
Bênção Lunar
A Lua brilhava alta e majestosa naquela noite de profunda e absoluta escuridão, mas sentindo-se tão só que o céu apiedando-se dela chorou as lágrimas que esta tão teimosamente continha. A chuva caía forte e certeira em Wiltshire, abafando os gritos que provinham do quarto que albergava a Lady Malfoy em pleno trabalho de parto.
O futuro Herdeiro da Nobre e Antiga Família Malfoy estava prestes a nascer.
A entidade celestial acompanhava o evento desde o seu Castelo Lunar. Muitos não sabiam, mas no satélite estelar existia uma edificação que atuava como residência da Deusa da Lua. Esta estava vetada de abandonar o seu lar e tal facto fazia-a sentir-se extremamente só e triste. Ela desejava conhecer o calor que apenas o verdadeiro amor podia dar, pelo que sabendo que não havia maior amor que o amor de uma mãe, a Lua também o quis experimentar… viver a felicidade que apenas as mulheres humanas e mortais conseguiam vivenciar… e que ainda assim muitas não valorizavam como deveriam.
Não tendo outro modo de ser mãe, senão através da criança de outrem, a Lua decidiu abençoar uma criança humana com diferentes virtudes que a conectariam a si para sempre. A criança escolhida foi o primogénito de Lucius e Narcissa Malfoy.
A Lua presenciou através da janela no topo da torre da mansão, o momento em que aquele pequeno e belo ser veio ao mundo. A Deusa de pele alva com os seus belíssimos cabelos prateados como a luz do seu astro e olhos azuis como o céu da manhã quando ela devia ir dormir, juntou as mãos numa prece sendo rodeada por uma brilhante aura de pura branquidão.
A Deusa abençoou a criança com poderes que os simples humanos nunca poderiam chegar a compreender por completo, nem mesmo aqueles que possuíam magia e se faziam chamar magos e bruxas, pois quando pensassem que já sabiam tudo sobre eles, ela de bom grado renovaria a bênção do seu filho para que este pudesse encontrar a felicidade eterna da qual era merecedor.
No quarto principal de Malfoy Manor, uma aura de igual brancura à que a Deusa da Lua emitia, sentada junto ao lago dos Jardins Lunares, rodeou a futura mãe até se concentrar por completo no coração do feto que brilhou fortemente e cristalizou por um instante, simulando o gelo azul glaciar que constituía a base das estruturas do palácio da sua mãe Lua e que para sempre os ligaria.
Narcissa deu um último empurrão acompanhado de um forte e agoniado grito, escutando-se por fim um choro que celebrava uma nova vida.
A mulher que auxiliara o parto ergueu o bebé e limpou-o cuidadosamente, ficando embelezada com a perfeição do pequenino.
“É um menino, Lady Malfoy!” A parteira levou o bebé ao peito e aconchegou-o com um fino cobertor de coloração verde água. “É um charmoso menino, minha Senhora, veja!” Estendeu o bebé à loira progenitora, quando entrou Lucius Malfoy exigindo ver o seu primogénito.”
“Deixa-me ver o meu filho!” ordenou o homem de postura aristocrática e mirada dura.
A parteira, uma mulher de longos cabelos ruivos e de alegres e vivazes olhos verdes, deu meia-volta para com a maior das gentilezas mostrar a criança ao orgulhoso pai.
O bebé era o mais belo que o mundo já havia visto. Pele tão clara quanto a da lindíssima Deusa da Lua, ainda mais que a dos seus pais humanos, com cabelos brancos como a aura que o envolvera no ato da bênção que iam escurecendo gradualmente até atingir a fantástica tonalidade de azul que brilhara no seu pequeno coraçãozinho e que tanto se assemelhava ao gelo glaciar só encontrado no ártico. E uns olhos de espanto que encantariam a mais gélida das almas, tão prateados quanto os cabelos da entidade lunar, rodeados por um aro azul elétrico.
Lucius encarou o bebé fixamente e saiu indignado dando um sonoro estrondo ao fechar a porta com brusquidão.
A parteira não entendia o que tinha acabado de acontecer, pelo que ao ver que o bebé estava a começar a bocejar de cansaço, tentou dá-lo à mãe uma vez mais, mas esta estava completamente atónita com o comportamento do esposo e nem sequer se apercebeu do que se passava à sua volta.
