
Chapter 4
O outono já dominava completamente a paisagem de Ravenwood. As árvores, outrora verdes e vibrantes, agora ostentavam tons de vermelho, laranja e dourado, como chamas silenciosas contra o céu cada vez mais cinzento, tinha dias em que os raios de sol lutavam para atravessar as nuvens, porém na casa das bruxas, o ambiente estava longe da beleza melancólica típica da estação. Uma inquietação pairava no ar, quase tão palpável quanto a névoa que começava a se formar nas manhãs frias.
Um pouco mais de duas semanas haviam se passado desde o enterro de Nico sob o antigo salgueiro. Duas semanas de fenômenos inexplicáveis e perturbadores. Após a morte dos peixes e o relato de Billy sobre a mulher misteriosa, outros incidentes se seguiram, pássaros mortos apareciam ao redor da árvore todas as manhãs, as flores do jardim murchavam sem explicação, e sons estranhos, como sussurros distorcidos, podiam ser ouvidos nas proximidades do salgueiro durante a noite.
Morgana, Wanda e Agatha haviam implementado proteções mágicas cada vez mais poderosas, rituais de contenção, barreiras energéticas — tudo em vão. Qualquer que fosse a presença ancorada ao corpo de Nico, estava ganhando força e, pior, consciência.
— Os feitiços de contenção do lado norte foram quebrados novamente — informou Morgana naquela manhã, depositando uma xícara de chá fumegante diante de Wanda, que folheava freneticamente um dos grimórios mais antigos da família. — Reestabeleci-os antes do amanhecer, mas não sei quanto tempo vão durar desta vez, acho que precisarei ir até Lilia.
Wanda suspirou, esfregando as têmporas. O cansaço era evidente em seu rosto. Suas noites eram divididas entre pesquisas desesperadas na biblioteca e verificações constantes nos gêmeos, cujos pesadelos haviam começado a coincidir com os sussurros noturnos do jardim.
— Precisamos de algo mais forte, vovó. Algum ritual que não apenas contenha, mas remova completamente o que quer que esteja ali e eu não sei se conseguiremos conter isso sem você aqui, não podemos só chamar Lilia?
Agatha, que observava a chuva pela janela da sala de estar, voltou-se para elas, seu semblante sombrio.
— Não é tão simples. O que fizemos... — ela hesitou, ainda era difícil falar sobre aquela noite. — O ritual incompleto, misturado com a sua magia, Wanda, gerou algo que não pertence inteiramente a nenhum plano. Nem vida, nem morte. E estamos ligadas a isso pelo nosso sangue.
Um silêncio pesado caiu sobre as três. O som da chuva intensificando-se lá fora parecia sublinhar a gravidade da situação.
— Talvez precisemos de ajuda externa — sugeriu Morgana finalmente. — Conhecimento além do nosso.
— De quem? — questionou Wanda. — Não podemos simplesmente ligar para outro praticante e dizer: "Olá, ressuscitamos alguém que assassinamos acidentalmente, matamos pela segunda vez e agora há uma entidade maligna crescendo em nosso jardim. Alguma ideia?".
Apesar da tensão, o comentário arrancou um sorriso fraco de Agatha.
— Na verdade, eu tenho uma ideia — disse Morgana, levantando-se com determinação. — Existe uma seção no porão, protegida por encantamentos antigos, onde guardamos os registros mais obscuros da família. Textos que tratam precisamente de situações como essa.
Wanda e Agatha trocaram olhares surpresos. Conheciam bem a mansão, ou pelo menos pensavam conhecer. Nunca haviam ouvido falar dessa área secreta.
— Por que nunca nos contou sobre isso? — perguntou Agatha.
O olhar de Morgana endureceu ligeiramente.
— Porque são conhecimentos perigosos, destinados apenas às matriarcas da família em momentos de extrema necessidade. — Sua voz suavizou-se ao olhar para as netas. — Como agora.
Foi naquele momento que a campainha soou, um som estridente que pareceu reverberar pela mansão com uma intensidade incomum. As três mulheres congelaram, não esperavam visitas, especialmente em um dia de chuva tão intensa.
— Os meninos estão na escola? — perguntou Agatha em um sussurro.
— Sim, até às três — confirmou Wanda, já se dirigindo cautelosamente à porta, energia escarlate pronta para manifestar-se em suas mãos.
Através do olho mágico, Wanda vislumbrou duas mulheres. A primeira era alta, de postura ereta e profissional, cabelos ruivos intensos caindo em ondas soltas pelos ombros, contrastando com a pele pálida e os olhos de um verde tão profundo que, mesmo através da pequena lente, pareciam penetrar diretamente na alma de Wanda. A segunda mulher era ligeiramente mais baixa, com um ar misterioso e selvagem, cabelos negros cortados em um estilo assimétrico moderno, e olhos escuros e atentos que pareciam avaliar cada detalhe ao redor.
