evitar que qualquer pessoa que não havia sido convidada visse as luzes coloridas piscando, o que deixava a James um pouco sufocado. Bebeu mais um longe gole do ponche, pra anestesiar a sensação esquisita de claustrofobia.
Talvez se sentisse tão asfixiado pela quantidade absurda de pessoas que tinham conseguido se enfiar naquele quarto. As festas que promoviam eram sempre um sucesso, mas aquela tinha extrapolado tudo o que ele já vira antes. Os alunos de Hogwarts pareciam bem entusiasmados para comemorar o ano de 1976 e saudar o novo semestre. Era assim que Sirius tinha decidido chamar aquelas festas, há dois anos: Saudação do semestre. “Vai parecer um troço meio hippie, as garotas vão adorar!”, ele tinha garantido. De fato, a ideia tinha sido boa e o estrondo tornava-se maior a cada edição. James não tinha certeza se aguentaria uma festa maior do que aquela no próximo ano letivo. Ou o Halloween. Merlin, o Halloween de 1975 já tinha sido um estrago grande demais para sua saúde! E Sirius não era o tipo que fazia algo inferior ao que já tinha feito.
- Hey, Potter! Viu o Dimitri por aí? – Edgar Bones o cumprimentou com uma batida de mãos seguida de um encostar de ombros.
- A última vez faz meia hora, mas ele e a Lizzie pareciam meio ocupados.
- Ih... Deixa pra lá!
- É melhor mesmo. – Ele riu, lembrando de como o capitão e a artilheira estavam enroscados em um dos cantos.
- Quer um? – O rapaz tirou a mão do bolso, oferecendo o pacotinho de onde tirou um pequeno oval branco e colocou embaixo da língua.
- Não, valeu. – James ergueu o copo, em agradecimento.
Ainda que um bom estimulante pudesse cair bem para melhorar seu ânimo, era mais prudente declinar. Da última vez que tinha tomado um daqueles compridos de casca de ovo de Farosutil ele não tinha conseguido dormir pelos dois dias seguintes, alucinando durante todo o final de semana com um pelúcio travesso se escondendo pelo quarto. Aluado o mataria se tivesse que passar por aquilo novamente!
- Beleza, meu chapa. Vou ver se encontro a Dorcas ou a Lene por aí. Valeu pelo convite!
- A casa é sua, cara! Divirta-se!
A música alta estrondava pelo quarto, mas um feitiço bolha bem executado por ele e Rabicho impedia que qualquer som vazasse para o ambiente externo. Do lado de fora do dormitório dos garotos do 5º ano, o bater de asas de uma mosca ressoaria. A sala comunal estava extraordinariamente vazia, porque todos os grifinórios a partir do 3º ano tinham sido convidados para a festa. Ele já estava bêbado demais ou acabara de ver cabeleira loira de Alexa Diggory entrando no quarto? Ela não era da Corvinal? Merda! Bagunçou os próprios cabelos com descrença. Tinham acabado de cruzar uma linha que não deveria ter sido cruzada. Isso explicaria o motivo da festa estar tão lotada... Voltou a encher o copo de ponche. Não ia se preocupar com isso agora. Amanhã! Amanhã eles resolveriam qualquer problema.
- Você deveria ir com calma. – Remus veio na direção dele e puxou o copo que ele bebia para baixo, colocando-o sobre a mesa.
- Qual é, Aluado?!
- Ainda tem muita noite pela frente, Pontas. Você não precisa ficar trêbado tão rápido.
- Um homem precisa se divertir numa sexta-feira à noite. E eu não estou bêbado. Não ainda!
- Claro. Por que não vai procurar alguém pra se divertir junto com você e deixa o ponche descansar um pouco?
- E por que v...
- Parece que não vai ser necessário procurar. – Lupin interrompeu o que ele dizia, acrescentando um assobio.
Espremida em uma calça justa que complementara com uma blusa de longas mangas bufantes e barriga de fora, Louisa Spinnet atravessava a multidão em direção a mesa onde os dois rapazes estavam recostados. Caminhando daquele jeito rebolado, James tinha que admitir que a garota era divina! Os cabelos escuros adornavam seu rosto acobreado e os lábios grossos se destacavam com o batom vermelho que a sextanista tinha passado.
- Oi, Remus! – Cumprimentou, trocando um abraço rápido com o garoto. – Oi, Jay!