A ruiva olhou para o pequeno bebé recém-nascido, este estava necessitado de calor materno para começar a criar o laço entre mãe e filho, que todo o ser mágico deve estabelecer, mas esse não parecia ser o momento correto. A parteira abandonou o quarto de Lady Malfoy e dirigiu-se ao local que segundo lhe haviam indicado previamente seria o berçário do bebé Malfoy. Esta entrou embalando o bebé enquanto cantarolava uma canção de embalar. Quando viu que o bebé dormitava tranquilamente, deixou-o no berço com muito cuidado, pegou num saco de moedas com o pagamento pelos seus serviços, que um elfo doméstico lhe estendera solicitamente e regressou a casa.
Nos dias que se seguiram, a mulher de ternos e cálidos olhos verdes esperou ansiosamente pelo anúncio do nascimento do novo membro da família Malfoy no Diário do Profeta, mas este nunca chegou.
oOo
No escritório do Patriarca da Família Malfoy era possível testemunhar uma discussão de proporções épicas, ou melhor dizendo, colossais.
Lucius gritava na direção de Narcissa acusando-a de infidelidade e esta defendia-se como bem podia, mas nada do que esta dizia parecia surtir efeito na cabeça dura daquele homem snob e teimoso, que pensava ter sempre razão e que os outros é que estão sempre claramente errados…
“Acaso ainda tens a lata de continuar a negar o óbvio?” perguntou o loiro já fora de si após horas a fio a discutir sobre o mesmo tema. “Qualquer pessoa com dois palmos de testa pode ver que aquele…” gritou apontando na direção que levava até ao berçário. “Aquele fedelho não pode de modo algum ser meu. Por Salazar, basta olhar para ele para ver que foste meter-te na cama de sabe-se lá quem!” esbracejou gritando abertamente.
“Já te disse mil e uma vezes que nunca te traí. Foste o primeiro homem que me tomou. Ou atreveste a negar que era virgem quando me desfloraste na nossa noite de núpcias?” perguntou a mulher, levando as mãos à cintura e dedicando ao esposo um olhar abrasador, que poderia queimar a alma do mesmíssimo demónio e pressionando os lábios numa fina linha de expressão.
“Isso não o nego, mas não tenho como saber com quem dormiste? Ou ainda pior ainda com quantos te relacionaste carnalmente depois disso?” O homem cruzou os braços e adotou uma atitude ainda mais recriminadora, se é que isso era sequer possível. “E o único motivo pelo que te guardaste para o matrimónio foi pela cláusula obrigatória que me permitia anular o casamento caso se constatasse que tinhas tido relações prévias,” espetou Lucius jogando a honra da sua esposa na lama.
“Acredita no que quiseres, mas apesar de tudo o que digas, aquela criança é o teu único Herdeiro e como tal herdará o título de Lord Malfoy e eu sou a sua mãe, pelo que vou continuar a usufruir das minhas bem merecidas regalias. Isso não me o podes negar.” Narcissa ergueu uma sobrancelha arrogantemente esboçando um sorriso de escárnio. “Não sacrifiquei a minha perfeita figura” cuspiu a muito elegante loira, ninguém diria que há apenas umas escassas semanas esta havia dado à luz um bebé, “para que agora venhas e me negues o que é meu por direito. Tínhamos um acordo! Eu dava-te o Herdeiro que a tua família exigia e em troca poderia viver uma vida de luxo.”
“Oh! Esposa querida…” disse o mago com o seu melhor tom de sarcasmo, “estás muito enganada se pensas que alguma vez, seja lá em que universo for, eu irei reconhecer o bastardo de outro homem como meu. Será melhor correres até ao teu amante e suplicar-lhe que aceite o bastardo e o reconheça como seu descendente. A menos claro que nem saibas ao certo quem é o pai!” exclamou com um sorriso de lado e uma mirada depreciativa dirigida à bela e elegante mulher.
“E o que é que vais fazer com ele?” perguntou erguendo uma fina sobrancelha. “Se alguém souber que existe um bebé que nunca reconheceste como teu, vais ser a chacota da sociedade e não eu,” constatou com um sorriso de completo júbilo.
“Continua a tentar, amor,” cuspiu o adjetivo carinhoso com raiva, “mas não vai funcionar, pois essa criança nunca na sua miserável vida irá vislumbrar o exterior desta mansão. Por mim livrava-me já dele, mas como bem sabes existem fortes leis contra o infanticídio e não estou com grande disposição de cobrir os rastos no fim de terminar o serviço pelo que cuida bem do teu bastardo e assegura-te de que este nunca abandone a casa. Isso claro, se souberes o que é bom para a tua saúde. Afinal, acidentes acontecem e existem inúmeras formas de te matar e fazer parecer um desafortunado acidente. Assim que anda com cuidado e vê onde pisas, sua traidora.”
