Tarde demais pra voltar a dormir

Harry Potter - J. K. Rowling
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Tarde demais pra voltar a dormir
Summary
Uma gota caindo na água reverbera no lago inteiro. Uma troca de olhares que se estende pode mover todas as peças ao redor. James Potter e os problemas são velhos amigos, prestes a se conhecer muito melhor. O que há por trás dos encantadores olhos que parecem persegui-lo por todos os lados?Para Narcissa Black, tudo é heterogêneo. Em que ponto do infinito tudo se mistura? Se você procura uma história de drama, amores e nós do destino se entrelaçando, é tarde demais pra voltar a dormir!Essa é uma história sobre o que poderia ter acontecido enquanto os marotos estavam em Hogwarts, sob a sombra da Primeira Guerra Bruxa. A maior parte dos personagens e cenários descritos pertencem a J. K. Rowling e são utilizados nessa fanfiction sem nenhum tipo de intenção comercial. Algumas datas e ordens de acontecimentos foram alteradas para que a história pudesse fazer sentido.
Note
Olá, pessoal!Gostaria de lembrá-los que essa história se passa nos anos 1970, então algumas atitudes, falas e pensamentos dos personagens podem parecer ultrapassados e inaceitáveis para os dias de hoje. Lembrem que tudo está inserido em um contexto! Fumar em qualquer lugar era um hábito da época, por exemplo.Aproveito pra lembrá-los de ter moderação com o consumo de álcool e cigarros, que é bastante frequente nessa história.Por fim, alerto que a história é ampla e vai comportar um monte de possibilidades, se você não se sente confortável com linguagem chula, violência, homossexualidade/bissexualidade, bullying, cenas de sexo e outros tópicos delicados, eu tomaria cuidado!ATENÇÃO!!Este capítulo contém cenas de bullying.
All Chapters Forward

Aqueles olhos azuis que o engoliam

Uma fisgada esquisita percorreu a nuca de Narcissa. Ela ergueu os olhos da fatia de torta de maçã que estava comendo. A sensação persistiu e ela finalmente conseguiu identificá-la: Alguém a estava observando. Buscou o responsável pelo salão e acabou por perder a atenção por um instante num malabarismo que alguém da Corvinal fazia com laranjas. Em seguida, seus olhos pararam ao cruzarem o olhar do seu admirador. Os óculos não conseguiram esconder a surpresa e a vergonha desenhadas nas pupilas do rapaz. Apesar disso, James Potter não interrompeu o contato visual.

Severus ainda estava emburrado depois do que acontecera, sentado um pouco mais à frente na mesa. Não era como se houvesse exatamente um código quanto aos lugares nas mesas de cada casa no Salão principal, mas a maioria dos alunos se afastava pra dar espaço aos formandos. Ao longo de todo o ano, as preferências iam se estabelecendo e enormes espaços vazios podiam se formar quando alguma turma acabava se atrasando na aula de um professor particularmente prolixo. A desvantagem disso é que as conversas ficavam mais engessadas, presas aos círculos de amizade de cada ano. Snape, um mero quintanista, que nem sequer fora escolhido como monitor, não era uma pessoa com quem ela conseguiria conversar durante o jantar, embora tivesse construído um vínculo improvável com o garoto.

O franzino Severus era uma das raras exceções que conseguira ser aceita entre os pares da Sonserina, depois de ousar ser colocado na casa pelo chapéu seletor sem pertencer a uma família bruxa tradicional. Cissy se lembrava bem da seleção dele! Ela e as irmãs ainda estavam chocadas demais com a tragédia de ver seu primo Sirius ser selecionado pra Grifinória quando o garotinho de nariz avantajado se juntou a mesa delas. A escola inteira estava! Ela podia jurar que até mesmo o chapéu seletor estava com a boca aberta, espantado, ao fazer o anúncio sobre Sirius Black. Era a primeira vez, e até aqui a única, em que um Black não era selecionado pra casa mais honrada de todas. Era típico do rebelde e exibicionista Sirius quebrar a tradição só para fazer tia Walburga arrancar os cabelos! Cinco anos depois, ele ainda agia como uma celebridade, sentado à mesa daquela casa de caráter questionável.

Snape, um mestiço, também soubera se encaixar na casa para a qual fora selecionado, fugindo do estigma de ser uma pária. Se relacionava bem com os colegas da Sonserina, por quem era respeitado, mas amigos, tinha poucos. Cissy gostava dele, porque era sincero e, principalmente, porque tinha valores como os deles, mas não agia com tanto ensaio como eles. Fazer amizade com Severus Snape era uma forma de empurrar as fronteiras rígidas do mundo em que tinha crescido e enxergar um pouco lá fora. O garoto era inteligente e perspicaz, surpreendendo os professores com as habilidades tão desenvolvidas em uma tenra idade. Tamanho sucesso acadêmico somado a uma aparência nenhum pouco favorável tornavam óbvio que as habilidades sociais dele fossem limitadas. Entre os alunos das outras casas, o carrancudo Snape não fazia sucesso. Dentre os mais ferrenhos de seus algozes estavam seu primo Sirius e a trupe dele. Principalmente James Potter, o garoto que ainda não tinha tirado os olhos dela.  A cena que vira passando-se mais cedo voltou à mente da loira.

Saía apressada da biblioteca quando as risadas no corredor chamaram sua atenção. Severus encontrava-se no meio de uma rodinha de estudantes. O corpo comprido do rapaz se dobrou ao meio e um punhado de lesmas foi lançado ao ar, aterrissando no chão com um barulho repugnante. Narcissa estranhou, mas ao ouvir as risadas que se seguiram, compreendeu.

