
Shiro III
Antes de seguir para o apartamento de Tenten, o caminho a ser percorrido foi a de uma rua não muito movimentada. Neji não iria entrar numa loja com varias pessoas conhecidas, não seria de seu feitio. Procurou pela madame Surie, que confeccionava a maior parte das vestes de seu Clã, uma pessoa muito discreta e que poderia lhe ajudar.
— Jovem Hyuuga que bom vê-lo aqui. Mas a menina Hanabi passou mais cedo encomendando algumas coisas, ainda não estão prontas. — Neji recostou na cadeira que fora apontada e pediu sigilo sobre sua passada ali.
— Não quero incomodá-la, mas preciso de algo pra uma jovem, bem, não é uma Hyuuga, é apenas um presente. — Não houve tempo de corar com o sorriso malicioso que a senhora lançou sobre o olhar dele. Ela se levantou, e caminhou até um cabideiro onde haviam várias peças. — Algo simples que não chame a atenção. Não tenho porque economizar também. — Ela sorriu ainda mais.
— Vejamos! Não precisa nem me falar como essa jovem é, imagino que tenha um porte típico ao de uma kunoichi. — ela mexeu em alguns cabides e achou o que queria. — Oh! Esse amarelo aqui. Bordado a mão. Uma riqueza...
— Embrulhe.
Tão rápido que entrou, ele saiu da loja da senhora com um embrulho em mãos. A noite se fazia quente em Konoha. Percorreu sem problemas até o conjunto habitacional. Os prédios simples tomaram conta de uma certa parte da Vila, era um jeito mais barato de se viver. Alguns ninjas não tinham suas glórias alcançadas com o dinheiro.
A porta estava aberta, empurrou-a com a mão, ativando o byakugan. Não havia rastos de batalha, ou qualquer acidente, e nem era necessário manter seu doujutsu ativado. Encontrou Tenten encolhida ao lado da cama, tremendo de um frio inexistente naquele apartamento abafado.
Ajudou-a a se recompor e sentar na cama, deixando o embrulho no colchão. Buscou água na cozinha, e quando retornou, Tenten já tocava na fina seda amarela.
— Para quem é? — Perguntou sem tirar os olhos da roupa. — Cheira gostoso. — O aroma de tecido novo sempre a encantou desde menina quando passava por uma loja, de mãos dada com a mãe já falecida.
— É seu! — Os olhos castanhos dela brilharam. Neji não compreendeu o sorriso seguido de um derramamento de lágrimas. — O que há? Nunca foi de sentimentalismo. Porque tanto drama? Não era isso que procurava nessa tarde?
Ela deixou a seda cair por entre os dedos. Assimilando o que ouvia dos lábios dele. Imaginando que uma certa jovem fora falar mais do que devia para o priminho.
— O que aquela nojenta foi lhe contar? Que eu sou uma pobre egoísta que não aceito presentes de meu amante? — Tenten largou a peça delicada, levantando-se num salto da cama. Neji ainda não compreendia aquela reação, tentou falar mais alguma coisa, só que a voz aguda e irritante cortava seus ouvidos, desejando ser surdo naqueles momentos. — Eu não preciso da esmola de um Hyuuga! Leve esse vestido para qualquer outra que aceite um presente em troca de sexo. Eu faço isso por amar você!!! E não para lucrar.
Neji pegou o kimono do chão e dobrou, colocando-o dentro do embrulho. Calado seguiu em direção a saída enquanto ainda ouvia a voz ensurdecedora. Pedidos para voltar foram inúteis e Tenten calou-se com o barulho da porta soar na sala.
白
Hinata passou toda a tarde, e a noite, numa luta feroz com uma dor de cabeça destrutiva. Saiu do futon em busca de água, mas se esqueceu de levar um jarro para o quarto. Vestiu-se e caminhou pelo corredor vazio da mansão, iluminada pela lua que se formava no céu limpo e azul escuro. Na cozinha, sentou-se num banco e aproveitou para comer algo, não havia almoçado e nem jantado, daquele jeito ficaria mesmo doente, assim como Neji lhe dissera.
Perdeu o sono. Era tudo o que menos queria naquele momento. Afastou o banco da mesa e passou a olhar pela janela aberta da cozinha. A lua estava em algum lugar ali em cima, somente dava pra ver sua luz, realmente lua cheia era bonito demais. Lembrou-se da conversa que tivera com Hanabi, o tal festival mágico.
