Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
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Neve e tempestade

Abaixou os pés, ouvindo o reconfortante barulho que a água fazia ao chacoalhar com seus movimentos. Imergiu, encolhendo-se no fundo da banheira e deixando-se cobrir completamente, imaginando tudo desaparecer. Sob a água, não havia nada que pudesse atormentá-la. As bolhas saltavam de seu nariz em direção ao infinito. Nada mais do que pequenas bolhas de ar e, ainda assim, tinham liberdade. Podiam ir e vir quando desejassem. Podiam abrir as asas e abandonar seu corpo para ganhar o mundo em toda a sua amplitude. Ela não.

Andrômeda estava presa àquela mansão. Acorrentada aos preceitos e tradições. Enredada até os últimos fios de cabelo ao fardo de ser uma Black. No dia seguinte, Bellatrix estaria noiva e logo seria sua vez. Seu pai havia deixado bem claro que não seria tão condescendente com ela como fora com sua irmã. A decisão viria de cima, ela sabia, e rápido. Não poderia escolher o homem a quem estaria algemada pelo resto da vida e cujas tradições familiares seria forçada a respeitar. Para ela, uma mulher, restava apenas uma alternativa: A doce anuência. Teria que baixar a cabeça ao que Cygnus decidisse para o seu futuro e tornar-se uma fêmea reprodutora para trazer ao mundo os filhos que perpetuariam o sobrenome de seu orgulhoso marido. Gastaria os próximos anos a rezar para que dela não nascessem mulheres apenas para herdar destino semelhante.

Logo, sua identidade, toda a sua inteligência e as milhares de horas que se dedicara ao estudo desapareceriam por trás do muro de uma outra mansão, exatamente como aquela, sendo apagados de sua memória ao longo dos anos. Criar filhos não exigiria dela grande habilidade mágica. Ser casada com um daqueles ricos garotos puro-sangue também não solicitaria muita autenticidade. Ela se tornaria, em pouco tempo, mais uma das dondocas que lhe cercavam. Da Andrômeda que existira até aqui, restaria muito pouco. Suas paixões, anseios e sonhos... Quem se importaria com tudo aquilo que borbulhava em seu interior?

Desde que ela ficasse quietinha, cumprisse suas obrigações e posasse para as fotos de família, seus pais haviam permitido que ela sonhasse, admitindo que a filha devaneasse com uma vida de aventuras enquanto a mantinham presa entre as grossas paredes da mansão que a separavam do mundo. Que mal poderia fazer deixar uma menina usar a imaginação? Era só uma criança, afinal. Agora, encolhida na banheira e tateando os próprios dedos enrugados, Andrômeda gostaria que eles não o tivessem feito. Por duas décadas, dera asas às suas fantasias. Havia sonhado com sua independência, com os grandes feitos que seria capaz de alcançar e com a imensidão do mundo que lhe aguardava, apenas para chegar aquele momento, em que tudo estava prestes a ser arrancando de suas mãos.

Doze badaladas soaram, uma atrás da outra, o ruído do cuco atravessando o silêncio que tomara conta da casa. Ultimamente, o relógio passara a lhe atordoar. O tiquetaquear era um lembrete de que os dias estavam se esgotando, mesmo que o prazo final fosse ainda desconhecido. Como finos grãos de areia, seus últimos momentos como Andrômeda Black iam sendo transpostos para o outro lado da ampulheta, transformando-se em passado, até que ela já não fosse quem sempre havia sido. Sentia-se como uma andorinha, aprontando-se para deixar tudo pra trás e partir em direção uma longa viagem. Mas não porque desejava mudar de ares ou partir em busca de outro verão. Preparava-se para abandonar tudo porque alguém lhe dissera que deveria ser assim.

 Mastigou o interior da bochecha, transmutando em dor física a aflição que lhe consumia. Se pudesse, gritaria, expelindo sob o véu da noite o emaranhado de angústias que revolviam seu peito. Não podia. Havia aprendido desde muito cedo que deveriam permanecer sempre bem guardados, escondidos de todos. “Sua intimidade é o seu tesouro”, Druella havia repetido uma vez atrás da outra.