Algo naquela primeira mulher fez o coração de Wanda acelerar de uma forma que não sentia desde... desde sempre. Era uma sensação estranha, como um reconhecimento instintivo, um déjà-vu que não conseguia explicar.
— Quem é? — perguntou Morgana, aproximando-se.
— Não sei. Duas mulheres. — Wanda hesitou. — Talvez seja melhor verificar o que querem.
Com um aceno relutante de Morgana, Wanda abriu a porta parcialmente, mantendo o corpo como uma barreira física entre as estranhas e o interior da casa.
A mulher ruiva sorriu educadamente, seus olhos verdes fixando-se nos de Wanda com uma intensidade desconcertante. Estendeu um distintivo profissional.
— Bom dia. Sou a detetive Natasha Romanoff, do Departamento de Investigações Especiais. Esta é minha parceira, Rio Vidal. Estamos procurando por Agatha Harkness.
Wanda sentiu o ar escapar de seus pulmões. Departamento de Investigações Especiais? Nunca ouvira falar. E o que queriam com Agatha?
— Posso perguntar do que se trata? — questionou, tentando manter a voz firme.
— É sobre uma mulher chamada Nico Minoru — respondeu Rio Vidal, sua voz surpreendentemente melódica contrastando com sua aparência austera. — Temos informações de que Agatha Harkness foi a última pessoa a ter contato com ela antes de seu desaparecimento.
Wanda sentiu um frio percorrer sua espinha. Atrás dela, ouviu o suave movimento de Agatha se aproximando.
— Sou Agatha Harkness — disse sua irmã, surgindo ao lado de Wanda. Sua postura era calma, controlada, mas Wanda conhecia bem o suficiente para identificar a tensão subjacente. — Como posso ajudá-las?
Um breve sorriso curvou os lábios de Rio, e seu olhar percorreu Agatha de cima a baixo de uma forma que parecia quase apreciativa?
— Poderíamos entrar? — pediu Natasha. — Esta conversa seria melhor conduzida em um ambiente mais privado. E esta chuva não está ajudando.
Morgana avançou então, assumindo o papel de matriarca com naturalidade.
— Claro, entrem. Perdoem nossa hesitação, não costumamos receber visitantes, especialmente oficiais. — Seu tom era amável, mas seus olhos permaneciam vigilantes. — Wanda, querida, por que não prepara um chá pra nossas convidadas?
O pedido era mais do que uma simples questão de hospitalidade, Wanda sabia. Era uma chance de se recompor, de preparar-se mentalmente para o que estava por vir. Com um aceno rápido, ela se dirigiu à cozinha, enquanto Morgana conduzia as visitantes à sala de estar.
Na cozinha, Wanda respirou fundo, tentando acalmar seu coração acelerado. Não era apenas o medo da descoberta que a perturbava. Havia algo mais. Algo naquela mulher ruiva, Natasha, que despertava sensações estranhas dentro dela toda vez que seus olhos pousavam na mulher.
A chaleira começou a apitar, trazendo-a de volta ao presente. Com mãos ligeiramente trêmulas, Wanda preparou o chá — não o comum, mas um blend especial de Morgana, que continha ervas sutis para relaxamento e abertura mental. Nada manipulativo, apenas um auxílio para que a conversa fluísse com mais facilidade.
Quando retornou à sala, a atmosfera era tensa, porém controlada. Natasha estava sentada ereta no sofá, seu olhar percorrendo os detalhes da decoração da mansão com interesse profissional. Rio, por outro lado, estava reclinada confortavelmente, quase como se estivesse em casa, seus olhos nunca deixando Agatha.
— Então, como exatamente conheceram Nico? — perguntava Rio quando Wanda entrou com a bandeja de chá.
— Nos conhecemos em um evento de herbologia em Boston, há cerca de dois anos — respondeu Agatha com uma calma estudada. — Ela demonstrou interesse em tradições orientais de botânica, uma área em que tenho alguma experiência. Tornamo-nos... amigas.
— Amigas — repetiu Rio, uma sobrancelha levemente arqueada. — Nossos registros indicam um relacionamento mais próximo que isso.
Agatha não se intimidou.
— Sim, eventualmente nos tornamos mais íntimas. Esses detalhes são relevantes pra sua investigação?
Natasha aceitou a xícara que Wanda lhe oferecia, seus dedos roçando brevemente os dela. O contato, mesmo tão leve, enviou uma corrente elétrica pelo braço de Wanda.
— Obrigada — disse Natasha, seus olhos encontrando os de Wanda por um momento longo demais para ser casual. Então, voltou-se para Agatha. — Todos os detalhes são potencialmente relevantes. Nico Minoru desapareceu há exatamente duas semanas e três dias. Sua casa em Ravencroft foi encontrada abandonada, com sinais de uma saída apressada, e talvez, de um conflito.