- Acho que já chega de lesmas, Pontas! O Ranhoso precisa de algo mais... - Iniciou seu primo Sirius. É claro!

- Limpo? Concordo plenamente, meu querido amigo! – Com um aceno da varinha, um balde de água foi despejado sobre a vítima.

-Eu havia pensado em efetivo, como... – Uma cascata densa de líquido verde caiu sobre os cabelos ensebados de Snape. O cheiro de detergente de maçã era inconfundível.

Narcissa suspirou. Alguém tinha que fazer alguma coisa! No canto da roda, o restante da turminha do seu primo acompanhava a cena. Peter Pettegrew, um garotinho rechonchudo, segurava fora de alcance o que Narcissa reconheceu como a varinha de Snape. O último dos cavaleiros do apocalipse, o mofino Remus Lupin, parecia ligeiramente incomodado com a situação, mas se mantinha misturado a multidão. Lupin era um dos mais novos monitores incorporados ao grupo, como quintanista. Devia estar interrompendo aquela estupidez! Esses idiotas mereciam ser estuporados, mas os monitores tinham sido proibidos de responder a infrações com castigos físicos nas últimas décadas. Uma azaraçãozinha não faria mal! Ergueu a varinha discretamente e então as bocas dos dois valentões começaram a espumar. Eles fitaram-se, sem compreender de onde vinha aquilo. Bolhas de sabão formavam-se a cada vez que os rapazes tentavam conversar. Fantástico! Acenou novamente a varinha e então os pés deles começaram a sapatear, escorregando no chão cheio de água e detergente. Snape observava tudo, dobrando-se ocasionalmente num reflexo, para vomitar, ainda que não houvesse mais lesmas pra serem expelidas. A loira decidiu que era hora de um teatrinho.

- O que é que está acontecendo aqui? – Avançou em direção a rodinha de alunos. – Ora! – Exclamou, fingindo surpresa.

Desfez as azarações simultaneamente. Sussurrou um feitiço e a varinha de Severus veio diretamente para a sua mão, deixando Pettegrew assombrado.

- Francamente, Lupin, eu esperava mais de você! – Admitiu, acusando o rapaz. – Vou retirar 5 pontos da Grifinória. – Os garotos suspiraram aliviados. - De cada um de vocês quatro. E vocês, tratem de se dispersar agora! – Indicou aqueles que ainda observavam a situação. Vamos, Sev! -  Entregou a varinha ao colega e saíram caminhando juntos, Snape inflado de ódio.

Ela deu uma risadinha. A cara de incompreensão dos rapazes, quando as bolhas de sabão começaram a formar-se havia sido impagável. Ele retribuiu o sorriso. Merda! Ele deveria estar achando que ela estivera rindo para ele e não rindo dele. O mal-entendido já estava feito. Fitou-o, o rosto sério, então. O sorriso ainda se demorou alguns instantes no rosto dele, antes de se apagar. Por mais idiota que ele fosse, tinha um sorriso encantador, ela teve de admitir para si mesma, com covinhas se formando quando ele sorria.  Ela desviou o olhar, levantou-se e saiu do salão principal, se dirigindo às masmorras, mas não sem antes dar uma última olhada, para averiguar que ele ainda a fitava. Esse segundo encontro de olhares foi suficiente para que James Potter passasse a madrugada inteira deitado na cama, virando-se de um lado para o outro, pensando naqueles olhos tão azuis e no que aquele momento tinha significado.

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James entregou o pergaminho ao professor e saiu da sala. Era por volta das três da tarde. As penas de todos os seus colegas de classe ainda arranhavam os pergaminhos do teste surpresa, mas o sol que invadia a janela e brilhava sobre o jardim era convidativo demais e impedia que ele se concentrasse.  Rabiscou tudo o que se lembrava sobre a Revolta dos Duendes o mais rápido que pode, para sair logo dali e deitar-se na grama.

Os corredores permaneciam silenciosos, todos os alunos em suas classes. Sentiu-se esquisito, mas ainda assim, cheio de uma liberdade inexplicável. Caminhou até o jardim como um prisioneiro de guerra que finalmente fora libertado. O sentimento era exagerado, mas quando se tem 15 anos, qual sentimento não é?

Repousou o corpo sob a sombra de uma macieira e cerrou os olhos por alguns instantes. O canto dos pássaros era quase entorpecente. Deixou que o sol esquentasse seu rosto, aproveitando os últimos suspiros do outono. Virou a cabeça de lado e abriu os olhos de leve, para contemplar o jardim, fechando-os logo em seguida. Pensou ter visto um reflexo claro, mas convenceu-se de que eram os raios de sol penetrando em seus olhos. O som de algo se movendo na água o fez abrir novamente os olhos. Uma exposição da lula gigante não era algo que gostaria de perder. Porém, não era o monstro marinho que se exibia.

Os cabelos loiros quase brancos farfalhando ao vento eram inconfundíveis! Ele enfiou depressa os óculos no rosto e ergueu o tronco para observar. Narcissa Black caminhava em direção ao lago, usando um maiô preto que era um contraste absurdo com sua pele. Por mais composto que se propusesse a ser, o maiô tornara-se sensual sobre o corpo voluptuoso da moça. James pensou que Sirius tinha completa razão em afirmar que os deuses da beleza haviam abençoado a família Black, porque as curvas que a garota possuía não podiam não ser obras do sobrenatural. Perguntava-se o que ela estava fazendo ali, matando aula para tomar um banho no lago. Os Black possuíam atitudes inexplicáveis...

