Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
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A valsa da Bela Adormecida

Não gostava de chegar exatamente na hora para uma festa. Costumava atrasar-se apenas o tempo necessário para garantir que todos os olhos se voltassem para ele assim que entrasse. Pela primeira vez havia traído sua própria convicção, movido pela ansiedade. O relógio ainda não indicava o horário marcado quando ele atravessou o corredor, aproveitando-se da porta entreaberta para vislumbrar a sala.

O espaço suntuoso e aconchegante em nada recordava a James qualquer aposento que pudesse estar localizado em Hogwarts. Candelabros espalhados por todo o recinto complementavam a meia-luz do ambiente e ao fundo uma lareira fulgurava, dando ao lugar um ar convidativo. Ocupando grande parte da sala, uma enorme mesa circular estava posta de forma festiva, com taças de cristal e arranjos de flores que certamente haviam sido encantadas para estar tão vividas às margens do inverno. Cortinas douradas pendiam do teto para criar a ilusão de múltiplos ambientes e o chão estava coberto por tapetes com adornos da mesma cor. No lado oposto à mesa, o amplo espaço era preenchido com sofás de couro marrom, ladeados por vasos com palmeiras e pequenas mesinhas de apoio onde as velas repousavam.

James assobiou baixinho, surpreso com a opulência que Slughorn conseguira criar. Agradeceu mentalmente a Sirius por tê-lo proibido de sair do dormitório usando jeans e suéter. Embora inicialmente tivesse se recusado a tomar emprestadas as calças cáqui bem cortadas do amigo, era obrigado a reconhecer que Almofadinhas havia sido certeiro na escolha. Arrumou o blazer, criando coragem para transpor a porta.

- Pode entrar, Sr. Potter. Não se acanhe! A inconveniência de ser o primeiro a chegar já recaiu sobre mim. – Procurou a direção da rouca voz do diretor e o avistou sentado em uma das poltronas próximas à lareira.

- ‘Noite, senhor! – Cumprimentou, aproximando-se e tomando assento no sofá ao lado de Dumbledore. – Bela escolha! Pode ver a todos que entram, mas não será visto imediatamente por eles...

- Parece que você acaba de encontrar uma justificativa excelente para que possa dar a mim mesmo acerca do meu comparecimento adiantado, Sr. Potter! – O homem o fitou por cima dos óculos de meia lua, com um sorriso jocoso que dizia claramente que a suposição de James estava correta.

- Não creio que o senhor precise de justificativas, professor.

- De fato. A minha idade me permite cometer certos impropérios sem me preocupar... – Sob as chamas, os olhos azuis do diretor luziam com um brilho divertido.

- Não, senhor! O que eu quero dizer é: O senhor é Albus Dumbledore! Seu nome se sobrepõe a qualquer deslize, professor. – Arrumou os óculos, sentindo-se cheio de incoerências sob o olhar penetrante do diretor.

Dumbledore havia construído uma consistente reputação ante toda a sociedade bruxa, ganhando mais prestígio a cada ano. Desde quando podia se lembrar, James tinha ouvido seus pais conversando sobre os feitos desse homem e a grandeza de seus poderes. E antes dele, seus pais haviam ouvido o mesmo de seus avós. Estar em frente a ele, dividindo uma conversa tão coloquial, era curioso para o garoto. Como se conhecesse alguém advindo de um conto de fadas ou, quem sabe, uma versão moderna do próprio Merlin. Em silêncio diante dele, o diretor mantinha uma figura pensativa, enroscando o dedo mínimo na ponta da barba. 

- Nem todos me levam em tão alta conta, Sr. Potter. – Exclamou, afinal, depois de refletir.

- São tolos se não o fazem, senhor. – Acrescentou, sem hesitação.

- Aqui está, Albus. Guardado especialmente para um momento como este!  – Slughorn adentrou a sala, carregando uma garrafa bem adornada do que parecia ser hidromel. – Ah, você veio, Sr. Potter!

- Encantadora festa, professor!

- Obrigado, rapaz! – Abriu a garrafa e encheu dois copos, entregando o primeiro ao diretor, antes de servir o segundo para si. – Gostaria de beber alguma coisa, Sr. Potter? Suco, cerveja amanteigada? Você pode pedir a Ziggy tudo o que desejar. – Indicou com o olhar um elfo doméstico que segurava uma bandeja de prata, parado próximo a eles. - Como eu ia dizendo, Albus, este foi um presente de Barnabas Cuffe pelas minhas contribuições para o editorial do Profeta sobre ingredientes sintéticos para poções. O rapaz está construindo uma bela carreira como repórter...

- Uma cerveja amanteigada, por favor, Ziggy! Conto com o seu talento para escolher a melhor de todas para o seu amigo aqui, hein?  – Pediu, dando ao elfo um sorriso charmoso. Fazer amizade com quem o servia era uma atitude que costumava ser recompensada.

- Um instante, senhor. – A pequena criatura murmurou antes de desaparecer pelas cortinas.

Bebeu aquela cerveja como se fosse a última de sua vida, apreciando lentamente cada gole, prolongando-os apenas para preencher o tempo. A conversa dos dois professores era de um teor extremamente tedioso. Slughorn gabava-se a cada frase e Dumbledore apenas assentia, observando muito mais do que dedicando-se a acrescentar palavras ao diálogo. Parou um instante para mentalizar um agradecimento ao universo pela Grifinória ser dirigida por alguém prática e circunspecta como Minerva McGonagall.

A despeito de seu interesse no aspecto investigativo de estar em um ambiente cercado de professores agindo casualmente, sentiu seu entusiasmo esvair-se rapidamente. A chegada de um novo convidado lhe despertava a curiosidade, mas depois de esquadrinhar a roupa e avaliar a companhia a qual o recém-chegado decidia unir-se, tudo tornava-se enfadonho outra vez e ele retornava a sua inquietude. Pela décima oitava vez fitou o relógio em seu pulso, checando o horário. Passava pouco das 20h30, ainda não era o suficiente para atravessar dos aposentos onde Madame Renouard estava hospedada até o local onde o jantar em sua homenagem era ofertado, principalmente usando sapatos de salto.