— Se é mágico, provavelmente para mim não será. — Lamentou-se, era difícil ter pensamentos positivos quando sabia que nunca tinha sorte para essas coisas. Era um carma? Pensa então se passaria os dias, os anos, sem alguém que a conhecesse plenamente e que não achasse estranha.
— Hinata?
Das sombras, os olhos brancos de Neji tomaram força fazendo com que a futura líder levasse um susto.
— Hai!
— O que faz aqui sozinha? — Ele perguntou, procurando um copo, passou a noite perambulando pelos cantos escuros da Vila, tentando não pensar no que acontecera. Bebeu a água e sentou-se do outro lado da mesa, fitando os cabelos azuis que brilhavam pela luz da noite. — Não sente sono?
— Não. O sono fugiu. — Sorriu tímida, sendo acompanhada por um sorriso simples de Neji. — E você? Não costuma perambular pela casa essa hora. Hoje você não tinha compromissos? — Levou as mãos a boca. Sentiu-se totalmente vermelha e uma total intrometida. — Gomen, eu não queria.
Ela se levantou, acreditando que estava sendo inconveniente naquele momento, deu boa noite, mas, antes que saísse, ouviu Neji pedir para ela fica.
Hinata parou no exato momento segurando as mangas do kimono que vestia, virou e sentou-se novamente no banco, não conseguindo manter contato com os olhos. Ela sabia que as noites que estava em Konoha, Neji passava com a ex-companheira de time. Ficava feliz por saber que o primo estava seguindo o seu caminho, mas sabia que se ele quisesse manter relações com o Clã, iria abrir mão daquele relacionamento.
— Amanhã eu vou até a Vila vizinha, a pedido de Hiashi-sama. — Esperou alguns segundos para completar o que queria falar. — Achei que seria bom para você se me acompanhasse.
— Eu... — Não tinha nada para fazer no outro dia, talvez alguns papeis para assinar, ou quem sabe por ordem na casa, ou alguma outra coisa que atrapalhasse a viagem. — Acho que não haverá problema, se estiver tudo bem para você.
— Hinata, fui eu quem convidou você. Não se preocupe, será bom, iremos conhecer uma família interessada em uma aliança com nosso clã, isso faz parte do seu trabalho daqui algum tempo.
Ela limitou-se a um simples hai, pediu licença para sair da cozinha, e quando estava na porta, virou-se para desejar um boa noite. Foi para o quarto pensativa.
“ — Vamos então para trabalhar...”
白
O céu de Konoha mal conseguia ser visto por entre as árvores altas que tomavam conta da floresta. Acordaram cedo naquela manhã e se aprontaram para a visita no Clã da Vila vizinha, esse, tão rígido e tradicional quanto o Hyuuga.
O comboio foi dispensado. Levaram poucas coisas.
Hinata estava vestindo seu uniforme jounin, e com a bandana de Konoha. Assim como Neji também estava mais simples.
Tratariam de se arrumar melhor quando chegassem. Levantariam muita suspeita dois nomes fortes de um clã atravessando a floresta. Quando menos chamarem a atenção seria melhor.
Um dos galhos mais a frente estava seco, e ao pisar o pé nele, Hinata falseou e caiu. Não gritou ou pediu por ajuda, apenas deu um impulso com as pernas em outros galhos e voltou ao caminho. Ou melhor, voltaria, se não fosse a preocupação exacerbada de Neji.
— Um minuto! Vamos apenas descansar, acho que estou indo muito rápido.
— Vamos continuar Neji! Eu estou bem.
— Não, quase se machucou, não seria bom ver um acidente aqui. — ele cruzou os braços e recostou-se numa árvore do outro lado, Hinata massageava o tornozelo. — Torceu?
— Não. Só estou me certificando.
— Deixe-me ver.
— Não!
— Por que não?
— Eu não preciso disso Neji, sei me cuidar bem.
Neji não respondeu, recolheu-se fechando os olhos. Não sabia que iria ver algo igual entre as duas. Aquelas mesmas palavras haviam sido fincadas em seu peito no outro dia. Ignorou então a kunoichi pelo resto da viagem. Se não queria ajuda, ou se era inútil para ambas, então porque se preocupar tanto a cada segundo?
Estava ali, mas também estava em Konoha, ou estava no distrito, ou onde quer que elas estivessem. Maldição num branco escuro demais para enxergar o significado.