Continuou mirando-a, embora ela parecesse não ter notado sua presença. Pôs-se a pensar em quando a priminha de seu melhor amigo havia florescido. Conseguia lembrar-se apenas de vê-la de relance, algumas vezes, conversando apressadamente com Sirius, sempre com um jeitinho de menininha, embora fosse mais velha do que eles. O desprezo de Sirius pela família levara James a fechar completamente os olhos para os Black. O ano letivo começara tremendamente surpreendente, ao vê-la entrando na estação de King Cross ao lado do primo e dar-se conta de que, assim como eles, Narcissa havia abandonado a infância.

A garota saiu do lago, os cabelos encharcados escorrendo pelas costas. Secou-se apressadamente com uma toalha e colocou as vestes sobre o corpo ainda molhado, como se quisesse esconder o que acabara de fazer. Era em vão, os cabelos ensopando as vestes no meio do dia a denunciariam a qualquer um. O distintivo de monitor reluzia sobre o tecido escuro, fazendo com que James recordasse da cena de algumas semanas atrás, quando ela os repreendera por azararem Snape. Por algum motivo, a forma como ela tinha ralhado com eles não saíra de sua mente desde então. Isso e os olhares que eles haviam trocado logo após, no jantar.

Ela começou a caminhada até o castelo, dando uma última mirada em direção à margem. Foi quando notou a presença do rapaz. James soube que ela estava perturbada pela forma como as sobrancelhas se elevaram. Os olhos dela adquiram um tom de surpresa e ele esperou que se pintassem de ofensa por estar sendo observada. Ao invés disso, a face dela transformou-se em súplica. Ele respondeu com cumplicidade. Não contaria o que acabara de ver. Ela sorriu em agradecimento e continuou seu trajeto, com aquela forma de andar que só ela tinha, deslizando sobre o chão.

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A moça atravessava o corredor, no meio da manhã de aulas, ladeada pelo amigo.  Passo a passo, ele ia descrevendo os pormenores da poção que ela precisaria produzir na aula para a qual se dirigia, nos mais minuciosos detalhes. Severus Snape era excelente em enxergar até mesmo os que passariam despercebidos a olhos atentos e experientes. A fama dele como preparador de poções crescia exponencialmente, encantando o professor Slughorn. Cissy esperava que os NOMS, para os quais ele se preparava, o coroassem como o prodígio que demonstrava ser.

- Então eu devo raspar as pernas de tarântula? Tenho certeza de que o livro dizia apenas para picá-las!

- Retirar os pelos antes vai permitir que reaja com mais facilidade junto com o ramo de pessegueiro. Confie em mim, Cissy!

-Eu confio! Você é o melhor aluno de poções que Hogwarts já viu! – Ela sorriu e apertou carinhosamente o braço do companheiro.

-Pena que não é só nisso em que ele é o melhor, não é Pontas? – A voz de Sirius Black ressoou no corredor.

- Você está certo, Almofadinhas. Ele é definitivamente o aluno mais ensebado que essa escola já viu!

Os dois rapazes pararam no meio do caminho, impedindo a passagem. Potter e Black, inoportunos e insolentes, como sempre. A maior parte dos alunos idolatrava os garotos como se fossem deuses, por causa das pegadinhas que costumavam aprontar. Uma ou outra podiam ter tido certa graça, se não fossem tão frequentemente direcionados aos alunos da Sonserina, mas, no geral, não passavam de um punhado de soberba e infantilidade. Alguém precisava impor limites aqueles dois. Contudo, a condescendência da diretora da Grifinória era o passe livre de que precisavam para deitar e rolar. Narcissa respirou fundo. Ia dar merda!

- Tem mais... Ele, com certeza, é o maior perdedor que Hogwarts já abrigou!

- E vocês são muito melhores do que eu, certamente Black? – Snape rebateu, a voz cheia de ódio.

-Severus! – Narcissa sussurrou, tentando conter o amigo.

- Em muitas coisas! Quer que eu comece a citar? – Sirius fez um volteio com a mão que segurava a varinha. – Para não humilhar muito, eu diria apenas que não preciso manter amizade com uma garota que finge ser minha amiga só pra tentar descolar notas melhores.

– Você não conseguiria, não é, Sirius? Elas só te aguentam o suficiente para conseguirem um orgasmo. - Narcissa crispou os lábios, perdendo a compostura. Aquele moleque sabia tirá-la do eixo.

-Aí! – Potter deixou escapar.

- Ainda sim, melhor do que você, não é Ranhoso? A garota que você gostaria de fazer ter um orgasmo nem sequer tem te olhado nos olhos. – A expressão sarcástica que seu primo ostentava irritaria até mesmo a mais pacífica das criaturas. Ele fazia questão de ser bom naquilo.

As luzes voaram das duas varinhas. Severus e Sirius trocavam azarações, que ricocheteavam pelas paredes do corredor. Potter, assim como ela, ficou estarrecido por um instante, acompanhando o duelo como mero espectador. A cena seguinte aconteceu no átimo em que eles piscaram os olhos: Snape atingiu o oponente com um feitiço estuporante, jogando o rapaz contra um vidro em uma das paredes, que abrigava uma coleção de raros vasos antigos. O barulho de cacos caindo contra o chão inundou o castelo.  A poeira ainda se elevava quando o professor Smith saiu apressado da sala para verificar o que estava se passando.

- Por Merlin! Pensei que trasgos haviam invadido a escola!

Os três alunos permaneceram estáticos. Sirius continuava desacordado, jogado contra a parede. Narcissa corria os olhos do professor até o amigo. Severus parecia um gato acuado, ciente da burrice que havia cometido. Potter passou a mão pelos cabelos, sabendo que aquilo não acabaria bem. Se havia um professor que não tinha misericórdia dos alunos, era o atual professor de Defesa contra as artes das trevas.

