
O vencedor leva tudo
- Eu não vou mais jogar... – Andrômeda empurrou a cadeira para trás, a voz arrastada tropeçando nas próprias palavras.
- Quando você vai aprender a perder, Andy?
- Quando você e a Bellatrix aprenderem a não trapacear, Cissy!
- É só um jogo, meu bem! Não acuse suas irmãs assim. – Tio Cygnus tentou apaziguar a situação. -Você sabe que essa loira recebeu dos deuses um dom divino para o blefe.
Viu que uma risadinha culpada preenchia os lábios de Bella, mas Narcissa permanecia impassível. A noite já caminhava para o seu fim e os copos vazios estavam espalhados pelo ambiente. Todos, exceto seu irmão, proibido pela idade, haviam bebido um pouco mais do que deveriam e os ânimos começam a se exaltar. Acendeu mais um cigarro, perdendo os pensamentos nas mãos ágeis do tio. As cartas voavam de um lado para o outro, sendo embaralhadas com uma destreza invejável.
- Não... Nada disso! Elas sabem muito bem o que estão fazendo. Chega!! – Sua prima emborcou o último gole de xerez. - Além disso, eu preciso trabalhar cedo amanhã.
Três ou quatro batidas soaram na porta, embora estivesse aberta. Todos os olhares se viraram para ver tia Druella adentrando o cômodo. Aproximou-se da mesa, parando atrás do marido. As mãos pousaram sobre os ombros dele, massageando-os discretamente.
- Andrômeda está certa. Está na hora de vocês todos irem dormir!
- Mamãe, já somos bem crescidinhos! Não precisamos que alguém nos diga quando dormir. – Narcissa levou o cigarro aos lábios, mantendo sua típica expressão de entojo. Sirius detestava aquele cheiro de menta misturado ao tabaco.
- É mesmo? Me parece que há poucos instantes vocês estavam discutindo por causa de um jogo.
- Não estávamos discutindo por causa de um jogo. Era por causa da falta de caráter das suas filhas! – Andy fitou a mãe com uma expressão séria, caindo na gargalhada em seguida.
- Acho que já chega por hoje. - Druella arregalou os olhos.
A mulher sacou a varinha. Em silêncio, encantou os copos, que um a um foram desaparecendo em direção a cozinha. Os protestos soaram por todos os lados, em diferentes intensidades. Não saber a hora de parar parecia ser um problema hereditário.
- Mas, titia... – Regulus choramingou, contrariado.
- Mas, nada! Vocês vão para cama já!
- Veja bem, mamãe: Seu asqueroso sobrinho Sirius e eu estamos empatados em segundo lugar. Você não vai querer que eu durma com um empate com esse inútil entalado na minha garganta, vai? – As pupilas de Bella refletiam seu tom persuasivo. – Seria uma desonra e uma humilhação!
- Só mais uma partida não fará mal, docinho. – Cygnus depositou as cartas em uma pilha, sobre a mesa. – Vamos fazer o desempate final. Eu nem vou jogar... O primeiro lugar é obviamente meu. Vamos ver quem ficará com o segundo!
- Está bem. Mas quero todos na cama imediatamente depois disso, estamos entendidos? Nada de conversinhas nos corredores, Bellatrix e Narcissa.
- Sim, mamãe. – Responderam quase ao mesmo tempo, revirando os olhos em conjunto.
- Por que não vem comigo, Andy? Você precisa estar bem descansada amanhã. – Estendeu a mão na direção da moça, para ajudá-la a se levantar. Caminharam juntas até a porta. - Boa noite!
- Vamos, tio! Quero acabar logo com a prepotência de um certo alguém. – Apagou o cigarro no cinzeiro, deixando que seus olhos se detivessem sobre Bellatrix.
- Como se você fosse capaz... – Seguindo o ritmo em que ela riu, os cabelos negros ondularam-se no ar.
As mãos largas de Cygnus distribuíram as cartas habilmente e o silêncio recaiu sobre o cômodo. O homem mordiscava a ponta do charuto, fitando os quatro jovens com um semblante desdenhoso. A satisfação que ele tinha em manter-se invicto, rodada após rodada, chegava a ser cômica, considerando que seus oponentes eram as filhas e os sobrinhos, todos com menos da metade da sua idade. Mais um de seus familiares agindo pateticamente: Nada de novo sob o sol.
- Sua aposta, Regulus.
- Nem sei por que diabos eu ainda estou jogando, se não tenho a menor chance de empatar... – Empurrou dois galeões em direção ao centro da mesa.
Sentado à esquerda do garoto, Sirius empurrou o mesmo número de moedas, sem tirar os olhos de cima da prima. Narcissa seguiu a aposta do rapaz com rapidez. Bellatrix tamborilou as unhas contra o tampo da mesa por alguns instantes, antes de aumentar a aposta para cinco galeões.
- Qual é, Bella?!
- Se não quer arriscar, para de reclamar e sai do jogo, Reg. – Cortou a reprimenda de forma fulminante.
- Ok. Estou fora! – Recolheu as moedas que lhe restavam, enfiando-as no bolso e cruzando os braços para observar a partida.
Sorrindo com o canto dos lábios, Sirius balançou a cabeça em desaprovação e colocou mais duas moedas para igualar a aposta. Narcissa tragou lentamente, avaliando a situação antes de prosseguir, depositando os galeões.
- Querida? – Cygnus ergueu a sobrancelha, fitando a primogênita.
- Mantenho a aposta. Vamos com isso logo!
Com um semblante satisfeito, tio Cygnus desvirou as primeiras três cartas distribuídas no centro da mesa lentamente. Dois de paus, rainha de copas, três de paus. Fitou as próprias cartas. Dois de espadas e dois de ouro. Tinha boas chances de conseguir um Four of a kind, dependendo do que estivesse escondido entre as cartas da mesa que ainda não tinham sido reveladas. Era arriscado e precisaria contar com a sorte. Ergueu o olhar para a prima. Sob os lábios, Bellatrix tentava encobrir um sorriso. Xingou mentalmente. Ela tinha uma boa jogada! Narcissa, como o usual, mantinha uma expressão completamente neutra.
