
Capítulo Três
Snape saiu da lareira a passos largos, ficando de frente para Narcisa. A mulher o observou por cima da xícara de chá.
— Narcisa — comprimentou com um leve aceno de cabeça.
— Severus. — ela retribuiu, abaixando a xícara até o piris. — A que devo a honra? Você não costuma vir no meio da semana.
— De fato. Venho como professor. Gostaria de falar com você e com Lucius a respeito de Draco.
— Draco? O que ele fez? Nunca fomos chamados para falar sobre ele. — Narcisa deixou a xícara na mesa de centro e fechou o livro em seu colo.
— É mais sobre o que aconteceu com ele do que o que ele fez.
— Draco está bem!? — Narcisa empalideceu.
— É o que eu gostaria de saber. — Snape deu uma olhada ao redor da sala. — Lucius está?
— No escritório.
Snape saiu da sala de estar acompanhado de Narcisa, caminhando para o andar de cima em direção ao escritório. Snape bateu uma vez na porta, escutando Lucius mandando-o entrar.
— Severus. — Lucius se levantou, dando a volta na mesa. — O que faz aqui?
— Ele quer falar sobre Draco. — Narcisa disse de forma nervosa, ficando cada vez mais aflita sobre o filho.
— Draco? O que aconteceu?
— Bom, — Snape começou — eu e os outros professores notamos que o desempenho de Draco tem caído significativamente.
— Como? Estamos apenas na segunda semana de aula!— Lucius franziu o cenho.
— É o que eu gostaria de saber. Ele falhou em todas as poções que fez até agora e quase explodiu o caldeirão na aula de hoje.
— Draco nunca errou uma poção! Nem quando criança! — Narcisa disse apressadamente.
— Exatamente. Pedi para que Draco ficasse um pouco após o fim da aula e ele me informou que tem tido dificuldade para lembrar das coisas. Ele mal sequer consegue lembrar o que acabou de colocar no caldeirão. Draco também me disse que ele tem tido uma… percepção diferente em relação ao tempo. — Snape não perdeu o olhar breve e discreto que Lucius e Narcisa compartilharam. — Eu o levei para a enfermaria e Pomfrey detectou sequelas de feitiços de memória. — Lucius e Narcisa encararam Severus em silêncio. — Feitiços esses que foram usados repetidamente. — outra pausa, a tensão na sala chegando a ser palpável. — Draco me disse que esses “sintomas”, começaram durante as férias. — Snape ouviu Narcisa engasgar.
— Eu disse que isso faria mal a ele!
— Ciça!
— Isso nunca foi uma boa ideia! Eu sabia que, cedo ou tarde, isso o afetaria! — Narcisa disse de forma apressada, atropelando as palavras, sua voz cada vez mais descontrolada.
— Narcisa! — Lucius tentou controlá-la.
Narcisa soltou um soluço.
Sem desviar o olhar de Lucius, Snape ficou em silêncio por algum tempo.
— Lucius, eu conheço você desde Hogwarts e conheço Narcisa desde que vocês se conheceram. Vi Draco nascer e, mais do que isso, participei ativamente de sua criação. Vocês me deram a honra de ser padrinho dele. Sei como vocês são com ele, sei que vocês nunca, jamais , em toda a eternidade , machucariam ele. — os olhos de Lucius começaram a brilhar com lágrimas contidas. — Não de propósito. Vocês o amam e sempre fazem o que acham ser o melhor para ele. Então me diga, Lucius: o que aconteceu? O que de tão terrível aconteceu que o levou a apagar tantas vezes a mente de Draco, mesmo sabendo das consequências?
Lucius sentou-se na beira da cama do filho, o olhar perdido enquanto observava Draco, que dormia sob o efeito de um feitiço. As lágrimas nublavam sua visão, e ele fazia o possível para não deixar que elas caíssem. Era difícil acreditar que algo assim tivesse acontecido com seu garotinho. Ele e Narcisa haviam acreditado que, ao satisfazerem todas as vontades do Seu Senhor, Draco estaria seguro de todo o mal.
Lucius nunca quis que seu filho se envolvesse nisso. Ele não deixou de concordar com as ideias de Voldemort, mas realmente havia se arrependido de tudo o que fez. Ele não queria mais expor sua família, e muito menos Draco, a tamanho perigo. Seu filho era apenas uma criança; não deveria viver sob o peso do medo e da apreensão. E agora, algo ainda pior havia acontecido. Lucius daria tudo para ser ele, e não Draco, a sofrer as consequências. Sem hesitar, ele trocaria de lugar com o filho, se isso significasse protegê-lo de toda essa miséria.
Com um suspiro cansado, olhou para o garoto ao seu lado. Sua mão, com delicadeza, deslizou pelos cabelos loiros de Draco, em um carinho cheio de ternura. O garoto não se moveu, alheio ao mundo ao seu redor, mergulhado em um sono profundo e sem sonhos, ainda que estivesse na metade do dia. Lucius temia desfazer o feitiço. Na noite anterior, Draco estava em completa histeria; chorando, gritando, se debatendo, chutando o pai quando ele tentava se aproximar. Enfeitiça-lo para dormir havia sido a única maneira de acalmá-lo.
Respirando fundo algumas vezes, Lucius acabou com o feitiço, encarando Draco sem piscar. O filho levou alguns minutos até acordar, os olhos ainda desfocados, sua mente voltando do feitiço aos poucos.Com um gesto cuidadoso, Lucius acariciou o ombro do filho.