- Alguém vai começar a me explicar o que aconteceu ou os três preferem que eu os sirva primeiro uma xicara de chá?

-Eu estuporei o Black, professor Smith. – Snape admitiu, impaciente, olhando para os próprios pés.

- Ele estava soltando provocações, professor! – A moça interveio.

- Creio que o Sr. Snape não precisa de uma testemunha de defesa, Srta. Black. Não há razão nenhuma que dê subsídios para que um aluno haja dessa maneira!

Com um senso se oportunidade tremendo, Sirius levantou o tronco e coçou os olhos, tomado pela confusão, tentando entender a cena que se passava ao seu redor.

- Quero os quatro amanhã à noite na minha sala, assim que terminarem o jantar. Detenção, para que eu possa ensiná-los a não agir como animais! – Ele acenou com a varinha e os cacos voltaram ordenadamente aos seus determinados lugares, formando outra vez os vasos originários. – Agora saiam da minha frente e vão para suas classes, enquanto eu levo o Black até a ala hospitalar para ver essa concussão!

O professor ajudou seu primo a levantar-se. Os outros três observaram até que os dois viraram à esquerda, no fim do corredor, Sirius apoiando-se no professor e pulando em um pé só. Severus e James fitaram-se, os olhos de ambos faiscando. Aquela rixa idiota não iria terminar nunca!

- Vem, Severus! Eu não pretendo ganhar a segunda detenção por sua causa ainda hoje. – A loira arrastou o amigo na direção oposta, seguindo seu caminho.

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O clima na mesa da Grifinória era de euforia. Dentro de três dias teriam o primeiro jogo de quadribol do ano. Porém, parecia haver uma nuvem negra pairando sobre o ponto onde se encontravam os quatro rapazes do quinto ano. Sirius levava as garfadas à boca com uma vagarosidade notoriamente exagerada. James, que já havia terminado o jantar, batia o pé impacientemente contra o chão.

- Vamos logo, Almofadinhas! Não importa o quanto você demore, o Smith nunca vai desistir dessa detenção.

- Ao menos posso fazer nossa estadia ao lado do Ranhoso durar o menor tempo possível...

- Eu não consigo aceitar o tamanho da estupidez de vocês! – Lupin grasnou.

- Já disse que não fomos nós! Arrumar detenções é o que nós fazemos de melhor, mas nesse caso, JURO POR MERLIN que não foi nossa culpa. O idiota do Ranhoso é que passou dos limites, bancando o valentão do caralho perto da Narcissa. – Sirius tentou se explicar, inutilmente.

- Já repararam que ela tem aparecido para defendê-lo todas às vezes? – Peter falou, com a boca cheia de pudim de rins.

Os olhos de James desviaram-se para a mesa no fundo do salão, fixando a loira. Ela conversava alegremente com outras garotas, como se não estivessem quase condenados à morte depois do jantar. Observou a forma como as mãos dela se moviam, enquanto contava alguma história em meio às risadas das colegas. Narcissa tinha algo de encantador na forma como agia. Era como uma lua reluzindo em meio à mesa da Sonserina.

- Eu não gosto nada disso! Minha prima é muito perigosa! – Sirius engoliu o último pedaço de pernil que se encontrava em seu prato.

- Assim como todos na sua família, Almofadinhas. – Lupin disse, empurrando o prato vazio contra o centro da mesa. – Incluindo você.

Os amigos riram, amenizando um tanto o clima fúnebre no qual estavam imersos. Sirius tomou um último gole de suco de abóbora.

- Eu gostaria muito que isso fosse a porra de um uísque de fogo... – Empurrou o copo ainda cheio para longe – Só assim eu conseguiria suportar essa noite de merda!

-Sem drama, Almofadinhas! Melhor vocês se apressarem, antes que percam a hora. Ai sim o Smith iria esfolá-los vivos.

- Detesto essa sua mania de fazer tudo certo, Aluado. – Sirius limpou exageradamente a boca com o guardanapo e então se levantou. – Hora de seguir para a toca do leão. – Disse, verificando que o professor já havia abandonado seu lugar na mesa. – Vam’bora, Pontas! – Puxou o amigo pelas vestes, forçando-o a se levantar.

James balançou a cabeça, voltando a si. Aparentemente, perdera muito tempo mirando Narcissa e o amigo finalmente terminara o jantar. Caminharam juntos, saindo apressadamente em direção ao corredor.

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Narcissa bateu na porta com suavidade. A voz do professor Smith soou imponente num audível “entre”. Ela empurrou a porta com delicadeza e adentrou a sala. As paredes eram claras e limpas, exceto por alguns quadros pendurados. Um deles, acima da lareira, mostrava bruxos empunhando varinhas, com rostos obstinados, como se estivessem prontos a combater numa guerra. Os outros seis estavam dispostos na parede logo atrás da escrivaninha do professor e alternavam-se entre desenhos extremamente realistas de criaturas mágicas (um Claberto, um Grifo e dois Nundu deitados próximos à margem de um lago) e fotos do professor, quando jovem, em viagens (uma no Egito, outra na beira de um vulcão e uma, surpreendentemente, na muralha da China).

-Boa noite! – Narcissa deslizou pela sala

-‘Noite! – Responderam os homens, em uníssono.

- Sente-se, Srta. Black. – O professor indicou a única das cadeiras vazias. – Agora que os quatro estão presentes, podemos dar início a detenção. – Os jovens estremeceram ao som dessa palavra. – A Escola de magia e bruxaria de Hogwarts é uma das mais tradicionais escolas bruxas da Europa e vocês devem sentir-se honrados e orgulhosos de fazerem parte dela. Para mim, enquanto educador, é fundamental que os alunos dessa grande instituição ajam de acordo com aquilo que esperamos deles...