Ele colocou mais duas moedas, ampliando o valor para sete galeões. Bellatrix fez o mesmo, fechando a aposta mínima em nove e os outros dois a seguiram. Seu tio virou então a quarta carta que permanecia sobre a mesa: Quatro de paus. Na pior das hipóteses, já tinha uma trinca. Contudo, existia a possibilidade de que a sorte lhe sorrisse quando a última carta fosse revelada.
O silêncio era tão profundo que poderiam ouvir se uma agulha caísse no chão. Analisou novamente as duas garotas, buscando em suas figuras qualquer sinal que pudesse denunciá-las. Bellatrix fingia desinteresse, limpando as próprias unhas. Narcissa mantinha os olhos vazios, concentrando-se no cigarro que fumava. Aumentou a aposta em um galeão, temeroso em arriscar-se mais. Narcissa colocou uma moeda a mais que ele. Bellatrix mordeu o lábio inferior, fazendo o mesmo com a aposta da irmã. Seguiu sua vez, juntando as duas moedas para igualar a aposta à da prima. A loira repetiu seu gesto, mas não sem antes fitar as cartas sobre a mesa mais uma vez. Bella remexeu sua pilha de moedas, adicionando cinco às que já havia apostado antes. Ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas arrastou mais meia dúzia de galeões. Fitaram-se profundamente, os olhos negros da garota devorando as írises cinzas dos seus. Que cartas ela tinha? O que estava escondendo?
- Vocês só podem estar de brincadeira! – Narcissa baixou as cartas, recolhendo as moedas que lhe restavam. – Estou fora.
- Bella? Iguala ou aumenta? – Cygnus falou finalmente, quebrando a atmosfera entre os dois.
Os dedos longos passearam pela mesa de forma decidida, depositando as moedas ao centro. A aposta já passava dos 20 galeões e ele sentiu o suor escorrer pelas costas. Ou Bellatrix tinha um Straight Flush, ou estava blefando além do que lhe era natural. Mirou as cartas ao centro, as próprias e o rosto fino dela. A boca estava suavemente contraída, como se escondesse a vontade de gargalhar.
- Puta merda. – Murmurou em tom quase inaudível, mais para si, arrependendo-se antes mesmo de empurrar outros 10 galeões para o montinho onde suas apostas se acumulavam.
Ela pensou um pouco, analisando as próprias cartas rapidamente. De certo, estava imaginando que ele possuía uma boa combinação. Mordeu os próprios lábios, sentindo a ansiedade lhe lamber a garganta. Agora, tudo o que queria era que ela igualasse a aposta e permitisse que Cygnus mostrasse a última carta. Seu ventre formigava de excitação, imaginando a possibilidade de vencê-la.
- O vencedor leva tudo. – Exclamou, empurrando todas as moedas que havia acumulado ao longo das rodadas para o centro da mesa.
- Uau! – Regulus deixou escapar, fazendo com que Sirius se lembrasse de que ele ainda estava ali.
Olhou dentro dos olhos dela uma última vez, sentindo a adrenalina correr pelas veias. Os outros mantinham-se em certo transe, em partes pelo espanto. Mas não ele. Conhecia bem demais aquele código. O jogo não se tratava mais de pôquer. As palavras que saíram da boca da garota sem entraves eram uma ordem. A aposta agora era sobre sexo.
Há algum tempo haviam estabelecido uma regra entre eles, como um desafio: A cada vez que essas palavras fossem pronunciadas, assim que todos fossem dormir, aquele que tivesse a menor combinação da rodada deveria se esgueirar para o quarto do outro. Durante toda a noite, o perdedor seguiria exatamente o que o vencedor indicasse, obedecendo a todas as vontades do outro, na cama. O arrepio percorreu seu corpo, o desejo lhe abocanhando as entranhas. Depois da cena no provador, esperou que ela o ignorasse pelo restante das férias. Estava comprometida, afinal. Entretanto, esse fato parecia não ser relevante para Bellatrix. As vontades dela falavam mais alto do que qualquer convenção social.
- Estou fora. – Exclamou com a voz trêmula de desejo, ainda que, aos ouvidos desatentos, tenha soado temeroso ao baixar as cartas ao encontro da mesa. Preferia economizar o dinheiro que lhe restava, vencer não tinha mais a mínima importância.
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Não se lembrava exatamente quando tudo tinha começado. Desde mais tenra infância, sua relação com o primo havia sido complicada. O nascimento de Sirius Black caíra como uma pedra sobre a sua vida. E embora ela não tivesse compreendido isso a princípio, não foi necessário crescer muito para perceber que a existência do garoto significava o fim do seu reinado. Finalmente os Black tinha um herdeiro! Um macho, capaz de conduzir os interesses da família. Para ela, a primogênita a quem tudo aquilo pertencia por direito, sobrou pouco. Somente porque aquele pirralho viera ao mundo e era homem.
Como numa ironia do destino, haviam nascido dotados de extrema semelhança. Às vezes, perdia-se no rosto do primo, reconhecendo-se em seus traços. Sirius era Black pelo lado materno e paterno. O mais puro sumo do que sua família representava! Sobre ela o sangue dos Rosier não fizera nem cócegas, permitindo que carregasse, bem à vista de todos, a genética de seu pai. Como resultado, observar a Sirius era quase como mirar seu reflexo: Os traços angulosos, o sorriso imponente, os cabelos negros e os olhares vorazes.
Na mesma medida em que a aparência os aproximava, suas personalidades se repeliam. Ela era impulsiva e geniosa. Sirius era encrenqueiro e debochado, buscando sempre os mais incômodos detalhes para provocar a ela e as irmãs. A combinação entre os dois era explosiva e as brigas haviam se multiplicado à medida que os dois cresciam. Ter que remediar os combates entre eles fora o pesadelo de suas mães por um largo período.
