Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
All Chapters Forward

Aluno modelo

Inspirou e expirou profundamente, deixando que o ar que preenchia seus pulmões o ajudasse a limpar o cérebro. O clima no vestiário da Grifinória era de tensão. O primeiro jogo de quadribol da temporada começaria em poucos minutos e o tempo do lado de fora era mais ventoso do que estavam esperando. O time respirava inquieto, contando os segundos para que a partida começasse. James cerrou as pálpebras, mas arrependeu-se de tê-lo feito, no momento em que os olhos de Narcissa preencheram sua mente. Tinha sido assim nos últimos dias: A cada vez que deixava a mente vagar livre, as írises azuladas da moça derramavam-se em seus pensamentos e principalmente em seus sonhos. Sentiu o ventre repuxar e aquecer-se, a sensação de flutuação no estômago retornando. Desde a detenção, não haviam conversado nenhuma vez. James tentara em vão surpreendê-la sozinha em algum corredor, mas a loira aparecia sempre acompanhada de algum colega da Sonserina. Restara ao rapaz tentar fazer contato visual durante as refeições, entretanto, ela sempre desviava o olhar. Durante esses momentos, James conseguira enxergar um sorriso divertido no rosto dela duas vezes, como se estivesse fugindo de propósito. A provável brincadeira estava deixando-o com os sentimentos ainda mais misturados. Tinha medo de que ela estivesse ofendida, sentia arrependimento por tê-la beijado, estava furioso por deixar que ela fosse embora, guardava uma pontinha de felicidade ao relembrar dos sorrisos e olhares que haviam trocado, experimentava certo orgulho pelos assuntos íntimos que haviam partilhado e por fim, estava inebriado por um desejo quase insano de tê-la. O fato de não poder dividir o que se passava com ninguém, principalmente com Sirius, o assolava. Nunca imaginara cobiçar a prima do seu melhor amigo! O medo de ser descoberto e ferrar com tudo o invadia todos os dias.

- Acorda, Potter! – A artilheira Elizabeth Pluffek estalou os dedos diante do rosto dele. – Vamos entrar em campo!

- É melhor você estar acordado na hora da partida, Jay! Não queremos perder aquele pomo pra Corvinal. – Dimitri Thomas, o capitão do time, gritou na direção do rapaz.

- Você já me viu perder um pomo? – James arqueou a sobrancelha, bagunçando os cabelos e se erguendo.

- Ainda não. Espero que hoje não seja a primeira vez. - O rapaz alertou.

- Não será, Dimitri. Não será!

Potter apanhou a vassoura e caminhou em direção ao campo, com os outros. Os gritos do lado de fora o instigaram. Montou na vassoura assim que o apito soou. A Grifinória começou com a bola. O dia era deles! Estavam vencendo por trinta pontos quando avistou o pomo pela primeira vez. Entretanto, massacravam a Corvinal com tamanho gosto, que ele preferiu esperar que a diferença aumentasse. Voou pelo campo despreocupadamente por pelo menos 10 minutos. A apanhadora da outra casa voava em círculos, um pouco acima dele. O time adversário era formado por excelentes jogadores, mas parecia não ter encontrado a sincronia ainda. Em contrapartida, o time da Grifinória jogava como uma máquina bem azeitada. Sentiu algo cruzar o ar próximo ao seu pescoço e subir em disparada: O pomo! Do outro lado do campo, Grifinória fazia o terceiro gol seguido. Era a hora perfeita, tinham uma diferença de 80 pontos. Dessa forma, alcançariam boa vantagem logo no início do campeonato.

Matilda Islavinsk ergueu os olhos e começou a voar em direção a bola. James endireitou a vassoura e subiu com uma velocidade estupenda. Pelo canto dos olhos, percebeu que a moça estendera a mão. Praguejou em voz baixa, pensando que poderia tê-lo capturado antes, se não tivesse dado ouvidos ao seu orgulho. Acelerou ainda mais a subida, cruzando na frente dela. Estendeu a mão e no instante em que sentiu o metal gelado entre os dedos, o baque o atingiu em cheio: Ele trombara com Inslavinsk. “Merda!”, pensou, enquanto empinava a vassoura, voando para longe. A garota rodopiou no ar e, por um instante, ele chegou a pensar que cairia da vassoura. A torcida estava apreensiva, sem entender tudo que ocorrera. Estavam alto demais para que o público pudesse distinguir exatamente o que se passava, apesar dos binóculos. James voou na direção dela e a ajudou a estabilizar-se, segurando a mão da moça.

