
Dois enxeridos e meio!
Madara sorriu ladino, arrumando uma mecha de seu longo cabelo. Obito estava avoado ultimamente, mais que o normal. Sua natureza era atípica da família Uchiha por si só, não se comportava como os outros sobrinhos e isso era nítido; era uma bolinha hiperativa de alegria e, por mais que não demonstrasse, Madara se preocupava com aquele adolescente em específico. Por isso, quando notou que o sobrinho estava diferente, não demorou para convidá-lo para uma volta no bairro, o convite sendo escutado por Hashirama – seu marido –, que não pensou duas vezes antes de se autoconvidar. E o que era pra ser uma caminhada a dois, se estendeu para uma caminhada a cinco, quando Itachi – um sobrinho pouco mais novo que Obito – resolveu se juntar, dizendo que levaria Sasuke, seu irmão de 3 anos, para passear.
E lá estava Obito, com um bico do tamanho da Lua na cara; não se importava com o número de pessoas na caminhada, pelo contrário, adorava estar rodeado de pessoas que amava, principalmente sua família. O problema era o assunto, não era um assunto que gostaria de tratar com seu tio, mas – ironicamente – ele parecia ser o único com quem poderia tratar o tal, e a ideia não lhe agradava nem um pouco.
— O negócio é: eu achava que gostava de uma garota até, pelo menos, 2 meses atrás. E agora ta tudo diferente, de ponta cabeça, de trás pra frente e ao contrário.
— Elabore. – pediu Madara, dando uma espiada no marido, que mantinha seu entusiasmo reprimido num sorrisinho.
— Uh, certo. – gesticulou – Eu e a Rin sempre fomos amigos, desde pequenos, eu estava quase sempre com ela e não era segredo. Mas, sempre teve uma pequena sombra do outro lado, alguém que estava com ela sempre que eu não estava, sombra esta que a ponte da amizade da Rin nunca conseguiu conectar.
“Quando finalmente chegamos a estudar todos juntos, já não éramos tão grudados assim, ela tinha novos amigos e eu finalmente sabia quem era a pessoa que ficava ao lado dela quando eu não estava. Eu via os dois juntos algumas vezes e, de repente, eu estava enciumado. Primeiramente achei que era ciúmes por Rin me trocar pelo Hatake, mas depois – rápida e simplesmente – presumi que gostava dela romanticamente, então comecei a agir como tal. Não que eu caçasse briga com o indivíduo, ou ficasse me lamentando para lá e para cá sobre como ela ignorava minhas investidas. Eu apenas fiquei lá...por um bom tempo.
Kakashi passava a impressão de que eu era irritante, chato e inconveniente; não havia uma vez que ele não me confrontasse e me diminuísse quando estávamos perto um do outro, e isso me irritava cada vez mais. Além disso, qualquer idiota podia enxergar o quão Rin estava apaixonada por ele, na mesma intensidade com que ele não estava nem aí.”
— E aí? – incentivou o Uchiha mais velho.
— Aí eu ficava meio jururu, porque, poxa, o que eu tinha feito pra ele? Não que eu fizesse esforço para descobrir, de qualquer forma, eu apenas deixava como estava.
“Um dia eu vi Rin chorando na sala de artes e, como um bom amigo e garoto apaixonado, fui confortar ela e ela acabou me contando que tinha se confessado pra ele e ele a rejeitou, sem mais, nem menos.
Eu até pensei em sair na mão com ele, por ter feito a Rin chorar, mas deixei pra lá, pois eu sei que a Rin ficaria chateada comigo por isso; além disso, ele com certeza quebraria a minha cara sem esforço algum, e eu sairia sem vantagem alguma.”
— Vou ser obrigado a concordar. – riu o mais velho.
— Justo. – assentiu – Continuando, no outro dia, eu estava andando pela escola depois da aula de educação física, pois sou hiperativo. De repente, ouvi vozes e o nome de Rin ser proferido. E, veja bem, eu não sou enxerido, mas e se estivessem falando mal da minha amiga? – assistiu Hashirama concordar com um aceno, era o mais bondoso entre os dois – Pois bem, me aproximei. Para minha surpresa, era o indivíduo quem estava falando sobre ela, parecia contar contragosto como rejeitou minha amiga para Gai e Iruka, e minha cara já estava amarrada. Até que ele murmurou algo tão baixo que eu não consegui escutar, mas, graças a Gai, eu pude entender.