A verdade é que, acima de tudo, James estava ansioso para rever Narcissa. Há pouco mais de duas horas haviam se separado, ao fim do último dia de visitas pela escola. Nesse período, não havia parado um instante de rememorar os dias anteriores, perdendo algum tempo para imaginar como se mostraria a elegante moça nas possíveis interações com os mestres naquele ambiente. Estava claro para ele que ela seria impecável, como em tudo que já a havia visto fazer.

Sorriu, lembrando da forma como os olhos dela o repreenderam por aceitar o convite de Slughorn. Fora fulminante e ela o teria petrificado com o olhar, se pudesse, apenas para impedi-lo de cometer uma gafe social. Estava ciente disso, mas não podia perder a oportunidade única de frequentar um evento promovido pelo mestre de poções! Além da sua própria curiosidade, devia isso aos marotos. Chegar ao dormitório e contar a eles cada detalhe lhes garantiria uma madrugada de gargalhadas que compensariam sua ausência nos últimos dias. Providencialmente, a festa também havia se delineado como a ocasião perfeita para prolongar a estadia ao lado de Narcissa por mais algum tempo, longe dos olhos de todos os colegas.

- Senhor Potter. – Foi arrancado de seus devaneios pela voz equilibrada da diretora de sua casa.

- Boa noite, professora McGonagall! – Tencionou levantar-se para cumprimentá-la.

- Não é necessário, Potter! – Ela ocupou o assento vago ao lado dele. – Pela primeira vez, meu jovem, excetuando suas conquistas no quadribol, gostaria de dizer que estou orgulhosa do seu desempenho! É claro que não posso negar que suas notas em minha disciplina passaram de muito boas para excelentes nos últimos anos, mas nunca imaginei parabenizá-lo por um feito extraclasse.

- Obrigado, professora?! – Ele franziu o cenho. – Se devo considerar isso como um elogio.

- É claro que deve, Sr. Potter! Todos os professores estão comentando a surpresa em vê-lo utilizar suas habilidades para uma causa salutar! Confesso que quando o professor Dumbledore me explicou que pretendia empreender o convite para que executasse esta função, depois de me pedir que detalhasse sua conduta e suas aptidões, fiquei temerosa de ter feito um juízo errado do senhor. Agora, estou satisfeita pelo voto de confiança que lhe dei! – Ela pigarreou, vendo o sorriso que se formava no rosto do rapaz. – Isto não quer dizer que vou me tornar mais flexível com o senhor e seus amigos, Potter. Apenas que me alegro em ver seu potencial sendo bem empregado, ao invés de desperdiçado em travessuras e logros!

- Nada posso fazer, minha adorada professora, se o gosto pelo politicamente incorreto é a minha essência. – O garoto deu de ombros, agitando os cabelos com uma das mãos.

- Este era o meu maior temor, Potter! Principalmente em como isto afetaria a sua interação com a Srta. Black. Já que ela permanece inteira e aparentemente sã, presumo que se comportou como um cavalheiro.

- Tão sã quanto uma Black pode ser, senhora...

A mulher abriu um pequeno sorriso. Logo em seguida, levou a taça em direção aos lábios, para escondê-lo. Surpreendeu-se com o quanto o semblante de McGonagall era capaz de ser transformado ao abandonar a sisudez habitual. Tinha um novo feito para se gabar aos amigos: Não só fora elogiado diretamente pela séria professora, como também a fizera rir! Mirou seu relógio pela décima nona vez, que se consagrou como a última. Faltava pouco para a vigésima primeira hora e ao elevar o olhar, viu a quem tanto aguardava, entrando na sala e abrindo caminho para a vice-diretora francesa.

Narcissa Black estava trajada de forma irretocável. Não esperava que fosse diferente, mas ainda assim James se percebeu atônito diante da aparência dela. As vestes escolares haviam sido trocadas por um sofisticado vestido de cor creme.  A peça era ajustada ao corpo, tornando-se levemente mais ampla na saia e demarcando sua fina cintura.  O vestido era tecido inteiro, com a malha canelada cobrindo até um pouco acima da altura dos joelhos. Por fim, a gola alta e as mangas longas davam-lhe sublime elegância e o tornavam apropriado para a temperatura daquela noite. Calçava delicados sapatos boneca de um tom escuro de marrom, que lhe concediam um aspecto mais angelical. Os dedos estavam adornados por diversos anéis prateados e nos brincos cintilavam pequenas esmeraldas, visíveis graças ao penteado. No peito, um discreto colar oval brilhava. Apenas a parte de cima dos cabelos estava presa, embora duas finas mechas permanecessem soltas, emoldurando o rosto. O restante do comprimento dos fios caia em cascata por suas costas, reluzindo sob as luzes do ambiente.

Caminhava ao lado de uma madame Renouard trajada inteiramente de roxo, cumprimentando os presentes e traduzindo os pequenos diálogos trocados. Por fim, aproximaram-se de Dumbledore, que estava de pé, conversando dinamicamente com o professor Smith. Slughorn juntou-se a eles, cumprimentando a convidada de forma pomposa, com um beijo na mão. De longe, James observou que trocavam algumas frases e a graciosa francesa desmanchava-se em risadas. Narcissa sorria de forma polida, apenas o suficiente para não parecer indiferente demais ao professor, sem, no entanto, intrometer-se na conversa.

Assim que as badaladas do relógio indicaram nove horas, a música tornou-se mais suave e as velas pousadas na grande mesa se acenderam, indicando que era hora do jantar. Cartões estavam apoiados em pequeninas flores moldadas em prata posicionadas à frente dos copos, indicando o lugar de cada convidado. James demorou alguns instantes para encontrar o seu, entre madame Hooch e a professora Sprout. No lado aposto da mesa, à direita do anfitrião, o lugar de honra era da homenageada e Narcissa ocupou o espaço vizinho a ela. Dumbledore, por sua vez, sentou-se ao lado esquerdo de Slughorn.