- Tudo bem aí? – Ele gritou, o vento batendo-lhe com força no rosto.

- Vamos descer! - Ela levantou o polegar num sinal afirmativo.

 James desceu então em direção ao campo, a garota logo atrás dele. Ergueu o pomo, preso entre os dedos. A torcida da Grifinória vibrou ensandecida, compreendendo finalmente o que ocorrera. A juíza apitou o final do jogo. A narração da vitória era deliciosa aos ouvidos de James, mas tornou-se cada vez mais distante no minuto em que seus olhos encontraram os da loira, na arquibancada adversária. Fitaram-se por alguns momentos. James levou o pomo aos lábios e depois o ergueu levemente na direção dela, como se ameaçasse arremessá-lo para a moça. A comemoração do time e da torcida era estrondosa. Narcissa sorriu de volta, os olhos acessos como depois que ele a beijara.

- Parabéns, campeão! – Antes de abrir um sorriso irônico, os lábios dela formaram as palavras em silêncio.

James sorriu e bagunçou os cabelos, piscando para ela. Desceu em direção ao local onde o time comemorava, pulando da vassoura em seguida. As risadas ecoavam entre os jogadores abraçados e ele sorriu, pensando que aquele era o melhor dia da sua vida.

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Narcissa estreitou os olhos, fitando-o caminhar pelo jardim ao lado do time. Já haviam se passado muitas horas do término da partida, mas as comemorações seguiam incansáveis. Nos corredores, o único assunto era a jogada genial de Potter.  Ela permanecia parada numa das sacadas, mirando o pôr-do-sol e o movimento dos alunos.

Inspirou profundamente o ar frio, sentindo o cheiro das folhas que caiam por todos os lados no terreno da escola. O inverno desse ano seria rigoroso, ela já podia sentir. O dia não havia terminado e as pontas de seus dedos estavam geladas, mesmo que ainda fosse outono. Não se importava. O inverno era a estação na qual sentia-se mais confortável, como se o frio do ambiente fizesse par com o frio que havia dentro dela.

Esfregou os dedos uns nos outros para aquecê-los. Era bem verdade que sua aparência lhe conferia um ar muito diferente dos Black. Seu interior, no entanto, fora moldado gelado, em semelhança ao da família. Indiferença era uma das características que os distinguiam dentre as famílias nobres. O exemplo e a cobrança implícita por uma postura semelhante davam aos Black, desde a infância, a tácita capacidade de agir de forma indolente em quase todas as situações.

Durante algum tempo, havia se questionado se para os seus pais e tios havia sido mais fácil adquirir tal postura do que parecia ser para suas irmãs e primos. Porém, as reações de sua tia Walburga à atitude petulante e aos constantes enfrentamentos de Sirius fizeram-na perceber que o fogo que queimava dentro dos mais jovens, especialmente do primo mais velho e de sua irmã Bellatrix, não era uma exclusividade de sua geração.

Não para ela. Para Narcissa resultava muito mais fácil esconder o que pensava e sentia. Evitava a todo custo estar no meio do fogo cruzado e a melhor forma de não receber também os castigos e culpas pelas traquinagens das irmãs e dos primos era apagando-se, o que ela aprendeu a fazer com maestria. Ainda assim, destacava-se, de alguma forma. À medida que fora crescendo, seu feitio de boneca transmutou-se em uma aparência vaporosa que lhe concedia um ar de mistério. Sabia que a aura emblemática era capaz de criar um forte interesse sobre ela, atraindo olhares de alguns e gerando desejos, e embora Narcissa não se dedicasse a desfazer essa atmosfera, tampouco agia de forma premeditada para corroborar com ela. Até agora.

Era desse mistério que se utilizara nas últimas semanas para brincar com James Potter. Deu-se conta de que seus lábios formigavam. Talvez pelo frio, talvez pela lembrança do beijo que recebera do rapaz. Sorriu, rememorando as inúmeras tentativas que ele fizera de chamar sua atenção. Narcissa estava consciente de todas elas, mas vê-lo insistir e observar a confusão e a frustração desenhadas no rosto dele haviam se transformado em um pequeno prazer do qual ela não conseguia abrir mão.

Desceu lentamente os olhos para o jardim, o movimento das pálpebras varrendo os céus, quase como se trouxesse abaixo a noite, pondo fim ao crepúsculo que caia sobre a escola. Buscou por ele entre as dezenas de estudantes e não foi difícil encontrá-lo, rodeado por outros alunos da Grifinória, exibindo-se ao lado de Sirius. De longe, não conseguiu entender claramente do que se tratava a brincadeira, todavia era notável que as risadas eclodiam sempre que ele falava algo, acendendo luzes com a varinha e fazendo caras e bocas.