Chegaram a pequena vila e seguiram para alguma hospedaria. Ainda em silêncio, cada um se trancou no seu quarto e esperaram a noite cair para o jantar.
Neji aguardava sentado no banco do bar do restaurante da hospedaria. Observava as pessoas passando, mantendo a mesma discrição de sempre, numa roupa informal de civil. Achou o atraso de Hinata um pouco grosseiro da parte dela, e já ia servir-se numa das mesas, mas ela chegou.
— Gomen. Eu estava com um problema no chuveiro. — Explicou o cansativo trabalho que deu para o senhor que a atendeu na recepção e a demora de que tudo ficasse pronto.
— Porque não me chamou? — Lembrou-se das palavras ditas mais cedo. Não precisava dele. — Bem, então tudo esta certo agora, não? — Desviou os olhos do tecido azulado que ela vestia. E a dirigiu para a mesa que fariam a refeição.
Jantaram em silencio como faziam no distrito, tal como se Hyuuga Hiashi estivesse ali os observando.
Terminaram e seguiam para seus quartos. Um de frente para o outro, entre boa noite e alguns acertos para o dia seguinte. Entraram cada qual em seu quarto.
O silencio permaneceu nos quartos, cada qual em seu mundo, reclusos e desanimados pelo barulho que vinha de alguma festa próxima. Hinata tirou a roupa, o calor lhe fazia as vezes mal, deitou no futon macio cobrindo-se com o fino lençol e tentou relaxar.
Neji tomou um banho, largando-se nu no futon. O teto era a única coisa de agradável para se olhar. Procurou repassar o dia seguinte e suas tarefas, mas algo impedia de querer lembrar o que Hinata faria. Não queria mesmo era ter que pensar por ela.
Virou-se no futon, deixando os cabelos espalharem no travesseiro.
Esqueceu-se então de explicar alguns detalhes que na manhã não teriam tempo para fazer. Vestiu-se rápido, apenas a calça de linho branca e um kimono cinza por cima.
Bateu na porta e nada ouviu, bateu novamente chamando pelo nome dela, até que um barulho o quase fez usar do byakugan.
— Neji? O que faz aqui? Pensei que estivesse cansado e com sono. — Hinata estava amarrando um laço no kimono que vestira às pressas. Tentou não parecer afobada, por isso demorou de abrir a porta.
— É! Mas eu preciso falar sobre a missão... quero dizer, a visita. Essa família é um tanto avançada demais para alguns conceitos da nossa. Então achei melhor te contar agora, antes que fique assustada.
— Porque eu me assustaria? Se o otousan concordou, não vejo porque ter problemas. Existe algo que não me contou antes?
Sim! Existia e ele não estava muito interessado em saber. Por anos o grande problema de Hyuuga Hiashi era o que fazer com suas filhas, ainda mais depois que a esposa faleceu após o nascimento de Hanabi. E uma das pessoas que mais sabia dessa preocupação era Neji.
— Eles são um pouco excêntricos. Deve ser por ter convivência com o ocidente. — Neji entrou no quarto por pedido de Hinata.
— Eu não entendo. E porque devo saber disso? Acaso serei questionada ou interrogada para ter sigilo em certas coisas?
Sim! Mais uma vez Hinata ia direto ao ponto. Isso era certo que fazia Neji aliviar-se um pouco, ela era inteligente.
— Terá que ser um pouco mais decidida, completa e liberal. Não nessa ordem ou num exagero gritante. Deve ser você mesma. Mas o que eu quero dizer é que essa família acredita que a nova líder já esta de casamento marcado. — Os olhos dela saltaram e brancos pareciam vermelhos. — Gomen, Hiashi-sama pretende lhe casar ainda esse ano quando receber a Liderança do clã.
Foi sincero como uma bala cortando o coração da prima, feroz em suas palavras curtas e grossas, por vezes Hinata queria que ele fosse menos verdadeiro.
— E o que essa família tem com isso? — Hinata apertou a manga do kimono e Neji percebeu, sabia que aquilo era um sinal, sinal de reprovação dela. — O que eu fiz de errado?
— Não fez nada. Mas o herdeiro dessa família tem interesses sobre você. — Mais uma vez foi fatal com as palavras.