- Não se deixe irritar, querida, ou vai dar a ele justamente o que ele quer! – Podia ouvir as palavras de Druella reverberando através dos anos de sua infância, enquanto sua mente fazia planos para degolar o primo no meio da noite.
O início da adolescência lhe garantiu um respiro. Mocinhas não deviam dar ouvidos a bobagens vindas de garotinhos! Todavia, a paz anunciada não se estendeu tanto quando fora prometido. Sirius decidiu abandonar a infância precocemente e a entrada pra Hogwarts foi o pontapé definitivo para que deixasse de se considerar criança. Munidos de um vocabulário mais amplo, hormônios em polvorosa e um emocional descontrolado, as brigas despropositadas tornaram-se fogo cruzado. Viviam em guerra, fazendo tudo o que fosse possível para levar um ao outro ao limite da razão, culminando em episódios que não terminavam bem.
Fitou a cicatriz logo acima de seu calcanhar, recordação do dia em que Sirius havia subitamente decidido que estava cansado de ouvi-la chamar Regulus de estúpido a cada vez que ele cortava de forma torta um dos convites para sua festa de aniversário. Antes que qualquer adulto pudesse prever, a tesoura afiada que estava na mão do garoto havia sido cravada contra a pele alva dela, deslizando para abrir um talho largo e profundo. Ela gargalhou, vendo o sangue derramar-se. Arrancando a tesoura abruptamente, avançou sobre o primo. De olhos bem fechados, ainda ouvia os gritos desesperados de sua mãe, empurrando um para longe do outro.
Permitir que tanta tensão se acumulasse entre os dois foi uma falha definitiva dos adultos. Embora o detestasse com todas as suas forças, não pode ignorar o magnetismo que emanava dele, ampliando-se a cada vez que se viam. A puberdade trouxe para Sirius o aprimoramento daquilo que tinha de melhor. Os cabelos, que ele se negava a cortar, tornaram-se mais longos e lustrosos, emoldurando o rosto bem delineado. O sorriso desdenhoso encheu-se de charme, as irizes cinzentas acendiam divertidas a cada ironia que abandonava os lábios finos e a forma como ele franzia o cenho diante de qualquer coisa que o incomodasse, arqueando as negras sobrancelhas, era capaz de esquentar seu ventre imediatamente.
O problema de garotos como Sirius é que eles eram curiosos, travessos e desafiadores. Tornar quase proibitivo o acesso a ela foi o maior erro que tia Walburga poderia ter cometido. As ordens da mãe para que não se metesse com a prima mais velha foram o combustível necessário para incendiar a faísca de interesse que havia se acendido nele. O problema de garotas como ela é que conheciam exatamente o poder que tinham em mãos. Bellatrix sabia muito bem que a beleza dos Black havia sido concedida a ela em abundância e não tinha vergonha em usá-la a seu favor. Emaná-la tão pronunciadamente próximo ao primo havia sido uma escolha tomada no impulso, mas ela não era mulher de voltar atrás.
Gradualmente, perceberam estar envolvidos num novo tipo de combate. Dessa vez, perigoso e excitante. Flertavam descaradamente, provocando-se com palavras, gestos e insinuações. Sob os olhos dos pais, encontraram formas veladas de desafiar um ao outro. Foi inevitável que tantas provocações buscassem alguma forma de tomar vazão. A hora do almoço na mansão era anunciada pelo cuco quando ele a prendeu atrás da figueira central do jardim, atrevendo-se a roubar-lhe um beijo. O sol queimava forte no céu, mas não mais do que eles.
Não demorou para que tudo se desenrolasse e enquanto todos ouviam o recital de piano de Andrômeda, ela escondeu-se dentro do armário de casacos para dar ao primo o primeiro boquete que ele recebeu na vida. Em homenagem às bodas de porcelana de Órion e Walburga, as taças tilintavam no Largo Grimmauld, no exato instante em que a cama deles servia de palco para que Bellatrix arrancasse a virgindade de seu herdeiro.
Sabiam bem o quanto aquilo era censurável, mas ter ciência das normas que estavam transgredindo tornava tudo mais irresistível. Através dos meses, a transmutação do menino em rapaz sob seus lábios foi saborosa e se antes ela ditava as regras, agora jogavam de igual para a igual. Sirius era atrevido e tinha anos de dianteira quanto tratava-se de atiçá-la. Para o seu deleite, ele era imprudente e não se negava a nada. Ela também tinha que reconhecer a própria inclinação para a contravenção e seus desejos inescrupulosos. Se havia algo neles que convergia, além da aparência, era o prazer pelo pecado. Viviam a vida sem tabus, jogando de forma perigosa com o destino e entre si. Queimavam-se, devorando-se em labaredas de ardor e desejo, como fogo e gasolina.
Levantou-se da poltrona, caminhando até a varanda para respirar o ar gélido da noite, numa tentativa de aplainar as chamas dentro dela. Cada tiquetaquear do relógio era insuportável, numa espera que se prolongava mais do que ela estava disposta a aguardar. Abriu as cortinas e um arrepio lhe percorreu o corpo, guiado pelo vento frio. Tateou a renda da camisola fina, desejando que fosse a pele dele ao tocá-la ao invés daquele estúpido tecido. Permitiu que a raiva fermentasse em seu ventre, sentindo o gosto intenso do xingamento acumular-se em seus lábios, sem contudo deixar de ser um pensamento: Maldito filho da puta desertor!
O rangido da madeira foi tão suave que poderia passar despercebido, não fosse sua audição treinada para os duelos. Virou-se imediatamente para encará-lo, sem esconder o descontentamento pela demora. Ele trancou a porta do quarto, antes de caminhar pelo pequeno corredor até o cômodo.
- Eu pensei que você não viesse...
- O Regulus demorou horas para se deitar! Fiquei com medo de cruzar com ele no corredor. Tive que esperar ele dormir pra poder sair. Você está...irritada? – Um sorriso irônico se formou em seu rosto, quando deu-se conta do semblante contrariado que ela sustentava. – Tem uma coisa que você precisa aprender de uma vez por todas sobre mim: Eu não fujo da raia!