Embora os Potter fossem puros-sangues, nunca haviam feito parte do círculo social de sua família. Para os Black, não havia nenhuma honra em uma linhagem que desvalorizava seu sangue confraternizando com nascidos trouxa, como a família de James. Pertencer às 28 sagradas famílias era praticamente mandatória para ter alguma proximidade com um Black. Por isso, Narcissa sempre estivera alheia a existência dele, até que o garoto e seu primo se tornaram inseparáveis. Todavia, o rapaz jamais lhe chamara a atenção. Sempre fora apenas uma pedra no sapato: Implicava cotidianamente com Severus, buscava ser o centro das atenções em todas as possíveis situações, causava estardalhaço por onde passava, infringia as regras quase como se o fizesse por uma vocação. Não havia nada que pudesse descrevê-lo melhor do que um garoto que necessitava de pais com pulso mais firme.

Não podia negar, porém, que se tornara belo a sua forma. Os anos de quadribol lhe haviam torneado os músculos e dado a ele uma postura ostensiva. O sorriso, que parecia estar colado continuamente em seu rosto, era bem desenhado e os cabelos sempre fora do lugar, que tinha mania de desarrumar ainda mais, lhe concediam um charme peculiar. O rosto de quem havia a pouco abandonado as fraldas mudara no último verão, dando lugar a um maxilar mais másculo e traços mais angulosos. De todo modo, não era exatamente a aparência dele que a intrigava, mas a vida que emanava dele. James era vívido, como se suas cores brilhassem mais do que tudo ao redor. Era intenso, mas não à semelhança de Sirius. Seu primo era, assim como sua irmã mais velha, talhado em extremos. Não havia espaço para o meio-termo, para o morno, para o razoável. James, por sua vez, era menos radical. Expressivo, mas ainda sim contido. Havia nele uma vitalidade que colidia de forma frontal com a apatia que Narcissa empregava em seu cotidiano. O que diabos o havia interessado nela? Por que a beijara? Teria seguido apenas um impulso e aproveitado a oportunidade? Se assim o fosse, por que não tirara os olhos dela desde então? Por que havia buscado a ela primeiro do que a qualquer outra pessoa ao fim do jogo? Por que secretamente oferecera a ela a vitória de hoje?

Arranhou suavemente o parapeito com as pontas das unhas, inquieta com as borbulhas que esses pensamentos vinham lhe causando. Mordeu os lábios devagar e, fechando os olhos, jogou a cabeça para trás. Reabriu as pálpebras lentamente, dando de cara com o desenho das estrelas. Dentre a família Black, ela era a única que não tinha recebido um nome em sua homenagem. Mesmo assim, sentia-se intimamente ligada a elas. Sussurrou uma prece: Se abria ao mistério que o universo lhe apresentava. Que o destino que ela sentia estar reservado para eles se cumprisse logo, fosse o que tivesse que ser, antes que ela perdesse o juízo de tanto pensar.

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 Caminhava apressado, equacionando a velocidade e o equilíbrio. Suas vestes ricocheteavam com força contra o corpo, sendo fustigadas pela chuva. O vento, que cortava as gotas, desarranjava seus cabelos escuros além do normal. Há poucos segundos, os corredores se encontravam abarrotados e agitados, mas a chegada furiosa da tempestade tornara o interior das salas extremamente convidativo e os estudantes ficaram contentes em atender ao sinal que anunciava o fim do intervalo. James entrou no castelo e arrancou os óculos do rosto, chacoalhando para que os grossos pingos escorressem em direção ao chão e o permitissem enxergar pelo menos um palmo além do próprio nariz. Dado a ineficiência da ação, o rapaz sacou a varinha, concentrado em executar um feitiço que lhe ajudasse a secar as lentes. Tão focado estava em chegar rápido à sala que, desatinado pela pouca visão causada pela remoção dos óculos, chocou-se profundamente contra uma das enormes pilastras de Hogwarts. Levou a mão livre a testa, sentindo a pele arder e esfregando o que viria a se tornar um galo em breve.

- Senhor Potter! – A voz firme da professora McGonagall aproximou-se, tirando-o do transe

- Estou bem, professora! Foi só um encontrão.

- Encontrão? – Franziu o cenho, elevando o olhar e dando-se conta que o garoto havia se acidentado. – Por Merlin, Potter!

