
Capítulo I
Três semanas.
Só foi preciso três semanas para a pequena Sakura admitir a si mesma de uma vez por todas que ela não era ninguém para os instrutores da academia. A situação a qual se encontrava tanto era boa quanto muito ruim.
Esse era o seu primeiro ano na academia.
Ela não entrou na academia porque tinha o sonho de se tornar uma grande ninja ou mesmo seguir a carreira. Ela tinha um motivo muito maior e importante do que sonhos idealistas e superficiais.
Só que houve um problema no meio do caminho.
E esse problema era que a educação oferecida na academia não existia para os de família civil.
Pessoas como ela.
Os adultos só davam atenção às crianças que pertenciam aos clãs shinobis. Essa desigualdade de classes poderia ser vista em como as turmas eram formadas a cada ano.
As crianças civis em uma classe e as crianças de clã em outra.
A única exceção que existia e que Sakura tinha ficado feliz inicialmente, apenas inicialmente, foi que os civis classificados com maiores habilidades e com chance real de se tornar um shinobi, tinham o “privilégio” de entrar na turma em que crianças de clãs estudavam. Já que pelas pesquisas da pequena Sakura, as turmas com crianças de clãs eram mais avançadas e aprendiam muito mais do que as que tinham só civis.
Mas essa felicidade durou pouco com essa informação. Sakura se esforçou e se dedicou ao máximo para ser a primeira de sua turma civíl e conseguir ser transferida para uma turma mais avançada. Ela conseguiu em sete meses sofridos. Mas sua alegria não durou duas semanas e na terceira ela praticamente não existia.
Isso porque ela percebeu que, embora Sakura agora estivesse em uma turma avançada e que realmente ensinava habilidades ninjas, notou que era muito pior.
Pior no sentido que Sakura era ignorada e meio odiada pelas garotas da turma. Ela não entendia o motivo, mas os olhares e palavras venenosas doíam toda vez que eram ditas em sussurros altos o suficiente para ela ouvir de propósito. Sua situação só piorava quando nenhum dos dois instrutores da classe impedia qualquer uma das outras alunas.
Sakura não era boba para não perceber o motivo.
Seus instrutores são Chunins de origem civil e a maior parte de seus alunos pertencem a clãs shinobis. Em outras palavras, se eles tentassem ajudar ou dar uma advertência a seus valentões, esses mesmos valentões iriam aos seus pais e iriam reclamar sobre os instrutores e esses pais não iriam hesitar em mexer alguns pauzinhos para prejudicar a carreira de dois shinobis de origem civil.
Então… eles fechavam os olhos para o abuso que acontecia na frente deles com uma criança de quatro anos. Eles fechavam os olhos quando jogavam restos de comida nela, quando jogavam papeizinhos de cuspi em seu cabelo, quando se reuniam para bater nela, quando destroem suas coisas ou falavam diversos insultos sobre como ela era uma vira lata pobre, esquisita e feia.
Sakura entendia a situação de seus instrutores. Ela realmente entendia… mas isso não apagava sua mágoa ou rancor.
Sakura estava se aproximando de sua casa. Ela se localizava perto do Distrito Vermelho de Konoha, junto com outras bem pobrezinhas. Sakura não tinha vergonha de ser civil, não tinha vergonha de ser pobre. Mas toda vez que a insultavam ou pregavam brincadeiras horríveis com ela… era como se seu coração estivesse sendo cortado e depois esmagado diversas vezes sem parar. Tudo por causa de suas origens e classe social, ao ponto que ela começou a odiar qualquer contato com outras pessoas.
O mundo era cruel, infelizmente, Sakura aprendeu esse fato muito nova.
Sakura já chorou muito por isso, mas quando sentiu que mais lágrimas iriam surgir devido ao outro péssimo dia que teve na academia, ela segurou e limpou qualquer vestígio em seu rosto.
Tinha que fazer isso sempre que voltava para casa ou quando seus colegas tentavam tirar alguma reação dela.
Seus passos pararam diante da porta de sua casa.
Detrás da porta existia o motivo pelo qual ela não desistiu de ser shinobi, existe o motivo pelo qual suporta todos os insultos e abusos, existe o motivo de se dedicar tanto nos estudos e treinar para ultrapassar seus colegas.
Sua mão tocou a maçaneta velha e abriu a porta, um ruído de panelas no fogo podia ser ouvido por toda a minúscula casa.
- Ara, você chegou cedo em casa, Sakura-chan!
Sua mãe a comprimentou de seu lugar no futon velho estendido no meio da sala. Sakura não exagerou quando disse que sua casa era pequena, tinha apenas um banheiro e uma cozinha conectada à sala. Não existia um quarto. Eles não tinham dinheiro para pagar uma casa com quarto e não davam importância de dormir todos juntos no velho futon.
- Um dos instrutores ficou doente e o outro foi chamado para ajudar em uma turma diferente. Fomos liberados depois de fazer um teste teórico, Mama - Sakura respondeu com um leve sorriso nos lábios, escondendo que o verdadeiro motivo por ela ter sido liberada cedo foi porque algumas das garotas da sua turma tinha trancado Sakura em um quartinho, ela só conseguiu sair depois de cinco horas e já tinha perdido a maior parte da aula e decidiu ir embora.
Melhor do que termos que aturar aquelas garotas a tarde toda, Outer.
- Você se divertiu hoje, querida ? - Sua mãe perguntou com um semblante curioso.
