
Dom Invernal
Severus havia chamado Penny, a sua elfa doméstica, mal pousara os pés na escura e húmida sala da sua residência.
“O que Penny pode fazer pelo Amo Severus?” perguntou a elfa, fazendo uma exagerada reverência e quase beijando o chão no processo.
O moreno havia amaldiçoado o dia em que deixara que Lucius o convencesse a comprar uma daquelas criaturas serviçais, mas tinha de confessar que agora vinha mesmo a calhar, pois não tinha a mínima ideia de como cuidar ou criar um bebé.
“Vai a Diagon Alley e compra tudo o que achares necessário para cuidar de um bebé.” Com um movimento de varinha, uma bolsa de couro repleta de ouro chegou desde a porta que dava para o quarto do dono da casa. A elfa deu uns ligeiros saltinhos de emoção ao vislumbrar o bebé, tomou o dinheiro e desapareceu.
Severus tinha acabado de deixar o bebé com Penny para que esta lhe desse um banho. Agora com um pouco de tempo para pensar sobre os últimos eventos, decidiu dar uma volta pela biblioteca. Isso sempre foi capaz de o acalmar, talvez pela fugaz recordação de que Lily sempre nutrira um profundo amor pela leitura. Se fechasse os olhos quase podia ver a ruiva sentada num cantinho da sala com um livro sobre os joelhos. Perguntava-se como estaria. O último que soubera dela é que estava grávida do paspalho de James Potter.
Arrependia-se de ter deixado que os leões interferissem na sua amizade com Lily. Verdade seja dita, sentia a sua falta todos os dias. Antes de conhecer Lucius, esta havia sido a sua única amiga, mas ambos tinham visões muito diferentes do mundo e objetivos totalmente opostos. A sua amizade estava destinada ao fracasso, os marotos tinham unicamente apressado o inevitável.
Passou os dedos pelas lombadas dos livros e resgatou um desgastado livro de contos de fadas, que nem se lembrava que tinha.
Agora que se punha a pensar, esse era o livro que a sua mãe lhe dera no seu quinto aniversário, apenas dias antes de que a sua vida familiar com Tobias virasse um autêntico inferno na Terra.
Pegou no livro com ar ausente e um flash do momento em que vira o bebé sozinho e em dolorosos prantos invadiu-o. Não podia ter deixado de notar a aparência exótica da criança, mas dadas as circunstâncias não tinha tido a oportunidade de assimilar os factos. Ainda assim, isso não lhe importava, o importante era que havia um pequeno e vulnerável bebé que estava necessitado de um pouco de carinho e proteção.
O bebé ria ao contacto com a água.
“Parece que alguém se está a divertir,” disse Severus com diversão.
“Assim é, Amo. Penny nunca viu um bebé que gostasse tanto de tomar banho,” respondeu a elfa com olhos maravilhados, secando o bebé e colocando a fralda em seguida.
Penny sempre tinha gostado de trabalhar com crianças. Aqueles pequenos magos e bruxas de espírito inocente, que ainda não haviam sido corrompidos pelos ideais absurdos dos adultos e que por tal razão não a consideravam um ser inferior. Penny adorava crianças e ficava extremamente triste quando estas a começavam a ver com desprezo. Mas o seu novo amo não era como a maioria dos magos, pelo que no fundo do seu coração, a elfa acreditava que aquela criança seria diferente, pois seria o seu Amo Severus a criá-lo e ele era uma boa pessoa.
“Agora que penso, nem sequer sei quando é que o pequeno nasceu. Penny, consegues saber que idade tem?” interrogou o Mestre de Poções com curiosidade.
A elfa ergueu uma mão e deslizou-a sobre o corpinho do bebé envolvendo-o numa aura de luz esverdeada.
“Penny, não sabe com exatidão a data do nascimento, mas o bebé tem meio mês, amo.”
“Bom, enviarei uma carta a esses pais desnaturados cabeças de pirolitos para conseguir saber a data exata,” concluiu o Mestre de Poções, saindo do quarto de banho para poder escrever a missiva e enviá-la com a maior brevidade possível. A resposta tardou dias em chegar e constava apenas de uma data e nada mais. Nem sequer perguntava se o bebé estava bem.