A refeição delongou-se por oito etapas, descritas num pergaminho posicionado ao lado dos talheres de cada um dos presentes e logo no segundo prato James estava arrependido de ter comido tantos canapés antes do jantar. Se era assim que os franceses comiam todos os dias, já sabia onde gostaria de passar as próximas férias! Cada prato surgia em frente a todos os convidados ao mesmo tempo. Primeiro, uma salada de folhas, queijo de cabra, rabanetes finamente fatiados e nozes caramelizadas. Depois, uma cremosa sopa de ervilhas. Como entrada, foi servido um escalope de foie gras com figos grelhados e James repetiu mentalmente aquele nome algumas vezes, para lembrar-se de perguntar a Sirius do que se tratava, quando retornasse ao dormitório. O prato principal vinha indicado com o faustoso nome de Canard à l’orange, mas tratava-se de um pato com laranja acompanhado de purê de batatas.  Neste ponto, já se sentia incapaz de colocar qualquer coisa no estômago, mas ainda degustou os pequenos pedaços de queijo antes de fartar-se com o mil-folhas recheado de creme e geleia de damascos.

Durante toda a refeição, dedicou-se a discutir os recentes rumos do campeonato europeu de quadribol com madame Hooch, satisfeito em ter a primeira conversa realmente proveitosa da noite. Permitiu-se fitar a Narcissa algumas vezes entre os pratos, embora ela não tenha retribuído o olhar em nenhuma delas. Bebericava um licor, ouvindo a avalição da professora acerca da recente carreira de treinador de Darren O'Hare, quando Dumbledore ergueu-se e todos se calaram.

- Boa noite, queridos colegas e estimados alunos! – Pontuou, levando o olhar até James e seguindo para Narcissa, como se os cumprimentasse. – Depois do belíssimo jantar que Horace nos proporcionou nesta noite, creio que resta muito pouco a ser dito. No entanto, uma ocasião como esta não deve passar sem um pequeno pronunciamento. Estou seguro em afirmar que a paixão pela educação de jovens bruxos é o que move a cada um de nós. Acredito firmemente que não há outro caminho para construí-la do que a união de nossos esforços. Sendo assim, alegra-me profundamente que estejamos voltando a estreitar laços com nossa escola-irmã, a Academia de Magia de Beauxbatons! Minha cara madame Renouard, desejo que leve em sua bagagem não só as observações sobre nossos métodos de ensino, mas também nossos votos fraternos de que a recém-empossada diretoria traga a Beauxbatons uma nova era de êxito na formação de bruxos e bruxas dedicados a construir uma sociedade mais justa e humanitária! Hogwarts estará sempre de portas abertas para recebê-la, assim como à Madame Maxime e seus estudantes.

- Olímpia e eu serremos eterrnamente grratas porr sua hospitalidadê, prrofessorr Dumbledorre. Beuaxbatons também estarrá semprre a disposición de Ogwórts. Parra agradecerr porr la belle recepción, gostarria de proporr um brrinde, a Ogwórts e sua dirreción, e também uma danse, como é costumê em Frrance. – Madame Renouard levantou-se, erguendo a taça de vinho. – Vida longa ao prrofessorr Dumbledorre!

O barulho do vidro tilintando tomou o ambiente em seguida e cada um dos presentes bebericou da própria taça. A francesa encaminhou-se para o espaço aberto vizinho a mesa, próximo de onde estava posicionada a vitrola, e os outros convidados a seguiram.

- Oui, madame. La Valse de Fleurs c'est aussi mon préféré! – Narcissa concordou, ouvindo a sugestão da convidada de honra. – A valsa das flores, por favor, professor. – Repassou a Slughorn a solicitação de Madame Renouard.

O suave toque preencheu a sala, ao comando do anfitrião. Após uma elegante reverência, Dumbledore e Madame Renouard caminharam até o meio do salão, iniciando a dança. Uma saudação cheia de firulas seguiu-se ao convite do diretor da Sonserina para Narcissa, que graciosamente aceitou ao pedido. James arrumou os óculos, enquanto outros pares começavam a acompanhar a valsa. Foi a primeira vez na noite que se sentiu estúpido em ter vindo à festa. Vasculhou nervoso o ambiente, buscando uma solução. Não podia ficar inerte igual a um idiota! Vendo que madame Hooch permanecia parada, caminhou em sua direção.

- A senhora me daria a honra desta dança, professora? – Indagou, curvando-se ligeiramente.

- Ah, não, Potter! Eu não danço. Fora de uma vassoura, minha coordenação é um total desastre. - Cruzou os braços a frente do corpo, convicta.

- Madame Hooch... – James abriu um sorriso charmoso, o mesmo que costumava usar quando queria convencer sua mãe. – Prometo ser o cavalheiro mais cortês do recinto e ficar bem quieto se a senhora pisar em meus pés. – Ofereceu o braço na direção dela, que depois de hesitar alguns instantes, aceitou.

- Está bem, Potter. Mas o senhor acaba de contrair uma dívida comigo! – Resmungou.