A forma como Narcissa observava e ouvia as palavras do professor era o perfeito retrato de uma dama da sociedade: Atenta e docemente interessada. Os olhos de James rolaram em direção a ela, assim que o professor iniciou o discurso. Ele, por sua vez, não era capaz de fingir o mínimo interesse em toda aquela falação, que estava cansado de ouvir. Sirius fitava um dos quadros na parede, impedindo sua visão completa da garota, único motivo pelo qual James deu-se conta da presença do amigo. A loira mordiscava levemente o canto direito dos lábios, temerosa. “Talvez por ser monitora”, James pensou. O falatório prolongou-se por mais vinte minutos dos quais pelo menos dezenove James utilizou para observar o comportamento dela.

- Espero que agora estejam conscientes dos motivos pelos quais optei por empregar-lhes essa detenção. Em suma, espero que possam utilizar o aprendizado proporcionado por esse momento para pensar melhor nas próximas vezes que considerarem infringir nosso regulamento! Agora, se puderem se levantar e me acompanhar...

Snape franziu o cenho. James e Sirius entreolharam-se, imaginando o que viria a seguir. Os cinco deixaram a sala em direção ao andar inferior. O professor interrompeu a caminhada bruscamente, em frente a uma porta, conduzindo os jovens ao seu interior.

- Acredito que vocês estejam familiarizados com a sala dos troféus. Espero que a experiência de polir cada um desses prêmios reacenda nos senhores a vontade de se destacarem enquanto alunos aplicados e honrados de Hogwarts.

-Vamos fazer trabalho de elfos domésticos? – Sirius inqueriu, com o ar rebelde que era tão próprio dele.

- Ah, não! Diferentes infrações pedem por detenções, Sr. Black. Aqui ficam o Sr. Potter e a Srta. Black. Varinhas, por favor! – Narcissa ergueu imediatamente a varinha do bolso, depositando-a na mão estendida do professor. James hesitou por um instante antes de repetir esse gesto. – Para que a mensagem dessa detenção seja bem compreendida, os senhores irão fazer o polimento sem magia.

Smith depositou as varinhas sobre a mesa que se encontrava no fundo da sala. Retirou a própria varinha do bolso e murmurou alguns encantamentos. Finalmente, voltou à direção dos alunos e estendeu duas flanelas para James, que prontamente as segurou.

- Não acredito que irão tentar burlar as minhas ordens, mas para o caso de tentarem, utilizei um feitiço autocolante nas varinhas. Assim que finalizarem o trabalho de forma a atender as expectativas, o feitiço irá se dissolver e vocês poderão retirar as varinhas sem problemas, antes de se dirigirem a suas salas comunais. – Os senhores Black e Snape podem me acompanhar, por favor. – Exclamou caminhando em direção à porta. – Boa noite! – Encerrou, enquanto encostava a porta.

O silencio recaiu sobre o cômodo no instante seguinte. James correu o olhar pela sala, tentando contar quantos prêmios havia dentro dos vidros que contornavam as quatro longas paredes. Surpreendeu-se ao perceber que ela o mirava com interesse, mas apenas o suficiente para perceber que o motivo do olhar era a mão dela, estendida a sua frente. Ele entregou-lhe a flanela, desconsertado.

-236. - Balbuciou

- O que disse? – Ela indagou, educada.

- Temos que polir 236 prêmios. – Ele explicou-se, torcendo as mãos.

- Então é melhor começarmos logo, se quisermos sair daqui antes da meia noite!

Ela dirigiu-se até um dos vidros e arrastou a porta. Carregaram juntos os prêmios que ali se encontravam e sentaram-se em silêncio, no chão, dando início a tarefa. A mente de James perambulava por suas memórias, tentando lembrar-se da última vez que uma mulher o havia intimidado dessa forma. Ele não era do tipo idiota e sem ação perto das garotas. Não normalmente. Lembrou-se das palavras de Peter no jantar. Sim, ele já havia percebido que Narcissa estava cruzando seu caminho com uma frequência notável. A frase do melhor amigo ecoou em seus ouvidos “Eu não gosto nada disso. Minha prima é muito perigosa”. Fitou-a pelo canto do olho. As mãos dela trabalhavam delicada e eficazmente. Os lábios estavam levemente contraídos, concordando com toda a atenção que ela parecia desprender na tarefa. Os cabelos loiros contornavam o rosto, dando-lhe uma aura inegavelmente angelical, enrolando-se ligeiramente a partir da altura do queixo até o fim das costelas. O peito dela subia e descia sob o suéter, seguindo o ritmo calmo de sua respiração. A gravata verde cintilava sob a luz da sala, desaparecendo à medida que o decote terminava.

- Não me passou pela cabeça que ele fosse nos dar esse tipo de tarefa. – Ela quebrou o silêncio, fazendo com que James voltasse a si.

- Eu também não. Limpeza trouxa! Não faz muito o perfil dele, não é? – Os olhos do jovem se ergueram rapidamente para encontrar os dela e ele corou, imaginando que Narcissa houvesse percebido seu olhar indiscreto.

- Não é a primeira vez que você pega detenção com ele? – Disse, sorrindo educadamente, e James não pode deixar de pensar que aquilo a deixava ainda mais bonita.

- Não. Eu e o seu primo temos uma histórico de dores de cabeça causados a todos os professores. É nosso desafio pessoal arrancar o número máximo de detenções de um professor de DCAT, já que eles não duram mais que um ano por aqui... Mas o Smith é um dos que preferimos evitar. Grande parte das vezes, ele nos faz escrever trabalhos intermináveis sobre a matéria que ensina. Não posso dizer que são muito interessantes... Ele parece escolher com cuidado as piores partes para nos mandar escrever 70 centímetros de pergaminho!

