Flor, constelação e memória.

Good Omens (TV)
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Flor, constelação e memória.
Summary
“Aziraphale, você se casaria comigo?” As duas crianças olhavam o céu estrelado, um dia antes da loira deixar a cidadezinha.“Eu quero te encontrar de novo. Promete que a gente vai se casar quando nos encontrarmos de novo?” Aziraphale tremeu, estava com medo de sua própria resposta.“A gente só casa com quem a gente ama.” Novamente fugindo da questão, ela também fugiu do olhar penetrante da outra garota, mas quando percebeu que ela ficou em silêncio, voltou devagar a observa-la, percebeu que nem por um segundo os olhos amarelos deixaram de fita-la.Ela sentiu uma mão gelada encostando na sua, mas isso não a fez desviar o olhar, ao invés disso, só o intensificou.“Eu sei.”
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Cravos.

Após tomar seu café da manhã e fazer sua higiene matinal, tudo estava pronto para começar mais um dia de aula e dessa vez Aziraphale estava dentro do horário e poderia ir vagarosamente.

Quando chegou nos portões do campus, avistou Maggie, a esperando. “Bom dia, Aziraphale!”

A menor olhou para a outra e a deu um sorriso carinhoso. “Você já sabe quais são suas matérias de hoje?” Ela deu uma risadinha. “Sim, Maggie, hoje eu trouxe meu cronograma!” Ela disse animada e orgulhosa pela própria organização.

“E eu acredito que daqui dois minutos estarei atrasada para minha primeira aula do dia, então se você me der licença. Nos vemos no intervalo!” Ela sorriu e seguiu para a sala.

~~~**~~~

Aziraphale esperava fazer muitas coisas interessantes na faculdade, projetos, trabalhos, mas esse, sendo seu primeiro trabalho passado em sala, foi um pouco inesperado.

“Maggie, ninguém me avisou que eu teria que falar com plantas.” A garota mais alta deu uma risada que ecoou no refeitório. “Artistas são assim, eu acho.”

“O trabalho consiste em achar uma flor que represente algo ou alguém do seu passado e escrever de forma metafórica como você se sente. Eu não estou fazendo o curso de psicologia!!” Maggie riu mais alto secando uma lágrima do olho.

“Não entendo porque você tá tão frustrada.”

“Onde eu vou encontrar uma flor decente?!” Ela falou alto, jogando suas folhas na mesa com força.

“Se esse for seu problema, Aziraphale, tem um jardim aqui no campus que é administrado por uma aluna de astronomia. Fica perto da ala de do curso dela.” Ela disse apontando na direção do lugar.

Aziraphale bufou. “Eu vou lá depois, obrigada Maggie.”

~~~**~~~

No final do dia, após muitas reclamações de um único trabalho, Aziraphale teve finalmente a oportunidade de dar uma olhada no jardim que Maggie comentou.

“Azira, me desculpa de novo por não poder te acompanhar, meu encontro com a Nina é daqui alguns minutos e considerando a distância eu já estou atrasada.” Ela riu. “Mas você entendeu onde é né?”

A mais baixa olhou para a direção indicada pela outra e sinalizou com a cabeça, concordando. “Sim, obrigada Maggie. Bom encontro!” Ela disse, entrelaçando suas próprias mãos.

“Tchau, Azira. Espero que você encontre algo que te alegre.” E a mais baixa concordou novamente.

No caminho para o jardim, ela teve que perguntar para pelo menos duas pessoas onde era o local. Talvez ela não era tão boa com direções. Até que Aziraphale sentiu o cheiro de grama molhada.

Por alguns segundos ela seguiu no piloto automático até seu destino, e apenas voltou a realidade quando ouviu uma voz.

“Já falo com você, espera só um pouco.”

A dona da voz estava atrás de um dos arbustos do jardim, — nem sequer olhou a loira para conversar — provavelmente mexendo com a terra.

Aziraphale assumiu que ela era a dona do jardim, a aluna de astronomia que Maggie havia citado. Ela percebeu que a mulher abaixada tinha cabelos cor de sangue. Cabelos vermelhos carmesim.

Seu coração ameaçou disparar mas sua mente logo a lembrou que aquilo era simplesmente impossível e aquela menina não era quem ela queria que fosse.

Ela respirou fundo e respondeu. “Sem problemas, querida.” E apenas com essa resposta a outra mulher levantou sua cabeça rapidamente e a troca de olhares pareceu ser fatal.

Muitas expressões diferentes passaram pelo rosto da ruiva. Muitas que Aziraphale não conseguiu reconhecer. A mulher mais alta atrás do arbusto abriu e fechou a boca no mínimo duas vezes, tentando encontrar algo para falar.

“Oi.”