A voz da moça derretia-se como mel, num anúncio adiantado de suas intenções. Colocou o braço ao redor do pescoço dele, num abraço mais caloroso do que James gostaria. Sem cerimônias, beijou sua bochecha, chegando perto demais do canto da sua boca para parecer que não fora intencional. Ele e Louisa já tinham trocado beijos algumas vezes nos anos anteriores. Certo, uma porção de vezes. Embora fizesse um tempo que não se encontravam, talvez ela pensasse que isso lhe dava carta branca para agir com aquela naturalidade. Talvez fosse a ascendência espanhola dela. Ou quem sabe a garota só estivesse um pouco alta, como ele. Ainda mantendo o corpo apertado contra o de James, ela encheu um copo de ponche para si.
- Oi, Lulu! – Disfarçou o desconforto com simpatia, afastando-se sutilmente. - Bela festa, não?
- Vocês sempre conseguem se superar! Mal dá pra acreditar!
- Não sabemos fazer diferente, gata. – Ele deu de ombros, sorrindo.
- Esse globo de espelhos! Uau! Aposto que foi ideia do Sirius!
- Me chocaria se não ficasse na cara. – Aluado levantou as sobrancelhas, enfiando as mãos nos bolsos.
- Vou ter que dar parabéns pra ele, botou pra quebrar!
- Acho que vai ser um pouco difícil fazer isso agora, a menos que você decida participar. – Com o olhar, Remus apontou um dos cantos do quarto.
James seguiu a indicação do amigo, curioso. Não tinha visto Almofadinhas desde que os primeiros convidados haviam chegado. Como um bom anfitrião, Sirius tinha se dedicado imediatamente a entreter. As dezenas de pessoas amontoadas na frente atrapalhavam a vista e ele ajustou os óculos, pra melhorar a visão. “Caralho!”, foi o que conseguiu pensar. Mãos e bocas pareciam embaralhadas, perdidas em um intrincado arranjo. Definitivamente o que ele estava vendo eram Sirius, Marlene e Oscar Clarke, um dos rapazes do 6º ano, envolvidos num complexo amasso triplo.
- Parece bem animado! Mas acho que já tem bocas demais pro meu gosto. – A moça riu, bebericando do copo de papel. – Além disso, a boca na qual estou interessada está bem aqui. – Colou os lábios aos dele repentinamente.
- Uau, Lulu! Pega leve! – James se afastou de forma delicada, cortando o beijo antes que ela conseguisse enfiar a língua na sua boca. – Hoje eu não estou no clima, tá?
- Acordou careta, Jay? – Ela revirou os olhos, soltando finalmente o braço que enlaçava seu pescoço.
- Todo gato tem seu dia de cão, princesa. – Limpou a boca com a manga da jaqueta, para tirar a mancha vermelha de batom.
- OK, ok. Já entendi! Quer dançar, Remus? – Puxou a mão do garoto para si.
- Te encontro em um minuto. – Prometeu, soltando os dedos dela aos poucos, enquanto ela se afastava. – Que foi?
- Descobri que morenas não são realmente meu tipo.
- Conta outra, Pontas!
- Já falei que não estou a fim de companhia hoje, cara.
- Você não tem andado a fim de companhia nos últimos tempos. Quem é você e o que fez com o meu amigo Pontas?
- Mas que merda, Aluado! Um cara não pode simplesmente não estar a fim? Me erra, caralho!
- Você não quer me dizer, James. – Apontou para ele, acusatório. - Mas tem alguma coisa...
- Só vai lá, ela ‘tá esperando!
- Eu detesto ficar com os restos de vocês!
- Pega se quiser, cara! Você pode só dançar... A Lulu sabe que você é um garoto de coração sensível!
- Vai pra porra, Pontas! – Resmungou com um sorriso irônico no rosto, saindo de perto dele para ir atrás da menina.
Desde que começara a sair com Narcissa, sabia que era uma questão de tempo até que seus amigos notassem seu súbito desinteresse em companhias femininas. Só não esperava que isso ia acontecer tão rápido, antes mesmo que ele tivesse uma desculpa pronta pra dar. Remus era observador e astuto, mas por que diabos tinha que ser tanto? E o pior de tudo: Era também desconfiado e teimoso como uma mula.
