
Capítulo I
Do grande sonho
Não, eu quero despertar
E eu falo
Um pouco mais da minha realidade
Assim que passei pela gripe naquela manhã nublada de sexta-feira e cheguei na casa do meu único filho, não pude deixar de erguer a sobrancelha enquanto via as inúmeras malas espalhadas na sala de estar.
Limpando qualquer poeira de chaminé que possa ter impregnado em meu vestido verde-escuro, não posso evitar em comentar:
_Pensei que ficariam fora apenas por duas semanas.
_Mamãe gosta de estar preparada, vovó. –Uma voz suave disse chamando minha atenção à poltrona vermelha que sempre achei particularmente horrorosa.
_Rosie. –Chamei a dona da voz e não resisti em sorrir ao ver minha neta ali e então a medida que me aproximava da menina de oito anos estaçõesi –Acordada a essa hora?
_É impossível dormir com os dois brigando desde madrugada. –Argumentou meu pequeno Malfoy de cabelos castanhos cacheados se levantando com os braços abertos e não hesitei em abraçá-la. Afinal, o que faltava em Draco sobrava em Rose quando se tratava de especificações físicas de afeto.
_Mãe, que bom que chegou! –Exclamou Draco saindo do escritório com um livro em mãos –Já estamos partindo.
Nesse meio tempo, minha nora adentrou o cômodo segurando a mão de Scorpius.
_Rose, Scorpius... –Draco chamou a atenção dos meus netos, sua voz suave, mas firme, enquanto lutava para manter as emoções sob controle –Papai precisa viajar por um tempo, mas eu prometo que voltarei logo. Vocês se cuidam e cuidam um do outro, está bem?
Observar a atitude de Draco fará com que eu lembre de seu próprio pai e ele e quão diferente de Lucius meu filho se tornou
Por sua vez, Rosa e Escórpio assentiram, seus olhos cheios de tristeza.
_Papai, não vá. –Murmurou Rose para minha surpresa, sua voz embargada pelas lágrimas que ameaçavam cair, causando-me surpresa, pois ela estava acostumada a ter os pais longos por semanas.
Já Scorpius pediu silêncio, mas sua abertura nos braços de Draco disse tudo o que eu precisava ser aqui.
Notei que meu filho engoliu em seco, não tardando em apertar os próprios filhos contra si, provavelmente na intenção de não querer deixá-los, nunca, e eu entendi aquela sensação melhor do que ninguém.
_Eu amo vocês mais do que tudo no mundo –Sussurrou Draco, sua voz embargada pela emoção –Fiquem bem e saibam que estaremos de volta assim que puder.
Com um último beijo nas testas de Rose e Scorpius, Draco se levou lentamente e sem pensar duas vezes me aproximando de meu único filho.
Cada passo que me deixava mais próximo ao meu amado filho fazia com que a abertura em meu peito dosse ainda mais e por um segundo inteiro hesitei diante de tal sensação tão incomum.
De frente para Draco, cada vez mais parecido com seu pai, ainda lutei para manter minha usual postura indiferente, uma máscara cuidadosamente construída ao longo dos anos de minha criação como filha da mais nobre e antiga casa dos Black. No entanto, eu não precisava de um espelho para saber que meus olhos traíram a emoção que tanto me esforçava para esconder. Ela se despediu dos filhos, uma sensação de inquietação pairando no ar, sem saber que aquela seria a última vez que os veria vivos.
_Vá em frente, Draco. –Falei com voz firme, mas gentil –Eu cuidarei bem de Rose e Scorpius. Eles estarão seguros e felizes sob meus cuidados.
Draco assentiu, seus olhos expressando confiança misturada com uma ponta de preocupação.
_Eu sei, mãe. –Disse ele com sua voz suave –Mas se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, por favor, não hesite em pedir ajuda. Estaremos sempre aqui para você.
Sorri, tocada pelo gesto de preocupação de Draco.
_Eu sei, meu querido. –Respondi me assustando com o quão embargada se encontrava minha voz devida a emoção daquele momento –E eu prometo que cuidarei de tudo.
Com medo de que eu, por mais incrível que pareça dada a minha reputação de estoicismo, começasse a chorar ali dei um abraço no meu filho e ao nos afastarmos ele me deu um olhar cheio de amor e confiança, que não tenho dúvidas que era o reflexo do meu próprio.
Quando Draco se afastou, senti meu coração pesado e isso fez com que eu desviasse o olhar para Hermione e meus netos.
Enquanto observava o desdobramento daquela cena familiar diante dela, um pressentimento sombrio se instalou em sua mente, como se as sombras do destino estivessem se movendo silenciosamente ao seu redor, esperando para revelar seu próximo capítulo.
