
Capítulo 5
Nunca soube realmente o que Severo pensou naquele momento, mas eu posso imaginar.
Primeiro a confusão de ver aquela garota chorosa e linda saindo de sua casa, depois os olhos dela, castanhos como os dele, porém, grandes como bolas de gude e logo abaixo deles, a boca macia e totalmente beijável.
Ele deve ter pensado que ela era a garota mais bonita que ele já viu.
Bea fez uma péssima imitação de um sorriso e se Severo ainda guardava alguma defesa ela foi quebrada naquele momento.
Ele não sabia, é claro, mas estava apaixonado.
Como eu disse, eu nunca soube com certeza, mas ela causou tudo isso em mim, então talvez tenha sido igual com Severo. Todos os pensamentos confusos, o embrulhar de estômago, as mãos suadas, uma vontade avassaladora de parecer descolado.
Bea desceu os degraus e se aproximou dele, seus braços quase se encostaram, ela podia a energia estática arrepiando os pelos do pulso até o ombro, passando pela nuca, ele inclinou a cabeça na direção dela, o cheiro do cabelo castanho parecia uma mistura de flores e marshmallow ou algo aleatório do tipo.
- Sinto muito.
Severo levantou o rosto para ela, confuso com aquele pesar. Quis segurá-la pelos braços e sacudir, perguntar que maluquice toda era aquela, mas quem consegue imaginar o contido e sério Snape fazendo isso?
- Sev?
Ele olhou para a mãe na porta e em um segundo perdeu Bea de vista, deu de ombros e entrou, a mãe o acolheu, o cheiro de bebida o causou náusea.
- Ele bebe durante o dia agora?
- Ele está de folga, deixe-o dormir. Venha comer.
- Eu comi no trem – ele seguiu a mãe até a cozinha – quem era a garota.
- É uma história longa – Eileen colocou água no fogo e se ocupou em preparar o café o mais rápido que sua magia mal praticada conseguia fazer.
- Tenho dois meses para ouvi-la.
- É, mas pretendo conversar com você antes eu ela volte.
Severo inclinou a cadeira para trás, finalmente percebendo a mala na sala.
- É ela? A bastarda?
- Ela perdeu a mãe alguns dias atrás e o governo deu ao seu pai uma escolha. Abrigá-la ou pagar as despesas em um orfanato para meninas. Adivinha qual ele escolheu?
- Tudo para não ter que trabalhar. Como ela se chama?
- Beatrice alguma coisa Snape, um sobrenome italiano eu acho.
Severo riu fraco, pegando a xícara de café sem açúcar, pensou sobre a saia jeans de Bea apesar de não ser tão curta, tentou se lembrar se as pernas dela eram lisas, mas tudo que vinha a sua mente eram as lágrimas escorrendo pela bochecha.
- O que aconteceu?
- Fora ter que dividir a comida em mais uma parte?
- Ela estava chorando.
- Saudade da mãe, eu imagino.
Severo sabia quando Eileen mentia, também sabia que protegia Tobias acima de tudo. Ele se levantou impaciente.
- Vou descansar um pouco, a viagem foi longa.
- Está bem, não consegui te buscar, mas na volta ás aulas eu vou, prometo.
- Eu já aprendi o caminho.
Ao passar pela sala, Severo teve vontade de fazer alguma maldade com o pai, apontou a varinha e murmurou um feitiço nojento, criando um furúnculo purulento na nuca. Não ficou satisfeito, entrou no quarto e fechou a porta.
Encontrou a cama feita, o quarto arrumado, se deitou e afundou o nariz no travesseiro, isso o fez se levantar depressa e abrir a porta de uma vez.
- Onde ela está dormindo?
- Na sala – Eileen respondeu de súbito – ela dorme na sala.
- Eu vou sair.
Severo trocou a camisa por uma de manga curta, estava desbotada e cheia de furinhos na gola, completava com a calça manchada de chiclete. Eileen tentou impedir, dizendo para ajudar ela a preparar um bolo, mas Severo saiu mesmo assim, ele não tinha mais seis anos.
Como levado por uma força maior ou apenas a indisposição de subir a rua no sol de junho ás quatro da tarde, Severo seguiu o curso do rio, não demorou para encontrar o que procurava, Bea estava sob a árvore, sentada sobre uma das raízes.
Severo chegou mais perto, devagar para não assustá-la, o som da água corrente impedindo que ela o percebesse, por um tempo ele apenas a olhou, tentando achar as semelhanças, a única que ele teve certeza foram as sobrancelhas, elas eram como as dele.
Severo limpou a garganta com uma tosse rápida, fazendo Bea percebê-lo, outro sorriso sem humor.
- Oi.
- Posso sentar com você?
Ela assentiu.
Ele se sentou, olhando o rio assim como ela.
- Eu sou Severo.
- Bea.
- É um bonito nome.
Seguiu um silêncio longo, Beatrice se sentia ansiosa de repente, tentando se controlar apertando e torcendo os dedos das mãos.
- Sinto muito pela sua mãe.
- Obrigada. Eu tentei organizar seu quarto, juro que não mexi em nada.
- Tudo bem, ficou muito bom. Pode dormir lá hoje.
- Não, eu fico bem na sala, tenho um amigo.
Severo olhou em dúvida para ela, tentando se lembrar de algo parecido com um amigo em sua casa.
- Um gato. Só não sei o nome dele – ela riu tímida.
- Ah, sei. Ele se chama Twisk.
- Ele me arranhou hoje de manhã – Bea virou o braço, os arranhões que permaneceram esquecidos pelo dia todo voltaram a arder.
- Posso fazer melhorar, mas não pode ver.
Bea sorriu, estava desconfiada, mas na situação em que estava qualquer cuidado era bem-vindo. Ela fechou os olhos, totalmente, sem trapacear.
Severo não sabia por que, mas não queria assustá-la com a magia. Ainda que odiasse trouxas com todas as forças, ainda que odiasse seu pai e tudo que fosse relativo a ele.
Eu podia entender.
Beatrice era gentil e bonita. Muito bonita.
Desde aquele momento, Severo nunca a viu como sua meio irmã, ela era uma garota, que se deitou em seu ombro enquanto ele a curava.
- O que está dizendo?
- Apenas um truque – ele guardou a varinha no cós da calça – pode abrir os olhos.
Bea não se levantou, olhou para o antebraço sem nenhum vestígio do machucado, ela não entendia como era possível, mas ele a curou então devia ser uma coisa boa.
- Você é um super-herói.
Ele gostou de ser chamado assim, gostou de sentir o cheiro do cabelo dela, de ouvir o rio e pela primeira vez em anos, não pensou só em Lilian.