Mordeu a borda do copo, tentando forçar o cérebro a raciocinar, apesar de encharcado pela bebida. Ele ia precisar fazer alguma coisa sobre isso. Encucado como estava, Aluado não ia simplesmente deixar pra lá. Conhecia bem aqueles olhos apertados! O amigo ia fazer de tudo para descobrir o que estava acontecendo, fosse pela boca do próprio James ou por outro meio. Não dava pra arriscar que ele juntasse os pontos e chegasse até Narcissa. Pelo menos não ainda. Se Almofadinhas sequer cogitasse a possibilidade, surtaria desmedidamente, para dizer o mínimo. James precisava pensar em uma desculpa para a ausência de encontros. E rápido!
A luz acendeu, num explosão branca e James fechou os olhos num reflexo. Junto com a luz, veio um repentino silêncio quase sepulcral. Não estava tão bêbado assim! Será que ele tinha desmaiado? Os buchichos lhe fizeram entender que não. Forçou os olhos a se abrirem, mesmo contra a vontade.
- O que diabos é isso aqui?
“Merda. Ferrou, fer-rou! Puta que pariu, fodeu!”, sua mente xingava uma vez atrás da outra. Caralho, o que eles iam fazer? Segurando a porta, com um semblante enfurecido, Lily Evans bufava. Uma das mãos da monitora prendia firmemente a gola do suéter de uma garota do terceiro ano. Devia tê-la pegado na entrada do dormitório masculino. Merda, ele tinha dito pra Sirius que não deveriam convidar os terceiranistas, porque eles eram estúpidos! É claro que a primeira festa que eles haviam dado tinha sido no terceiro ano, mas na época eles não eram tapados como aqueles garotos.
- Alguém vai me dizer? Ou eu devo acordar a professora McGonagall primeiro?
- Isso é um quarto, querida Evans. E você está atrapalhando nosso descanso. Tenha uma boa noite! – Sirius acenou a varinha e as luzes voltaram a se apagar, seguidas pelas risadas que acompanharam o retorno da música.
Lily Evans era a pior pessoa que poderia tê-los pegado no flagra. É claro que todos os outros monitores da Grifinória, exceto ela, estavam curtindo a festa, mas isso não vinha ao caso. Ela era absurdamente certinha, excessivamente metódica e exaustivamente incorruptível. Chegava a ser irritante o quanto ela valorizava as regras! A moça era como um terceiro olho de McGonagall que nunca dormia.
Toda aquela sisudez e rigor escondiam os traços que podiam fazê-la minimamente atraente e afastavam qualquer pessoa que tivesse a iniciativa de se aproximar. Marlene McKinnon era a única capaz de aguentá-la e James já se pegara sentindo pena da morena, por tê-la como única outra garota no 5º ano. Compartilhar o quarto com ela devia ser um inferno! Por causa da sua rigidez, Sirius e James haviam se tornado antagonistas naturais a presença dela, fazendo piadinhas por suas costas e fugindo dela como um dementador fugiria de um patrono. Remus, que dividia com Evans as tarefas de monitor, era o único dos quatro capaz de ter uma conversa razoável com ela.
Não à toa, James notou que o amigo abandonara Louisa, atravessando o quarto para apaziguar a ruiva antes que fosse tarde. O rapaz segurou o cotovelo dela, comunicando-lhe alguma coisa no ouvido. Indicou a porta com o braço livre e depois de duas ou três súplicas, ela largou a terceiranista e seguiu Lupin até o lado de fora. James soltou a respiração, que percebera estar prendendo. Torcia que Aluado fosse bem-sucedido na missão. Lily Evans era osso duro de roer!
Levou o copo a boca, tomando um último gole já meio quente da bebida e algo lhe ocorreu. Talvez isso pudesse ser bom, muito bom, pra ele. Como num estalo, fora atingido em cheio pela sua solução. Largou o copo e se enfiou na pista de dança, com a mente fervilhando. Permitiu que o balanço das músicas e o piscar das luzes conduzissem suas ideias pelos mais inusitados lugares.
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- Não me peça para ter calma. Eu já estou calma! – A garota anunciou, numa voz claramente destemperada.
- Eu não ia pedir.
- Como você pode agir com essa frieza, Lupin? Quando sabe o quão falho está sendo em cumprir o seu dever?!
- Sei que você vai ser razoável e me ouvir.