Uma risada escapou pelos lábios dela. Era melodiosa e combinava perfeitamente com a dona. James se pegou pensando que gostaria de ouvi-la outras vezes. Terminaram o restante da primeira porta em silêncio e devolveram juntos os prêmios a seus lugares. Ela fitou o relógio na parede e pareceu contente.

- Se continuarmos nesse compasso, conseguiremos terminar a tempo! – Narcissa exclamou, enquanto empurrava a segunda porta.

- Se continuarmos nesse silêncio, eu vou enlouquecer... –  Ele admitiu.

- Habituado a um ritmo frenético?

- Não sou uma pessoa que aprecia um mundo muito quieto.

- Entendo.

- Existem tantas cores, formas, sons ao nosso redor! É tão triste ignorar tudo isso...

- Há uma beleza definitiva nisso tudo, Potter. Mas o silêncio possui um encanto que poucos conseguem compreender.

 Foi delicioso ouvir seu nome nos lábios dela. Ele se permitiu apreciar isso, de forma que o impacto da segunda frase só o atingiu alguns segundos depois. O que ela estaria pensando agora? James adoraria saber! Deixou que a quietude preenchesse novamente o ambiente, enquanto se mantinha entretido idealizando as possibilidades.

- Mas eu deveria ter imaginado que você vivia na mesma intensidade do meu primo.

- É. Nesse ponto somos bem iguais.

- Não só nesse. Vocês dois parecem ter um especial interesse em infernizar a vida do Severus.

- O Ranhoso não é o tipo de assunto que eu gostaria de discutir.

Ela assentiu, parecendo empregar peculiar esforço ao troféu que polia agora. O relógio andou mais um pouco sem que dissessem nada. O trabalho exigia bastante atenção e era intenso, apesar de tedioso. Terminaram a segunda porta um pouco mais rápido do que a primeira.

- Acho que estamos pegando o jeito! – Retomou a conversa, agora arrependido de ter cortado a fala dela tão bruscamente. – Você não parece muito chateada pela detenção.

- Não costumo deixar que as pessoas saibam exatamente o que eu estou sentindo. Pode acabar se tornando um problema...

- O mistério é inerente à família Black.

A risada dela ecoou mais uma vez, enchendo a sala. James riu junto, permitindo-se envolver pela sensação calorosa que lhe subia pelo estômago todas as vezes que os olhos deles se encontravam.

- Eu não estou. – Ela admitiu. – Hoje era o dia da reunião dos monitores, que consegue ser BEM pior do que isso aqui!

- O Lupin nunca nos falou sobre o que acontece nessas reuniões.

- Não sou eu que vou contar. - Ela arqueou a sobrancelha – Só posso garantir que a parte mais interessante é quando termina!

- Não achei que fosse tão ruim ser monitor.

- Não é, para os amantes das regras. As regalias são boas, mas para alguém que tem no sangue um gosto especial pelo perigo... - James pode jurar que ela disse aquilo fitando seu interior, como se os olhos da loira penetrassem seu íntimo.

- Achei que só os bonzinhos eram escolhidos...

- Seu amigo não faz o tipo mocinho de livro.

- Merlin, não! Mas entre nós quatro, ele era a escolha óbvia. O Remus é certinho, o quanto a vida o permite ser.

- Não diria que ele é muito atuante, de qualquer forma. Nem sempre presente, faltando algumas inspeções, fecha os olhos para tudo que o Sirius e você fazem... Se bem que, quem sou eu para dizer alguma coisa? Nem acreditei quando a carta chegou com esse distintivo!

- Mas a sua irmã foi monitora chefe! – James já conversara algumas vezes com Andrômeda, a prima a quem Sirius era mais afeiçoado.

- A Andrômeda sempre foi a figura da aluna exemplar. Não somos exatamente passiveis de comparação.

James sorriu. As três irmãs Black eram tão diferentes e, ainda assim, formavam uma unidade vívida. Mesmo quem jamais as conhecesse, podia constatar como eram diversas, tanto pela aparência quanto pela forma como se portavam. Bellatrix com os cabelos ébano, emoldurando o rosto presunçoso e hostil, a prima que mais se assemelhava ao amigo Sirius. As feições de Andrômeda, por sua vez, eram dotadas de permanente interesse: Ela via o mundo como se estivesse estudando cada um dos seus detalhes a todos os instantes. Era o perfeito intermédio entre as duas irmãs, carregando consigo um rosto que misturava traços dos dois genitores e cabelos castanhos. A caçula Narcissa era suave. O rosto perfeitamente esculpido em simetria com o da mãe.  Tinha um ar quase sobrenatural, etéreo, dado talvez pela harmonização entre a pele alva, os cabelos claríssimos, os lábios rubros e os olhos de um puro anis.

- Você terminou com esse? – Narcissa indagou, tirando-o de seus pensamentos. Percebeu que ela estava em pé, guardando alguns prêmios de volta a seus lugares.

- Sim. – Ele levantou-se e passou a entregar os troféus para que ela organizasse.

Começaram juntos a última porta. O relógio já ia se aproximando das vinte e um horas. Trabalhavam com mais segurança agora, convencidos de que terminariam a tarefa em um tempo razoável.

-Narcissa... - Ela ergueu os olhos, surpresa por vê-lo utilizar seu primeiro nome. – Aquele dia em que você entrou no lago...

-Sim?

-Eu não deveria ter ficado observando.