Lucius deu o tema por encerrado e saiu do escritório para regressar aos seus assuntos de negócios.
oOo
A pequena criança, pois o casal Malfoy nem nome se haviam dado ao trabalho de lhe dar, passava os dias a chorar por culpa da fome e envolvido em fraldas sujas e malcheirosas, uma vez que Lucius o ignorava, Narcisa o odiava e os elfos estavam inteiramente proibidos de tocar no bebé até que essa ordem lhes fosse retirada. O que por norma demorava horas e horas e apenas ocorria quando Lady Malfoy já não podia suportar o choro e os berros desesperados do infante. Dessa forma, já fora de si, a mulher exigia que calassem o bebé, pois estava a causar-lhe uma forte enxaqueca.
Narcisa havia tentado todos os métodos possíveis e imagináveis para que Lucius lhe prestasse atenção. Se aquela criança não lhe servia, o único que havia a fazer era conseguir engravidar novamente e assegurar-se que dessa vez o bebé fosse a cara chapada do seu mal-agradecido e estúpido esposo. Sem importar os meios que tivesse de utilizar ou se tinha de envolver Dark Magic, a próxima vez a criança seria uma cópia a carvão do Lord Malfoy e sem possível margem de descrença. De forma alguma ela deixaria de gozar dos privilégios de ser a Lady Malfoy, nem que para isso tivesse de arriscar-se a perder as suas invejáveis curvas. Nada que um tratamento com poções cosméticas não solucionasse posteriormente.
Narcisa estava a planear uma nova estratégia de sedução quando o bebé começou a chorar. Farta do choro, a mulher insonorizou o seu quarto para poder pensar em paz e tranquilidade.
Os elfos domésticos retorciam-se incomodamente ao não poderem ajudar o Jovem Amito ainda quando realmente o desejassem fazer, mas deviam aguardar permissão. Caso contrário seriam severamente castigados por desobedecer às ordens da Senhora da Casa.
oOo
Lucius estava cansado das vulgares e nada discretas insinuações da sua odiosa esposa e começava a ponderar seriamente em engravidá-la, pois no final de contas realmente necessitava um Herdeiro para assegurar a sua posição como Patriarca da Família Malfoy ou o seu pai seria muito capaz de regressar do mais além e reclamar a sua posição. Mas o mero pensamento de tocar em Narcisa dava-lhe náuseas, só recordar que esta tinha tido a cara de pau de lhe ser infiel e dar à luz o filho bastardo de outro homem. Uma desonra da qual nunca se recuperaria plenamente, não importa quantos anos passassem, jamais esqueceria.
O pior de tudo não era que esta o tivesse traído, mas que esta o negasse veemente, ainda quando a evidência descansasse no berçário que pertencia por direito ao seu verdadeiro herdeiro. Apesar do que a maioria poderia crer, Lucius valorizava a honestidade acima de tudo e esperava que o seu matrimónio fosse baseado nesse mesmo princípio.
Lord Malfoy nunca amara Narcissa Black, havia sido meramente um contrato matrimonial por razões políticas, criado pelos seus respetivos progenitores, mas tinha mantido a secreta esperança de que com o tempo ambos se enamorassem e atesourassem como havia acontecido aos seus falecidos pais.
oOo
Severus Snape era o que se poderia chamar uma pessoa taciturna e provavelmente o único verdadeiro amigo que Lucius Malfoy alguma vez havia tido, pelo que não era de estranhar vê-lo entrar pela lareira do escritório do loiro, dono e senhor de si, como se mandasse no lugar.
O homem de cabelos e olhos ébano tinha acabado de chegar de uma longa, longa viagem. Até tinha perdido a conta ao total de meses que tinham passado desde que partira.
O seu não tão grato Lord das Trevas havia-lhe ordenado conseguir o apoio de vários clãs vampíricos que quase liquidaram a sua reserva sanguínea ao drenar o seu sangue, deixando-o praticamente tão seco quanto o Deserto do Sahara. Era seguro dizer que estivera às portas da morte e apenas a sorte o impedira de atravessá-las.