- A menos que você tenha uma explicação muito convincente para o que está acontecendo aí dentro, e eu sei que você não tem, não há nada pra ouvir, Remus! A única coisa que eu tenho a fazer é atravessar essa sala comunal e contar o que os seus amigos estão aprontando para a diretora da nossa casa, como todo bom monitor deveria fazer. Porém, parece que nem todos fazem, não é?
- Não me dê esse olhar, Lily.
- Você está sendo conivente com essa barbaridade, Remus! – O timbre recriminatório dela era agudíssimo.
- Eu e todos os monitores dos demais anos.
- Não mude de assunto!
- Não estou mudando! O que eu estou dizendo é que a culpa não é minha.
- É claro que não é! Qualquer idiota não precisaria nem pensar pra saber que isso é coisa do Potter e do Black.
- O que eu estava querendo dizer, se você me permite, é que todos os outros monitores concordaram tacitamente em deixar as coisas como estão, Lily. Enquanto tudo estiver sob controle, não precisamos envolver a McGonagall.
- Você chama aquilo de “sob controle”? Porque isso não foi a mesma coisa que eu vi. Me pareceu que vocês estavam infringindo pelo menos umas 200 regras. AO MESMO TEMPO!
- Algumas regras são bastante obsoletas.
- Todas existem por uma razão.
- E que tal “153. Proibido comer pêssegos na beira do lago durante o mês de junho”? – Os marotos haviam passado uma longa tarde rindo de regras como aquela, quando Remus recebera o manual de monitores.
- Se há uma proibição, estou certa de que é pra nos proteger ou proteger a estrutura da escola.
- Uau, Hogwarts realmente vai ser destruída por conta de uma festinha depois de estar de pé há meio milhão de anos!
- Festinha? Tem umas 60 pessoas naquele quarto, Remus!
- Todas convivendo harmonicamente e dispostas a cooperar. Nada vai sair do controle, Lily. Nunca saiu antes.
- Antes? – A expressão dela fez com que o rapaz se arrependesse terrivelmente de ter deixado aquilo escapar. – Você não está querendo dizer que já tiveram outras festas como essa, está?
- Não! Eu... Eu estava falando das outras coisas que o James e o Sirius fizeram.
- Ah, claro! CLARO! – Ela caminhava em círculos no corredor. - É tudo sobre esses irresponsáveis, desmiolados e imprudentes! Vamos esperar que eles façam uma barbaridade sem conserto para pará-los! Como vocês todos conseguem agir com tamanha bajulação e tratá-los como se fossem gênios?
- Porque eles são!
Remus estendeu o braço e abriu a porta, mostrando a festa para a garota. Apesar de a animação ser visível na pista de dança, nenhum som chegava até eles. Puxou delicadamente os ombros dela pra que uma das orelhas cruzasse a soleira, captando o som estrondoso. Voltou a fechar a porta, depois de ter provado seu ponto.
- Eles são irresponsáveis, Lupin! E estão descumprindo o regulamento. Precisam ser punidos!
- São adolescentes, Lily! – Ele abriu os braços num gesto de complacência.
- Eu também, mas não fico agindo como uma delinquente!
- Eles só querem se divertir! Não tem nada de errado nisso. Você deveria tentar um pouco.
- Eu? Eu? – A ruiva soou ofendida. - O que você sugere, Remus? Que eu largue tudo e me junte a eles?
- Se você quiser, vai ser ótimo! Mas poderia tentar relaxar um pouco, pra começar. Só deixar as coisas como estão.
- Isso é ridículo!
- Ok, ótimo. Então vai! Corre pra contar pra McGonall e ferrar com a vida de todo mundo! Vai fazer as pessoas passarem a te adorar, Lily. – Ironizou, cruzando os braços e se apoiando na parede.
- Está dizendo que as pessoas não gostam de mim? – Ainda que ela estivesse visivelmente irritada, Lupin pode ouvir o tom magoado ao fundo da pergunta.
Remus respirou fundo, encostando a cabeça na parede e vagando pelo teto com o olhar. Lily Evans conseguia criar sentimentos misturados dentro dele. Tudo que queria agora era mandar ela se ferrar, ao mesmo tempo em que queria ajudá-la. Nunca fora exatamente contrário a ela, como seus amigos eram. Mas por causa da influência deles, tampouco se aproximara muito, além das interações inevitáveis durante as aulas. Contudo, desde que haviam se tornado monitores, ele havia se permitido enxergar por trás do véu de estorvo que os outros haviam colocado sobre a garota.