Ainda que não tivesse incorporado esse ensinamento tão a fundo quanto Narcissa, ela havia sido moldada para manter o recato, como toda boa moça deveria fazer. Passara a vida inteira perseguindo aquilo se esperava dela. Se havia algo que Andrômeda tinha se dedicado a fazer, era aprender cada uma dessas pequenas ordens, disfarçadas de ensinamentos, que sua família impunha. Sentiu a água pesar sobre seu peito, a angústia crescendo à medida que se ampliava o tempo que estava imersa. O ar lhe faltava e ela ergueu subitamente o tronco, ofegando e espalhando dezenas de gotas pelo chão do banheiro. Estava sendo sufocada, não pela água, mas pelas regras que lhe eram impostas pelos outros.

Não conseguiria dizer quando se dera a inversão, mas algo havia mudado dentro dela. Não era mais a mesma. Vivera uma vida inteira para perseguir os preceitos que lhe eram impostos e atender seus deveres. Há algum tempo já não se sentia tão inclinada a seguir o que lhe era determinado. Em algum momento, havia se percebido cansada de jogar seguindo as regras do jogo de outras pessoas. Subitamente, os questionamentos que antes viviam à margem, começaram a ocupar o centro de seus pensamentos: “Por que isso?”, “Qual a causa daquilo?”. A tradição já não lhe parecia uma justificativa aceitável para legitimar escolhas e comportamentos que lhe eram apontados como apropriados.

Certamente alguém definira cada uma daquelas regras em algum momento. E talvez, sob as circunstâncias que cercavam aquele instante, elas fizessem sentido. Agora, eram apenas ordens vazias, decisões retrógradas que os mantinham estagnados no mesmo lugar, geração após geração. Estava exausta de aceitar limites só porque alguém havia lhe dito que deveria ser assim. Sabia que a capacidade de mudar grande parte das coisas estava muito acima dela. Mas como saber quais linhas poderiam ser cruzadas para criar novos limites? Como iniciar novas tradições mantendo-se na inércia sem questionar as antigas? Algumas coisas ela sabia que jamais seria capaz de mudar. Entretanto, sem tentar, nunca saberia exatamente quais.

Deu-se conta de que a água já estava fria. Levantou-se, abandonando a banheira. Secou a pele, sentindo a tépida maciez da toalha envolver seu corpo. Deslizou a seda suave pelos braços, vestindo a camisola e, logo em seguida, o robe, de um profundo tom de azul-marinho, que fazia conjunto com a primeira peça. Passou a escova pelos cabelos finos, desembaraçando-os num instante. Acenando a varinha, secou a banheira e apagou a luz, deixando o ambiente úmido para trás.

No corredor, o silêncio era mortal e a escuridão absoluta. Caminhou até o quarto, mas conteve-se diante da porta. Seus dedos envolviam a maçaneta. Todavia, ela não seguiu seu ímpeto de abri-la. Ao contrário, dirigiu-se às escadas, em passos tão suaves que não chegavam a macular a quietude que se abatera sobre a mansão. Não teve dificuldades em chegar aonde desejava, apesar das trevas que envolviam o corredor. Seus pés conheciam bem o caminho. O retumbar de seu coração contra o peito enchia seus ouvidos.

Ainda que o tempo nublado impedisse qualquer raio de luar de atravessar a janela, os contornos em formato de galhos reluziam sobre a tapeçaria. Não conseguiu evitar que seus olhos perseguissem os espaços chamuscados. Canto superior direito, número 01: Isla Black, casou-se com um nascido-trouxa. Na geração seguinte, à esquerda, número 02: Phineas Black, defensor dos direitos dos trouxas. Ao centro, número 03: Marius Black, deserdado por ser um aborto. Na mesma geração, à direita, número 04: Cedrella Black, casada com um traidor de sangue.

Conhecia cada um daqueles contornos como a palma de sua mão. Murmurou contra o silêncio: Bellatrix, Andrômeda, Narcissa, Sirius e Regulus. Ainda que familiares, aqueles nomes lhe pareceram artificiais. Sobre eles, depositava-se a esperança de ver a família prosperar e manter-se soberana. Os garotos, sobretudo, tinham a responsabilidade de gerar descendentes dignos e fortes, perpetuando o sobrenome dos Black. Delas esperava-se que preservassem o puro sangue mágico da família através de seus herdeiros.

Um clarão cortou a noite e ela contou os segundos baixinho, esperando que a forte luz fosse sucedida pelo estrondo do trovão. 12 segundos. Sobre a mansão, o céu ainda permanecia seco, embora ela não soubesse por mais quanto tempo. Fitou seu próprio nome brilhando na tapeçaria e sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Fazer parte daquilo tinha seu preço. Cada uma daqueles nomes, que se sucederam para que ela estivesse ali, havia escolhido pagar por ele. Para alguns certamente tinha sido mais fácil. Para outros, nem tanto.  Ansiava por conhecer os segredos escondidos, as vontades reprimidas e os sonhos abandonados. Talvez assim conseguisse reencontrar motivação para sufocar a própria voz.