- Sim! Foi muito divertido e eu brinquei de esconde-esconde com as garotas da minha turma! - Sakura respondeu com um enorme sorriso no rosto, não querendo que sua mãe fique triste com a realidade em que sua filha realmente sofria todos os dias na academia, isso poderia piorar seu estado já frágil.
Sakura é jovem e pequena, mas podia ver a realidade em que vivia.
Hahaha… É bem irônico a brincadeira que você escolheu contar como mentira para Mama.
Calada, Inner! Nosso instrutor mesmo disse em muitas aulas… a melhor mentira é aquela que se mistura com a verdade.
Sua conversa com a voz em sua cabeça foi interrompida pelo barulho de talheres na cozinha.
- Seu pai deve estar fazendo uma bagunça lá dentro - Mebuki comentou com um sorriso feliz no rosto.
A pessoa referida surgiu em um avental rosa e com manchas por todo o corpo.
- Eu não estava fazendo uma bagunça, querida! - Kizashi respondeu com alegria enquanto caminhava até sua esposa e dava um leve beijo na boca antes de se virar para sua pequena filha - Vejo que nossa pequena flor chegou! Vamos comer ? Mas antes disso, onde está nosso beijo e abraço, pequena flor ?
Qualquer peso ou tristeza que tinha em seu coração foi substituído pelo calor que seus pais davam sem limite para ela. Sakura se aproximou e abraçou os dois e depois deu um leve beijo nos lábios de ambos.
Esse hábito não era comum para muitos civis, embora alguns fizessem isso como comprimento para amigos próximos, muito menos para shinobis e suas paranoias.
Mas fazia parte da cultura de seus pais e do povo antigo que faziam parte. Seus pais eram de uma família nômade com várias crenças e religião única. Um povo que nunca ficava parado em um só lugar, sempre viajando e curtindo a vida. Seus pais explicaram que seu povo não gostava de se prender a um lugar que os impedia de ser livres, onde havia regras que determinavam suas ações e seu futuro. Era um povo alegre, cheio de vida e se amava muito.
Eles demonstram esse amor não por coisas materiais, mas sim, por gestos como abraços e beijos. A religião deles era em sua crença, seu Deus protetor, o Deus da Morte. Eles acreditavam e seguiam convictos que a vida e a morte andavam juntas e uma não deveria ser ignorada perante a outra, a vida tinha valor e eles eram ensinados a respeitar a morte.
A morte sendo o Deus deles.
Infelizmente, o povo nômade a qual seus pais faziam parte foi atacado por bandidos e seu número foi reduzido a cinco. Sua mãe estava grávida na época e era de risco.
Não querendo que algo pior acontecesse, seus pais decidiram se despedir e morar em Konoha, umas das vilas mais seguras de todas as nações. Porém, mesmo depois que Sakura nasceu, a condição de sua mãe piorou ao decorrer do tempo, não sendo possível eles seguirem os costumes de seu povo e continuarem andando pelo mundo.
Ensinar suas crenças e cultura, assim como seguir certos hábitos de seu povo, alegrava seus pais mais do que qualquer coisa. Então, Sakura deixou de se importar sobre sua aparência diferente ser motivo para o bullying que sofre, não se importa de não poder comprar bonecas e roupas novas. Ela é feliz com seus pais nessa pequena casa velha. Ela agradece ao Deus da Morte todos os dias.
É por isso que ela decidiu se tornar uma shinobi. O trabalho de seu pai não vai conseguir pagar sempre pelos remédios de sua mãe que ficavam mais caros ou pela comida e a casa.
Sua mãe não pode trabalhar desde que seu estado piorou no ano passado e ela agora passa mais tempo em cima do futon do que em pé. Seu pai não vai aguentar para sempre trabalhar todos os dias da semana sem descanso ou dias de folga. Eles já não tem muito o que comer, nos dias de frio eles dormem grudados para se aquecerem juntos.
Sakura teve dois motivos para entrar na academia ninja, mesmo sem querer se tornar uma shinobi. O primeiro, seus pais queriam que ela tivesse alguma educação e iriam a escrever na escola para civis, mas Sakura sabe que teriam que pagar pela matrícula e para que ela permanecesse lá dentro. Por isso, ela mentiu dizendo que queria entrar na academia ninja para se tornar uma grande kunoichi. Sendo que a verdade era que a academia era de graça para todas as crianças.
O segundo motivo, sua família precisava de dinheiro para sobreviver e daqui a alguns anos o dinheiro de seu pai não iria conseguir cobrir os gastos dos remédios de sua mãe, o aluguel da casa, as contas de energia e água, a comida e os impostos adicionais que a vila exigia todos os anos.
Era aí que a entrada de Sakura na academia iria ajudar sua família. A vila pagava uma pequena taxa para as crianças que frequentavam a academia ninja, para ajudar nas despesas dos materiais e equipamentos para o treinamento. Enquanto Sakura frequenta a academia, ela vai poder ajudar sua família com o dinheiro que recebe. E quando terminar e se tornar uma genin, ela vai parar no Corps Genin e acabar realizando algum trabalho de papelada que vai pagar muito mais do que qualquer trabalho civil.
Sakura sorriu com seus planos para o futuro. Por sua família, ela iria suportar qualquer inferno que jogassem nela. Mesmo que os machucados e os insultos a fizessem querer chorar, Sakura suportaria pela felicidade de seus pais.