Lily era uma boa pessoa, com um coração gentil e muito nobre. Mas, não sabia como mostrar isso. Não conseguia tirar de si a carga de precisar ser a garota bem-comportada e tremendamente inteligente, ainda que fosse muito mais do que isso. Era espirituosa, perspicaz e muito solícita, em algum lugar, lá no fundo, que ela ocultava abaixo da imagem inflexível e pudica.
- Estou dizendo que as pessoas têm medo de ficar perto de você, Lily! E nem precisavam, sabe? Você é uma ótima companhia! Mas ninguém além da Marlene consegue enxergar isso porque você não deixa! Está tão preocupada em fazer tudo de forma sensata que não consegue nem só, sei lá, bater um papo sem propósito no meio do dia. A vida não é só sobre cumprir o seu cronograma de estudos, Lily...
- É claro que não!
- Então não faça parecer como se fosse. – Enfiou as mãos nos bolsos, olhando bem dentro dos intensos olhos verdes dela. - Viva um pouco! Desde que o mundo é mundo os adolescentes só querem aproveitar um pouco antes que a vida fique rígida e chata demais! Você precisa tentar ou a vida vai passar e você nem vai ver.
Lily parecia ter levado um soco no estômago. Quase se podia ver a mente dela lutando, argumentos opostos travando uma silenciosa batalha, sem que ela saísse do lugar. Arrumou os fios de cabelos que haviam escapado do rabo de cavalo, ganhando tempo.
- Só... Deixa pra lá, sabe? – Incentivou, num tom de voz baixo. – Se você não está confortável em fazer parte da festa, tudo bem. Volta pro dormitório e finge que nem viu. Eu te prometo, te juro, que amanhã de manhã vai estar tudo de volta aos seus devidos lugares.
- Não pensem que me fizeram de idiota. – Concluiu finalmente, com a voz firme. – Eu simplesmente sei que não tem como isso acabar bem, Remus! E vou estar assistindo de camarote vocês se ferrarem, sem que eu precise mover um dedo pra isso.
Não se delongou mais um instante que fosse. A ruiva deu as costas e saiu, descendo as escadas e deixando pra trás o burburinho de uma festa em plena ascensão pela madrugada, em que ninguém sequer se recordava que ela havia estado.
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Os raios de sol avançavam pela janela, atravessando os cabelos da moça, que assumiam um tom de loiro claríssimo ao ser banhados pela luz. Os lábios rosados estavam pousados na borda da xícara, sorvendo o chá quente por trás das nuvens de vapor. Ela elevou os olhos e abriu um sorriso afetuoso, percebendo que ele a fitava. Abriu a lata de biscoitos amanteigados, afastando o papel de seda, e ofereceu a ela. Os dedos longos vasculharam a lata, antes de escolher um dos poucos biscoitos sem cobertura de açúcar. Mordeu o doce com elegância, pousando a outra metade sobre o pires. James também se serviu, molhando o biscoito no chá antes de enfiá-lo inteiro na boca. A loira deu uma risadinha, caçoando da falta de polidez dele. Muito mais do que o gole de chá que tomou em seguida, aquela risada esquentou o peito do rapaz.
A lata de biscoitos finos tinha sido contrabandeada da despensa de sua casa, mas quando ele arquitetou uma cena exatamente como aquela em sua mente, não a tinha desenhado tão bela. Narcissa era desesperadoramente bonita, mesmo tão cedo da manhã. Ele, por outro lado, estava inchado e com enormes círculos escuros sob os olhos. Dormira pouco menos de duas horas entre o fim da festa e o momento em que abandonou a calidez da cama pra se preparar para encontrá-la. Seus amigos dormiam o sono pesado e abençoado dos bêbados, que certamente se prolongaria até o almoço. Por conhecê-los tão bem é que havia marcado com Narcissa naquele sábado, enquanto quase todo o castelo ainda estava sob o imaculado silêncio do alvorecer. Não precisar arrumar uma desculpa compensaria o enforcamento do descanso. O sacrifício valeria a pena, para estar com ela.
- Você está tão quieto...
- Dor de cabeça. – Massageou a própria testa, sentindo-a latejar.
- Parece ser um caso de uma doença terrível, conhecida como “ressaca de morrer”. – Ela sustentava um sorriso de provocação por trás da xícara.
- Eu não sei de onde você tirou essa ideia, Cissa... – Devolveu o sorriso, colocando a xícara de lado e jogando o corpo para trás, para se deitar no tapete.