- Pensei ter ouvido a Andrômeda comentar sobre você ter prometido a ela que isso ia acabar. - Ela cruzou os braços sobre o peito.
- Nossa querida Andy tem uma alma excessivamente pura, Bellinha! Às vezes é preciso colocar um sorriso naquele rosto em nome da amizade, mesmo que seja com uma mentira... Mentirinha inocente, nada demais! – Torceu as mãos, estalando os dedos um depois do outro. - Vamos deixar ela sonhar com os anjinhos sem imaginar que, enquanto isso, estou fodendo a irmã dela até o talo.
- Não foi por isso que eu te chamei aqui.
- Ah, não? – A indagação veio após um riso devasso. – Então por que foi?
Ele encostou-se na lateral da lareira, apoiando a cabeça no cotovelo. Àquela altura da madrugada, a penumbra sombreava seu maxilar oblíquo. As sobrancelhas escuras estavam suavemente encrespadas, numa afronta, e ele a fitava por baixo delas, com um olhar lascivo. As pupilas negras gritavam o desejo insaciado que lhe açoitava. Por mais que lhe custasse admitir, Sirius Black era uma delícia!
- Vamos, Bellinha! Sou todo ouvidos. – O silêncio dela falou por si. O rapaz riu, de novo. – Não sejamos hipócritas! Você e eu sabemos exatamente o porquê de eu estar aqui.
- Você perdeu. – A frase saiu mais ácida do que ela havia previsto.
- Eu sei. Por isso vim, como relegado perdedor que eu sou, para te comer como for da tua vontade, enquanto a tua família dorme o sono dos justos. – Improvisou uma reverência.
- Tua também.
- Não posso negar! Mas quem sabe assim seja mais fácil para os deuses nos perdoarem... Enganar uma família só, ao invés de duas.
Do lado de fora, o chirriar de uma coruja rasgou a noite para selar o que já estava traçado: Aquilo que vinham fazendo jamais seria perdoado. Eles sempre souberam disso e, ainda assim, escolheram continuar. Certamente pagariam caro pela desobediência. Sirius passou a mão pelos cabelos que lhe caiam pelo rosto, prendendo as mechas negras atrás da orelha.
- Tem um cigarro?
- Na mesa de cabeceira. – Indicou o pequeno móvel com um manear da cabeça.
- De verdade ou só aquelas porras mentoladas? – Atravessou o cômodo e puxou a gaveta bruscamente.
- Isso é coisa da Narcissa, não minha.
Puxou um cigarro de dentro do maço, enfiando na boca, depois de acendê-lo numa das velas que bruxuleavam presas ao candelabro. Embaixo da camiseta folgada, as clavículas do rapaz se desenhavam com o movimento dos braços no aproximar e afastar o cigarro. Sentiu a língua tremer sob os lábios, ansiando por afundar-se naquela pele. Ele encostou o quadril no dossel da cama, disparando longas nuvens de fumaça.
- E o seu futuro noivinho, como vai?
- Eu não quero falar nesse assunto.
- Eu não vim aqui pra falar. – Levou o cigarro aos lábios mais uma vez, antes de continuar. – Mas enquanto eu termino essa merda, achei que poderíamos jogar conversa fora e agir como duas pessoas civilizadas fariam.
Virou o rosto para o jardim, concentrando-se no barulho do vento chocando-se com as árvores. Seu noivado nunca deveria ser abordado por ele. Era como forçar que mundos opostos colidissem. Rodolphus representava o dever e toda a carga de poder e tradição que estava envolvida no enlace de suas famílias. Sirius pintava exatamente o oposto, o mundo onde apenas suas vontades imperavam. Bellatrix não queria pensar em seu casamento eminente. Não numa noite em que estava tão profundamente imersa em seus desejos.
- Ele fode bem? – Maculou o silêncio, levando-a a olhar para ele.
- Eu não sei.
- Ai, ai... Conta outra, Bella! – Ironizou, depois de uma risada jocosa.
- Eu não dormi com ele. – Cortou o assunto o mais bruscamente que pode.
- Uau!! Quanto recato! – Tragou lentamente, mantendo os olhos na lareira. – Acho que ele vai ter uma surpresinha na noite de núpcias.
- Eu nunca disse que ia esperar até a noite de núpcias.
- Às vezes eu te subestimo... – Ele caminhou de volta até a mesinha de cabeceira, para apagar o cigarro no cinzeiro de cristal. – O que é o noivado, se não um passe livre, não é verdade? Assim você finge certo recato e consegue encobrir que o teu cabaço desapareceu faz tempo.
- Isso não é da tua conta.
- Não. Não é. Pra mim foi muito mais fácil encontrar o caminho livre. – Ponderou um pouco, mordendo o lábio inferior. – Virgens são uma coisa que eu abomino! Tão desesperadas por acreditar que sou o amor da vida delas! Uma pena ter que contar depois que era só sexo.
- Você é um escroto covarde, Sirius! – Cuspiu as palavras, com fervor.
- O que é que você quer, Bella? – Caminhou até onde ela estava, estendendo a mão para segurar-lhe o queixo. – Hein? Me fala! Quer que eu prove a minha coragem? - Ela puxou o rosto ferozmente, afastando-se de forma brusca. – Posso armar uma ceninha na quarta, na frente do seu noivo, quem sabe? De quebra, o nosso querido Lestrange fica sabendo que a recatada noivinha dele está sendo bem comida.
- Você não faria isso!
- Que foi? Ficou com medo?
- Medo? – Ela gargalhou, jogando a cabeça pra trás. - O seu rabo está tão preso quanto o meu!
- Você está certa. Eu não faria! Por que começar tão cedo uma inimizade com o Rodolphinho? Nós vamos ser família, não é? Eu, você e ele...
O barulho da mão dela estalando contra o rosto dele tomou o ambiente. Dobrou os próprios dedos, sentindo a pele arder pela força que havia empregado.
- Moleque insolente! – Xingou entre os dentes.