Minerva agitou a varinha, tocando suavemente a fronte do rapaz e fechando o pequenino corte que se abrira logo acima da sobrancelha esquerda. Murmurou um feitiço para secar as roupas dele, que pingavam, deixando rastros de água pelo corredor. Não conseguia mensurar a capacidade que o garoto Potter e seu amigo Sirius Black possuíam de meter-se em situações inadequadas. Os quatro rapazes do quinto ano, sempre juntos, constituíam uma de suas maiores preocupações como diretora da Grifinória.

- Uau, professora! Quem é Madame Pomfrey? – Brincou, com um sorriso irônico.

- Não é necessário incomodá-la por tão pouco, Sr. Potter. Além disso, tenho pressa!

- Então não se detenha por minha causa, senhora. – O rapaz fez uma mesura, flexionando os joelhos e dobrando o tronco.

-  Me deter? O senhor é o motivo da minha pressa, Sr. Potter! Já o estava procurando há algum tempo.

- Não fui eu! Juro que não!

A mulher ergueu a sobrancelha, crispando os finos lábios. Depois segurou o braço do jovem e o puxou pelo corredor, para que a acompanhasse.

- Professora McGonagall, eu estava caminhando no jardim e só entrei no castelo com o fim do intervalo. Dessa vez, sou capaz de jurar sob a Veritaserum que não fiz nada que possa ter infringido as regras e eu lhe asseguro, lhe garanto, lhe prometo que não me aproximei do Ranh...Snape!

- Fique quieto e me siga, Sr. Potter! Não estou lhe repreendendo, só preciso que me acompanhe.

- Mas professora, tenho aula de Poções! Tenho que lhe contar que não sou um dos preferidos do professor Slughorn, sabe? Toda essa rixa de Grifinória e Sonserina, somada a minha inaptidão para a delicadeza, eu admito... Não dá para ter tudo nessa vida, não é? Posso ser o melhor apanhador que essa escola já viu, mas o clube de Slug não abriu suas portas para mim, o que considero uma grande perda para eles... A chuva poderia ser minha explicação para um atraso pequeno, mas agora com esse desvio já passa do aceitável e ele certamente vai me dar uma detenção...

- Senhor Potter, devo considerar que o golpe em sua cabeça o transformou num tagarela compulsivo? -  A bruxa parou bruscamente, fitando o rapaz até que ele se calasse. – O Professor Slughorn não vai se queixar do seu atraso! Eu irei pessoalmente levá-lo à sala de aula quando o diretor terminar o assunto que tem a tratar com o senhor. Agora quer se ocupar de pôr os pés nessa escada, por favor?

James deu-se conta de que estavam parados diante de uma das gárgulas que havia espalhadas pela escola. Esta era ladeada por duas colunas de pedra, onde ardiam pequenas piras. A enorme águia de pedra posicionava-se imponente, dentro de um cilindro escavado na parede do castelo, com as asas semifechadas e um semblante pouco convidativo. Correu os olhos na direção da professora, tentando buscar em seu rosto austero indícios do motivo que o havia levado até ali. Vasculhando a mente, não conseguia se lembrar de ter feito nada que fosse digno de tomar o tempo do diretor para uma repreensão.

- O diretor? O que ele poderia querer comigo?

- Varinhas de alcaçuz.

- Varinhas de alcaçuz?

O rapaz arregalou os olhos. Estava certo de que Minerva McGonagall havia perdido o juízo durante alguma transfiguração! Primeiro, encontrara-lhe no meio do corredor e fizera um feitiço curativo, sem levar-lhe a ala hospitalar. Em seguida, havia lhe trazido até a sala do diretor, no meio do horário da aula, de forma injustificada. E então começara a falar asneiras, sem qualquer contexto, mandando-lhe subir uma escada inexistente e lançando nomes de doces infantis ao vento! Quando a gárgula começou a mover-se, trazendo à tona os degraus em espiral, James caiu em si, sentindo-se estúpido até os últimos fios de cabelo. Ela havia dado à gárgula a senha!

Sacudiu a cabeça, temendo estar envolvido em um sonho. Já causara muitos estragos a Hogwarts, mas nenhum deles jamais merecera tornar-se assunto de Dumbledore. O homem perspicaz, de ar paciente e longuíssima barba branca era para James um mistério. Ao mesmo tempo em que o achava um pouco biruta, de alguma forma sentia que tinha o dever de orgulhá-lo. Nos seus primeiros anos, chegara a ter sonhos em que era aclamado por toda a escola, no discurso de encerramento do ano letivo, recebendo ovações dos alunos que eram incentivadas pelo diretor. Com o passar do tempo, contentou-se em receber suas respeitosas palmas ao fim de cada vitória nos jogos de quadribol. Agora que iria defrontar-se a ele, tinha o estômago embrulhado, num misto de receio de tê-lo decepcionado e medo de decepcionar-se ao conhecer um Dumbledore muito diferente do que imaginara. Pisou então no degrau, sendo seguido pela professora e adentrando um espaço sobre o qual não fazia a menor ideia do que esperar.

