
200 horas para o impacto
O mundo tinha pouco mais de uma semana de vida e o caos dominava as cidades. Pessoas saqueavam, brigavam, fugiam sem destino. Mas na pequena casa onde estavam, apenas o amor imperava.
Nas poucas vezes que Shikamaru e Neji ousaram ir até a cidade, somente para ver se encontravam algum amigo e se eles precisavam de ajuda, agradeciam por Shikaku e Yoshino tê-los convencido a se mudar. Não seria fácil explicar para os filhos porque as pessoas estavam agindo assim.
— A… a nossa casa, Shika… Tudo o que construímos… — Neji apontou para a antiga residência, parecia que haviam se passado anos, e não apenas alguns dias.
As janelas estavam quebradas, as portas arrombadas, o pequeno jardim que cuidava com os filhos estava totalmente destruído.
Neji queria gritar, brigar, bater em alguém, descontar toda sua fúria diante daquilo, mas tudo o que pôde fazer foi desabar nos braços de Shikamaru.
— As nossas lembranças, tudo de bom que vivemos aqui, sempre estará no nosso coração, em nossa memória, isso é o que importa.
— Eu sei, mas dói ver tudo destruído como se não fosse nada. As pessoas perderam a noção. Sei que futuro é catastrófico, que não restara nada aqui, nem mesmo uma única marca da nossa passagem pela Terra, mas ainda assim…
— Vamos embora, perolado… Ficar aqui não te fará bem. Lembre-se que viemos para ver Kakashi e Iruka, se eles estão bem. Estou preocupado.
— Tudo bem… Mas esperava encontrar mais pessoas pelas ruas…
— Acho que agora está caindo a ficha do que está para acontecer e estão tentando se acostumar, ficar com aqueles que amam…
O casal andou pela cidade que a cada passo que davam, parecia mais abandonada e depredada. Quando chegaram finalmente à casa dos amigos, ambos sentiram um arrepio subir pela espinha. Algo estava muito errado.
Bateram na porta diversas vezes até ouvirem passos em seu interior e com uma demora que quase fez Shikamaru arrombar a porta, ela foi aberta. Diante deles apareceu Kakashi e em nada lembrava o homem que conheciam. O cabelo estava totalmente bagunçado, uma barba que nunca viram se fazia presente, olhos vermelhos e olheiras que indicavam um extremo cansaço e noites sem dormir. Mas o que mais chamou a atenção, foi o cheiro forte que emanava dele, de sujeira e álcool e um objeto em suas mãos, que tremia.
— O que aconteceu? Podemos entrar? — pediu Neji rapidamente.
— Não, vão embora.
— Kakashi, por favor… onde está Iruka?
O homem fechou os olhos com força, como se apenas a menção daquele nome o machucasse.
— Ele… Ele… se foi…
— Como assim?
— Por que querem saber? Deveriam estar na sua casa, com seus filhos, aproveitando seus últimos momentos… Vão embora!
Kakashi tentou fechar a porta, mas foi impedido por Shikamaru.
— Vamos embora se nos contar o que aconteceu, por favor, deixe-nos te ajudar…
— Vocês não podem ajudar. Ninguém pode. Não havia ninguém…
Shikamaru e Neji trocaram um olhar confuso, mas não interromperam Kakashi.
— Ele não resistiu a notícia… Foi demais… Ele passou mal e não tinha médico no hospital, todos estavam ocupados, sobrecarregados, então… Eu os perdi antes do fim… Não me resta nada… Mas eu vou me juntar a eles… só espero que eu vá para onde eles estão…
Com isso, Kakashi fechou a porta e os dois ouviram ela ser trancada. Ficaram ali por alguns momentos, até Shikamaru se afastar levando consigo Neji praticamente arrastado. Nem precisava ser um gênio para entender tudo o que havia acontecido e o que ele faria a seguir. Não queria ouvir o fim de um amigo. Muito menos queria que Neji presenciasse, mesmo que pelo som.
Ao retornarem para casa, os dois estavam abalados, mas ao serem recepcionados com os sorrisos alegres dos filhos, aquela sensação de perda, de estar preso em um terrível pesadelo, desaparecia. Mesmo que por algumas horas.
Naquele dia, eles preparam o jantar juntos, rindo e se divertindo com a inocência dos filhos e sua curiosidade sempre aflorada. Após a refeição, os quatro ainda brincaram um pouco antes de finalmente colocar Shikadai e Aiko para dormir, desejando bons sonhos aos pequenos.
Quando o casal se recolheu, deitados lado a lado, nenhum parecia ter sono, mas também não queria conversar, apenas se abraçaram, sentindo as respirações pesadas.
Na mente do Hyuuga, passavam-se as últimas falas de Kakashi, sobre ter algo depois da morte. Ele nunca foi de pensar muito naquilo, nunca se preocupou com aquilo em especial, mas agora, tudo o que mais queria, era que fosse verdade. Que existia um lugar onde eles poderiam se encontrar novamente.
— Eu também espero que tenha. — A voz rouca de Shikamaru o assustou um pouco, até pensou que havia dito em voz alta seu desejo, mas seu marido o conhecia muito bem. — Se não para nós, mas para Shikadai e Aiko, um lugar onde eles possam crescer livres, felizes, que construam uma família tão linda quanto a nossa e sejam amados como eu te amo e como nós os amamos.
— Um lugar onde Shikadai possa ser astronauta e desvendar os mistérios do espaço, que seja mais inteligente que nós dois e que se acaso algo assim acontecer, ele possa impedir. E onde Aiko possa ser uma estrela. Da música, da arte, da escrita, qualquer que seja. Onde ela seja conhecida por todos por seu carisma e simpatia — acrescentou Neji, deixando as lágrimas rolarem.
— Onde eles possam levar nosso legado, de amor, de superação, de aprendizado.
— Nós podemos não ter ficado muito tempo com eles, mas tenho certeza que foi o suficiente, eles sabem que são muito amados.
— Eles sabem, meu amor — garantiu Shikamaru, abraçando Neji contra si mais uma vez.
— E nós estaremos lá, para garantir que todos seus sonhos se realizem. Iremos os apoiar quando caírem, quando se machucarem, quando tiverem seu coração quebrado pela primeira vez e estaremos juntos quando encontrarem um amor tão grande quanto o que sinto por você. Eu amo você, Nara Idiota.
— Eu também te amo, Hyuuga Problemático.
E mesmo com fim de tudo batendo na porta, eles se permitiram sorrir e se beijaram mais uma vez, para selar aquele desejo.