Severus sentou-se na cadeira de embalo, que fora em dada altura da sua querida mãe, para poder ler o livro que encontrara tempo antes. O bebé via as imagens do livro com muita atenção, especialmente a gravura de um majestoso dragão albino.
“Gostas do dragão? Hmm… De qualquer forma precisas de um nome… assim que será Draco, o meu Pequeno Dragão,” disse o homem com um sorriso nos lábios e beijando de seguida a cabeça de brilhantes fios bicolores brancos e azuis.
Severus realmente tinha esperado que o casal Malfoy recuperasse a razão e viesse pelo Pequeno Dragão, mas tal nunca acontecera e os anos foram passando.
O Mestre de Poções ainda podia recordar o dia em que fora acordado pelos berros de Draco e ao ir acalmá-lo, encontrara-o rodeado de neve que caía suavemente à sua volta, mas sem chegar a tocar o infante e rodeando apenas o solo à volta do berço. Isso foi pouco depois de cumprir um ano.
Havia achado que estava a sonhar e até se tinha beliscado, e sendo perfeitamente sincero, doera como o Inferno.
Se tinha pensado que isso era estranho, não valia nem a pena falar de quando aos dois anos o encontrara a brincar com figuras de gelo cristalino. Até aí não havia nada fora do comum, esse tipo de brinquedo era facilmente encontrado à venda em lojas de Diagon Alley, mas estas figuras em particular moviam-se como se estivessem vivas e interagiam com o pequeno Draco.
Esse fora o jogo favorito do seu lindo Dragão por mais de meio ano. Nem sempre eram as mesmas figuras, estas dependiam dos contos que Severus tivesse lido na noite anterior, pelo menos isso foi o que este pôde constatar depois de três meses e para comprová-lo tinha decidido testá-lo. Leu um novo conto essa noite, com personagens que nunca haviam aparecido antes. Um conto sobre uma fénix. Foi tiro e queda, na manhã seguinte foi saudado por uma pequena fénix de gelo que picotou a sua orelha, travessa e alegremente, e trinou levemente com um som de campainhas celestiais.
Quando Draco celebrou três anos, Severus concluiu que precisava de ajuda. Já não sabia como lidar com um Pequeno Dragão que chorava e fazia birra e no ato acabava por congelar todas as substâncias líquidas num raio de cinco metros. Imaginem quão complicada ficou a situação quando a canalização da casa congelou. Não podia cozinhar, tomar banho, lavar os dentes ou sequer usar a sanita. Fora um autêntico pesadelo!
Ok! Era suficiente, momentos de desespero, exigem medidas desesperadas. Pegou numa pluma e num pedaço de pergaminho e rabiscou umas poucas linhas, que seriam o fim da sua vida pacífica, tal como a conhecia, se é que podia considerar uma vida com Draco pacífica. Quase queria bater com a cabeça na mesa, só de pensar que o Diabo em pessoa entraria na sua casa em questão de horas e que fora ele que o convidara.
Numa mansão de proporções estupidificantemente grandes, uma mulher de mais anos do que queria afirmar ter, mas menos do que aparentava ter, recebeu uma carta no mínimo curiosa. A mulher sorriu e os elfos deixaram cair os pratos, resultando numa cacofonia em cadeia, tamanho era o choque a que as pobres haviam sido submetidas.
Alguém estava prestes a entrar num Inferno. Aquela mulher nunca sorria. Quer dizer, nunca mesmo… nem no dia em que se casara a mulher tinha dado um sorriso, apenas uma careta forçada. Casamentos arranjados eram a moda e ela havia cumprido a sua parte, isso não queria dizer que tinha de ficar feliz de casar com alguém que mal conhecia, mas isso eram águas passadas e agora era uma orgulhosa e extremamente poderosa viúva bilionária.
Lucrecia Prince, esse era o nome da medida desesperada de Severus. Lucrecia era a sua avó materna e uma mulher muito apegada aos costumes de sangue. Prova disso, era o facto de ter deserdado a sua única filha, por esta ter decidido fugir e casar-se com um muggle, terminando assim com a sua Linhagem de Sangue Mágico intocado e puro.
A mulher respondeu à carta dizendo a Severus que lhe abrisse passagem pela lareira.