- Eu sei que você gosta, Bella! - O garoto avançou contra ela, segurando-a rudemente pelo pescoço para mantê-la presa entre seu corpo e a parede. – Não gosta?
A boca de Sirius derramou-se sobre a sua, bebericando seus lábios como faria com uma taça. A língua dele deslizava junto a sua sem censura. Atravessou os dedos por dentro da camiseta que ele usava, arrancando-a com um puxão. O frio que entrava pela porta aberta da varanda não era suficiente para aplainar o calor do corpo dele. Ainda assim, o garoto estava arrepiado, pelo ar gélido ou pela carícias que ela tecia sobre o peito nu. Com a mão espalmada, ele segurava seu pescoço, enrodilhando os dedos em seus cabelos e trazendo-a mais para perto, enquanto espalhava beijos que trilhavam o caminho entre suas têmporas e seu pescoço.
Cerrou os olhos, permitindo-se sentir o calor dos lábios desbravando sua pele. A umidade da boca dele se difundia por ser corpo, à medida que as carícias alcançavam maiores espaços. Sem cuidado, ele desfez o laço do robe esverdeado, soltando a peça no chão. Afastou também a alça fina da camisola, escorregando os lábios por seu colo e apertando sua cintura com firmeza. Bellatrix subiu as mãos até o rosto dele, levantando-o para que pudesse fitá-lo. Ele abriu os olhos como se compreendesse. As pupilas estavam dilatadas, reluzindo sob a meia-luz. Escancarou um sorriso sacana, enquanto ela desenhava com o polegar o contorno dos lábios rosados. Deslizou as mãos pelo tórax do rapaz, sem afastar os olhos dos dele. Com um movimento ágil, desafivelou o cinto e abriu o botão do jeans, enfiando a mão por dentro da cueca sem constrangimento. Desceu as mãos, livrando-se das roupas que ainda restavam a ele. Sirius chutou as peças para longe e depois tomou-lhe os pulsos, obrigando-a a ficar com o rosto colado à parede. Escorregando os dedos por baixo da camisola, apalpou sua bunda e seguiu o caminho rodeando sua cintura, subindo até que cada uma das mãos envolvesse por completo um dos seus seios. Mordiscou a orelha dela, arrastando a língua pela nuca.
- Você não respondeu minha pergunta... – Sussurrou sem afastar a boca do seu corpo.
- Eu prefiro você calado. – Tateou com destreza o tampo da penteadeira, até encontrar a varinha. Virou-se de frente rapidamente, beijando-lhe a boca e o queixo antes de empurrá-lo até a cama. – Incarcerous!
Cordas finas envolveram os pulsos do rapaz e com um ligeiro floreio da varinha, ele logo estava preso a cabeceira, com o rosto virado para os travesseiros. Mordeu os lábios, enquanto seus olhos percorriam o corpo do primo, devaneando com aqueles contornos. Ela não mudaria nada. Até as repugnantes tatuagens trouxas, que agora tomavam-lhe o braço esquerdo quase por completo, faziam parte do seu charme. Caminhou em passos lentos ao redor da cama, absorvendo todos os ângulos de visão que lhe podiam ser proporcionados. A pele alva dele se sobressaia mesmo sob à penumbra, tentando-a com tanta integridade. Não ficaria imaculada por muito mais tempo.
Com um aceno, convocou de dentro do armário o objeto capaz de materializar a ideia que não lhe saia da cabeça desde que estavam jogando pôquer. Passou os dedos pelo chicote, sentindo o couro deslizar sobre eles. Foi inevitável deixar que um sorriso tomasse conta do seu rosto. Estudou bem seus próximos passos, para causar no primo a exata sensação que desejava. Com um movimento leve, deferiu o primeiro golpe contra a coxa do rapaz. A dor surpreendente viria aguda, como uma ferroada, para lhe atordoar os pensamentos. A ponta áspera garantiria a sensação de que a pele estava queimando. Elevou sutilmente a posição da pancada seguinte, ouvindo o estalar do chicote sobre o corpo dele ser seguido por um murmúrio abafado. Bellatrix ardia por inteiro, a lascívia dominando seus sentidos. Distribuiu sucessivos golpes cadenciados pelas coxas e pelo traseiro bem delineado do rapaz. Ela sabia que logo os baques repetidos anestesiariam a percepção do garoto, diminuindo a sensação de dor. Então saboreou enquanto os gemidos cresciam, à medida em que ela aplicava mais força. Largou o chicote e subiu na cama, sentando-se exatamente sobre a área manchada de vermelho.
- Cacete, Bella! – Ele reclamou, encolhendo-se com a dor.
- Eu sei que você gosta, Sirius! – Derramou-se sobre ele, até que sua boca encostasse na orelha do garoto. – Não gosta?
Uma gargalhada irônica lhe escapou pelos lábios. Não duvidava que em algum nível o primo apreciasse aquele jogo. Misturar dor e prazer era algo que excitava a ambos em seus âmagos. Tapas, mordidas, puxões e investidas violentas: Era assim que extravasavam o tesão que sentiam. Entre quatro paredes, apenas seus prazeres serviam como medida e esse era o único viés sobre o qual todas aquelas maldades confundiam-se com coisas boas. Por outro lado, tinha certeza de que ele detestava a postura submissa que lhe era infligida. Entre os dois, era difícil dizer quem tinha uma sede mais insaciável pelo domínio. Hoje, era a vez de ela mandar. Ergueu-se sem pressa, saindo pelo outro lado da cama, em frente à mesa de cabeceira.
Com um movimento preciso, apertou os dedos em volta de uma das velas, tirando-a do castiçal com cuidado, para que não apagasse. Na superfície, a cera derretida se acumulava, o que lhe provocou um sorriso. Estendeu o braço sobre o corpo dele, calculando a altura que desencadearia o estado perfeito de aflição. Os pingos grossos atingiam a pele aos poucos, em pontos diferentes, de acordo com o que as mãos de Bellatrix iam conduzindo. O gotejar era acompanhado de um gemido gutural, em que agonia e deleite se entrelaçavam. Pelo seu corpo o prazer subia em ondas a cada pingo que descia na direção do rapaz. A moça estava imergindo pouco a pouco, deixando pra trás qualquer outra ideia que pudesse rondar sua mente.