- Entrem! – A voz rouca do diretor soou através da pesada porta de madeira, em resposta as batidas dadas por McGonagall.

- Aqui está o Sr. Potter, como me pediu.

James seguiu a professora e embora tentasse agir com a mesma naturalidade que ela demonstrava ao adentrar a sala, perdeu a pose ao deparar-se com tamanho esplendor. À esquerda, uma admirável lareira flamejava, tornando o ambiente confortável e luminoso. O espaço nas paredes era disputado por imponentes pinturas de notável vivacidade e grandes armários de nobre madeira, cheios de objetos reluzentes. Ladeando a sala, duas mesas repletas de artefatos estavam posicionadas de forma oposta, criando um pequeno corredor entre elas. Ao meio, curtos degraus de pedra levavam a uma área mais elevada, na qual se fixava a escrivaninha onde Dumbledore se encontrava. McGonagall caminhou em direção ao centro, subindo os degraus e James a acompanhou. Nas laterais, enormes estantes preenchidas por livros cobriam a extensão do chão ao teto e, numa das prateleiras o chapéu seletor dormia o sono dos justos, aguardando o início do seguinte ano letivo. Havia ainda duas escadas de metal escuro, uma em cada lado, que pareciam conduzir a um cômodo reservado, no patamar superior. Em vigília, de pé em um pedestal que estava posicionado ao lado da escrivaninha, um grande pássaro de plumagem dourada e escarlate fitava o ambiente com um olhar tão sábio quanto o de seu dono. James não se surpreendeu, pois se havia alguém no mundo digno de domesticar uma fênix, certamente este alguém era Albus Dumbledore.

- Seja bem-vindo, Sr. Potter!

Os olhos do rapaz, que se dedicavam a reconhecer os objetos diversos pousados sobre a escrivaninha, ergueram-se rapidamente na direção do diretor, que agora estava de pé, atrás da mesa, e James corou, sentindo-se como uma criança que é surpreendida vasculhando onde não deveria.

- Senhor. – Inclinou suavemente a cabeça, como demonstração de respeito. Aluado ficaria orgulhoso!

- Acredito que deva estar se perguntando o motivo que o trouxe até a minha sala e sinto muito por atrasá-lo para a aula, mas creio que o Professor Slughorn não irá repreendê-lo quando souber que veio a meu pedido.

Levou a mão aos cabelos, bagunçando-os, num gesto que deixava claro o seu nervosismo. Diante daquele homem, era como se estivesse nu, quase certo de que Dumbledore podia ler seus pensamentos.

- Creio que não, senhor.

- Sente-se, por favor.

Ergueu suavemente o braço esquerdo, indicando ao rapaz o lado inferior direito do ambiente, que havia passado por ele despercebido. Duas cadeiras estavam posicionadas próximas a estante e James apressou-se em ocupar a que estava vazia. Na outra, Narcissa Black mantinha-se sentada em uma postura impecável. Suas entranhas reviraram-se, tomadas por uma queimação repentina que não soube julgar se estava relacionada ao medo de ser censurado pelo diretor ou à presença da moça que não havia notado antes. Sentia-se pequeno, quase infantil, naquele local. Ela, no entanto, não parecia nenhum pouco desconfortável. Perfeito! Narccisa finalmente seria obrigada a olhar pra ele sem desviar.

- Não vou privá-lo nem mais um instante da resposta que merece, Sr. Potter. – Dumbledore sentou-se, mas embora estivesse atrás da escrivaninha, sua ampla presença possuía todo o ambiente. – Nem sempre os rumores que ouvimos circulando pelas paredes desta escola são verdadeiros, embora os jovens tenham uma curiosa mania de acreditar em quase tudo que se espalha pelo vento... – Merda! Ele sabia. Dumbledore sabia que eram animagos e ele seria expulso. Apesar do medo, o semblante divertido do diretor o impedia de acreditar que realmente estivesse em apuros.  – Mas é inegável que alguns costumam ser verdades. Espero que esses, em especial, sejam reais. Ou estarei cometendo um notável erro e a reputação de todos nós ficaria um pouco abalada diante da comunidade internacional. Chá?