Desde muito cedo, compreendera que o afeto não lhe seria dado a troca de nada e que seu valor precisava ser continuamente provado. Primeiro, esperava-se que ela manifestasse magia. Depois, que fosse selecionada para a Sonserina. Logo, um excelente desempenho escolar já não era suficiente, precisava ser escolhida monitora e então, era necessário tirar notas impecáveis nos NOMS e NIEMS. Desde a formatura, precisava ser vista constantemente e apreciada em beleza e porte pela alta sociedade, cunhando um casamento de prestígio antes mesmo de sequer poder buscar um noivo, enquanto Bellatrix não tomava uma decisão. Agora, deveria casar-se e trazer ao mundo filhos que abraçassem essa mesma trajetória.

Ela havia seguido tudo que lhe fora indicado com uma obediência cega, porque cada passo na direção contrária a fazia sentir que a afeição de sua família lhe escapava das mãos. Para os Black, o amor era dotado de braços que aprisionavam e olhos para vigiar. Deu-se conta disso apenas quando conheceu a Edward. Com ele, os braços destinavam-se apenas a confortar e proteger. Os olhares, dóceis e atentos, a acolher. Um calafrio lhe percorreu o corpo e ela se encolheu, como se pensar nele diante da tapeçaria fosse uma grande blasfêmia.

Ainda que seu cérebro insistisse para que ela retomasse à razão, sentia que era tarde demais para recuar ao estado de letargia em que havia vivido por tanto tempo. Não podia mais voltar a dormir e fingir que tudo estava bem. Abdicar de si mesma para ser amada por sua família era um preço muito alto. A vida inteira estivera com medo de perder o amor de seus pais e irmãs e ao fim, parecia que já o havia perdido de qualquer forma. Sentia-se a beira de um precipício, olhando para tudo que havia atrás de si e temerosa em abandonar sua segurança, mas incapaz de retornar sem tentar. Precisava colocar um dos pés pra fora e sentir o vazio abaixo de si. Não havia outro caminho que não desafiar a gravidade, em busca de um novo firmamento. Assustou-se com um segundo lampejo que inundou o cômodo e pôs-se novamente a contar. 7 segundos. A tempestade estava se aproximando, num anúncio de que já era hora de saltar.

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Flocos de neve. Pratarias bem polidas. Laços feitos em fitas de cetim. Invernos prateados. Tortas de cereja fumegando. Saias rodadas. Sussurros em francês. Pensou em cada uma das suas coisas favoritas, deixando que sua mente fosse povoada por texturas, sabores e aromas. Nada daquilo foi capaz de afastar o pesar que lhe assolava o peito.

A chuva açoitava as janelas e o telhado com espantosa força. Os relâmpagos e trovões castigavam a madrugada daquela véspera de Natal. O jantar ainda pesava em seu estômago, embora muitas horas já tivessem se passado. Ao som de mais um trovão, franziu as pálpebras, puxando as cobertas sobre sua cabeça. Ainda que a lareira luzisse, ela tremia, os dentes batendo sob os lábios gelados.

Estrelas. Mergulhar num lago bem gelado em um dia quente. O pomo sendo capturado numa partida de quadribol. Sorvete de morango. Sem sucesso, mais uma vez. Teve que admitir que não estava funcionando. Quando retornou para o quarto ao fim do jantar, a inquietude já lhe espreitava. Contudo, o despontar da tempestade é que a trouxera para esse estado de agonia.

Jogou os lençóis para o lado e levantou-se da cama. Jamais conseguiria dormir sozinha numa noite como aquela. Sem preocupar-se em vestir o robe, ganhou o corredor. Usou os nós dos dedos para dar duas pancadas contra a pesada porta de madeira, embora o estrondo de mais um trovão tenha abafado o som. Sem resposta, empurrou a porta e entrou. Foi até a cama em silêncio, erguendo as cobertas e enfiando-se debaixo delas.

- Você quer morrer, sua louca? – Bellatrix lhe apontava a varinha a um palmo do nariz.

- Eu não quero dormir sozinha, Bella. – Murmurou de forma quase inaudível.

- Está com medo dos trovões, irmãzinha? – Ela sorriu com escárnio, devolvendo a varinha ao seu lugar abaixo do travesseiro.