As chamas da lareira haviam esmaecido, dando ao quarto uma atmosfera mais sombria. Em pé sobre a cama, a garota podia enxergar os contornos de seu corpo sombreados na pele do primo. Encharcou-se de soberba, sentindo-se tomada pela satisfação de vê-lo subjugado como um cachorrinho. Os cabelos negros estavam esparramados sobre o lençol acinzentado, escondendo o rosto anguloso. Levou o pé de encontro as costelas do rapaz, empurrando até que ele virasse para juntar os olhos ao dela. Mesmo que os braços dele estivessem firmemente presos, pode sentir seu corpo ser envolvido e devorado pelo animal faminto que se escondia no fundo das pupilas de Sirius. Embora a camisola ainda cobrisse seu corpo, sentiu-se completamente despida por aquele olhar.
- Solto eu posso fazer um estrago maior... – Provocou, mordendo o lábio inferior.
- Bela tentativa, poltrão!
Com um sopro enérgico deu fim a chama, logo antes de jogar a vela em direção ao chão. Seus dedos trabalharam de forma igualmente objetiva, para descobrir seu corpo por completo, abaixando a camisola até o colchão. O semblante estampando no rosto de Sirius lhe permitia ter a certeza de que envolvida pela penumbra, ela emanava ares de deusa. Esfregou o corpo dele com a ponta do pé, traçando o caminho perigoso pelo qual pretendia se aventurar. Brincava com a varinha entre os dedos, ampliando propositalmente a espera. Ajoelhou-se ao lado do primo, escorregando finalmente a mão pelo peito nu, até que suas unhas cravassem o pescoço dele.
- Seja um bom garoto e eu penso com carinho em te soltar.
Ergueu o tronco e jogou a perna esquerda por sobre o corpo dele, para que suas coxas ladeassem o rosto do rapaz. Com um sorriso no rosto, desceu o corpo lentamente, até encontrar a boca dele. Sem demora, Sirius a obedeceu. Os lábios dele já estavam quentes antes de misturarem-se a ela e moviam-se com uma estudada precisão. Cerrou as pálpebras, deixando o pescoço pender suavemente para trás, tomada pelas afluência de prazer que lhe flagelava. Num instante, a ensaiada rigidez se dissolveu e ela sentiu-se completamente desordenada. Soltou a varinha sobre os travesseiros e apertou as mãos contra a cabeceira para sustentar-se. Os picos de deleite eram como choques, revirando suas entranhas. Apertou os lábios uma última vez, num silêncio autoinfligido que nada passava de uma provocação ao outro.
Levantou o corpo trêmulo, ampliando o espaço entre eles para voltar a sentar-se, dessa vez sobre o peito dele. Os olhos cinzentos faiscavam e ele lambeu os lábios, sem quebrar o contato visual. A vontade abrasava seu corpo por inteiro. Quanto mais certa sentia-se de que nunca mais voltaria a vê-lo, Sirius aparecia tomado de querer e ela terminava por se render. O que diabos aquele moleque tinha de tão irresistível? Estava certa de que seu primo não valia nada, mas algo dentro dela a impelia a deseja-lo como a nenhum homem. Um elo invisível de volúpia os entrelaçava. Na mesma medida em que ela era incapaz de se desvencilhar, Sirius era seu escravo. Ela sabia que esse tipo distorcido de ódio transformado em amor era capaz de mandá-los para o túmulo.
Escorregou as mãos pelos contornos do tronco dele, para onde levou os lábios logo em seguida. Deixou o odor almiscarado, que se misturava ao suor do rapaz, embaralhar seus sentidos. O cheiro lhe aturdia, sussurrando seu nome e implorando por contato. Caminhou até o baixo ventre, mas não interrompeu o trajeto, seguido pelas coxas como forma de tortura. Dedicava-se a chegar apenas perto o suficiente para atiça-lo, sem nunca dar a ele exatamente o que queria. O suave roçar dos lábios pela pelve alongou-se, para afastar ainda mais o instante em que sua boca finalmente se derramou sobre ele. Em pouco tempo Sirius ofegava, o tronco retesado por causa das cordas que lhe prendiam à cabeceira. As tentativas de se desatar eram vãs, ele sabia. Mesmo assim, puxava os pulsos com certa frequência, ansioso por espalhar as mãos pelo corpo dela.
Num movimento que lhe saiu mais desajeitado do que gostaria, ergueu o quadril e se levantou, deixando a cama para trás. Seu corpo pulsava pelo dele, mas o deleite de vê-lo implorar seria ainda maior. Caminhou até uma das estantes, afastando os livros para tirar do fundo uma garrafa de uísque e um copo. Virou a garrafa lentamente, fitando o líquido encher o recipiente. Sentou-se na poltrona de veludo púrpura, cruzando as pernas com demasiada lentidão e levando o vidro aos lábios.
- Deixa disso, Bella... – As palavras escaparam numa voz rouca. - Não precisa de tanta cena.
- Se está te incomodando, se solta. – Ergueu a sobrancelha, num desafio, bebericando o líquido amargo.
- Você sabe bem que o único jeito de fazer isso seria puxar as cordas até cortar os pulsos.
- Então cala a boca. – Deu de ombros.
- O que você quer ouvir pra amaciar esse ego, Bella? – Deu a ela um olhar desafiador. - Que eu estou louco de tesão por você? Pronto, disse! Agora, já chega desse jogo de entreter.
Suas pálpebras pesadas se abriam e fechavam com vagarosidade e seus cílios varriam as bochechas. Sabia que seu semblante era frio e desdenhoso, mas os olhos denunciavam sua excitação. Estudou o corpo a sua frente uma última vez, apreciando a imagem dele estendido sobre a cama. Bebeu um longo gole final como se aquele fosse o último de seus dias, mas se ergueu subitamente.