Tinham escolhido como abrigo a sala mais distante possível das casas dos dois e do Salão Principal, para evitar um esbarrão indesejado com algum conhecido que tivesse saído cedo da cama. Felizmente, a lareira ainda fulgurava e só precisaram reavivar as chamas, o que Narcissa resolvera enquanto ele dera um pulo na cozinha. Aqueles elfos pareciam nunca dormir e ficavam sempre satisfeitíssimos em entupir os alunos de comida a qualquer hora do dia. Graças a eles, tomavam agora o chá, aconchegados no tapete estendido por trás do balcão, que os ocultaria caso alguém abrisse a porta.
- Como foi a festa? Você parece ter se divertido! – A garota comia um segundo biscoito aos bocadinhos, intercalando com goles do chá.
- Boa, eu acho... Como qualquer festa. A pessoa com quem eu realmente queria dançar não estava lá, então perdeu um pouco a graça.
- Fofoca quentíssima: Ela já estava na cama às 21h. – Deu uma risadinha e pôs a xícara sobre o pires, deslizando os dois até a bandeja.
Deitou-se ao seu lado, debruçando-se sobre o tapete e apoiando-se nos cotovelos, o que permitia que continuassem se olhando. Uma das mãos dela envolveu seu rosto e o acariciou com o polegar. Tirou em seguida seus óculos, para logo trazer os lábios aos seus. Tinham o gosto adocicado do chá e ainda estavam mornos. A boca úmida desbravava a sua, lentamente experimentando cada pedaço. Não queriam ter pressa e nem precisavam. James a envolveu com os braços, sentindo que estava fria. Foi a deixa para que Narcissa aconchegasse mais o corpo ao seu, afundando-se nele.
Deixaram que o tempo corresse sem reparar, perdendo-se nos pormenores um do outro. O garoto começara a sentir os lábios levemente adormecidos quando ela se afastou, o rosto pairando a poucos centímetros dos dele. Sem as lentes dos óculos e de tão perto, ele a via em cada detalhe, o teto desfocado por trás dos cabelos loiros. Os olhos azulados cintilavam curiosos, analisando seus movimentos e, quiçá, seus pensamentos.
James não era muito poético, mas aquela luminosidade dela despertava nele dezenas de versos e melodias, para acudi-lo na tarefa de transcrevê-la para o mundano. Narcissa, em consonância, a quem uma busca incessante pela razão conduzia todas a ações, ao lado dele deixava-se perder no estar e sentir requerido para viver cada instante. Acariciou o queixo da garota, descendo os dedos até o pescoço esguio para tocar o pingente de estrelinha que ela carregava. A moça sorriu, beijando-lhe a ponta dos dedos. Depois, virou o tronco, deitando a cabeça sobre seu ombro.
- Cissa... Eu estive pensando. – Refletiu, escolhendo as melhores palavras ao desfazer o silêncio. – Os meus amigos. Eles não vão passar muito tempo sem se questionar por que eu não estou saindo com ninguém. O Remus, ele... Já andou me sondando.
- Eu não posso me expor, James! – A garota estava séria de repente. - Você tem que compreender... O Sirius é meu primo! E se a minha família sequer desconfiar do que está acontecendo entre a gente, eu...
- Não! Me escuta! Eu não estou falando em contar pra eles. É justamente o contrário! É sobre fazer alguma coisa para que eles não desconfiem. – Deu espaço para algum comentário da parte dela, antes de continuar. – Eu não posso simplesmente me tornar um celibatário da noite pro dia, eles vão sacar em pouco tempo que estou escondendo algo. Então, pensei em fingir que estava interessado em alguém. Alguém que não me daria bola de jeito nenhum. Uma fachada pra esconder nós dois... – Virou a cabeça, para olhar de frente pra ela. – Você conhece a Lily Evans?
- Aquela sem sal que vive sempre rondando o Severus? - A expressão de nojo no rosto de Narcissa lhe provocou uma gargalhada. Era exatamente essa reação que ele estava esperando. – Mas porque diabos você estaria interessado por ela?
- Ela me odeia com todas as forças! Digamos que eu e o Sirius não temos exatamente o tipo de atitudes que ela aprova. Seria impossível que ela sequer cogitasse a possibilidade de me dar uma chance, não importa o quanto eu insistisse!
