
Chamas que consomem
“Não era arrependimento. Era algo muito pior.”
A cidade pulsava com luzes artificiais e o cheiro metálico da chuva recém-caída. As ruas refletiam os neons vermelhos e azuis dos letreiros, borrando a linha entre o real e o ilusório. O tempo de guerra havia passado, mas as cicatrizes nunca desapareceram por completo. Madara sentia isso na pele, na forma como sua respiração ainda pesava nos momentos de silêncio absoluto.
Ele sempre foi um homem impulsivo, não conseguia lidar com a paz como Hashirama. Ele conheceu o alfa em meio às turbulências da guerra, os dois em lados opostos de uma luta que não era deles. Apesar de tudo, das diferenças, seja de opiniões ou de trincheiras, eles encontraram algo raro, algo pelo que valia a pena lutar realmente, algo que não envolvia armas ou mortes.
Então, veio a paz. Eles conseguiram sair daquela batalha, de uma guerra que não queriam. Para o Senju, a calmaria era um prêmio. Para Madara, era uma sentença sufocante.
Ele nunca soube lidar com a paz.
Hashirama sempre achou que o mundo estava finalmente se acertando, que tudo o que construíram valia a pena. Mas Madara? Madara se sentia sufocado. A estabilidade lhe parecia uma jaula, e a previsibilidade da vida ao lado do Senju o deixava inquieto.
Foi numa dessas noites inquietas que ele conheceu Sakumo.
A chuva castigava o asfalto quando Madara entrou naquele bar de fachada discreta, buscando qualquer coisa que preenchesse o vazio que crescia dentro dele. Ele não esperava encontrar Sakumo Hatake ali, sentado no balcão, envolto no cheiro de cigarro e bourbon.
Sakumo o reconheceu no instante em que seus olhos se cruzaram. Não como um ômega igual a si, mas como um alfa que tentava se manter discreto, mas não conseguia. Ao menos, não para aquele homem de cabelos naturalmente brancos.
Não houve medo, hesitação ou diferença, apenas um leve erguer de sobrancelhas e um meio sorriso desafiador.
Madara pediu uma dose de uísque e sentou-se ao lado dele.
— Você me encarando desse jeito é um convite ou um desafio? — perguntou Sakumo, girando o copo entre os dedos.
— Depende. Você aceitaria qual deles?
Sakumo riu, e foi assim que tudo começou.
Sakumo era diferente. Ele não tinha as amarras morais rígidas de Hashirama, não esperava nada além do que um homem poderia oferecer ali, naquele instante. Quando se encontraram pela primeira vez, foi um choque. Sakumo não recuou diante dele. Não se intimidou.
E Madara gostou daquilo.
Eles não precisavam de palavras, nem de promessas. Madara não era um homem que se permitia ser conduzido, mas ali, sob as luzes fracas do quarto de hotel em que se encontraram, algo dentro dele rompeu. Seu instinto alfa rugiu, se sobressaiu, e por uma noite, ele permitiu que a ilusão de controle o dominasse. O Uchiha nem imaginava que aquilo poderia acontecer, nunca cogitou que um dia ele se sentiria como um alfa. Sabia que não era como Hashirama, mas ainda era um, e o Hatake não fugiu.
Sakumo não recuou.
Pelo contrário, cedeu com provocação e desafio, respondendo a cada investida com intensidade igual. Madara o tomou contra a parede fria, sem pressa, sem hesitação. Sakumo não pediu mais. Não esperava amor, apenas intensidade. E Madara entregou.
O toque de Sakumo era áspero, faminto, e Madara sentiu a adrenalina correr em suas veias como um incêndio incontrolável.
Ele não era frágil. Não era uma coisa a ser protegida.
Não com Sakumo.
Pela primeira vez, Madara se sentiu implacável.
O Uchiha passou a provocá-lo, testá-lo, empurrá-lo contra os limites que Hashirama nunca ousou cruzar. Sakumo retribuía com palavras afiadas e desafios, e pela primeira vez em anos, Madara sentiu que estava no controle. Pela primeira vez, ele não precisava ser protegido ou segurado como algo frágil, ele podia ser o dominante, o incontrolável, o Uchiha que ninguém ousava desafiar.
Ele queria mais. Queria consumi-lo, devorá-lo, provar que mesmo sendo um ômega, não era submisso. Não precisava ser amparado, não queria ser segurado com cuidado. Ali, com Sakumo, ele era Madara Uchiha em sua forma mais bruta e indomável.
Ele queria que tivesse sido apenas uma vez, apenas um momento, apenas uma noite. Mas ele se viu viciado naquela sensação, naquele sentimento.
Madara queria se arrepender, queria parar de se encontrar com o outro, mas toda vez que sentia a pele de Sakumo contra a sua, aquele olhar sobre si, era como se perdesse o controle e fosse dominado por sua natureza mais primitiva.
E ele gostou.
Naqueles encontros furtivos, se sentia como queria: implacável. Não havia ternura, apenas desejo. Um desejo que o consumia e o fazia esquecer, mesmo que por algumas horas, o peso da presença de Hashirama na sua vida.
Naqueles momentos, mesmo que nunca admitisse, Madara se permitia ser outra pessoa, se entregava totalmente ao desejo de ser um alfa de verdade.
Mas, quando voltava para casa, quando via Hashirama de pé, esperando por ele, algo dentro de Madara desmoronava. Ele queria sentir culpa, arrependimento. Mas o que sentia era algo muito diferente, talvez, muito pior do que pudesse admitir.
