
Capítulo Cinco
Severus e Pomfrey decidiram transferi-lo para um quarto particular próximo à enfermaria. O quarto tinha uma passagem secreta que facilitava o acesso tanto à enfermaria quanto aos aposentos de Severus. Era um quarto pequeno e simples; havia uma cama de dossel semelhante à dos dormitórios, com cortinas escarlate. O único móvel que separava a cama da parede era um criado-mudo de madeira escura. Uma janela ao lado da cama oferecia uma vista para a Floresta Proibida. Havia também um guarda-roupa de duas portas, com um espelho no interior de uma delas, uma pequena escrivaninha e um tapete felpudo de cor indefinida ao lado da cama. Seu porta malas foi colocado ao pé da cama, e havia ainda um banheiro acoplado e uma estante de livros vazia, que escondia a passagem secreta.
Draco estava sentado na cama, olhando para a floresta pela janela, o livro aberto no capítulo cinco em seu colo. Já era noite, a primeira nevasca havia começado a cair durante o dia, forrando o chão de um tapete branco e indicando que logo o outono chegaria ao fim e daria espaço ao inverno. Draco queria sair e andar na neve, ele queria deitar nela e fazer um anjo de neve, queria fazer um boneco de neve. Ele ama a neve. Ficar trancado nesse quarto estava lhe cansando e deixando cada vez mais desanimado.
Soltou um suspiro, desviando o olhar para o livro em seu colo. De repente, a estante se moveu, revelando a passagem secreta. Draco levantou a cabeça bruscamente, vendo Potter parado, olhando para ele, visivelmente surpreso.
— Malfoy? — ele perguntou confuso.
— O que você está fazendo aqui, Potter!? — retrucou Draco, irritado.
— O que você está fazendo aqui? — devolveu Harry, igualmente confuso.
— Eu… — Draco franziu o cenho, olhando ao redor.
O que ele estava fazendo lá mesmo? Que quarto era aquele? Por que ele não estava no seu dormitório da Sonserina? E por que suas coisas estavam ali?
— Eu… Isso não é da sua conta! Saia daqui!
— Pelo que sei, você também não deveria estar aqui. O que está acontecendo? Você está na enfermaria desde o começo do ano e agora, de repente, aparece aqui?
— Potter, saia daqui antes que eu chame um professor! — ele quase gritou.
— E você acha que nada vai acontecer com você? — provocou Harry, um sorriso ladino aparecendo em seu rosto.
— PRO INFERNO, POTTER! — Draco pegou o livro e o lançou na direção do moreno, que se esquivou atrás da estante.
— Céus! Tá bom, Malfoy! Uma boa noite pra você também! — fechou a passagem.
Draco deixou-se cair para trás, batendo as costas no travesseiro apoiado na cabeceira da cama, soltando um suspiro cansado. Ele deveria voltar para seu dormitório. Não seria bom para ele ser pego fora da cama a essas horas. Seja lá que horas fossem.
Se levantou da cama, a sensação de seus pés descalços tocando o tapete felpudo foi agradavelmente reconfortante. Caminhou até a estante, pegou o livro no chão e conferiu a capa, preocupado se não havia danificado nada. Pansy lhe mataria se ele estragasse seu livro favorito.
Colocou a cabeça para fora do quarto, conferindo se não havia ninguém por perto. Vendo que estava tudo seguro, saiu, caminhando lentamente pelos corredores. Ele não deveria estar muito longe das masmorras. Tudo o que precisava, era ficar em silêncio e ser cuidadoso para nenhum professor lhe pegar. Era nessas horas que ele mais desejava ter uma Capa da Invisibilidade assim como Potter. Draco sempre quis saber onde o Testa Rachada havia conseguido uma dessas. E como ele teve dinheiro para pagar por uma. Embora Draco acreditasse que, como único herdeiro Potter, ele tinha uma boa fortuna. Não como a sua, obviamente, mas com certeza uma fortuna.
Uma corrente de ar frio fez Draco levantar o olhar do chão. Olhando em volta ele viu a floresta bem na sua frente. Seus pés estavam doendo por estar pisando diretamente na neve e seu corpo estava tremendo pelo frio do inverno, ar condensado saindo por sua boca pela respiração descompassada. Ele continuou encarando a floresta, aquela escuridão gelando sua espinha. Aquele não era o bosque nos fundos da sua casa.