Encaminharam-se até o salão, juntando-se tardiamente aos outros. O garoto prendeu um sorriso no rosto, embora acompanhar madame Hooch não estivesse sendo nada satisfatório. A professora tinha sido sincera quanto a suas habilidades. Perdia repetidamente o ritmo, esbarrando no rapaz e pisando em seus pés com relevante frequência. Ainda assim, arrastaram-se até o final da música, disfarçando o constrangimento. Despediram-se formalmente e, ele imediatamente dedicou-se a esquadrinhar o ambiente a procura de Narcissa. Os primeiros acordes mal haviam se iniciado e a loira já bailava pelo salão na companhia do professor Smith. James torceu os pulsos, frustrado e nauseado. O professor de DCAT deste ano figurava entre os maiores dissabores que a escola o havia infligido. Ao contrário dos outros mestres, sentia que Smith castigava-o com prazer e Sirius tinha a mesma certeza. Em contrapartida, haviam passado a provocá-lo com mais frequência, tumultuando as aulas na mesma medida em que estudavam como condenados para manter elevadas notas em sua disciplina. Faziam apenas pelo prazer de contrariá-lo e provar que podiam ser bem-sucedidos sem a mediação do professor. A esta altura, já não sabiam quem tinha dado início ao ciclo de animosidade. Ver Smith com as garras sobre o corpo de Narcissa, conduzindo-a em uma dança que deveria ser sua, ampliou a vontade de James em aborrecê-lo. Ia falar com Almofadinhas, já estava mais do que na hora de aprontarem alguma coisa! A melodia finalmente teve seu fim e ele atravessou o salão a passos largos. Seu coração disparou abruptamente contra o peito quando seus olhares se encontraram. Sorriu ao se aproximar, preparando-se para cumprimentá-la. Em seus devaneios, antevia o calor do corpo dela contra o seu, as mãos unidas, os rostos próximos. Passou a língua pelos próprios lábios, subitamente secos pelo nervosismo. A boca dela se moveu de forma discreta, sussurrando suavemente com um semblante imperativo que não combinava em nada com o que o rapaz esperava ouvir dela naquele momento.

- O que? – Indagou, franzindo o cenho.

- Chame Madame Renouard para dançar primeiro. – Repetiu um pouco mais alto, indicando com o movimento dos olhos a vice-diretora de Beauxbatons parada a pouca distância deles.

- Por que eu faria isso?

- Aja, Potter!

Soltou o ar com força, sentindo a frustração acumular-se. Não era aquele diálogo que havia fantasiado trocar com a garota. Questionava-se por qual motivo iria obedecer à vontade de Narcissa Black, mas o fez imediatamente, antes que se permitisse pensar melhor. Dirigiu-se até a hóspede, fazendo-lhe uma reverência e convidando-a a compartir aquela dança. Madame Renouard alegrou-se, aceitando prontamente o pedido.

- Senhorr Potter, que délicatesse! – Os lábios finos da francesa esticaram-se em um sorriso satisfeito.

- Acompanhá-la durante sua estadia em Hogwarts foi uma grande honra, madame! Me sinto na obrigação de celebrar este período à moda francesa. – Devolveu a ela o sorriso mais galante que era capaz de conceber.

Ao contrário da mestra de voo, madame Renouard demonstrava sua forte personalidade até na dança e o conduzia firmemente. Rodopiavam no salão e ele buscou a Narcissa pelas costas da visitante. Desconcertou-se, vendo que, ao fundo, a moça dançava acompanhada de ninguém menos do que Albus Dumbledore! Mantiveram a conversa durante toda a música e James desejou ser uma mosquinha para ouvir tudo o que debatiam. Embora achasse difícil surpreender-se com a desenvoltura da garota, acabava sempre boquiaberto. Era admirável como agia com desembaraço diante de qualquer situação! Aos olhos de todos, compartia uma valsa com o homem mais influente da Grã-Bretanha sem titubear, como se fizesse aquilo cotidianamente. As últimas notas da música ecoaram e antes que James pudesse agradecê-la pela dança e se afastar, ela o reteve, pousando a mão levemente em seu antebraço.

- Gostarria de agrradecerr, senhorr Potter. Meus dias em Ogwórts forram ecsplêndidos! Nón poderrian ter sido tán prreciosos sem a companhiá do senhorr e da senhorrita Black.

- Alegro-me em saber, madame! Hogwarts estará sempre pronta para recebê-la quando quiser retornar. -  Fez uma pequena mesura, que ela retribuiu, e seguiu na direção de quem realmente o interessava.

Narcissa permanecia parada de costas para ele, à margem da pista de dança, ainda envolvida na conversa com o diretor. Acercou-se lentamente, esperando que os dois encerrassem o diálogo. Dumbledore sorria de forma espirituosa, observando a aproximação do rapaz, como se o encorajasse. Tocou o ombro dela, fazendo com que se espantasse e virasse repentinamente o corpo em sua direção.

- Queira perdoar-me, não pretendia assustá-la! – Exagerou propositalmente na formalidade, para que ela soubesse que a estava provocando.

- Oh, não. Não foi nada, Potter!

- Peço desculpas por interrompê-los, professor. Mas creio que a Srta. Black prometeu conceder a mim a honra desta dança. – Ele inclinou-se, estendendo o braço na direção dela.

- À vontade, Sr. Potter! Velho como sou, estava mesmo precisando me sentar. – Franziu momentaneamente o cenho, prestando atenção às notas que vinham da vitrola. – Ah! A valsa da Bela Adormecida! Uma sublime composição trouxa inspirada pela história da paixão entre um príncipe corajoso e uma afável princesa... – A sobrancelha sutilmente erguida e o sorriso no canto dos lábios deram a James a certeza de que o diretor compreendia o que se passava entre os jovens.

Narcissa acomodou graciosamente a mão sobre o braço dele e caminharam em silêncio até o fundo do salão, distante dos poucos casais que ainda ocupavam o espaço de dança. Enlaçou a cintura da garota, após cumprimentarem-se formalmente. Sentiu a mão dela esquentar em contato com a sua, embora a que permanecia sobre seu ombro continuasse fria.

- Pensei que não conseguiria lhe falar hoje. – Abriu o diálogo, trazendo-a para mais perto de si. – Imagino que estou equivocado em supor que estava fugindo de mim, Srta. Black.

- Completamente equivocado, Potter! Madame Renouard é nossa convidada de honra e você a acompanhou durante todos esses dias. Seria de extremo mal gosto se convidasse a mim antes de tê-la conduzido por pelo menos uma dança.

- Mesmo que eu não estivesse nem um pouco interessado em dançar com ela?

- Os interesses pessoais jamais devem sobrepujar a boa educação.