- Isso eu entendi. O que não me parece plausível é que você desenvolva uma paixonite por ela. Se vai tentar enganar os seus amigos e eles te conhecem tão bem como você diz, não dá pra criar um plano cheio de furos. Por que você se interessaria por essa garota?
- Ela não é feia, afinal. Além disso, está em todas as minhas classes. Poderia ser real. – Enfiou o óculos no rosto, de qualquer jeito.
- Exceto pelo fato de que se você se cansasse de adulá-la, poderia só olhar pro lado e 7 ou 8 garotinhas viriam correndo sem pestanejar. – Ela se sentou subitamente, afastando-se para escorar as costas no balcão. Os olhos faiscavam e ela mordiscava o lábio inferior, sinais claros de que estava conjecturando. - Não seja inocente, James! Eles não iam acreditar que você está abdicando disso por causa de alguém insossa como ela. Principalmente se vocês sempre se desentenderam, como você diz. O Sirius ia farejar essa farsa de longe! Meu primo tem muitos defeitos, mas ele é esperto. Até mais do que eu gostaria.
- Então o que você sugere?
- Só tem uma coisa que fala mais alto no Sirius do que a sagacidade: A certeza de que é um gênio incompreendido.
- Uau, isso foi rude! – Ergueu o tronco, se apoiando nos cotovelos para mirá-la melhor.
- Não banque o sensível, você sabe que é verdade! Ele adora interpretar a ovelha negra da família só pela sensação de exclusividade. Pra isso funcionar... – Apertou o lábio de baixo entre o polegar e o indicador, com o olhar perdido no horizonte. - Não tem outro jeito, temos que jogar com aquele ego. Meu primo precisa sentir que foi ideia dele! A gente precisa pensar numa forma de parecer que ele está orquestrando tudo.
- Mas ele detesta a Evans também! Jamais ia me arremessar pra cima dela.
- E se... Merlin, não acredito que vou propor a coisa mais clichê do mundo, mas... E se vocês fizessem uma aposta?
- Aposta? Sobre conquistá-la? Ele nunca iria se meter nessa.
- Não sobre os dois tentarem conquistá-la. Sobre VOCÊ tentar.
- E como diabos eu iria fazer ele pensar que foi ideia dele, Cissa? Não vamos subestimá-lo, foi o que você falou.
- Eu sei... – Ela arranhou a madeira do balcão com as pontas das unhas, um dedo depois do outro, seguindo um padrão. Aquilo estava deixando James desnecessariamente nervoso. – Espere vocês estarem no tédio, jogando papo fora. Um deles vai comentar casualmente sobre a sua recente falta de apetite. – Colocou os cabelos atrás da orelha, arrebatada pela ideia. – E então dê uma risadinha sacana e se gabe, apostando que ao contrário deles, poderia conquistar qualquer garota dessa escola, se você quisesse. Eles vão rir, zombar de você, duvidar. Deixe que façam isso. Depois, bagunce esses cabelos, como você sempre faz, e peça pra eles dizerem um nome. Uma porra de um nome.
- E quando eles disserem?
- Aí, mon chéri, xeque-mate. – A loira ostentava um sorriso cheio de malícia.
- E se não for o dela?
- Não precisa ser. É até melhor que não seja! Por que assim você vai poder dizer: “Isso é o melhor que vocês conseguem fazer? Moleza! Eu a conquistaria de olhos fechados”. Faça uma cara de desentendido e sugira: “Eu tenho uma ideia melhor! E se eu” ...
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- ... Sair com a Lily Evans?
- É o que? – Almofadinhas explodiu numa gargalhada, jogando o corpo no encosto de um dos sofás da sala comunal, em que tinham se instalado pra terminar de última hora os deveres acumulados de História da magia.
- Você não pode estar falando sério! – Peter estava vermelho de tanto rir.
- Não preciso dizer que sou contrário a esse ideia, não é? – Aluado cobriu o rosto com a mão, apertando os olhos.
- Vão rindo! Enquanto podem... Seus cuzões! Eu vou arrancar esses sorrisos da cara de vocês.
- E vai colocar o que no lugar, meu amado Pontinhas? Lágrimas de pena ou risadinhas nervosas de vergonha alheia? – Sirius enfiou um cigarro na boca.
- É bom preparar a bunda, Pontas. Ela vai te chutar sem dó! – Rabicho se recostou no sofá, com a cara ainda banhada pelo riso.