- É uma tempestade depois da primeira neve. – Sussurrou, sentindo o terror lhe arranhar por dentro. – Você sabe bem o que aconteceu da última vez.

- Isso foi há muito tempo, Cissy. - O semblante de Bellatrix se suavizou com a lembrança e ela acariciou o rosto da irmã.

Bellatrix estava certa, de fato tinha sido há muito tempo. Mas se cerasse os olhos Narcissa podia sentir a vibração daquela madrugada causando-lhe arrepios. Ela havia acabado de completar seis anos quando caiu sobre elas a tempestade de inverno a qual se referiam. Por sorte, noite semelhante não ocorrera desde então e Narcissa tinha escondido no fundo de sua alma aquela inquietante lembrança.

Estavam hospedados no Largo Grimmauld, preparando-se para dar as boas-vindas ao ano de 1964. Embora naquela época não tivesse um motivo para isso, o rugido dos trovões se combinara ao vazio amedrontador do quarto que tia Walburga lhe destinara e ela sentira um medo que lhe gelava o corpo inteiro. A casa estava cheia de hóspedes e sob a escuridão que preenchia os corredores, não conseguiu encontrar seus pais. Dominada pelo medo, vagou sem rumo, até encontrar por acaso, os aposentos de vovó Melania.

Ainda que aquela senhora não fosse de fato sua avó, as garotas haviam sido ensinadas a trata-la como tal. A mãe de tio Órion era refinada e podia se portar de forma imponente, se assim fosse requisitado. Contudo, no convívio familiar, era doce como a figura da avó que imperava no imaginário popular, ao contrário de sua verdadeira avó Irma, autoritária e pouco afeita a crianças. Dona de um sorriso acolhedor, Melania soubera cativar a amizade das três garotas desde a mais tenra infância, embora dedicasse especial atenção à Narcissa, a quem chamava de “minha bonequinha”. Mesmo que possuíssem um humor convergente e gostos similares, não havia algo que pudesse explicar a afeição que se desenvolvera entre elas.

Aliviada e satisfeita, caminhou furtivamente até a cama, com o corpinho estremecendo a cada trovoada. Sob a penumbra, subiu no colchão e aninhou-se contra o corpo macio da anciã. Vovó Melania tinha um reconfortante cheiro de alfazema e Narcissa não hesitou em esconder os dedinhos sob suas axilas, aquecendo-se e sentindo-se finalmente segura para abandonar-se ao sono. Quando acordou, na manhã seguinte, a cama estava completamente gelada e sua avó estava morta.

Aquela foi a última vez que se permitiu chorar em público, aterrorizada pela perspectiva de ter atraído a morte para o quarto, enquanto os adultos corriam de um lado para o outro, em trâmites apressados, sem dar a ela qualquer consolo. O acalento de Druella viera seguido de uma repreensão: Garotas grandes não choravam como bebês na frente de todos. Aos seis anos, ela era agora uma garota grande.

Jamais lhe abandonaram as lembranças do olhar meigo e da maciez do abraço daquela avó que não era sua por direito, mas que fora conquistada por afeto. Todavia, a lembrança de sua partida ficaria para sempre marcado em sua alma. Não só o pavor de acordar aninhada ao toque frio de um cadáver, mas o aterrorizante ressoar dos trovões a persegui-la, avisando-lhe da sombra que a cobriria em breve.

- Não precisa ter medo, Cissy. Você já é bem crescidinha, não é? Não deveria se apavorar com a chuva.

- Não tenho medo da chuva, mas de que ela seja um anúncio do que está por vir. – Soltou um suspiro, aconchegando o rosto no pescoço da mais velha. - O que eu vou fazer quando você for embora? – Sussurrou, incerta de que a irmã receberia bem a pergunta.

- Ainda terá sua querida e emotiva Andrômeda para babar, irmãzinha. – Mesmo que desconfortável, Bellatrix deixou que seus braços envolvessem o corpo fino da loira, apertando-a contra o seu de forma carinhosa.

- Não por muito tempo. Papai vai casá-la antes que possamos dizer noi...

- Sabia que estavam juntas! - Num giro rápido da maçaneta, Andrômeda abriu a porta do quarto sem bater. Fechou-a atrás de si, resoluta, ignorando as reclamações de Bellatrix.

- Merlin! O conceito de privacidade foi extinto e eu não estou sabendo? O que é, dessa vez? Também está apavorada com os trovões, Andy?