- Pois bem, dediquei-me de corpo e alma à boa educação nos últimos dias. Como me sai? – Mantinha os olhos pousados sobre os dela.

- Surpreendentemente bem, embora não possa dar inteiramente este mérito a você, Potter. Me parece que tenho um talento especial para transformar os encrenqueiros em mocinhos por alguns dias!

- Agora estou livre para voltar a ser um encrenqueiro?

- Ainda não. Mas assim que Madame Renouard colocar os pés fora desta escola, você poderá retomar a sua vida longe do meu julgamento.

O baque das palavras dela foi como um soco. O fracasso de suas expectativas caiu como uma pedra, pesando-lhe no estômago. Então havia se enganado?  Se para ela, o fim da visita da vice-diretora significaria também o afastamento definitivo dos dois, todos os sinais que James pensava ter observado eram apenas ilusões? Havia visto o que gostaria de ver, romantizando o que de fato acontecera? Parou um instante, soltando-lhe a cintura e levando a mão dela até acima da cabeça, fazendo com que desse uma pirueta. Mantendo apenas os dedos de uma das mãos unidos, a garota desenhou um círculo em volta dele. Sentiu-se tolo. Um garotinho ludibriado por suas próprias interpretações. Não podia ser tão ingênuo assim... Ela sorrira para ele! Não um sorriso educado, um sorriso real! No dia anterior, confidenciara a ele sentimentos sobre a própria família. Hoje, estivera o tempo inteiro perto dele, trocando brincadeiras pelas costas dos professores. Ela havia flertado deliberadamente com ele! E agora, lançava ao vento a certeza de que se afastariam de forma definitiva no dia seguinte? Não... Não. Não! Ela não podia jogar assim com seus sentimentos. Pararam lado a lado e sua mão direita segurou a mão esquerda da moça, por cima da cabeça dela. Acomodou o braço esquerdo contra as costas e começou a caminhar em frente, acompanhando a trajetória que ela também fazia, embora ela o fizesse ao mesmo tempo em que girava no próprio eixo. Foi a vez do braço esquerdo da garota dobrar-se contra as próprias costas e James circundou a cintura dela com seu braço direito, tomando-lhe a mão. Flexionaram os braços livres acima da cabeça, unido as mãos em arco e obrigando seus olhos a se encontrar. Estavam tão próximos que podia sentir a respiração dela fluindo até a sua, enquanto seus corpos descreviam círculos no novo eixo formado pelos dois, sem desmanchar a posição dos braços. O singelo azul dos olhos dela o tragava. Observou pela primeira vez que as írises quase cristalinas eram rajadas por pequenos feixes de um tom cerúleo. Narcissa sustenta o olhar de forma tão altiva que era difícil para ele manter a reciprocidade.  Ao fundo, as últimas notas da valsa abandonaram o ambiente e o silêncio foi preenchido apenas pela respiração entrecortada dos dois.

- Você é um excelente dançarino, Sr. Potter. – Murmurou, sutilmente desconcertada.

Mantiveram-se parados, sem conseguir desfazer a última figura da dança. Quase pôde sentir as palavras delas se avolumando contra seu rosto. Soltaram as mãos lentamente, deixando que pendessem ao lado do corpo, como se só agora tivessem se dado conta do fim da melodia. James sentiu seu rosto corar. Aproveitando-se da passagem de um elfo ao seu lado, Narcissa tomou uma taça de vinho branco da bandeja que a criatura carregava. Fez uma última reverência na direção do rapaz e sumiu por entre os panos dourados.

Despenteou compulsivamente os próprios cabelos, forçando a energia acumulada no instante anterior a se dissipar. Respirou fundo, soltando o ar pela boca e foi atrás dela. Afastou algumas cortinas, dirigindo-se aos espaços mais escuros e vazios, ao fundo da sala. A moça repousava o corpo contra a janela, fitando o horizonte e bebericando o vinho. Acomodou-se ao lado dela, buscando com os olhos o que havia de tão interessante no espaço aberto que ela mirava.

Não estava ficando louco! A atmosfera entre eles era densa. Se Narcissa estava apenas brincando com ele, era realmente perigosa como Almofadinhas havia alertado. Nunca havia se sentido tão sobressaltado meramente pela presença de alguém. Se recusava a acreditar que tudo que se desenrolara naqueles dias era uma quimera. Empenhou todas as forças em manter a respiração calma e não denunciar o turbilhão de emoções que se revolvia dentro dele naquele momento.

- Minha mãe tem formação em ballet clássico. Passou a vida inteira frustrada com o fato de o marido ser uma negação na dança. Depois que eu nasci, não descansou até considerar minhas habilidades de dançarino dignas de um descendente seu. De quebra, garantiu que eu me tornasse um par a altura dela para todos os bailes.

- Uma visionária! – Seus lábios formaram um arco irônico.

- Sou grato por isso. Uma valsa bem executada tem seu valor...

- Mamãe sempre disse que uma valsa nos braços do meu pai foi a responsável por fazê-la jogar seu mundo inteiro para o alto. – Ela virou o rosto para fitá-lo, estudando o impacto da frase que acabara de pronunciar. – Eu nunca acreditei nela. – Bebeu delicadamente do conteúdo da taça. – Estavam à beira dos proclames do casamento dela com tio Órion. Mas ela se enamorou do meu pai... Foi um escândalo! Abafado rapidamente pelo noivado de meu tio com a irmã de papai, tia Walburga, é claro.

- Bendita valsa! Um mundo em que não existisse Narcissa Black... Que tipo de mundo iria ser?

Ela manteve o silêncio, deixando que seus olhos percorressem o rosto de James. O garoto se perguntou se a loira era capaz de dimensionar o quanto seu olhar o transpassava, se ela se demorava em observá-lo de forma proposital. Soltou o ar, cansado da indefinição na qual se enroscara. Narcissa era um mistério. Fora exatamente o que despertara seu interesse inicial. Mas agora, sentia-se cada vez mais confuso e apreensivo diante da possibilidade do não-ser.