- Ninguém vai chutar ninguém porque isso não vai acontecer. Chega dessa babaquice!
- Não fode, Aluado! É só uma aposta saudável entre amigos.
- Dois machões escrotos apostando às custas dos sentimentos de uma garota não tem nada de saudável, Almofadinhas.
- Ele não vai pedi-la em casamento, meu querido! Só vai chamá-la pra sair, seu defensor incorruptível do clube das chatas do caralho. – Tragou lentamente, considerando. – Além disso, aquela santinha não vai aceitar nunca sair com o Pontas. Nem que ele oferecesse um milhão de galeões pra ela desperdiçar comprando todos os livros do mundo! – Sirius virou-se na sua direção, apontando pra ele o cigarro que sustentava entre o indicador e o dedo médio. – Isso é outra coisa: Ela não pode saber nada da aposta. E você não pode chantageá-la e nem oferecer qualquer coisa em troca do encontro.
- Perfeito. Sem subterfúgios, meu camarada. Só o bom e velho charme dos Potter!
- Que é insipiente. – Lupin resmungou.
- Vamos dar créditos pro Pontas, ele tem talento! – Rabicho interveio.
- Obrigada, Rabicho! Você é meu único amigo de verdade, cara.
- Aqui estão os termos: Você tem que conseguir levar Lily Evans pra sair, de livre e espontânea vontade, sem que ela esteja sendo enganada de nenhuma forma, num encontro romântico, só vocês dois. Não pode haver nenhum tipo de compensação por isso. E ela nunca poderá saber que existia uma aposta envolvida, pelo contrário, tem que acreditar piamente que você está interessado por ela. – Almofadinhas bateu as cinzas do cigarro, parando para elaborar o restante.
- Quanto tempo eu tenho? – James dissimulou.
- Deixa-me ver... – Soltou a fumaça no ar, afastando os lábios finos. – Que tal até a gente morrer? – Deu aquela risada seca, meio latida.
- Não seja leviano, Almofadinhas! O tempo pode mudar as coisas. – Aluado tomou um gole de café, a noite terminando os deveres seria longa e depois eles teriam muitos trabalhos pra adiantar até a lua cheia.
- Claro, claro! Daqui até lá, o Pontas e eu podemos ser os únicos homens do mundo. E aí quem sabe, ela não tenha dúvidas de qual de nós escolher.
- Que tal até a gente terminar Hogwarts? Depois de me formar, eu nunca mais quero ser surpreendido por aqueles olhos me repreendendo. – Pettegrew sugeriu, mordendo a ponta da pena.
- Pode funcionar! Então, até a gente se formar, consiga um encontro com Lily Evans. UM! E se você fizer isso...
- Você vai fazer mais uma dessas tatuagens. – Pensou um pouco. Se ia mesmo entrar de cabeça naquela mentira, devia tirar o máximo possível de vantagem dessa história. - No peito! Em minha homenagem.
- Feito! – Apertaram as mãos, selando o acordo.
- E se ele perder? – A curiosidade brilhava no olhar de Rabicho.
- O mesmo. – Sirius ergueu a sobrancelha, com um sorriso que indicava o quão ansioso estava pra ver a imaculada pele de James ser tingida.
- Vocês vão precisar entrar na trama também. Não vou poder me envolver com ninguém. Tenho que parecer um bom rapaz, se eu quiser que ela acredite mesmo em mim!
- Isso pode te custar ficar sozinho o resto dos seus dias em Hogwarts, Pontas.
- Ele vai desistir antes disso, Rabicho. – Um revirar de olhos característico foi dado por Black.
- Eu não vou desistir! – Trancou a mandíbula. – Eu não entro em nada pra perder, meu querido Almofadinhas. Só preciso fazer ela acreditar que eu estou apaixonado de verdade...
- E se você se apaixonar? – Peter refletiu, um semblante levemente preocupado tomando sua face.
- Eu adoro seu senso de humor, Rabicho! – James deu uma risada alta, chamando a atenção de um grupo de segundanistas que estava por perto.
- E se ELA se apaixonar? – Remus de fato parecia preocupado, imaginando como aquela mentira poderia destroçar o coração frágil de uma garota tímida.
- Relaxa, Aluado! Isso nunca vai acontecer. – Sirius tranquilizou o amigo, apagando o cigarro contra o cinzeiro. – Quem te disse que aquela megera tem coração?
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