- Não, mas sou empática o suficiente para imaginar que a Cissy pudesse estar. – Tirou o robe e o pendurou no cabide.

- Se isso é uma festa, então, bebamos! Andy, tem uma garrafa de uísque de fogo na segunda prateleira. Pode alcança-la pra mim, por favor? – Bellatrix sentou-se na cama, abrindo a gaveta para puxar um cigarro.

- Isso é hora de beber, Bella? – A loira afundou-se nos cobertores, agora que a calidez do corpo da irmã se distanciara.

- Que inferno de boa moça você se tornou, Cissy! – Revirou os olhos, soltando a fumaça pelo nariz. – Tudo bem, sem bebida, senhorita perfeição.

- Ela é nosso anjinho. – Andrômeda riu de forma irônica, deitando-se ao lado da caçula e beijando-lhe os cabelos. – Não vê que ela está preocupada, Bella? Veja esse rostinho delicado maculado pelo medo! – Estendendo o dedo, delineou a curvatura do nariz arrebitado da outra, iluminado pelo clarão que veio da janela. – O que te aflige, meu doce?

O barulho estrondoso causado pela tempestade preencheu a pergunta que estava no ar e Narcissa encolhe-se junto à outra.

- Não quero ficar sem vocês... – Admitiu com um fio de voz. – Amanhã, tudo vai mudar. Bella vai ser noiva e em um piscar de olhos, se tornará a pomposa Sra. Lestrange. E você também não deve tardar! E eu retorno sozinha, pra Hogwarts. E quando estiver de volta, só vai me restar o vazio dessa mansão.

- Demônio de garota dramática! Nós não vamos morrer ainda, só vamos deixar um mesmo cara enfiar o pau na gente até nos engravidar. Ah, e trocar de sobrenome para que todos saibam que ele está fazendo isso.

- Devo dizer que eu aceitaria a primeira opção com menos relutância. – Andrômeda deixou escapar, acariciando o braço da irmã. – Apesar da brutalidade, tenho que admitir que nossa meiguíssima irmã está certa, Cissy. O casamento só vai fazer com que deixemos as mãos de papai e nos tornemos propriedade de um outro homem.

- Por Merlin, gostaria que vocês pensassem só um pouquinho na possibilidade de amarem os maridos de vocês!

Bellatrix gargalhou sem controle, jogando a cabeça para trás. Os ombros moviam-se no mesmo ritmo em que a risada lhe escapava pelos lábios. Andrômeda a seguiu, deixando-se inebriar pelo riso, o ventre tremendo contra o corpo de Narcissa.

- Talvez se papai me casasse com um velho barrigudo, eu cogitaria a possibilidade. Mas esses rapazes emplumados que só amam o próprio reflexo no espelho? – Brincou, fazendo cócegas na barriga da mais nova.

- Sabe por que ela está cheia desses discursos e baboseiras de amor, Andy? – Bellatrix arqueou a sobrancelha, tragando mais uma vez.

- Huuuuum! Tem alguma coisa que eu não estou sabendo??? – O coração de Narcissa saltou no peito, acelerando-se subitamente pelo medo de ter sido pega. Como Bellatrix poderia saber?

- Nosso priminho Evan pareceu bem capaz de afastar os olhos do próprio umbigo para olhar pra ela.

- É verdade!! – A lembrança fez com que Andrômeda arregalasse os olhos. - Cissy, você nunca nos disse nada!

- Porque não tem o que dizer! Que idiotas vocês são! Não tem nada entre a gente.

- Nada mesmo? – Os olhos da mais velha se estreitaram, fitando diretamente a írises azuis de Narcissa, que a encarou de volta.  – Está ficando boa nisso, irmãzinha!

- Cansei se deixar vocês saberem o que eu penso. – Deu de ombros, fechando a mente até que a irmã parasse de tentar lê-la.

- Mas ele beijou seu rosto com tanta naturalidade... E na frente da mamãe!! – Andy sorria, empolgada.

- Nós somos amigos. Cursamos o mesmo ano e somos da mesma casa. Não ajam como se vocês não soubessem disso!

- Pareceu que ele queria ser mais do que seu amigo.

- Por Merlin, Bella!

- Vamos, admita! Nós não somos estúpidas, Cissy.

- Se querem tanto saber, nós já saímos. – Revirou os olhos, bufando. - Mas foi há séculos e não significou nada!

- AHÁ! Sua cobra dissimulada!