— E o que era? – Itachi, que até então depositava toda sua atenção em seu irmão mais novo, agora estava interessado.
— Gai disse tipo “O que? Então você não gosta de meninas!?”, e o Kakashi negou e disse algo como “Não é isso, eu gosto de garotas, mas – no momento – eu gosto de um garoto, só isso.”, e Gai parecia não ter entendido ainda, continuava a questionar com aquela cara de palerma, até que Iruka explicasse que era possível gostar de garotos e garotas ao mesmo tempo, e então ele finalmente entendeu.
“E eu estava tão investido naquela conversa que não percebi que quem estava com cara de palerma encarando os três conversando era eu, pois esqueci o importantíssimo detalhe de me manter escondido. Assim que o Kakashi me viu, eu rapidamente virei para Iruka, pois eu não era bobo e disse algo sobre ter dormido na aula e precisar da lição de física. Iruka era um anjo, então ele apenas me deu o caderno sem questionar, enquanto eu sentia o olhar de Kakashi me assassinando bem ao meu lado. Eu sabia que ele sabia que eu sabia, e ele sabia que eu sabia que ele sabia que eu sabia. Tudo que eu fiz foi agradecer brevemente e sair de la de forma mais natural possível.
Eu tinha a faca e o queijo na mão, contaria a Rin que Kakashi gostava de outro alguém, e por isso não podia corresponde-la, talvez isso fizesse ela se sentir menos mal. Mas eu sabia que tudo tinha ido pra casa do caixa prego quando eu ouvi passos atrás de mim, eu já sabia que era Kakashi, e já sabia o que estava por vir; apenas aceitei o meu destino e continuei andando no mesmo ritmo para parecer menos suspeito.
Eu tinha todo um plano de atuação na minha cabeça e, enquanto armava ele, me esqueci totalmente que estava sendo seguido. Burrice. Assim que passei pela porta da sala de química, meu braço foi agarrado e eu fui repentinamente e brutalmente puxado para dentro, e – infelizmente – o som que saiu de mim não foi muito diferente daqueles brinquedinhos de borracha pra cachorro.”
— E o que aconteceu? – foi a vez de Hashirama interagir.
— Eu esperei. Esperei pela gritaria, esperei pelo soco, esperei pelo segurar da gola do meu uniforme, esperei por qualquer coisa. – fez uma pausa, parecendo relembrar a cena – Nada veio.
— Nada? - Madara estava investido na história, e parecia adivinhar o que viria pela frente.
— Nada!– riu nasalmente – Ele apenas ficou ali, me encarando com uma cara feia e segurando meu braço, nem tão forte, mas o suficiente para que eu não escapasse. Passaram-se agonizantes segundos, até que completasse um minuto e eu não aguentasse mais aquela situação esquisita.“Sabe, Rikudou uma vez disse, se a vida lhe der um limão, chupe uma laranja que é mais docinha. Eu fui muito bem educado, e minha família me ensinou que esse tipo de coisa não é da minha conta, então não precisa se preocupar.”
— Rikudou nunca disse isso. – Itachi concluiu o obvio.
— Eu estava nervoso.
— Justo. – sorriu.
— Eu não quero me gabar, mas, apesar de quase nunca ver o rosto inteiro dele, aquela foi a primeira vez que eu vi o Kakashi ficar vermelhinho, e, sinceramente, foi adorável. Tanto, que eu fiquei com cara de tacho encarando ele, até que ele desviasse o olhar para a porta e deslizasse a mão do meu braço para o meu pulso, “Você devia calar a boca”.
“E, sabe, o tio Hashirama pode até ser brega de vez em quando, mas ele sabe do que fala quando fala sobre sentimentos e essas coisas embaraçosas.”
— Obrigado. – sorriu o Senju, convencido.
— Não incentiva ele não. – advertiu Madara.
— De qualquer forma, foi toda uma esquisitice a partir do momento em que ele decidiu que era uma ótima ideia segurar a minha mão e enganchar os dedos dele nos meus enquanto ele me arrastava furtivamente pra fora da sala, murmurando algo sobre não podermos ficar ali.
”Naquele momento, presumi que estávamos em bons termos, pois não tinha recebido nenhum soco ou insulto. MAS– aumentou o tom de voz, como se ajudasse no suspense –, previsível não é uma palavra que eu usaria para descrever o que aconteceu em seguida. – sorriu divertido – Alguém quer fazer uma aposta sobre quem estava fora da sala quando saímos?”