O homem perguntou, mirando sobre os óculos de meia-lua a bandeja que flutuava em frente ao rapaz. Pelo canto direito do olho, viu que Narcissa graciosamente levava a porcelana aos lábios. Sacudiu a cabeça afirmativamente, recolhendo em seguida a xícara da bandeja.

- Acompanha “O profeta diário”, Sr. Potter? – O professor perguntou, sorvendo um pequeno gole da bebida.

- Com certa frequência, senhor. – James mentiu, os pelos atrás da nuca se eriçando pelo temor de ser descoberto

- Estou certo de que está a par dos recentes acontecimentos em Beauxbatons.

Vasculhou a mente, procurando qualquer fragmento de lembrança que pudesse ajudá-lo a saber do que se tratava. Todos os dias, Remus debruçava-se sobre a leitura do jornal, comentando em voz alta, durante o café da manhã, as mais importantes notícias. Recordava-se vagamente de que o amigo havia mencionado algo sobre a academia de magia francesa algumas semanas atrás, mas o que era? Beauxbatons, Beauxbatons... Não havia sido o dia em que Mary MacDonald não percebera estar com dois botões a mais abertos no decote durante a refeição? O que Remus estava falando ao fundo?

- Tratei de enviar uma carta com meus cumprimentos à nova diretora, Madame Olympe Maxime. Ela gentilmente me respondeu, confidenciando que gostaria de modificar alguns dos métodos utilizados pela escola e, muito elogiosamente, indicou que seria uma honra se pudessem conhecer melhor o funcionamento de Hogwarts e, quem sabe, inspirar-se nas bem-sucedidas metodologias que aplicamos para aperfeiçoar o ensino de Beuaxbatons.

Era isso! Monsieur Gagnon, o antigo diretor, havia falecido num acidente com um arpéu raivoso, enquanto visitava o novo experimento de reprodução dessas criaturas em extinção. Madame Maxime fora escolhida pelo conselho escolar de Beauxbatons para assumir a direção da escola, uma opção considerada ousada por muitos. Agora, a sociedade estava dividida entre os que apoiavam a modernização necessária nos métodos de ensino aplicados pelo rígido falecido diretor e os que repudiavam a indicação de uma mulher mestiça ao cargo. Dumbledore claramente havia selecionado seu lado.

- Lamentavelmente, a própria Madame Maxime ficou impossibilitada de realizar a visita a nossas instalações, dadas as questões que envolvem assumir a direção de uma instituição tão repentinamente. Contudo, dentro de uma semana, nossa escola será agraciada com a presença da vice-diretora da Academia de Beauxbatons, Madame Renouard. Uma bruxa extraordinária, como deve imaginar, Sr. Potter! Dedicada a formação de jovens bruxos como poucos. E, ainda que ela não esteja familiarizada com nosso idioma e a estrutura de nossa instituição, nós gostaríamos de dar a ela a melhor experiência que pudermos em nossa escola, para que retorne a França não só com a inspiração que veio buscar, mas também que se sinta acolhida e admirada com Hogwarts, nossos professores e nossos estudantes.

- Senhor, se me permite a interrupção, que parte disso tudo diz respeito a mim?

- Este é um castelo misterioso, Sr. Potter... Ontem mesmo, sem ainda ter tomado o desjejum, tentei três vezes me dirigir a biblioteca. Para a minha surpresa, em duas delas acabei defronte ao salão principal e na última, mesmo que obstinado em seguir o caminho certo, fui levado a cozinha! – O diretor deslizou os dedos pela barba, mantendo o semblante espirituoso apesar do cenho franzido. – Embora eu e os professores não possamos abdicar totalmente de nossas atividades habituais para acompanhar a nossa estimada visitante, devemos garantir que ela possa conhecer cada área da escola no momento apropriado, sem acabar perdida ou presa em uma sala dotada de vontade própria.

A madeira do assento rangeu suavemente quando o homem se movimentou para levar o pires e a xícara até a bandeja que repousava sobre o canto da mesa, virando-se um pouco mais na direção de James. Os olhos de um azul suave correram ao lado oposto, pousando na Professora McGonagall e retornando para ele em seguida. Só então James se lembrou de que ela ainda estava ali, sentada numa poltrona e bebericando seu chá.

- Mais açúcar, Minerva?

- Não, Albus. Está ótimo, muito obrigada!