E isso foi tudo que saiu de sua boca quando sua feição suavizou. Ela sorriu, e aquele foi o sorriso mais lindo que Aziraphale já teve o privilégio de presenciar.

“É um lindo jardim que você tem aqui.” Ela disse caminhando para mais perto da outra mulher. “Ah.” Aquela não foi a reação que Aziraphale esperava tirar da ruiva ao elegiar seu jardim. Ela parecia triste, rejeitada. Esquecida. “Eh… Valeu. Você precisa de alguma coisa?” Sua feição se neutralizou enquanto ela limpava suas mãos cheias de terra.

Ela usava um grande casaco preto e calças muito justas, que Aziraphale se pergunatava como ela entrou naquelas. Seu cabelo carmesim estava enrolado num coque alto, provavelmente para não sujar na terra, porque ele era muito comprido, a parte de trás e das laterais dele eram raspadas. Ela era muito linda, pena que estava com óculos escuros, dificultando a visão de seu rosto inteiro.

Aziraphale se pegou pensando nisso tudo enquanto a outra mulher esperava por uma resposta, a ruiva apenas a observava. “Sim, desculpe. Eu preciso de uma flor.” A ruiva soltou um arzinho pelo nariz com vontade de rir. “Sorte sua que esse é um dos meus maiores produtos aqui.” Aziraphale olhou para a outra tentando raciocinar. “Sim, claro.” Ela soltou uma risada sem graça e bateu com a mão na testa. “Me perdoe querida. Eu preciso fazer um trabalho do meu curso. Eu sei que parece confuso.” Ela riu de novo. “Mas preciso de uma flor para esse trabalho.” A loira disse observando o resto do jardim.

“O que você tá cursando?” Aziraphale olhou para a ruiva se perguntando por que aquela pergunta era relevante para ela encontrar uma flor. “Estou cursando literatura” Um arzinho disfarçado saiu do nariz da outra mulher, e ela sorriu de novo. Aziraphale escutou ela falar ‘É claro que tá’ enquanto virava o rosto.

“Pode vir por aqui, vou te mostrar todas as flores.” A ruiva estendeu o braço indicando a direção e deixando Aziraphale passar na frente. “Obrigada querida, você é muito gentil.” A loira escutou a outra mulher bufar. “Não se iluda.” E continuou a guiar o caminho.

Aziraphale olhou para as flores e se encantou. Eram tantas cores, tantos tamanhos e belezas tão singulares. “Elas são tão lindas. Você com certeza é muito cuidadosa com elas.”

A loira viu a outra mulher desviar o olhar.

“Ngk. Nada que gritar com elas não resolva.”
Ela disse olhando para as plantas do jardim completamente orgulhosa. “Pode escolher uma delas pra-.”

A loira não percebeu que a outra mulher havia parado sua frase no meio. Ela paralisou vendo um local cheio de gérberas amarelas, e ali mesmo ela parecia já ter decidido qual flor ela levaria pra casa.

“Essa. Por favor”

Aziraphale falou não desviando o olhar das flores, sentia que se o fizesse, elas iriam sumir dali.

“Claro.”

A ruiva disse pegando sua tesouras para cortar a flor de maneira correta, com todo cuidado e delicadeza do mundo. “Aqui, pode pegar.” Ela disse, levando a flor até a mão da outra mulher.

“Qual é o sentido desse seu trabalho afinal?” “Preciso escrever para essa flor, como se fosse alguém significativo da minha vida.” A expressão da ruiva pareceu confusa.

“Por que amarela?” Aziraphale olhou para baixo pensativa.