- Eu é quem decido quando chega! Você só obedece.
Subiu na cama, sentando-se sobre o quadril do rapaz e sentindo seu corpo ser tomado pelo dele. Moviam-se de forma ritmada e só então ela estendeu o braço para recuperar a varinha, desfazendo os nós que o prendiam com um aceno. Mal havia se passado um instante e as longas mãos já apertavam com firmeza sua cintura, descendo até a bunda com confiança, de tal forma que pareciam nunca ter saído dali. Sirius flamejava, o corpo quente como se tivesse vertido a garrafa inteira de Uísque de Fogo pela garganta. Cada ponto em que suas peles se tocavam estava em brasa. Cobriu o rosto dele com a mão, numa tentativa de encobrir o sorriso lascivo que escancarava. Ele mordiscou seus dedos, distraindo por um instante da tarefa de empurra-la com mais força contra seu corpo.
Não era difícil perder a razão, sentindo os meandros do corpo robusto encaixarem-se aos seus. Cada ausência dele era preenchida por um de seus excessos. Sirius encaixava-se deliciosamente a ela. A pele do garoto deslizava sobre a sua e derretiam-se um contra o outro, quase a ponto de fundir-se. Deitou-se sobre ele para que seus corpos se tocassem por inteiro. Beijou-lhe as têmporas, o pescoço e os ombros, molhando os lábios com o suor e impregnando-se com o cheiro dele. As mãos dele apertaram sua bunda com furor, eliminando qualquer espaço que ainda existisse entre eles.
Ergueu o troco, sentando-se e puxando-a vigorosamente para que se mantivesse sentada sobre ele, enlaçando os braços ao redor da sua cintura. Prenderam o olhar, ela séria, ele sorrindo. A vontade de arrancar aquele sorriso sacana do rosto dele era proporcional a de fazer com que se ampliasse. Enfiou as mãos nos cabelos negros, já tomados pelo suor, puxando a boca dele até seus seios. Ele traçou círculos com o polegar em um de seus mamilos, enquanto sorvia o outro sem pudor. Um gemido escapou-lhe pelos lábios, fazendo uníssono aos que Sirius já havia desistido de segurar.
Desceu as unhas pelas costas largas, arrancando os restos de cera e traçando arranhões na pele alva. Sirius mordeu seus lábios, beijando-lhe sem nenhum resquício de delicadeza. Cravou as unhas nos ombros dele, desejando que a penetrasse com mais força, o que ele fez logo depois. Sem titubear, ele usou as pernas para empurrar seu quadril para mais perto e Bellatrix sentiu sua respiração falhar. O atrito entre sua pelve e o abdômen dele lhe estilhaçou os sentidos. Queria gritar que parasse imediatamente, ao mesmo tempo em que desejava exigir que se dissolvesse contra ela, transformando aquele instante no único que importava.
O fitou uma última vez, dessa vez sorrindo, antes de fechar os olhos para entregar-se por inteiro aos tremores que lhe percorriam o corpo. Por um momento, foi como se estivesse completamente solta do planeta, flutuando em gravidade zero. Era para aquele ínfimo instante de prazer que ela vivia. Para aplacar a sede de sentir que nada era capaz de prendê-la. Envolvendo-a pela cintura agilmente, ele a ergueu com precisão e firmeza, afastando seus corpos antes de gozar. Jogaram-se de costas no colchão, ofegantes e grudentos de suor.
Deitados nus, lado a lado, olhando fixamente para o dossel da cama, Sirius e Bellatrix eram como espelhos. Se pudessem ser observados de cima, seriam vistos como metades complementares de um único ser, emanando suas diferenças para o universo: Seriedade e escárnio, tradição e intransigência, dia e noite, feminino e masculino, inclemência e empatia. Naquela noite, eram deidades, responsáveis pela criação das dualidades sobre a terra. Por um momento, haviam se unido, numa sinergia quase catastrófica, atraindo tanta energia para um mesmo ponto que poderiam ter dado início a um cataclisma. Agora, voltavam a existir separados, reencaminhando tudo de volta aos seus lugares.
Num ímpeto de atrevimento, Sirius aninhou seu corpo próximo ao dela, depositando-lhe uma última sequência de beijos sobre o pescoço. O teria empurrado, se lhe restassem forças. Mas o cheiro que se desprendia do rapaz era magnético e entorpecente e ela estava exausta. Cerrou as pálpebras, para que seus sentidos fossem tomados completamente pelo odor pungente dele. Seu peito ainda palpitava, inquieto e descontrolado. Por descuido deles ou do universo, aquela comunhão carnal os havia levado a deixar para trás uma parte de si, que residiria para sempre dentro do outro, sem que sequer desconfiassem de que haviam alterado o equilíbrio original das coisas.
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Abriu os olhos de repente, sentindo o coração disparado contra o peito. Encolheu-se ainda mais, a pele nua sendo corroída pelo frio. Tateou a sua volta, tentando compreender o que lhe rodeava. Aos poucos, os contornos do quarto de Bellatrix foram se tornando familiares e ele respirou aliviado. Ao seu lado, permanecia apenas o vazio deixado por ela. Empertigou-se, esquadrinhando o ambiente a procura da prima.
A porta da varanda estava completamente aberta, por isso ele sentia tanto frio. Pintado em degradê, o alvorecer emoldurava os contornos da silhueta dela. Levantou-se sorrateiramente, pisando com cuidado para aproximar-se sem despertar suspeitas. De costas, Bellatrix fumava um cigarro. Havia dispensado a piteira. Entre quatro paredes, não era necessário bancar a dama da alta sociedade. Sirius sequer seria capaz de imaginar que em poucos meses ela abandonaria de forma definitiva esse papel. Enlaçou a cintura dela, beijando-lhe a nuca. Ela retesou o corpo, prendendo a fumaça por alguns instantes antes de soltá-la pelo nariz.
- Você não me chamou. – Murmurou, descendo a boca pelos ombros dela.