- Como eu ia dizendo, Sr. Potter, os rumores podem ser traiçoeiros. Há momentos em que nos fiamos a eles e acabamos enredados em suas tramas. Mas não se pode negar que alguns deles possuem mérito e estão firmemente embasados na verdade. Se o que se ouve nos corredores estiver certo, não há pessoa mais adequada para a tarefa de guiar Madame Renouard por toda Hogwarts do que você! – Dumbledore pigarreou, os olhos desviando-se mais uma vez até a professora e retornando em seguida. – Nada é mais sadio do que o ímpeto explorador típico da juventude, não acha, Sr. Potter? – Ele pontuou, erguendo uma das sobrancelhas de forma enfática. – Ainda mais se o conhecimento gerado por essas incursões for empregado positivamente e estiver atrelado a um rapaz extremamente carismático e comunicativo, querido pela maioria de seus colegas, como me confidenciou a Professora McGonagall.

Minerva tossiu, engasgando-se de súbito com o chá. A xícara tilintou contra o pires, enquanto ela retomava a compostura. Mirou pelo canto do olho um arco irônico se formar nos lábios de Narcissa, perguntando-se o que diabos ela estava fazendo ali. O diretor o estava observando com um sorriso suave, como se revelasse estar ciente de cada uma das muitas vezes que os marotos haviam saído da linha. James sentiu seu rosto corar, constrangido.

- Acredito que o senhor irá sentir-se honrado em ter sido escolhido para atender tal tarefa e concordará em ser dispensado, integralmente – Enfatizou, fitando a James por cima das lentes dos óculos. – de suas atividades escolares para acompanhar Madame Renouard durante sua estadia em Hogwarts.

- Senhor...

- Exceto o quadribol, é claro.

- Eu não sei falar francês. – James levou a mão aos cabelos mais uma vez, remexendo-os em todas as direções. - Era o que eu ia dizer.

- Quanto a isso, não se preocupe, Sr. Potter! Antevendo esta situação, tratei de convidar alguém que faz parte de nossa instituição e, felizmente, domina a língua materna de nossa visitante. A solicitação foi orgulhosamente aceita e confio que você e a Srta. Black irão assegurar que a estadia de Madame Renouard em Hogwarts seja o mais bem sucedida possível.

- Será um privilégio, professor Dumbledore! – A voz delicada da loira preencheu o ambiente pela primeira vez, tornando-o mais suave.

Mais um dos dotes dos Black se revelou frente aos olhos de James, justificando enfim o motivo da garota se encontrar ali: Narcissa era fluente em francês. Mirou a moça, admirando a elegância com a qual sorria, assentindo. Por que estava surpreso? Era notável que qualquer coisa que pudesse aumentar o prestígio e o refinamento seria perseguida pela família Black. Ainda assim, a revelação instigou mais a curiosidade de James sobre ela, se fosse possível estar mais intrigado do que já estivera nas últimas semanas. Ser dispensado das atividades escolares, escolhido pelo diretor para ser exibido em frente a toda escola e ainda ter a oportunidade de estar ao lado de garota por quem estava interessado? Era tentador demais para negligenciar!

- Pode contar comigo, professor. – Respondeu com um sorriso no rosto, sentindo o estômago borbulhar de ansiedade.

- Hogwarts lhe será sempre grata pelos serviços prestados, Sr. Potter! Pessoalmente, desejo que Madame Renouard encante-se pelos seus anfitriões, me mostrando que fiz a escolha acertada.

- Farei... Quero dizer, faremos o possível para que isso ocorra, senhor.

- Apenas mais uma coisa, Sr. Potter: Creio que a Srta. Black não se furtará de lhe fornecer uma tutoria de etiqueta nesses dias que anteveem a visita. Detalhes... Que as vezes passam despercebidos, mas que os olhos mais exigentes saberão enxergar, e o ajudarão a agir como um perfeito cavalheiro com nossa hóspede.

- Claro, senhor. Como quiser!  – Ele voltou a olhar para Narcissa, que assentiu.

- Desfrute dessa chance, Sr. Potter! Não é sempre que o destino se descortina de forma tão favorável, dando-lhe a chance de aprender através da partilha de tão afável companhia. – Finalizou a frase fitando diretamente o garoto. Sorria de forma confidente, algo em sua expressão quase segredado que propositalmente o impelira na direção da moça.

- O senhor é um homem muito gentil, professor Dumbledore! – Narcissa elogiou, com um sorriso agradecido que desarmaria qualquer pessoa.

- Isso é tudo, então. Estão dispensados para retornar aos seus afazeres. - Os alunos e a professora levantaram-se dos assentos e James se dirigiu aos degraus. – Sr. Potter! – Dumbledore chamou e o rapaz voltou-se em sua direção. – Me faça a gentileza de entregar este bilhete ao Professor Slughorn, se não for exigir mais do que posso de sua amabilidade.