“Os olhos dela foram algo que eu nunca consegui esquecer.”

~~~**~~~

Crowley estava oficialmente em pânico. Não conseguia parar de andar de um lado peo outro.

“Você vai me deixar tonta.” Ignorando complementamente a voz.

Depois de todos esses anos Aziraphale simplesmente apareceu do nada. Como? Ela nem sequer a reconheceu. Aquilo a deixava triste, frustrada.

“Você não pode culpar ela, Crowley.” A ruiva revirou os olhos quando ouviu sua amiga Anathema a refutar. “Você sabe que vocês duas cresceram e a transição faz uma grande diferença.” A ruiva parou da frente da outra mulher. “Mesmo assim, sei lá, eu achei que ela saberia que sou eu.”

“Vocês eram crianças!”

As duas ficaram se encarando em silêncio, até Anathema quebrar o contato e bufar. “Se você tá tão incomodada, vai falar com ela. Fala que é você.” Crowley pensou um pouco e sua feição mudou pra pânico. “Eu não posso. Ela nem deve querer saber de mim. Eu posso falar e ela só achar uma coincidência engraçada e nunca mais falar comigo.”

“Eu vou te aposentar como amiga.”

“Eu vou me aposentar como ser humano.” Crowley grunhiu. Anathema a olhou com uma feição penetrante. “Tá!” Ela gritou. “Se eu me encontrar com Aziraphale de novo eu falo com ela”

Anathema revirou os olhos e bufou. “Melhor que nada.”

Era um dia chuvoso, bom, um dia prestes a chover. Crowley tinha acabado de se mudar para a cidadezinha conhecida com Tadfield. Foi triste ter que deixar a outra cidade, ela tinha muito apego por lá.

“Mãe, posso explorar a cidade?” A criança ruiva estava saltitando pela casa na esperança de poder gastar sua energia. “Pode filho. Tenta voltar antes de começar a chover.”

‘Filho’ Claro, com certeza. Crowley não conseguia lidar com isso. Desde muito cedo ela sabia quem era, desde muito cedo ela sentia a dor de ser quem ela era. Pelo menos nessa cidade nova tinha espaço pra ela fugir quando se sentia presa.

Ela andou pelos campos da cidade, havia muitas flores, muitas plantas, aquilo a animou muito. Aquele lugar era tão lindo e puro, dava prazer de respirar aquele ar com cheiro de liberdade.

O cheiro de chuva se intensificava mas Crowley não podia ligar menos, ela estava ali para se molhar, para sentir alguma coisa além de si mesma. Além da casca que não a pertencia.

Quando os pingos de água começaram a cair ela parou sua caminhada e sentiu as gotas geladas escorrerem de seu rosto —-Crowley adorava quando seu cabelo ficava molhado, ele parecia ser mais comprido do que realmente era—-, a ruiva ficou por alguns instantes com o rosto virado para o céu, com os olhos fechados apenas sentindo o cheiro da chuva e a textura da água na sua pele.

Depois de um tempo ela colapsou no chão, na grama molhada, ela deitou ali e começou a rir. Ela ria tanto, que temia que algum vizinho se preocupasse que ela estivesse enlouquecendo e fosse até lá. Crowley não sabia porque estava rindo. As nuvens pesadas e solitárias não tinham como se identificar com a menina.

Crowley não ouviu quando alguém se aproximou, ela estava tão distante que mal ouviu quando esse alguém falou. “Oi?”

A ruiva não havia aberto os olhos ainda, — e nem iria — mas o som daquela voz a acalmou de maneira mais profunda do que o som da chuva caindo na grama.

Ela se apoiou em seus braços e abriu os olhos. A outra menina estava em pé ao seu lado, à medida que Crowley ia levantando sua visão ela tirava suas conclusões daquela que estava à sua frente.

Ela usava um macacão rosa que Crowley achou adorável, junto com uma blusinha amarela bufante. Ela mal conhecia aquela menina mas já sabia que a roupa que estava usando era completamente ela.

Quando Crowley chegou ao rosto da menina ela paralisou. Ela parecia ser tão gentil, tão boa. A ruiva ficou com vontade de colocar uma senhorinha do meio da rua para ver se a garota na sua frente iria parar o trânsito e ajudar ela a atravessar.

Crowley não precisou pensar muito para chegar a uma resposta positiva.

Quando a ruiva pensou que esse momento não ficaria mais interessante, a loira abriu a boca para falar novamente, colocando seus braços para trás do corpo. “Você tá machucada?”

Machucada?

Ela sentiu seu rosto esquentar.

Machucada.

Ela sentiu seu corpo tremer.

Machucada.

Ela sentiu seus olhos molhados e não eram pelas gotas de chuva. A tempestade começou dentro dela, a tempestade mais serena e mais intensa que já teve o prazer de cair na terra.

O desaguar das gotas no rosto de Crowley preocupou a outra menina, que logo se abaixou ao lado dela, sujando seus joelhos rosados com a terra lamacenta. Seu olhar de preocupação genuíno provocou mais lágrimas da menina ruiva, que provocou mais vermelhidão em seu rosto.

“Onde você tá machucada? Você precisa que eu chame um adulto?” E isso confirmou que aquilo que ela ouviu não veio de sua imaginação. Não foi sua mente sabotadora pregando peças. A outra menina realmente a viu de verdade. Pela primeira vez, ela se sentiu viva pelo olhar de outra pessoa.

“V-você acha que eu sou uma menina?” Crowley fungou e limpou seu rosto com a parte de trás da mão, tentando cessar as lágrimas. “Você não é?” A loira a olhou confusa, tombando a cabeça um pouco para o lado.

A chuva começou a cessar e as nuvens começaram a se dissipar no céu. Um sol pós-tempestade apareceu atrás da menina com nome desconhecido, quase parecia uma auréola. O cheiro de grama molhada ficava mais quente, assim como as gotas de água e lágrimas em seu rosto.

“Sim. Sim, eu sou.” Crowley sorriu.

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