A mulher que apesar de tudo o que passou desde que entrou em Hogwarts ainda mantinha seus cabelos castanhos rebeldes e um sorriso gentil no rosto. No entanto, havia uma tensão por trás daquela expressão amigável, uma inquietude que não escapava ao olhar de uma sonserina tão perspicaz quanto eu.
Observei minha nora travando sua própria batalha ao se despedir dos filhos, uma legítima mistura de amor e relutância em cada gesto. Não passou despercebido por mim que ela segurava as lágrimas com dificuldade enquanto se despedia seus preciosos filhos, à beira da partida.
_Rosie, Scorp... –Hermione começou, sua voz tremendo ligeiramente enquanto lutava para manter a compostura –Mamãe precisa ir agora, mas prometo que vou voltar o mais rápido possível. Vocês se comportam e obedecem à vovó, certo?
As crianças assentiram, seus olhos cheios de tristeza e compreensão enquanto seguravam as mãos de Hermione com força.
_Mamãe, não vá. –Foi a vez de Scorpius murmurar com lágrimas brotando em seus olhos, refletindo a angústia de Hermione.
Por sua vez, Rose permaneceu em silêncio, mas seus olhos tristes diziam tudo o que precisava ser dito.
Ao invés de responder Scorpius, Hermione se abaixou para abraçar os filhos uma última vez.
_Eu amo vocês mais do que tudo no mundo... –Ela sussurrou alto o bastante para que eu pudesse ouvir e identificar que sua voz encontrava-se embargada pela emoção –Sejam fortes e lembrem-se sempre do quanto são amados.
Com um último beijo nas testas das crianças, Hermione se afastou pesarosa dos filhos e caminhou em minha direção.
_Narcisa... –Ela disse suavemente e com sinceridade acrescentou –Eu queria te agradecer. Obrigada por cuidar de Rose e Scorpius, por ser uma presença amorosa e protetora em suas vidas.
Inevitavelmente eu a fitei como gentileza, mas como eu poderia aceitar tão agradecimento quando isso era o mínimo que eu poderia fazer? Afinal, não é exatamente um segredo tudo o que Hermione sacrificou para tê-los, pois uma heroína de guerra que poderia ter se tornado ministra da magia deixou tudo para trás ao casar-se com um ex-comensal da morte.
_Hermione, querida, você não precisa agradecer. –Respondi suavemente na intenção de lhe dar algum conforto -É um privilégio poder estar ao lado dos meus netos e sempre farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que eles cresçam felizes e saudáveis.
_Obrigada, Narcisa. –Ela repetiu com a voz embargada –Você é uma bênção para nós e estaremos sempre gratos pelo amor e cuidado que está oferecendo às crianças.
Sorrindo ao mesmo tempo, em que eu fingia que não estava emocionada com a declaração da mulher que um dia vi ser torturada na sala de estar da minha casa, envolvi Hermione em um abraço caloroso, compartilhando um momento de gratidão e solidariedade em meio às circunstâncias difíceis que nos uniam.
Logo, observei minha nora e meu filho passarem pelo floo e então mergulhei de cabeça na tarefa de cuidar dos meus preciosos netos.
Os dias passaram com o sol iluminando a espaçosa sala de estar daquela casa, cuja decoração era péssima, mas ainda assim eu me sentava junto a Rose, ajudando-a com os deveres de casa.
Sempre foi momento de orgulho poder observar a inteligência e a determinação de Rose, porém como toda criança ela ainda precisava de uma orientação sutil quando necessário e eu me deleitei com essa oportunidade. Contudo, sempre me mantive atenta para deixar que Rose brilhasse com sua própria luz.
Além disso, enquanto Rose mergulhava nos livros e cadernos, Scorpius brincava no chão próximo, imerso em seu próprio mundo de imaginação. Esses são sem dúvida alguma meus momentos preferidos, pois observava-lo move seus dinossauros em batalhas épicas, fazia com que seu rosto jovem transbordasse de entusiasmo infantil. Apesar de não entender completamente o fascínio de Scorpius por esses brinquedos trouxas, eu sou obrigada a admitir que admiro a pureza e a inocência de sua imaginação.
À noite, depois de um dia cheio de aventuras e aprendizado, basicamente eu conduzia as crianças até seus quartos, preparando-os para dormir. Normalmente ajudava Rose a escovar os cabelos cacheados que sempre ficavam emaranhados após correr com Scorpius pela casa enquanto eu preparo o jantar.
Contudo, meu momento preferido é poder contar aos meus netos os contos de Beedle, o Bardo enquanto Rose se aconchegava sob os lençóis macios de sua cama e Scorpius repousava a cabeça cheia de fios platinados na curva de meu ombro.