Passos pesados e uma sombra enorme bloqueando a luz da lua fizeram Draco se virar bruscamente.
— Malfoy! — a voz imponente de um gigante barbudo, de cabelos compridos e roupas de caçador, o chamou. — O que você está fazendo aqui a essas horas? Nesse frio!
Draco congelou no lugar, os olhos arregalados de medo, os ombros tensos, abraçando o livro contra o peito com força.
— Vamos, garoto, saia desse frio! Vou chamar o Snape. Você vai se meter em problemas.
Draco foi praticamente arrastado pelo gigante até a cabana velha pelo ombro. O gigante só soltou seu ombro quando entraram dentro da cabana velha e suja, o gigante parado do lado de fora.
— O gato comeu sua língua? — perguntou o homem, a voz um pouco mais suave agora.
Draco engoliu em seco.
— Quem… Quem é você…?
Draco foi levado outra vez para aquele quarto pelo tio Sev. Ele havia dito que Draco estava doente, e por isso estava ali, mas aquilo não explicava por que não estava em sua própria casa. Quando contestado sobre isso, tio Sev apenas respondeu que em Hogwarts ele se recuperaria melhor.
Aquilo ainda não fazia sentido. Se ele estava tão mal assim, por que não foi levado até o St. Mungos? Quando Draco tentou questionar novamente, Severus desviou do assunto. Quando Draco reclamou que queria ver seu pai e sua mãe, tio Sev apenas sugeriu que escrevesse uma carta para eles, garantindo que ficariam muito felizes em recebê-la.
Draco não contestou mais, apenas se deitou na cama e dormiu, uma sensação de exaustão em seu peito, como se não dormisse há dias.
Agora, ele olhava para a floresta escura em meio à neve. A lua estava brilhante lá fora, iluminando a grama coberta pela neve e parte de seu quarto. Draco não gostava daquele quarto. Ele era gelado e escuro e estava longe do quarto de seu tio. Draco pediu para dormir com seu tio Sev, mas ele havia dito que esse quarto era melhor, que ele tinha tudo que precisava em seu malão.
Ele não se lembrava de ter aquele malão.
Passou um bom tempo sentado no tapete felpudo, remexendo as coisas que estavam ali, tirando-as e espalhando-as pelo chão. Havia roupas que ele não reconhecia, inclusive uniformes da Sonserina. Ele nunca tinha estado em Hogwarts, então por que essas coisas estavam ali? Encontrou também livros didáticos que achou horríveis e pergaminhos cheios de anotações que, embora estivessem escritos em sua letra, ele não se lembrava de ter escrito. E mesmo depois de muito revirar, ele não achou o Furia, seu dragão de pelúcia preto. Ele nunca dormia sem ele, principalmente fora de casa.
Ele queria ir para a cama de seu tio Sev, deitar ao seu lado e dormir com ele.
Seus olhos foram tomados pelas lágrimas. Ele odiava aquele lugar, ele queria ir para casa, para seu quarto, dormir na sua cama com seu dragão de pelúcia. Draco fungou, limpando o nariz na manga do seu pijama.
A estante vazia foi arrastada para o lado, revelando uma cabeleira preta bagunçada. Draco olhou para o garoto com os olhos verdes mais lindos e brilhantes que ele já viu. Quem era aquele garoto bonito que estava lhe encarando?
Potter.
O nome veio à sua cabeça junto de um estranho sentimento de raiva e angústia. Uma angústia estranha.
— Então você mora aqui agora? — o garoto lhe perguntou, olhando-o de cima a baixo. — Melhor que a enfermaria.
— Sai daqui!
— Ainda nervosinho, Malfoy? — ele deu um sorriso debochado a Draco, parte de seu corpo pequeno ainda escondido atrás da estante.
— Sai daqui! Ou eu vou chamar o tio Sev!
O garoto franziu o cenho.
— “Tio Sev”?
Draco pegou o livro pesado e grosso que estava na mesa de cabeceira e atirou na direção do garoto. O estranho se escondeu atrás da estante.