-Tudo bem, Potter! Eu errei em não ter verificado dessa vez se havia alguém no jardim.

- Então é algo que você costuma fazer. – Ergueu uma das sobrancelhas, avaliando-a.

-Não é algo de que eu me orgulhe... A água gelada e o canto dos sereianos me acalmam. Como se o mundo inteiro parasse e só houvesse eu, imersa.

- É como eu me sinto voando!

- Então você pode entender o motivo de eu precisar fazê-lo. Às vezes é necessário silenciar o mundo, para ouvir meus próprios pensamentos com clareza.

Terminaram o trabalho quase ao mesmo tempo, ambos ainda ruminando a última conversa. O silêncio era profundo no castelo, exceto pelo tique-taque do relógio fixado no fundo da sala. James caminhou até a mesa onde se encontravam as varinhas, enquanto ela ainda admirava os troféus reluzindo em seus devidos lugares. Sua mão seguiu em direção a sua própria varinha, mas deteve-se na da moça. Retirou-a com cuidado.

- Parece que fizemos um bom trabalho. – Ela sorriu, aproximando-se.

- Sua varinha é muito bonita! – Elogiou, enquanto observava os detalhes do objeto. A madeira era mesclada, uma cor clara rajada de um rosa intenso.  A base possuía detalhes em prata e pequeninas pérolas incrustadas.

 - Rosaeodora, 27 centímetros, elástica, pelo da cauda de unicórnio, muito apropriada para defesas e contra-ataques. – Ela declamou a frase como se imitasse o fabricante de varinhas.

- Nunca vi nada igual! – Ele murmurou, avaliando a varinha com extrema curiosidade. – Você comprou no Olivaras?

- Uma amostra de madeira especial que ele conseguiu numa viagem. Disse que esperou 25 anos pela dona da varinha.

- Tem um cheiro delicioso!

- Ele comprou a madeira de um fabricante de perfumes. Parece que é um ingrediente bastante utilizado para esse fim.

- Fascinante! Como a dona. – Deixou escapar, ainda concentrado no objeto. Num ímpeto, Narcissa retirou os óculos do rosto do garoto.

- Reparo! – Ela exclamou, empunhando a varinha dele e fazendo com que os óculos ficassem limpos. – Um pouco teimosa, não? – Ela observou a varinha do rapaz. Era simples, apenas com algumas inscrições em baixo relevo. James não sentiu nenhum incômodo por ter a varinha utilizada por ela.

- Mogno, 28 centímetros, flexível, corda de coração de dragão, excelente para transfiguração, não muito disposta a feitiços. – Ele sorriu, aproximando-se um pouco para vê-la melhor sem os óculos.

- Impertinente como o dono. – Contrapôs, com um sorriso zombeteiro delineando-se no rosto.

James sentiu seu corpo ser tomado por um arrojo, que esquentava desde a ponta dos cabelos e culminava com flutuação no estômago. Estendeu a mão e segurou o rosto dela, trazendo-a para si pelo queixo. Respirou fundo para encher-se de coragem e uniu os lábios aos dela. Surpreendeu-se, pois eram frios e foram aos poucos tornando-se quentes sob os seus. Em contrapartida à temperatura capaz de afugentar, eram suaves como ele havia perdido algum tempo fantasiando. Narcissa apartou o beijo mais rápido do que o rapaz gostaria.

- Seus óculos. – Ela estendeu o objeto, os olhos azuis pousando sobre os dele, curiosamente acesos como ele nunca havia visto.

Colocou os óculos de volta no rosto com uma destreza de alguém acostumado a utilizá-los desde que conseguia se lembrar. Ela ofereceu a varinha ao garoto, que a pegou com a mão livre. Esperou que fizesse o mesmo, mas ele não o fez. Estendeu a mão então, para recuperar a própria varinha. As mãos de ambos se tocaram por um instante e ela se afastou rapidamente.

- Boa noite, Potter! – Exclamou, abandonando a sala com a rapidez de quem foge.

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Sirius bateu com força a porta do dormitório e jogou o corpo sobre a cama, obedecendo ao hábito de levar ao extremo todas as suas reações. Os baques seguidos tiraram a concentração de Remus e ele rapidamente abandonou os livros abertos, indo sentar-se na beira da cama do amigo.

- Como foi? – Indagou curioso, esperando que o outro narrasse as aventuras da noite.

- Uma merda! Ele nos dividiu em pares e eu tive que passar a noite inteira aguentando o filho da puta do Ranhoso!

- Imaginei que ele tinha feito isso, quando o Pontas chegou sozinho.

- Ele já chegou? – Almofadinhas correu os olhos pelo dormitório.

- Já! Chegou e se enfiou dentro da cama, sem dizer nada. Parece que a coisa não foi muito bem...

- A noite dele não pode ter sido mais fodida do que a minha!

O dormitório estava calmo, exceto pela conversa dos dois. Peter roncava baixinho, estendido sobre o colchão. As cortinas que cobriam o dossel da cama de James estavam cerradas, o que só costumava acontecer quando o rapaz estava amargurado demais depois de perder uma partida de quadribol. Sirius levantou de supetão e arreganhou as cortinas da cama vizinha.

- Pontas, o que foi que ela fez? - Inqueriu, quase ameaçador.

Os olhos de Pontas moveram-se do teto, onde estavam fixos, para a face do amigo. Fitou-o por alguns instantes, sem esboçar resposta alguma. Remus remexeu-se sobre o colchão, mirando agora na direção dos dois companheiros.

- Eu fechei as cortinas por uma razão, Almofadinhas. – James respondeu, distraído, mas ainda sim carrancudo.

- Ótimo, pode começar a dizer o porquê.

- Quero. Ficar. Sozinho.