A inquietação o consumia, minando sua capacidade criativa. Diante de qualquer outra, já teria dado fim ao silêncio com um gracejo cheio de malícia. Mas não com ela. Não queria errar. Não podia errar. Um escorregão poderia significar uma ofensa irreparável. E pela primeira vez, ele não queria correr o risco de perder uma garota por causa de uma piada. Mordeu a língua, impedindo-se de falar alguma besteira. Finalmente, decidiu-se por elogiá-la. Estava certo de que nenhuma mulher resistiria a um elogio, principalmente uma que tivesse herdado o ego dos Black.

- É um pouco tarde para dizer, mas você está linda.

- Obrigada, Potter. É muito gentileza sua! – Respondeu, com um de seus sorrisos programados ornando o rosto.

- Você não consegue, não é? – Exclamou, a frustração escapando entre os dentes, sem que ele pudesse conter. Narcissa franziu o cenho, surpresa com o tom irônico da voz dele. – Ser você. Não a perfeita decente dos Black, uma donzela da alta sociedade, refinada e primorosa. Você, Narcissa. Só você.

- Eu não estou entendendo aonde você quer chegar, Potter. – Apesar da fingida incompreensão, apertava a taça com um pouco mais de força do que o necessário.

- Eu quero conhecer você, Narcissa. O que você pensa, sente, como enxerga as coisas ao seu redor... Eu quero ouvir você falar o que quiser, porra! Não o que foi treinada para dizer ou o que parece mais adequado. Quero ver você expressar o que vier a cabeça!  E se for uma bobagem, dane-se, a gente dá risada, como fez naquele dia no almoço! Nós somos jovens, imaturos. A gente não precisa de desculpas pra ir longe demais!  – Respirou antes de continuar, para impedir que as palavras saíssem sem controle da sua garganta. – Faz dias que eu te mostro quem eu sou, mesmo. Sem disfarces. Sem agir como “o presunçoso James Potter”. E o que eu mais quero é receber o mesmo em troca! Te olhar nos olhos, como na Torre de Astronomia, e saber que o que você está me contando são seus pensamentos verdadeiros, que estou vivenciando um pouco da sua história! Eu quero conhecer coisas incríveis, sabendo que você é a única que pode mostrá-las! Quero te olhar e perceber que nem a magia seria capaz de explicar as sensações que estão tomando conta de mim! Quero entender essa loucura que é estar no seu lugar no mundo! Quero te ouvir falar e me dar conta de que eu não sabia o que era o paraíso até ver pela sua ótica! Quero deitar a cabeça no travesseiro e ter ciência de que fiz tudo que não devia fazer, mas que vou pagar por esse pecado com gosto, por ter pecado por tua causa.

A moça pousou sutilmente a taça vazia sobre o parapeito da janela, depois de entornar o último gole de vinho. Sua expressão estava vazia, embora seus olhos faiscassem sob os raios de luar. James buscava acalmar a respiração, observando-a arrumar amenamente a presilha que adornava os loiros cabelos.

- Eu quero ver onde isso tudo vai dar, Narcissa. – Saboreou o nome dela saindo aos poucos de seus lábios. – Você só precisa me permitir. E se permitir.

Esperou que dissesse alguma coisa, que o xingasse, que sacasse a varinha para o estuporar. Mas ela não o fez. A apatia dela o dilacerou, rasgando seu orgulho em pedacinhos. Então, de fato, estava errado sobre ela. Tudo não havia passado de uma convivência forçada, uma simpatia ensaiada. Resistiu ao impulso de bagunçar os cabelos, apertando os dedos contra a palma da mão.

- Vamos tentar de novo. – Indicou, retornando o olhar para a noite vazia, através da janela. - É um pouco tarde para dizer, mas você está linda.

- Obrigada, Potter. É muito gentileza sua! – Trouxe de volta aos lábios o falso sorriso de antes.

James soltou o ar frustrado, virando-se para apoiar as costas no parapeito e olhando para cima, com as mãos nos bolsos. A garota afastou-se do lugar onde estava e caminhou até que estivessem frente a frente. Cada um dos braços dela estendeu-se em um dos lados do corpo do rapaz e ela descansou as mãos no parapeito da janela, fazendo com que ficassem bem próximos.

- Se desejar mesmo saber quem sou, a primeira coisa que precisa conhecer é a minha teimosia. – Mantinha uma sobrancelha arqueada de forma tão aguda, que James sentiu receio de ter se equivocado em dizer o que dissera. – A segunda, é que eu posso parecer exatamente com o próximo erro que você quer cometer, James Potter. – Pronunciou o nome dele com volúpia, deixando cada sílaba escorrer dos lábios, aproximando seus rostos o quanto possível. - Mas não se engane. Eu não sou seu sonho, apenas estou vestida pra parecer com ele!

Murmurou as últimas palavras com a boca tão próxima à dele, que o garoto pode notar os lábios frios roçarem seu rosto. Depois, virou-se de costas e se afastou rapidamente. O rapaz sentiu o coração a ponto de saltar pela boca. Adiantou-se até as cortinas, afastando-as com as mãos para ir atrás dela, mas chegou apenas a tempo de vê-la abandonar a sala tão discretamente que nenhum dos outros convidados percebeu. Encostou-se contra um dos pilares, experimentando a adrenalina circular por suas veias. Levou os dedos a lateral dos lábios, esfregando-os devagar contra a pele imediatamente anterior a sua boca. Em seguida, estendeu o braço ao lado do corpo e mirou os dedos, constatando que estavam sujos do batom que ela usava. Então, desordenou os fios negros de seus cabelos, com um sorriso brotando no rosto. Estava irremediavelmente apaixonado por Narcissa Black. 