— Boa noite, Malfoy! — e ele fechou a passagem.
Draco ficou parado encarando a estante. Não entendeu o porquê de suas ações, mas ter a atenção do garoto moreno totalmente voltada para si fez o sentimento de raiva diminuir e a angústia ser substituída por alegria e satisfação.
Soltando um suspiro, se deitou, puxando as cobertas mais para cima e abraçando o travesseiro. Draco ficou encarando o céu estrelado pela janela, desconfortável demais para dormir, até que, eventualmente, o cansaço lhe dominou e ele conseguiu adormecer.
— Draco. — Snape advertiu.
O garoto loiro continuou se recusando a lhe olhar, brincando com uma das pontas do cobertor. Snape soltou um suspiro cansado.
— Draco, eu preciso que você beba a poção.
— Eu quero ir para casa! — ele disse em tom de birra.
— Nós já conversamos sobre isso. Você pode escrever para seus pais, mas precisa continuar aqui. Pelo menos, até que você melhore.
— Eu não quero escrever uma carta, eu quero ir para casa! Eu estou bem! Não me sinto doente! — Draco lho olhou com raiva.
Snape precisou respirar fundo. Ele se lembra do garoto birrento que Draco podia ser quando teimava com alguma coisa ou quando não se sentia confortável com algo ou algum lugar. O garoto sabia o que queria, isso ele nunca pode negar, mas agora isso estava se tornando irritante e cansativo.
— Sinto muito, Draco, mas isso não vai acontecer. Mesmo que você se sinta bem, ainda não está pronto para voltar para casa.
— Então peça para a mamãe e o papai virem aqui!
— Eles não podem, meu garoto. — Snape disse, com pesar.
— O que!? Por quê!? — a expressão de Draco passou de raiva para tristeza e depois para frustração. Ele queria ver seus pais, por que eles não poderiam lhe visitar? Sua mãe e seu pai ficaram o tempo todo ao seu lado em St. Mungos quando havia ficado muito doente.
Draco queria seus pais. Ele queria que seu pai lesse para ele, que sua mãe se sentasse ao seu lado e lhe abraçasse, acariciando seus cabelos até que dormisse, beijando sua testa carinhosamente enquanto lhe desejava boa noite.
— É complicado, garoto. — Snape passou a mão pelos cabelos loiros bagunçados e sujos.
Draco abaixou a cabeça e fungou, segurando ao máximo suas lágrimas. Ele não entendia por que o tio Sev estava lhe mantendo lá, longe de casa, ocultando informações e não deixando seus pais lhe visitarem. Limpou o nariz na manga do pijama de cetim preto.
— Eu quero o Fúria… — disse com a voz embargada pelo choro que ele tentava segurar.
— Quem?
— O Fúria, tio Sev! — Draco levantou a cabeça, revelando seus olhos marejados, fazendo eles ficarem ainda mais brilhantes.
Snape o encarou, confuso, até que se lembrou. Até não muito antes de Draco ir para Hogwarts, ele tinha um dragão de pelúcia que sempre estava em sua cama e que Draco sempre dormia abraçado. Snape até mesmo apostaria que o brinquedo lhe acompanhava em segredo durante o primeiro ano.
— Você deve ter esquecido ele em casa, Draco.
O garoto ficou em silêncio. Seu tio, por algum motivo, não parecia querer lhe ajudar. Zangado, se deitou na cama, se cobrindo até a cabeça e virando as costas para o tio.
— Draco, por favor…
— Não! Me deixe em paz!
Ele ouviu Snape soltar um suspiro cansado, seguido de passos e o som da porta sendo fechada, deixando Draco sozinho naquele quarto outra vez.
Draco odiava ficar sozinho. Sempre foi muito sociável, sempre tinha alguém com quem conversar, e, quando não, passava o tempo falando com um dos elfos da casa. Mas aqui, nesse quarto gelado, nesse castelo isolado e gigantesco, ele não tinha com quem conversar.
E ele odiava isso.
OUTRA(S) FIC(S):
O Fogo da Fênix - Harry Potter: https://archiveofourown.org/works/60382129
Ao Amanhecer - Avatar: https://archiveofourown.org/works/47670538