Era o que temia.
Draco se encolheu imediatamente, afastando-se do toque, os olhos cinzentos arregalados de pavor ao encarar o pai.
— Draco… — tentou se aproximar. O filho pulou da cama, recuando até a parede. Ele ficou de pé em um canto, tremendo, os ombros curvados em completa defensiva.
Pai e filho se encararam por um momento até que as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Draco outra vez. O mais novo se agachou, levando as mãos até os cabelos, os agarrando com força enquanto abaixava a cabeça e apoiava a testa nos joelhos. Draco puxava os cabelos com tanta força que seu couro cabeludo começou a doer.
— Filho! — Lucius foi até o menor, se ajoelhando ao seu lado e segurando seu ombro.
— NÃO TOCA EM MIM! — Draco gritou, levantando a cabeça. Seus olhos estavam cheios de desespero, as lágrimas manchando seu rosto, e os cabelos desgrenhados lhe davam uma aparência quase maníaca.
O grito do filho fez Lucius levantar e recuar rapidamente. Draco voltou a abaixar a cabeça, gritos angustiados ecoando pelo quarto misturados aos soluços incontroláveis.
— Draco! Draco, pare com isso! — Lucius disparou para o filho outra vez quando ele começou a bater com os punhos na própria cabeça. Ele agarrou os pulsos do filho com firmeza. — Pare com isso, Draco, você vai se machucar!
— NÃO! ME SOLTA! EU NÃO QUERO! EU NÃO QUERO ISSO DE NOVO! ME SOLTA! — Draco virou o corpo para a parede, escondendo o rosto no canto e soluçando alto, tentando desesperadamente soltar os pulsos das mãos do pai. Quando conseguiu se libertar, envolveu os braços ao seu redor, se encolhendo o máximo possível e repetindo “eu não quero isso” em um sussurro desesperado, como um mantra.
Lucius sentiu seu peito apertar e seu estômago revirar. Tremendo, ele pegou a varinha e a apontou para o filho, os dedos vacilando enquanto sussurrava o feitiço debaixo da respiração trêmula. Em poucos segundos, os soluços de Draco cessaram, seu corpo parou de tremer, e ele se entregou novamente ao sono profundo e mágico. Lucius soltou o ar que nem havia percebido estar segurando.
Seu corpo congelou enquanto ele olhava para o filho enfeitiçado.
Céus, o que ele iria fazer? O filho sequer suportava sua presença.
Com cuidado, pegou o garoto nos braços, deitando sua cabeça em seu ombro enquanto o colocava de volta na cama. Com toda a gentileza, cobriu-o e voltou a se sentar ao seu lado. Seus dedos, trêmulos, voltaram a acariciar os cabelos loiros de Draco.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Lucius, assim como Narcisa. Ele já não se importava mais em esconder suas emoções.
Ele havia tentado acordar o filho mais duas vezes naquele dia, mas, em ambas, Draco voltara a ficar completamente fora de controle. Em um dos acessos de histeria, Draco se machucara gravemente, batendo contra a janela e quebrando o vidro, o que resultou em um corte profundo em seu braço, que sangrava descontroladamente.
Snape matinha os olhos arregalados, seu corpo rígido e tenso. Ele sempre soubera da crueldade de Seu Senhor, mas mesmo assim, o choque o atingiu em cheio. Voldemort, além de ser um sádico implacável, era também um pedófilo e um estuprador. Talvez o espanto de Snape não estivesse no ato em si, mas no fato de que havia acontecido com Draco.
— Eu implorei para que ele deixasse Draco em paz… Céus, Draco implorou para ser deixado em paz! — Lucius falou com a voz embargada. — Eu não conseguia acalmá-lo e tinha medo que ele tentasse alguma besteira, o melhor que eu poderia fazer era apagar sua memória!
— Quantas vezes isso aconteceu? — Snape sabia que para ter um efeito como aquele o feitiço precisaria ser usado diversas vezes e em espaços de tempo curtos, indicando que isso não aconteceu nem uma, nem duas, nem três vezes, mas várias.
Lucius vacilou, precisando de alguns segundos para encontrar sua voz novamente.
— Todos os dias, desde o começo das férias.
— Que merda! — Snape sussurrou, passando a mão pelo rosto. — São dois meses…
— Mas tem o que fazer, não é, Severus? — Narcisa se aproximou, o desespero evidente na sua voz e expressão. — Isso tem cura, certo? Draco vai ficar bem, não vai?
Snape encontrou os olhos dela, mas sua voz hesitou.
— O melhor que poderíamos era reverter o feitiço de esquecimento. Mas isso não mudaria muita coisa, além de devolver o trauma. Sua mente já está danificada demais para ser completamente curada.
Narcisa desabou, enterrando o rosto nas mãos e chorando alto. Lucius a abraçou com força, tentando oferecer algum conforto, mas estava tão despedaçado quanto ela.
— Por que isso está acontecendo com o nosso filho? Por que isso está acontecendo com o meu bebê? — ela chorava nos braços do marido.
Snape respirou fundo, engolindo o nó que se formava em sua garganta.
— Vamos manter os feitiços e tentar trabalhar com ele assim. Não vale a pena trazer isso de volta para sua mente. O trauma só vai piorar tudo.
— Severus…, ele vai ficar bem? — Lucius perguntou.
Snape olhou em seus olhos por longos segundos.
— Tudo o que posso prometer é que farei tudo que estiver ao meu alcance.
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Vejo vocês no próximo capítulo!