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O vento cortante lambia o rosto da moça. Apertou o cachecol verde ao redor do pescoço, cobrindo levemente a parte inferior do rosto. Sob a fraca luz das primeiras horas do dia, Narcissa, a professora McGonagall e Hagrid, o guarda caça da escola, aguardavam de pé próximos a um enorme carvalho. Pelo canto do olho, viu que Potter caminhava na direção deles, esfregando as mãos uma na outra para aquecê-las.

- ‘Dia! – Saudou alegremente, juntando-se ao pequeno grupo.

O burburinho das vozes misturadas soou, respondendo a ele em descompasso. Narcissa resistiu a permitir que se fitassem. Desde a discussão da noite anterior, não havia parado um instante de pensar em tudo que ele dissera. Deitada na cama, havia visto o dia amanhecer emaranhada no ressoar das palavras dele.

- Acordei milhões de vezes durante a noite, apavorado com a possibilidade de me atrasar. Parece que você venceu, Narcissa! – Parou ao lado dela, com um sorriso atravessado no rosto.

- Posso me orgulhar por mais uma excelente contribuição à sociedade!  

- Se conseguir ensinar o mesmo ao seu primo, Srta. Black, mandarei gravar uma placa em sua homenagem para colocar na sala comunal da Grifinória! – A professora interveio, arrumando cuidadosamente os próprios fios de cabelo, despenteados pelo vento.

- Se me permite, professora McGonagall, nessa idade não há nada tão difícil para um garoto quanto acordar na hora! – Hagrid adicionou, erguendo as grossas sobrancelhas antes de soltar uma risada.

- Sinto muito ao dar-lhe essa notícia, professora, mas meu primo é um caso perdido! – Ela deu de ombros.

Finalmente, Dumbledore e Madame Renouard despontaram na porta do castelo. Atrás dele, Filch carregava a pequena maleta de tom caramelo que, graças a um feitiço indetectável de extensão, comportava toda a bagagem da visitante. A francesa trajava uma elegante capa de viagem preta, mas podia-se ver a barra de suas vestes azul marinho por baixo. O cabelo loiro estava preso em um coque, adornado por um casquete de plumas também em nuances de azul. Por fim, um sofisticado cachecol de tom carmim estava cuidadosamente posicionado em volta de seu pescoço.

- Está quase na hora, Albus! – McGonagall soou apreensiva, observando seu relógio de bolso.

- É minha culpa, Minerva! Estava separando alguns materiais para enviar a Madame Maxime. Contudo, ainda estamos dentro do horário.

- Non se prreocupê, professorrá McGonagall. Estarrei prrontá dentrrô de um instantê. Me ajudê aqui, senhorrr Potterr!

Ela depositou a maleta nos braços estendidos do garoto, abrindo a tranca para procurar alguma coisa. Com um aceno de varinha, trouxe à tona um pequeno objeto, antes de fechar a mala. O guarda-chuva era preto, mas tinha ferragens douradas. No lugar do cabo, estava posicionado um ornamento no formato da cabeça de um diminuto galo gaulês, a ave símbolo da França.

- Le voyage ça va commencer dans 5 minutes. – Uma voz aguda soou, enquanto o bico do galo se movia.

- Merci! – A vice-diretora respondeu com presteza.

Narcissa tirou o embrulho do bolso das vestes e aproximou-se da visitante. Em breve, a estadia de madame Renouard em Hogwarts teria seu fim. Como uma boa anfitriã, não poderia deixar que a hóspede partisse sem levar consigo um mimo relacionado ao período que estivera ali. Percebeu que James a observava com curiosidade, imaginando do que se tratava o pacote.

- Esta é uma pequena lembrança, em meu nome e do Sr. Potter, madame. Para que jamais esqueça do tempo que passou conosco em Hogwarts! Foi um privilégio para nós desfrutar da sua honrada companhia e poder apresentá-la um pouco de nossa escola!

Como manda a etiqueta, madame Renouard abriu o presente em frente à moça, desnudando a edição intocada de “Hogwarts: Uma história”. No rosto de Dumbledore, parado próximo à visitante, desenhou-se um sorriso satisfeito.

- Oh! A senhorrita é encantadorrá, senhorrita Black! – Atreveu-se a abraçar a garota, num ato passional de agradecimento. Em seguida, fez o mesmo com James. – Beuaxbatons está de porrtas aberrtas parra vocês. Venham nos visitarrr, vamos adorarr recebê-lus!

- Diante de um gesto tão delicado da Srta. Black, creio que não há mais nada apropriado a ser dito, madame Renouard. – Dumbledore exclamou, passando os dedos pela ponta da barba. – Não obstante, reforço nossa disponibilidade à Beauxbatons e meus votos de sucesso à senhora e à madame Maxime. Contem comigo e com Minerva para...

- Le voyage ça va commencer dans 1 minute. – A aguda voz do galo interrompeu a fala de Dumbledore.

- Está na horra! Minhá bagagê, senhorrr Potterr! - James apressou-se em restituir a maleta, ajudando a ela a guardar o presente rapidamente dentro da bagagem. Depois disso, acomodou-se ao lado de Narcissa. - Merci, prrofesorrá McGonagall, prrofessorr Dumbledorre! Nunca esquecerrei a calorrosá recepción que recebi em Ogwórts. Au revoir!

Em seguida, a mulher abriu o guarda-chuva, apesar do céu manter-se límpido. Das estruturas metálicas emanou um repentino feixe de luz e pode-se ouvir o pequenino galo exclamar “Un bon voyage!”. Como uma pluma, Madame Renouard alçou voo, sustentada pelo guarda-chuva. Embora o vento soprasse com força, a francesa mantinha-se sofisticada, flutuando com um semblante inabalavelmente refinado. O pequeno grupo acompanhou a ascensão com o olhar, até que ela subitamente desapareceu.