- Nem era para você ainda estar no meu quarto. Acabei adormecendo sem me dar conta. – As sobrancelhas arqueadas estavam franzidas, embora ela não tenha afastado o olhar do horizonte. - Agora que você acordou, não tem mais nenhuma razão para continuar aqui.
- Agora que eu acordei, pensei que seria a minha vez... – Mordiscou a orelha dela.
- Logo a casa vai estar a todo vapor. Já passou muito da hora de você ir embora.
- Estarem todos dormindo nunca foi um requisito antes. – A sonoridade insatisfeita de suas palavras saiu sem controle.
- Vaza, Sirius.
O pedido subiu até sua boca, queimando sua garganta e por pouco não lhe saltou os lábios. Seu orgulho o impediu de recorrer. Se ela o estava enxotando, deu-se conta de que não tinha a mínima vontade de ficar. Enfiou a mão entre os braços dela, arrancando o cigarro que ela fumava e levando aos próprios lábios. Bellatrix fechou a cara, irritada pelo atrevimento.
- Fora!
Pousou a mão livre sobre a própria boca, soprando-lhe um beijo pelo ar. Deu-lhe as costas sem esperar a reação da prima, concentrando-se excessivamente em tragar. Enfiou a calça desajeitadamente, passando o cinto sem prestar atenção ao que fazia e jogou a camiseta sobre o ombro. Atravessou o quarto em passos largos. O arrependimento já o rodeava, mas fechou os olhos para ele. Sirius nunca deixava de agarrar as oportunidades. As consequências de sua impulsividade eram inevitáveis detalhes com os quais tinha que lidar depois. Não se importava em consertar o que tinha feito, desde que nunca deixasse de saciar suas vontades. Bellatrix era só mais um dos erros que ele adorava cometer.
Cruzou o corredor e fechou a porta do próprio quarto atrás de si, jogando a camiseta em cima da cama. Tateando na penumbra, encontrou a caixa de cigarros dentro da mochila, acendendo mais um no que restava do anterior. Num impulso, arregaçou as cortinas e abriu a porta da varanda. A atmosfera glacial lhe enregelou por inteiro.
O silêncio era tão denso que chegava a constrangê-lo. Deteve os olhos sobre a imensidão que se desenhava no horizonte. Sob o teto de seus lares, quantos não dormiam agora um sono solto, preparando-se para o dia que viria? Enquanto ele, inquieto e exaltado, repudiava a ideia de fechar os olhos para dormir o pouco tempo que o separava do início daquela manhã.
Um instante de distração. Baixou a guarda só por um instante e sentiu o vazio se espalhar, como água derramando-se por dentro dele, lavando-lhe o peito e levando-lhe a alma. Fazia frio. Fora e dentro dele. Estava sozinho. Até mesmo as estrelas o haviam abandonado naquele silêncio, rendidas ao descanso, apagando-se suavemente do céu sem deixar rastros.
Apertou a madeira do parapeito entre os dedos que há pouco haviam traçado os contornos de Bellatrix. Soltou a fumaça do cigarro, perdendo os pensamentos no ar enquanto acompanhava a pequena nuvem dissolver-se diante de seus olhos. Ainda era noite quando fechara os olhos para o infinito. Lembrava-se de respirar fundo, pleno de satisfação. Naquele momento, não havia nada que pudesse limitá-lo. Seria capaz de enfrentar qualquer atravanco que lhe surgisse pelo caminho. Riria na cara do perigo. Desafiaria quem se dispusesse a tal e venceria. Sabia que venceria! Com uma mão amarrada nas costas. Ou na cabeceira. Tinha o mundo inteiro nas mãos. Inebriado pelo prazer, ele era um deus!
Mas o amanhecer viera. E recaíra sobre ele com aquele silêncio, para lhe revolver o estômago e arranhar o peito. Seu coração latejava, ecoando a pergunta que lhe arrancava o chão. Havia perdido a noção de quando aquela dúvida começara a afligir seus dias. Não se lembrava de quando cerrara os olhos pela última vez sem sentir a sombra dela cobrindo-lhe os sentidos. Talvez tivesse estado sempre ali, sussurrando em seu ouvido despautérios que o impeliam na direção do perigo, levando-lhe a repetir a sucessão de erros que se tornara sua vida.
Não tinha nada contra os erros. Gostava de que aquela fosse sua essência. No entanto, em algum ponto havia se dado conta da fugacidade do prazer propiciado por eles. A adrenalina subindo-lhe aos olhos, o coração martelando o peito, o cérebro gritando pela ameaça evidente. Aquilo o mantinha vivo! Mas a qual preço? Os picos eram cada vez mais rápidos, desaparecendo depressa e levando consigo cada pequeno traço de prazer que houvesse restado. Deixando para trás apenas aquele vazio crescente que tomava conta de seu interior. No início, pensara ser capaz de encontrar a resposta que buscava. Contudo, isso parecia se distanciar mais e mais. A cada novo pico, a pergunta expandia-se. Agora, estava a ponto de sufoca-lo.
Aquela procura infindável se transformara em uma dor quase física. Fechou os olhos, as pálpebras queimavam para conter as lágrimas. Ainda assim, não era capaz de chorar. Havia se tornado oco. A amplitude do silêncio lhe devastava. A dúvida repetia-se mil vezes em seus ouvidos: O que ele estava fazendo ali? Por que ele? O que sua vida significava? O que seria necessário para atender aquele desejo sôfrego que existia dentro dele? Devia existir algo que pudesse preenche-lo e justificar a sua existência. Mas o que era? Afinal, à procura de que a sua alma viera a esse mundo?
O aperto em sua garganta lhe impedia de respirar. No entanto, não havia nada. Quando mais se afundava nessa certeza, mas imergia na angústia que lhe assolava. Tinha a confiança de que chegaria o dia em que o vazio seria tão profundo que o engoliria. Sirius Black deixaria de existir. Assim como era provável que jamais existisse uma resposta para sua pergunta. O não existir era exatamente o que lhe derrotava. Deuses existiam pela eternidade. E ele havia amanhecido mortal.
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