Ambos os adultos encaravam-se fixamente com um olhar clínico e analítico. O furor borbulhava à flor da pele, enquanto um pequeno de escassos três anos, ao sentir-se ignorado, fez uma "ligeira" birra. O chá, que Lucrecia bebia, congelou na chávena que esta segurava assombrada.
“Agora pode compreender o motivo?” perguntou Severus de forma cortante, não querendo prolongar a estadia da elegante mulher.
“Disseste que a criança se chama Draco?” dirigindo-se ao Mestre de Poções, ao mesmo tempo que virava a chávena ao contrário, constatando que o líquido fora perfeitamente congelado e tão cedo não derreteria, voltando a pousá-la no pires meros instantes depois.
“Sim e D'aco está aqui e pode ouvi,'” respondeu Draco, cruzando os braços e fazendo um beicinho adorável que despertaria ternura até mesmo numa besta desalmada (aka. Lucrecia, na opinião de… bom, toda a gente!?).
A mulher sorriu com satisfação ao constatar que aquela criança não só era poderosa como tinha atitude. Ela podia trabalhar com essas características perfeitamente.
“Terei todo o prazer em auxiliar na educação do jovem Draco, mas não nesta…” Olhou à volta com uma mirada depreciativa. “... espelunca.”
Com essas palavras lavrou-se um contrato tácito entre ambos os magos adultos. Poucos dias depois, Severus, Draco e a "Penny do D'aco", como o mesmo dizia, mudaram-se para Prince Manor.
Nos primeiros dias na sua nova residência, Draco dedicou-se a explorar todos os cantos e recantos da mansão, sendo vigiado de perto por Penny. Estando o pequeno distraído, Severus aproveitou para colocar a Dama Lucrecia a par de tudo, incluindo as circunstâncias que haviam levado o menino a ficar aos seus cuidados.
Enfurecida com as desagradáveis novidades, Lucrecia colocou-se em contacto com a sua velha amiga Walburga Black para a informar sobre as atitudes da sua sobrinha Narcissa Black, agora melhor conhecida como Narcissa Malfoy.
Walburga estava de momento a passar por uma fase difícil, ao ter de lidar com o luto pela morte do seu amado filho Regulus, sem ter sequer um corpo para enterrar. Tal só a fez ficar ainda mais exaltada, ao saber que Narcissa tinha um filho e o maltratava, enquanto ela tinha perdido a luz dos seus olhos. Era simplesmente inconcebível!
Preocupada pelo estado deprimido da amiga, Lucrecia conseguiu convencê-la a mudar-se para a sua mansão e a abandonar aquele sítio desolado que era Grimmauld Place. Desta forma, conheceu o terno Dragãozinho ao qual se afeiçoou quase de imediato.
Dois anos se passaram, nos quais Draco cresceu feliz e vivaz com o seu papi Sevi e as suas avós Lucy e Ally. Ainda quando os adultos discutissem sobre o melhor método para a criação do menor, no fim das contas todos se preocupavam com o seu bem-estar e o amavam desde o fundo dos seus corações.
No entanto, alguns elfos domésticos ainda sofriam ataques fulminantes ocasionalmente, quando viam o lado humano da sua Ama Lucrecia, também conhecida “carinhosamente” como o Diabo em Pessoa, Sua Majestade Diabólica, Madame do Inferno, Rainha da Maldade e afins… Alguns muggle-borns e half-bloods haviam ido mais longe e usado títulos como Maleficent e Rainha Má (sorte a deles que ela não entendia as referências).
No dia que Draco fez cinco anos, Lucrecia decidiu nomeá-lo oficialmente como seu Herdeiro Legal, uma vez que o seu neto Severus não cumpria os requisitos da pureza de sangue que um nome de família tal como o apelido Prince exigia.
Walburga, depois de muito ponderar, decidiu seguir o exemplo da amiga. Afinal de contas, Sirius fora deserdado e agora estava preso sem direito a julgamento ou defesa possível e Regulus caíra vítima das garras da morte anos atrás. Além de que, analisando bem a situação, Draco era por herança e direito de sangue um Black e nada, nem mesmo a sua antes querida sobrinha Narcissa, poderia negar isso.