- Foda-se! Quero saber o que ela fez para te deixar assim.

James sentou-se na cama, enfiando os óculos no rosto e bagunçou ainda mais os cabelos. Tinha um ar abatido e irritado.

- Não pode ter sido tão mal, Pontas. O Almofadinhas teve que aturar o Ranhoso! – Lupin tentou amenizar o clima tenso que pairava no ar.

- O que vocês fizeram? – James maneou a cabeça na direção de Almofadinhas.

- Tivemos a honra de acabar com uma infestação de duendes no campo de quadribol para que vossa senhoria pudesse jogar melhor no sábado. – Ele fez uma reverência, debochando.

- E vocês? – Remus indagou, mirando o amigo com ar bisbilhoteiro.

- Polimos todos os prêmios da sala de troféus. Sem magia. – Acrescentou, antes que Lupin pudesse argumentar.

- E é por isso que eu sei que a minha priminha fez alguma coisa. Não prometia ser tão ruim a ponto de você querer me fuzilar, Pontinhas. – O rapaz zombou.

- Fala logo, Pontas! Você sabe que não adianta tentar esconder nada de nós...

- Eu passei uma noite infernal polindo duzentos e trinta e SEIS prêmios, SEM MAGIA, e vocês ainda se acham no direito de me exigir que eu explique por que estou irritado? Ora, vamos Aluado! A presença da querida prima do Sirius foi o de menos. Meus braços estão num nível de exaustão exorbitante e eu preciso apanhar um pomo decentemente daqui a três dias, ou cada um dos estudantes dessa escola não vai parar de me lembrar do quão perdedor eu sou por arruinar a Grifinória no primeiro jogo de quadribol dessa temporada! – Inspirou profundamente, sorvendo o ar com desespero, depois de emendar as palavras de forma tão concatenada. – Eu só quero ficar um pouco em paz com os meus pensamentos, será que a intolerância de vocês com a minha necessidade de solidão pode ser revogada por pelo menos uma hora?

Sirius apanhou uma carteira de cigarros que estava sobre a mesa de cabeceira e, puxando um, acendeu-o e levou-o aos lábios. Remus respirou fundo, fitando os dois amigos. Os marotos eram mais unidos do que qualquer outro grupo de amizade que podia existir e Remus sabia disso. Compartilhavam dores, alegrias, segredos... Absolutamente tudo que viviam, pensavam e sentiam! Sirius e James eram os eixos de tudo aquilo, e nos poucos momentos em que brigavam era sempre explosivo. Os dois eram intensos demais! Garotos ricos, desacostumados a serem confrontados. As brigas duravam pouco, é verdade, e logo estariam rindo juntos novamente. Mas isso não impedia de que Remus temesse a separação de seus únicos amigos sempre que isso ocorria. Tinha medo de ficar sozinho de novo.

- Você não passa de um puro-sangue mimadinho, Pontas! – Sirius xingou, logo após tragar, apontando a mão que segurava o cigarro na direção do outro. – Apanhadorzinho de merda... – Resmungou, enquanto batia a porta do quarto em sentido à sala comunal.

- Eu só quero ficar sozinho!!! – James tentou se explicar, encarando o amigo.

- Vocês dois deveriam aprender a olhar menos para os próprios umbigos... – Remus se levantou da cama de Almofadinhas, encostando-se no dossel da cama de Pontas.

- Não posso ter um pouco de paz?

- Ele só estava preocupado com você, Pontas! – Ergueu os braços e fechou as cortinas da cama do outro, para só então dirigir-se a sua própria. – Boa noite!

James passou a mão pelos cabelos, antes de se jogar novamente contra a cama. Detestava mentir para os amigos! Odiava mais ainda brigar com Sirius, mas havia momentos em que ele se tornava insuportável! A noite com Narcissa havia sido tão cheia de detalhes... Ele só queria eternizá-los um a um em sua memória! Agora, irritado com a briga, quase não conseguiu voltar aos pensamentos de antes. Ela tinha razão, o silêncio tinha sua beleza.

Fitou o teto, enxergando nele o rosto meigo da moça. Questionava-se o que tinha feito. Por que havia beijado, Narcissa? POR QUÊ? Ela era linda, mas... Desde quando se sentia atraído por ela? Nem sequer era uma encontro! O que, na atmosfera daquela noite tinha empurrado um na direção do outro? As palavras ditas, os olhares trocados, a sensação de formigamento que ele ainda abrigava no estômago? Por que de repente passara a enxergá-la em todos os lugares? Isso era loucura! Narcissa era a prima frívola de Sirius. Sempre fora. Como e quando se tornara uma moça tão bonita, tão cheia de ideias interessantes, tão inteligente, tão delicada, tão profunda, tão encantadora?

Respirou fundo. Estava irritado consigo mesmo. Irritado por não conseguir entender seus próprios pensamentos. Irritado pela bagunça que tudo na sua cabeça se tornara. Irritado por ter beijado Narcissa sem nem saber de fato o que sentia por ela, e ao mesmo tempo, irritado por tê-la deixado ir embora sem antes se explicar, sem saber o que ela achava de tudo aquilo. O cansaço e o sono o envolveram aos poucos e ele sonhou que era devorado por aqueles olhos azuis, que o engoliam, transformando-se no lago, afogando-o, o canto dos sereianos ecoando em seus ouvidos.

Nas masmorras, Narcissa permaneceu em claro a noite inteira, a mão pousada sobre o lábio. Dentro de si, brigavam duas dela: Uma profundamente ofendida com a insolência que o rapaz tivera em beijar-lhe dessa forma. A outra, sorrindo, imaginando o que o destino queria com isso.

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