- Ah, os franceses... Nunca vi ninguém usar uma chave de portal com tamanha classe!  – O diretor comentou num tom fascinado. Logo depois, virou-se na direção da dupla de estudantes. – Bravo, Srta. Black! Impecável, como sempre! Presenteá-la com um exemplar de “Hogwarts: Uma história” foi o toque final de primor. Quanto ao senhor, Sr. Potter, excedeu em tudo as minhas expectativas! Só posso proferir meus sinceros agradecimentos pela disponibilidade e amabilidade com nossa visitante. Graças a vocês, estamos salvos de um vexame internacional por um par de anos! – Estendeu o braço, apertando a mão da moça e em sequência a do garoto. - Agora, chega de passar tanto frio. As lareiras nos esperam! – Acrescentou, com um aspecto divertido preenchendo o rosto. – Gostaria de uma xícara de chá, Minerva?

Acompanhado da vice-diretora e seguido a uma pequena distância pelo zelador, Dumbledore desenhou sua trajetória de volta ao castelo. Com o avançar da manhã, as janelas começavam a se abrir na torre da Corvinal, logo à frente de onde eles estavam. Em todo o castelo, os estudantes despertavam para um último longo dia de aulas antes do respiro do final de semana.

- Bom trabalho, garotos! Bom trabalho! Trouxeram grande orgulho à Hogwarts! Agora, deixem-me retornar às minhas abóboras. – Hagrid os parabenizou, antes de encaminhar-se para sua cabana.

A figura do homem de porte avantajado já estava pequena no horizonte quando eles desviaram o olhar e se perceberam sozinhos. O movimento dentro do castelo era intenso, mas ali, no jardim, imperava a quietude da manhã de um final de outono.

- Madame Renouard tem razão. – As palavras dele desfizeram o silêncio. - Você é encantadorrá, Srta. Black. – Tomou suavemente a mão dela, onde depositou um beijo.

Ela sorriu, deixando que seus olhos enfim se encontrassem com os dele. A tensão da noite anterior dissolveu-se progressivamente, como um cubo de açúcar dentro do chá quente. O peito de Narcissa estava morno. Sentindo que a mão do rapaz permanecia entrelaçada à sua, dissimulou uma arrumação no cachecol, para desvencilhar os dedos dos dele. Logo, a maior parte dos alunos estaria no salão principal, compartilhando a refeição. Sentiu receio de ser avistada conversando com ele por algum dos colegas da Sonserina, então forçou-se a dar meia volta, caminhando rumo do castelo. Insistente, James a imitou, seguindo seus passos.

- É... Parece que nos saímos bem. – Concordou, enfim.

- Bem? Você está brincando? Fomos incríveis!! – Escancarou um sorriso, que ela não pode deixar de admirar. – Madame Renouard deve estar agora mesmo tagarelando sobre nós para alguém!

- Certamente até o fim do dia de hoje todas as matronas francesas estarão sonhando com o prestativo senhor Potter! – A garota levou as mãos unidas até a lateral do rosto e fingiu suspirar, piscando os olhos repetidamente.

- Pode falar para quem quer que seja, contanto que seja sobre mim! – Ele riu e a loira o acompanhou. O rapaz flexionou um dos braços e desarrumou os cabelos, assim que as risadas morreram. – Sabe, Narcissa, deveríamos comemorar nosso sucesso... Beber alguma coisa... – James analisava o rosto dela, em busca de qualquer pequena expressão que pudesse significar concordância.

- Bom, Potter... – Narcissa sabia que o que ele lhe oferecia não era um convite desinteressado. Dentro de sua mente, duelavam dois lados: O primeiro, decidido a dizer não, certo de que era um erro confraternizar com um traidor do próprio sangue. O outro relativizando a situação. Que mal poderia fazer apenas beberem alguma coisa? Além disso, como negar o pedido se ele tinha um sorriso tão encantador? - Amanhã, quem sabe? – Exclamou finalmente, optando por adiar a própria decisão, esperançosa de nunca ter de tomá-la. - Assim comemoraremos não somente o nosso sucesso, mas também o do vencedor da partida de quadribol.

- Você é mesmo genial, Narcissa! Amanhã, então. Beberemos ao nosso sucesso e à vitória da Grifinória!

- Eu não estaria tão certa disso, Potter. O time da Sonserina está bem alinhado nessa temporada!

- Nem em um milhão de anos seriam páreos para nós, meu bem! Mas não se preocupe, não vou lhe constranger a admitir isso... Amanhã, depois que vencermos, você pode falar baixinho só pra mim que eu estava certo.

- Vá sonhando, Potter! – Começou a caminhar em direção às masmorras, para forçar as trajetórias dos dois a se afastarem.

- Qual é mesmo a cor da esperança? Ah, é isso... Verde! Assim como a da Sonserina, não é? Mantenham a fé, porque é a única coisa que vai lhes restar depois que arrasarmos o time de vocês.

Competir com James Potter era impossível, principalmente quando se tratava de quadribol. É verdade que desde que ele havia assumido a posição de apanhador no time da Grifinória, dois anos atrás, o time jamais havia perdido uma partida. Entretanto, a disputa contra a Sonserina havia sido apertada no ano anterior, encerrada precocemente com uma vitória dos grifinórios por apenas 10 pontos de vantagem, devido à chuva torrencial acompanhada de raios que começara a cair. Ela revirou os olhos diante da prepotência do rapaz e virou-se de costas, seguindo seu caminho. Percebeu que seria a primeira vez em três dias que teria que se concentrar nas aulas, sem partilhar gracejos com ele pelas costas dos professores. Surpreendeu-se pensando que o dia tinha perdido um pouco a graça. Decidiu dar uma rápida olhada para trás, vendo-o se afastar enquanto se encaminhava para o salão principal.

- Ei, Potter! – James não hesitou em virar-se para fitá-la, parando já no fim do corredor. – Eu vou torcer por você. – Um sorriso de ponta a ponta tomou o rosto do rapaz. – Não pela Grifinória. – Ela se corrigiu rapidamente. – Por você. Pra que você não encerre o dia estraçalhado na ala hospitalar! –Sorriu pra ele e retomou seu rumo em seguida, mas não antes de vê-lo mostrar o dedo do meio, para provocá-la em represália.

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