Hinata sentou no futon, encolhendo as pernas, procurando no chão alguma resposta, quem sabe poderia acordar naquela manhã mais espontânea como nas outras. Ali, Neji lhe falava que ela não era interessante, é isso o que entendeu.
— Eu devo ser sempre assim? Não sou boa do jeito que sou? — Mordeu os lábios apertando as mãos em volta das pernas. Sentiu o futon se mexer e ele sentou-se ao seu lado, olhando para o mesmo ponto no chão. Hinata desconcertou-se quando um braço correu pelo seus ombros e a tocou delicadamente.
— Me perdoe por pedir isso. Mas foi seu pai quem me ordenou. Ele não quer que ninguém se aproxime de você, não sem ter certeza do que a aguarda, o que você deseja. — O braço manteve-se na mesma posição. Queria apenas poder confortá-la daquela vida difícil que estava para mergulhar.
Neji levantou-se, desfazendo o abraço, pedindo para ela descansar e dormir que o dia seria cheio.
Ela não dormiu. Ele também não.
O forte cheiro de incenso estava embrulhando o estômago da Hyuuga. Assim que pisaram na mansão da família Hankou, pressentiram que aquela visita seriam um tanto que diferente. Mais do que Neji imaginara.
A família era nobre, mas provinha de alguns antepassados distantes do país do Fogo. A líder era uma mulher altiva e sorridente, o que fez Hinata ficar mais a vontade. Neji foi cercado pelas inúmeras filhas que ela possuia, cinco para ser exato.
A manhã ainda não havia terminado quando o filho mais velho da senhora Hankou entrou pela mansão, distribuindo beijos e sorrisos para as irmãs. Até aquele momento o chá e as conversas simples tomavam conta da mesa da grandiosa sala de refeições.
— É uma honra para mim conhecê-la senhorita Hyuuga. Ainda é uma senhorita não? — Deu uma piscadela em direção a Hinata que se arrepiava dos pés à cabeça.
Neji interveio, se apresentando numa reverência curta dada para afastar tamanha intimidade desnecessária que aquele homem estava com sua prima.
O herdeiro Kayou retornava de uma caçada com seus amigos, foi repreendido pela mãe por entrar na casa com as botas de montaria suja. Ele lançou mais um sorriso para Hinata e desculpou-se beijando a face rosada da mãe.
— Yare! Vá se refrescar para o almoço. Os Hyuuga irão nos acompanhar. — Ela disse, pedindo para que um empregado acompanhasse o filho. — Então. Uma jovem tão linda, deve haver milhões de partidos desejando te esposar não?
O sorriso da mulher começava a trazer vergonha à Hinata, ela olhou para Neji que mantinha-se com a cara fechada desde o momento em que Kayou chegou.
— Nem tanto, Kaori-sama. — Tentou retribuir a gentileza agradecendo o elogio. — A sua casa, é muito bonita. — Hinata mudou de assunto rispidamente, mordendo os lábios.
— Imagino que a sua mansão seja tão linda como essa. Lembro-me de quando era mais jovem e visitei o Distrito Hyuuga na companhia de meu falecido pai. Mas vamos falar de assuntos mais animados. Venha, vamos ao jardim. — Acompanharam a mulher sorridente e se acomodaram ao lado de um grande lago, numa mesa de madeira com mais guloseimas diferenciadas. — Então vocês são primos?
— Sim. — Respondeu Hinata, ainda apertando as mangas da yukata. Neji acalmou Hinata, aproveitou que a senhora virou as costas para acenar para as filhas que perambulavam jardim acima.
— Solte as mangas, não tem porque ficar nervosa, você está indo muito bem.
O almoço chegou e os dois esperaram pela família, que lhes acolhiam na visita, mostrar os seus costumes. Neji sentou-se ao lado direito de Kaori, que estava na ponta e Hinata logo no seu lado esquerdo. Acomodados, os demais sentaram-se deixando a cadeira ao lado de Hinata vazia.
A agitação retornou assim que Kayou entrou novamente na sala e sentou-se junto à Hinata.
Os olhos de Neji captavam cada momento que ambos a sua frente tomavam mais intimidade em conversas baixas que somente eles pudessem ouvir. Eram sorrisos demais, alegria demais e timidez de menos. Realmente não gostou daquela Hinata despojada que via ali. Aquela que ele mesmo pediu para ser. Mas não necessitava tanto.
Aquele almoço estaria ainda cheio de farpas e olhares trocados.