Confesso que às vezes passo minutos observando os dois adormecerem, sentindo uma onda de ternura e gratidão inundar meu coração. Afinal, apesar das diferenças e desafios que enfrentamos para chegar a esse momento, somos uma família, meu sangue, e eu faria qualquer coisa para protegê-los e amá-los.
Nesses momentos, não restam dúvidas que encontrei uma nova definição de felicidade, não nos salões opulentos de minha juventude, mas nos sorrisos radiantes e nos abraços calorosos de meus netos e já não penso mais em meus ancestrais se revirando em seus túmulos a cada vez que percebo amar meus netos mestiços.
Assim, me retiro para dormir ao mesmo tempo que uma tempestade desaba sobre a cidade.
Contudo, despertei abruptamente de um pesadelo, com o corpo tremendo com a intensidade das emoções que ainda ecoavam em minha mente. Senti meu coração bater descompassado em meu peito enquanto lutava para recuperar o fôlego, tentando dissipar a névoa do sono e distinguir a realidade daquela escuridão opressiva que me envolvi.
Sentei na cama, envolta em lençóis de seda que Draco fez questão de providenciar na primeira vez que passei a noite em sua casa. Passei a mão pela testa, afastando os últimos resquícios do sonho angustiante que me assombrava, entretanto, mesmo quando a lucidez retornou, uma sensação de desconforto persistiu, uma sombra de apreensão que se agarrava a mim como teias de aranha.
Sem sequer verificar as horas, decidi que um chá seria necessário para acalmar os nervos agitados, por isso não demorou para que meus passos silenciosos ecoassem pelo corredor sombrio.
Desci as escadas até a cozinha, que era iluminada vez ou outra por relâmpagos, lançando padrões de luz e sombra no chão de mármore.
Enquanto preparava uma infusão de ervas calmantes, os trovões ressoavam ao longe, ecoando a tormenta que se desenrolava lá fora. Contudo, apesar do som furioso daquela tempestade, fui capaz de distinguir um som diferente, distante, mas persistente: a campainha da porta principal.
Imediatamente meus olhos se estreitaram com uma pontada de preocupação, pois não é comum receber visitas a essa hora desde que abriguei o lorde das trevas sob meu teto, especialmente em meio a uma tempestade.
Em razão disso, atravessei cautelosamente o corredor e alcancei a porta de madeira de carvalho, selada por inúmeros feitiços de proteção ancestral, hesitando por um momento antes de girar a maçaneta.
Do lado de fora, a figura sombria de um homem nas distintas vestes de auror francês se destacava contra o cenário borrado de chuva e escuridão. O rosto sério do oficial estava iluminado pelos flashes de relâmpagos distantes, e seu olhar carregava um peso solene que fez meu coração congelar.
_Desculpe o horário, senhora, mas precisamos falar com você. –Disse o bruxo que só então notei ter os cabelos loiros com a voz carregada de gravidade.
Instantaneamente senti um aperto no peito, uma premonição sombria pairando no ar e então lutei para conseguir indagar:
_O que aconteceu?
O desconhecido me deu um olhar de pena e eu lutei contra cada instinto primitivo para não pegar minha varinha e azará-lo ali mesmo.
_Houve um acidente na caverna em que seu filho e sua nora estavam trabalhando, eles não sobreviveram. –Respondeu ele com sinceridade brutal e até fui capaz de me atentar aos detalhes da tragédia, pois senti como se o chão tivesse sido arrancado de baixo de seus pés.
Uma dor lancinante rasgou seu peito e apertei os olhos para conter as lágrimas, pois ainda sou Narcisa Malfoy, nascida Black, e não deixaria qualquer um me ver quebrar.
_Obrigado. –Foi a única coisa que consegui dizer antes de fechar a porta e recostar minhas costas contra ela enquanto perdia as forças das minhas pernas.
_Não pode ser... –Murmuro enquanto deslizo para o chão.
As palavras do auror caíram sobre mim como um golpe, uma avalanche de choque e desespero que ameaçava me consumir. Draco, meu amado e filho desejado, e Hermione, minha brilhante nora, tinham sido tirados de mim sem qualquer aviso prévio.
Lutei para respirar, mas era como se o mundo ao meu redor girasse, distorcido e irreconhecível, enquanto eu lutava para assimilar a magnitude da perda que acabara de sofrer.
Permaneci por muito tempo estagnado no chão, completamente paralisado pela dor e pelo choque, incapaz de processar completamente o golpe avassalador que acabou de receber.
Em um piscar de olhos, minha vida foi mais uma vez virada de cabeça para baixo, porém dessa vez eu não tinha mais Draco e o mundo pareceu se despedaçar ao som de raios e trovões.