— Rin! – tentou Itachi.
— Interessante, mas...não.
— Gai e Iruka!
— Tio Madara acertou. – riu com a memória – Eles olharam para o rosto do Kakashi, pro meu, pra nossas mãos. Iruka começou a gaguejar e o pamonha do Gai falava algo vergonhoso sobre o amor na flor da juventude. Foi quando o Iruka perguntou num sussurro se “era eu”.
“Eu ‘tava paralisado, com medo de Kakashi mudar de ideia e me socar ali mesmo depois de negar. Mas, o safado do Hatake é mais inteligente do que eu poderia imaginar. Talvez para evitar revelar a verdadeira identidade do garoto de quem gostava, ou evitar um bando de desculpas e futura encheção de saco, Kakashi apenas acenou um sim com a cabeça enquanto soltava minha a mão. Pronto, estava feita a desgraça que se perdura até hoje.
Gai e Iruka começaram a me tratar como um velho amigo, começaram a me contar os segredos e podres do Kakashi e até certo ponto era divertido, até o Gai vir com um papo de “vi o Kakashi mijando e no outro dia o as partes baixas dele eram o assunto da escola”. Tive que parar por aí.”
— Acho que foi o melhor. – murmurou Hashirama, risonho.
— Com certeza. – concordou – De qualquer forma, Kakashi começou a me tratar diferente, ele e Rin continuavam amigos, como se nada daquilo tivesse acontecido e, logicamente, ela percebeu a mudança.
“Não era nem um pouco difícil perceber que ele já não me diminuía mais, ou me tratava como se fosse um cocô de cachorro que algum dono irresponsável deixou na calçada. Lógico que ele não parou de me provocar, ou de socar alguma parte do meu corpo gratuitamente como se fosse algum tipo de reflexo ou memória muscular. Mas agora, eu já não via ou sentia raiva genuína nesses atos. E é lógico que Rin adorou que seus dois melhores amigos finalmente se entendiam.”
— E agora? – O Uchiha mais velho sorriu.
— Agora...agora toda vez que ele tá perto demais minha barriga faz vupt e me da vontade de vomitar. – acariciou o estômago – Meus poros se eriçam e minha visão gira, como se eu estivesse tonto. Minhas pernas parecem gelatina quando estamos muito perto, porque eu sou notavelmente mais alto e ele fica tão bonitinho olhando pra cima.
“As vezes estamos andando lado a lado e ele engancha o braço dele no meu e isso é tão não ele, mas me faz querer vomitar meu coração, pois eu posso sentir ele na minha garganta e é horrível! – segurou a própria garganta, num movimento de sufoco – Eu sei que é tudo atuação, porque agora Gai e Iruka sempre estão conosco, mas eu não consigo evitar...não consigo.
Não consigo confrontá-lo e perguntar até onde essa mentira vai, perguntar de quem ele realmente gosta e o porquê ele simplesmente não conta a verdade pro tico e o teco. Mas eu não consigo...não quando eu me sinto horrivelmente bem com tudo isso.”
— E se estiver errado?
— Como? – olhou o tio, confuso.
— E se ele não mentiu para Gai e Iruka na porta da sala de química?
— Como assim?
— Se você olhar por essa perspectiva, talvez ele esteja esperando uma resposta há dois meses. Tecnicamente, ele já se “confessou”, certo? No momento em que ele sabia que você tinha escutado aquela conversa e saberia o contexto da pergunta de Iruka.
— Ele não... – deixou a frase morrer, pensamentos começando a correr e se embaralhar por sua mente.
Seus olhos se abrindo cada vez mais a cada segundo de realização, seus passos retardando e seu coração baqueando forte o seu peito, assim como todas as vezes quando o assunto era o Hatake.
— Por acaso ele te pediu para que “fingisse” com ele? Ou você o fez? – Itachi se juntou ao interrogatório.
Negou com a cabeça, sua boca não se mexia, palavras pareciam estar presas logo ali no céu de sua boca e sua garganta coçava. Seus olhos tão perdidos quanto seus pensamentos, já não enxergavam mais nada.
E se?
— Pois bem, – interviu Senju – você não precisa se sentir mal por nada que está sentindo, muito menos se é genuíno. Não lhe dou plena certeza de que estou certo, mas se ele te esperou por tanto tempo, creio que não se importe em esperar mais um pouco para que se acostume com a ideia. Muito menos se o que ele sente é verdadeiro.