
1000 horas para o impacto
O mundo parou. Não havia mais trabalho, não havia mais escola, não havia mais planos para o futuro. A notícia se espalhou como fogo na palha seca: um cometa de 100 km de extensão estava em rota de colisão com a Terra. E ele viria rápido. Não haveria desvio, não haveria milagres, não haveria salvação. O mundo acabaria em pouco mais de 41 dias.
Mas Shikamaru já sabia disso há algum tempo. Antes de todo mundo.
Ele era um dos cientistas da NASA, trabalhando com previsão e rastreamento de objetos espaciais. Quando os primeiros cálculos confirmaram a rota do cometa, a ordem foi clara: sigilo absoluto. Nenhuma informação deveria ser divulgada antes que os líderes mundiais decidissem como lidar com a crise. Mas como poderia manter isso em segredo? Como poderia olhar nos olhos de Neji e de seus filhos, Shikadai e Aiko, e fingir que tudo estava bem?
— Não posso mentir para eles, Kakashi. Não posso fingir que nada está acontecendo — afirmou Shikamaru quando a ordem foi proferida. — Vai me dizer que olhará para Iruka e dirá a ele que verão o filho de vocês nascer? Que terão uma vida plena e feliz até morrerem velhinhos de mãos dadas?
— Não…
— Então não me peça isso. Se quiser me silenciar, só tem uma maneira de fazer isso.
Kakashi sabia qual era, mas não faria aquilo. As ordens eram sem sentido, como se as pessoas ali não tivessem sentimentos e emoções, como se fossem apenas máquinas programas para executar ações sem questionar.
Poderia ser o fim de tudo, mas não deixariam que aquilo levasse o que eles tinham de bom naquela vida, ao menos por enquanto, aproveitariam o tempo que lhes restavam.
Naquela noite, Shikamaru chegou em casa mais cedo que o normal. Encontrou Neji na cozinha, cortando frutas para as crianças, o som da televisão preenchendo o ambiente com banalidades que logo deixariam de importar.
Ele parou na porta observando sua família num momento tão corriqueiro, tão comum, mas que naquela situação, trazia diversas sensações diferentes para o Nara.
Quantas vezes ele perdeu aquilo? Quantas vezes executaram tarefas simples sem ânimo, acostumados com a rotina? Agora, tudo o que desejava era poder ver aquilo milhares de vezes e aproveitar intensamente cada uma delas.
Se sentia culpado por dar valor aqueles momentos somente agora, quando tudo estava prestes a acabar. Mas como toda e qualquer pessoa no mundo, acreditava que teriam mais tempo. Que o amanhã existirá para realizar tudo outra vez. Que o amanhã traria novas oportunidades. Que o amanhã existirá para realizar todos os sonhos.
Mas o amanhã tinha data para acabar. Existiria um último amanhã e Shikamaru faria com que todos eles fossem inesquecíveis.
Neji desviou o olhar da tarefa que realizava e sorriu ternamente para o marido, um sorriso que Shikamaru sempre apreciou, mas que deixou de elogiar com o tempo.
— Você é lindo, Neji — soltou o Nara, deixando o Hyuuga envergonhado, há tempos não era elogiado assim, ainda mais na frente dos filhos.
— Papa, tá vermelho — apontou Shikadai, deixando Neji mais envergonhado e a pequena Aiko rir sem entender muito o que acontecia, apenas querendo que o pai a pegasse no colo.
Shikamaru pegou a filha no colo, beijou demoradamente seus cabelos castanhos, iguais aos de Neji, controlando as lágrimas que faziam seus olhos arderem.
Ele nunca a levaria para seu primeiro dia na escola como fez com Shikadai. Não a ajudaria nas tarefas escolares. Não a veria se tornar uma linda mulher. Não veria o filho crescer. Não os acompanharia até o altar quando fossem se casar. Não teria netos. Nem mesmo poderia ter mais um filho, apesar da afirmação de Neji que os dois já eram o suficiente. Não viveria mais nenhuma experiência dessas com os filhos.
Neji notou sua expressão e franziu a testa. Foram raras as vezes que viu os olhos do mais novo com lágrimas que se recusava a derramar. Algo muito ruim estava acontecendo.
— O que foi?
Shikamaru colocou Aiko no chão e pediu para Shikadai ir brincar com a irmã no quarto. Respirou fundo e tomou coragem.
— Precisamos conversar. Agora.
Neji levou os filhos até o quarto, deixando com eles a vasilha de frutas cortadas. Quando voltou, encontrou Shikamaru de pé, as mãos tremendo levemente. Sem uma palavra, foi puxado pela mão até a cama, onde sentaram lado a lado.
O Nara demorou alguns segundos antes de começar. Sua voz era baixa, quase um sussurro. Como se dizer aquilo em voz alta tornasse tudo mais real. Contou sobre a descoberta, as tentativas frustradas, a confirmação inevitável de que nada poderia ser feito. Conforme as palavras saíam, seu coração parecia se despedaçar. E então, o silêncio caiu sobre eles.
Neji não piscava. Estava estático, a respiração presa, as mãos cravadas nos joelhos. Pálido, os olhos arregalados.
— Você está me dizendo que o mundo vai acabar? — Sua voz soou fraca, como se estivesse distante da própria realidade.
Shikamaru sentiu um gosto amargo na boca. Assentiu, incapaz de dizer mais qualquer coisa.
A garganta de Neji apertou. Ele sentiu os pulmões queimando. O ar, de repente, parecia pesado demais para ser respirado.
— E o que faremos?
A voz de Shikamaru quebrou ao responder:
— Vamos viver, aproveitar cada segundo ao lado dos nossos filhos. Dar a eles tudo que pudermos, todo amor, todo carinho, toda proteção.
O silêncio se arrastou. Neji fechou os olhos com força, pressionando os punhos contra as coxas. Queria gritar, queria correr para longe, queria acordar daquele pesadelo. Mas não havia para onde correr. Não havia como acordar.
Então, ele apenas murmurou, a voz falhando:
— Obrigado por me contar.
Shikamaru o abraçou com toda a força que tinha. Sentiu o peito de Neji subindo e descendo em soluços silenciosos contra seu ombro. Sentiu sua própria respiração vacilar. Era a primeira vez que se permitiam quebrar.
— Não podia te deixar no escuro. Não te deixaria sozinho e nem poderia ficar. Você é minha vida. Você e os nossos filhos, até o fim. Eu te amo, Neji.
Neji enterrou o rosto na curva do pescoço do marido, buscando se segurar em algo que ainda fizesse sentido.
— Não conte a eles, por favor. Não quero que saibam que tudo vai acabar. Proteja nossos pequenos.
Shikamaru fechou os olhos, segurando o peso daquela promessa.
— Com minha vida. Ficaremos juntos até o fim, e eles não saberão. Não sofrerão.