Derrotado, cansado e com umas olheiras do tamanho de pratos, Severus seguiu os ruídos da discussão do casal Malfoy. Que ele soubesse estes tinham uma relação medianamente boa. Não morriam de amores um pelo outro, mas suportavam-se entre si pelo bem da sua posição social. Então qual seria o motivo para estarem a agir feitos vis cães, vítimas de um ataque de raiva a tentar arrancar o pescoço um do outro. O homem foi saqueado dos seus pensamentos ao ouvir um débil e abafado ruído. Com curiosidade seguiu-o e quanto mais se aproximava mais jurava que aquilo que escutava era nada mais nada menos que o pranto de um infante.
Severus abriu lentamente a porta da qual o som estridente parecia vir e deparou-se com um berçário. O quarto estava decorado com motivos infantis. Pequenos unicórnios a saltar numa pradaria e dragões a sobrevoar as vastas nuvens. O moreno foi retirado das suas observações pelo odor nauseabundo que rodeava o choroso bebé, no berço. Ao vê-lo apenas com uma fralda e sentir a sua pele albina fria ao toque, Severus chamou um elfo para que este procedesse a trocar a fralda da criança, mas este exclamou dorido que a Ama o tinha proibido de tocar no Jovem Amito, enquanto puxava as próprias orelhas e se jogava contra a parede uma e outra vez sem parar.
Furibundo, Severus ordenou que lhe trouxesse uma fralda limpa e uma muda de roupa. O elfo respondeu que a Senhora da Casa havia incinerado todas as vestes destinadas ao infante e desapareceu deixando para trás um colérico Mestre de Poções.
O elfo voltou a aparecer com o que lhe fora pedido num piscar de olhos. O moreno ao não saber trocar fraldas, utilizou feitiços para limpar o bebé e pediu ao elfo que lhe ensinasse a colocar a fralda corretamente, concluindo a tarefa após várias tentativas frustradas e extremamente engraçadas, pelo menos para o elfo doméstico que o instruíra na nobre e antiga arte de trocar fraldas. Com a fralda desajeitadamente colocada e estando o bebé limpinho, Severus fez aparecer um conjunto infantil de tom azul claro e vestiu o bebé que apesar de ter a temperatura baixa não parecia importar-se com o frio.
Severus dirigiu-se à cozinha e preparou um biberão seguindo as indicações de uma elfa que chorava por não ter podido cuidar e alimentar o Jovem Amito devidamente, por culpa das ordens da Ama Narcissa.
oOo
Quando Severus regressou ao salão o último que esperava era que o casal ainda estivesse a discutir. Acaso não se cansavam? Tinham passado quase duas horas desde que havia pisado o solo da mansão e eles ainda estavam aos gritos. Como é que não ficavam sem voz? Fez-se notar tossindo seca e roucamente para de seguida começar a falar com tom de repreensão.
“Acaso têm puré no lugar do cérebro? Onde é que já se viu deixar um bebé sozinho, desnudo com a fralda suja e à fome? Nenhum de vocês está apto a cuidar de uma criança. A partir deste exato instante este pequenino é meu afilhado e eu mesmo o criarei. Venham falar comigo quando tiverem algo de decência e uma boa desculpa para o que fizeram. Agora qual é o nome do meu novo afilhado?” exigiu o moreno, ofegando pelo esforço que suponham tantos gritos.
Durante o período que passara entre vampiros aprendera a falar quase em murmúrios. Os desgraçados podiam escutar tudo. Tudinho! Nem podia ir cuidar das suas necessidades em paz com medo que estes pudessem ouvi-lo. Maldita super audição! Quase sofrera um ataque cardíaco quando os ouvira discutir entre si sobre as atividades sexuais uns dos outros e comparar quem gritava mais. Tudo isto desde do rés-do-chão e os casais a divertirem-se no segundo andar.
“Narcissa, qual é o nome do teu bastardo?” perguntou Lucius com desprezo.
“Não tem um. Coisas inúteis não precisam de nomes.”
Iracundo pela atitude dos pais da pobre e inocente criatura, o autodenominado padrinho lançou um feitiço que deixou ambos os loiros inconscientes e presos em terríveis pesadelos, vivenciando os seus maiores medos. Feitiço da própria autoria de Severus e verdade seja dita uma das suas criações favoritas. A tortura duraria vinte e quatro horas certinhas, nem um segundo a mais, nem um segundo a menos. Esperava que isso lhes colocasse algum juízo naquelas cabeças ocas.
Severus Snape aconchegou a sua preciosa carga e regressou à sua casa em Spinner's End Street, que obviamente necessitaria algumas remodelações para ficar apta às necessidades do bebé.