- Você não pode dizer que não significou nada pra ele!! – Andrômeda cobriu a boca aberta com a mão.

- CÉUS! PAREM AGORA. Essa conversa não é sobre mim. Especialmente sobre mim e qualquer resquício romântico que possa ter havido com o Evan. Ele é gostoso e alguém com quem dá pra ter um diálogo sem vomitar. Só isso! A conversa é sobre vocês. Vocês é que vão embora!

- Cissy, não seja inocente... Acha mesmo que o papai vai te deixar muito tempo esperando? Assim que você se formar, estará à procura do seu pretendente. Principalmente porque ele sabe que a caçulinha é a única de nós que está louca pra encontrar seu par!

- Eu não estou desesperada para me casar! – A voz soou esganiçada, denunciando o quanto ela estava na defensiva.

- Um vestido branco de alto luxo. – Andrômeda começou.

- Tiara de brilhantes.

- Todos os olhos em você!

- Champagne por todos os lados.

- As comidas francesas que você adora...

- Um noivo bonito e rico te exibindo como troféu.

- Um anel com um diamante do tamanho de uma bola de golfe no seu dedo!

- Está bem, talvez um pouquinho! – As três garotas riram, as diferentes vozes mesclando-se numa harmonia que lhes era tão familiar.

Narcissa ergueu os olhos, fitando os rostos lívidos das irmãs e sentiu seu peito se aquecer, dispersando toda a mágoa que vinha lhe corroendo nos últimos dias. Em algum lugar dentro daquilo tudo, Bellatrix e Andrômeda ainda eram suas companheiras. Entrelaçou os dedos aos de Andy, permitindo ser envolvida pela presença calorosa da irmã.

- Vamos Bella, não é possível que você não esteja pelo menos um pouquinho animada! – Franziu as sobrancelhas claras, analisando as expressões da mais velha. – Depois de tanto escolher, não me diga que o Lestrange não lhe atrai em nada.

- Rodolphus é esperto, entende que nunca vai me dominar. E tem exatamente o que eu estava procurando...  – Trouxe o cigarro aos lábios, ganhando tempo. – Poder e influência para me levar até onde eu quero chegar.

- Em troca disso, você vai ter que olhar para aquele rosto todos os dias pela manhã...

- Melhor do que a cara idiota do Macmillan! – Andy deu de ombros, sorrindo.

- Não vá falar dele, se não o papai pode acabar casando VOCÊ com aquele lambe-botas! – Ela ergueu-se da cama, imitando a forma faustosa como o rapaz caminhava.

Gargalharam, enquanto Bellatrix imitava cada um dos pretendentes que seu pai a havia arranjado, modelando o corpo e a voz para imitar os trejeitos e entonações de cada um deles. Os olhos e a boca moviam-se de forma caricata, fazendo com que as risadas das irmãs se ampliassem a cada nova imitação. Quando ela finalmente retornou a mesa de cabeceira, para apagar o cigarro no cinzeiro, Andrômeda arquejava e Narcissa limpava as lágrimas dos olhos. Voltou a deitar-se na cama, repousando a cabeça sobre o ombro da loira.

- Tanta instrução, beleza e etiqueta, para casar-se com esses bunda-moles... – Andy queixou-se. – Céus, que desperdício!

- A única forma de fazer valer as mulheres que somos é não nos deixar subjugar. Buscar nossas vontades, independente do quanto elas nos custem. – Desceu a mão pelo antebraço, deslizando os dedos por sobre a pele alva. - Nossos casamentos podem nos elevar ou afundar. Basta sabermos jogar com isso...

O silêncio tomou o ambiente, enquanto a mente das três perdia-se em seus próprios caminhos. Narcissa mordeu os lábios, temerosa com o ponto de virada que vinha ao encontro de suas vidas. Vendo o semblante preocupado da caçula, Andy ergueu seu rosto e acariciou sua bochecha com o polegar.

- Não importa o que aconteça, Cissy, teremos sempre umas às outras. – Murmurou, beijando-lhe a têmpora.

Cissy aspirou os contrastantes aromas que vinham das irmãs: O frescor de Andrômeda e o cigarro misturado ao amadeirado perfume de Bellatrix. Deixou-se entorpecer pelos cheiros familiares e pelo doce calor que emanava de seus corpos aninhados. Sentia-se bem, aconchegada entra elas. Permitiu-se sorrir ao adormecer, abandonando o temor dos trovões para trás, satisfeita em estar rodeada não de suas coisas favoritas, mas das pessoas que mais amava.

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