O Senju o olhava como sempre olhou: com paciência, amor e uma devoção que Madara nunca conseguiu entender. E tudo o que ele queria era se jogar naqueles braços, se perder naquele olhar, esquecer do que havia feito.
Ele odiava o que sentia. Odiava que, com Sakumo, era fogo e fúria, mas com Hashirama… era vulnerabilidade.
Mas, ao voltar para casa certa noite, tudo mudou.
A luz baixa do apartamento iluminava Hashirama, sentado no sofá, esperando. Seu rosto estava sereno, mas seus olhos… seus olhos sempre viam demais.
Madara sentiu o gosto amargo da culpa na boca. Quando Hashirama o abraçou, quase chorou. O peso que carregava se tornou insuportável, e quando três palavras foram ditas, tão verdadeiras, tão intensas, ele desabou.
— Eu te amo — Hashirama murmurou, sem questionar onde Madara estivera.
Madara fechou os olhos, sufocado pela culpa.
Sakumo despertava nele o desejo de ser dominante. Mas Hashirama… Hashirama o fazia querer ser protegido.
— Onde você estava? — Hashirama perguntou, sem raiva, sem acusações. Apenas um cansaço entranhado na voz.
Madara poderia mentir. Mas não o fez.
— Eu traí você.
As palavras foram diretas, sem rodeios.
O silêncio pesou.
Hashirama baixou os olhos, e algo se partiu no ar entre eles.
Por um momento, Hashirama não reagiu. O silêncio foi sufocante. Então, um riso sem humor escapou de seus lábios.
— Isso é uma piada?
Madara sustentou o olhar, não iria recuar, mesmo com o medo se infiltrando em sua pele, mesmo que aquele olhar anunciasse que uma tempestade viria.
Hashirama ficou imóvel, processando o que ouviu, buscando as palavras para expressar o que sentia.
— Com quem? — Ele precisava saber.
— Sakumo Hatake.
Hashirama deu um passo para trás como se tivesse sido atingido. Sua respiração acelerou, e Madara viu o exato momento em que algo dentro dele se quebrou.
— Há quanto tempo?
— Não importa. Acabou.
Hashirama riu, mas foi um som vazio.
— Acabou? — Ele balançou a cabeça. — Como você pode dizer isso como se fosse tão simples? Como se… Como se tudo que construímos não significasse nada?
— Significa tudo. Você é tudo para mim!
— Então por que você fez isso?!
Madara fechou os olhos.
— Porque eu precisava. — A resposta não foi entendida da mesma maneira pelo Senju, e a raiva brilhou nos olhos normalmente calmos e pacientes do alfa.
— Precisava?! Precisava me trair?!
Madara avançou, segurando os pulsos dele com força.
— Você nunca entenderia! Você quer me proteger, quer cuidar de mim… mas, por um momento, eu quis o contrário! Eu quis ser aquele que dominava, que controlava! Você nunca me daria isso, Hashirama!
— Você nem tentou me dizer! — Hashirama gritou, os olhos brilhando com um sofrimento que Madara não conseguia suportar. — Você nunca pensou em pedir! Eu teria feito qualquer coisa por você, Madara! Qualquer coisa!
O silêncio os envolveu como uma lâmina afiada.
Hashirama se afastou, respirando pesadamente, tentando processar tudo.
— Eu preciso… — Ele passou a mão pelos cabelos, os olhos marejados. — Eu preciso de tempo.
Madara assentiu com a cabeça.
Ele nunca quis partir o coração do alfa. Nunca quis colocá-lo naquela situação.
E no fim, era sempre Hashirama quem ele queria ao seu lado. Porque, apesar de tudo, era Hashirama quem ele amava. Era nos braços dele que queria desmoronar.
Mas Hashirama estava partindo e Madara apenas assentiu, porque sabia que não havia mais nada que pudesse dizer para que ele ficasse.
Eles se separaram.
Dias. Semanas. Meses.
Madara sentia a ausência de Hashirama como uma ferida aberta, mas não o procurou. Não implorou. Se Hashirama quisesse voltar, voltaria.
E ele voltou.
Porque Hashirama sempre o amou.
E Madara, apesar de todo o fogo e fúria, não sabia como existir sem ele.
Não houve promessas, nem desculpas prolongadas. Hashirama apenas entrou pela porta e o abraçou, e Madara se permitiu ser segurado, aceitando aquele toque como um homem se afogando aceita o ar.
Eles reconstruíram o que puderam. Lentamente. Fragmentados.
Mas algumas cicatrizes nunca somem.
Madara deixou Sakumo para trás, como um incêndio que se extingue quando não há mais nada para consumir.
Mas o cheiro da fumaça nunca o abandonou.
E Sakumo nunca o procurou. Era como se soubesse que o Uchiha nunca seria seu e ele nunca seria dele. Nunca alimentaram ilusões românticas e irreais sobre o que viveram entre quatro paredes. Era apenas fogo e desejo. Nada além.
E agora, anos depois, Kakashi apareceu, trazendo nos traços a verdade que ninguém queria encarar.
E tudo ruiu novamente.
Não era preciso dizer que o namorado de Iruka, era filho daquele com quem viveu momentos intensos.
Madara soube que o passado nunca foi realmente enterrado, apenas adormecido, esperando o momento certo para queimar novamente.
Porém, o que estava no caminho daquele fogo era a pessoa mais importante da sua vida. Aquele por quem daria tudo, aquele por quem morreria sem pensar duas vezes, aquele cuja felicidade estava em suas mãos. Em seu sangue.