- De forma alguma, senhor. Estou sempre a seus serviços e logo estará entregue!

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- Com a sua licença, professor Slughorn. – A professora abriu silenciosamente a porta da sala, interrompendo a explanação.

- Sim? – O mestre de poções voltou-se na direção da entrada, assim como as cabeças de todos os alunos.

- Peço a gentileza de aceitar o ingresso tardio do Sr. Potter, se não for perturbar por demasiado a sua classe. – Ela empurrou suavemente as costas de James, levando-o a adentrar o ambiente.

- Sim, sim, tome seu assento, Sr. Potter. Obrigado, professora!

McGonagall afastou-se da sala, retornando enfim ao cumprimento de seus afazeres. O homem tencionou retomar a explanação, com um pigarro. Mas parou diante da aproximação do rapaz.

- Sim, Sr. Potter?

- Do professor Dumbledore, senhor. – James murmurou, entregando discretamente o pedaço bem dobrado de pergaminho.

- Obrigado. Agora tome seu assento e me permita finalmente continuar minha aula, sim?

Algumas risadas ecoaram tímidas pelo recinto e James dirigiu-se a bancada que dividia com Remus, ao fundo da sala, sentindo que os olhares dos colegas queimavam suas costas.

 - Onde eu parei? – Indagou o professor, franzindo as grandes sobrancelhas e coçando suavemente o queixo.

- Estava falando das propriedades do fígado de dragão, professor. Acredito que devo acrescentar a importância de utilizar-se um pó deste ingrediente que esteja em sua mínima granulosidade possível, evitando que encaroce ao entrar em contato com as folhas de eucalipto. – Apressou-se em responder Jamyle Shafiq, uma das mais dedicadas participantes do Clube de Slug.

- Excelente, Srta. Shafiq! Mais 5 pontos para a Corvinal. Como bem disse sua colega, o pó de fígado de dragão é um ingrediente que deve ser adquirido com cautela...

- Do que ele está falando? – James sussurrou, abrindo o livro sobre a bancada e parando de ouvir momentaneamente o que dissertava o professor.

- Poção Hidratante, página 48. – Remus respondeu entre os dentes, apontando o quadro negro com o olhar.

- Psiu.

- Isso eu sei, mas para que, Aluado?

- Queimaduras... – Os dedos finos do rapaz pousaram sobre o livro do amigo, indicando a linha que continha a descrição da poção na qual iriam trabalhar.

-Psiu. – Sirius repetiu, jogando uma bolinha feita com pergaminho no ombro de James.

- Sabichão! – James xingou baixinho, empurrando os dedos do companheiro para longe de seu material.

- Psiu!!!! - Impaciente e aproveitando-se da curta distância que separava a ele do amigo, sentado na bancada à frente, Sirius puxou a manga das vestes de James. – Onde você se meteu, caralho? Em um minuto foi ao jardim falar com o Dimitri e depois virou fumaça!

- Interpelado pela McGonagall. – Respondeu em tom quase inaudível.

- Sobre o que?

- Sei lá.

- Vai se foder, Pontas! Sobre o que?

- Você deveria pensar em limpar melhor essa boca, Almofadinhas.

- So-bre-o-que-fi-lho-da-pu-ta?

- Vão receber alguém importante e querem me exibir como aluno modelo.

Sirius e Peter, seu companheiro de bancada, estouraram na gargalhada, sem conseguir se conter, as risadas ecoando por toda a sala. A conduta de James Potter era diametralmente oposta ao que os docentes gostariam de exibir para a sociedade como o aluno exemplar de Hogwarts.

- Sr. Potter, vossa senhoria me permitirá continuar a minha classe hoje ou será que apenas sob a menção da palavra detenção o senhor e sua trupe serão capazes de me permitir cumprir meu cronograma de aulas? Caso se considerem conhecedores do assunto que estou explanando, podem sair da sala e parar de importunar os outros alunos.

- Não, senhor. Eu sinto muito pelas consecutivas interrupções.

- Ótimo. Mais uma vez, como eu estava dizendo...

James inclinou-se sobre o livro, rabiscando distraidamente no pergaminho o que o professor havia escrito na lousa. As batidas de seu coração foram aos poucos diminuindo o ritmo, à medida que sua mente processava o retorno à normalidade de sua rotina, depois da cena quase ficcional que vivenciara na sala do diretor. Crescia a cada dia a certeza de que seu quinto ano em Hogwarts iria virá-lo do avesso.

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