— Um conflito? — repetiu Morgana, sua voz controlada.
— Sim, gotas de sangue foram encontradas no banheiro — explicou Natasha, observando atentamente as reações das três mulheres. — Análises confirmaram que era sangue de duas pessoas diferentes. As impressões digitais de Agatha foram encontradas por toda a casa.
— Como disse, tínhamos um relacionamento — respondeu Agatha calmamente. — Passei muito tempo lá, moramos juntas por alguns meses naquela casa.
— E quando foi a última vez que esteve lá? — questionou Rio, inclinando-se ligeiramente para frente.
Agatha não hesitou.
— Há cerca de três semanas. Terminamos nossa relação. Não foi... amigável.
— Por quê? — perguntou Natasha diretamente.
Um silêncio breve, mas carregado, seguiu-se à pergunta. Wanda podia quase ouvir a mente de sua irmã trabalhando, calculando quanto revelar, quanto era seguro admitir.
— Nico tinha tendências... possessivas — disse finalmente Agatha. — O relacionamento tornou-se sufocante. Tentei terminar várias vezes, mas ela reagia mal. Na última vez, as coisas escalaram. Houve uma discussão, sim.
— Uma discussão com agressão física? — pressionou Rio.
— Ela tentou me impedir de sair — admitiu Agatha. — Pode ter havido um empurrão, talvez um arranhão. Nada sério. Consegui sair e vim pra cá, pra ficar com minha família por um tempo. Pra dar espaço a nós duas.
— E não teve mais contato com ela desde então? — perguntou Natasha, seus olhos nunca deixando o rosto de Agatha.
— Não.
A mentira pairou no ar, quase tangível. Wanda tomou um gole de seu próprio chá, tentando disfarçar o nervosismo.
— Qual é exatamente a natureza deste Departamento de Investigações Especiais? — perguntou Morgana suavemente, mudando o foco da conversa. — Não me lembro de ter ouvido falar dele antes.
Um sorriso sutil curvou os lábios de Natasha.
— Somos uma divisão relativamente nova e discreta. Lidamos com casos que têm elementos incomuns ou que escapam à compreensão das forças policiais convencionais.
— Elementos incomuns? — questionou Wanda, falando pela primeira vez desde que retornara à sala. — Que tipo de elementos?
Os olhos de Natasha encontraram os seus novamente, e por um momento, Wanda sentiu como se estivesse sendo examinada até a alma.
— O tipo de elementos que famílias como a sua conhecem bem, Srta. Shade.
— É Harkness — Wanda corrigiu, tentando ignorar o assunto sobre elementos e magia, não querendo dar brechas para que Natasha ou Rio continuassem nesse rumo — Meu marido faleceu e voltei a usar o nome de solteira.
Natasha se mexeu levemente desconfortável pelo erro. O ar na sala ficou imediatamente mais denso, carregado de implicações não ditas. Elas sabiam. De alguma forma, essas mulheres sabiam sobre magia, sobre o que elas eram.
Antes que Natasha pudesse se desculpar pelo erro com a troca de nomes, a matriarca Harkness se pronunciou.
— Acho que estou confusa — disse Morgana, sua voz calculadamente inocente. — Somos apenas uma família normal que vive em uma casa antiga.
Rio deixou escapar uma risada curta, sem humor.
— Uma casa antiga cercada por proteções mágicas tão antigas quanto a própria fundação de Ravenwood. — Ela indicou os amuletos discretamente posicionados nas janelas. — Aqueles são sigilos de proteção tebanos, se não me engano. Bastante eficazes contra entidades menores, mas não tão bons contra praticantes treinados.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. As três gerações de Harkness olhavam para as visitantes com nova compreensão — e crescente apreensão.
— O que exatamente querem? — perguntou Agatha finalmente, todo pretexto de ignorância abandonado.
Natasha colocou sua xícara na mesa de centro e olhou diretamente para as três mulheres.
— A verdade. Nico Minoru não era apenas qualquer pessoa. Era a última descendente de uma linhagem antiga de praticantes dimensionais. Seu desaparecimento ativou alarmes em vários círculos.
— E o que isso tem a ver conosco? — questionou Wanda, tentando manter a compostura.
— Tudo — respondeu Rio simplesmente. — Especialmente quando os alarmes são acompanhados por uma perturbação mágica significativa em Ravencroft, seguida por uma concentração anômala de energia negativa aqui nesta propriedade. — Ela olhou pela janela, diretamente na direção do salgueiro, mesmo que não pudesse vê-lo daquele ângulo. — Precisamente ali.
O coração de Wanda parecia prestes a sair pela garganta. Como elas sabiam? O que mais sabiam?
— Não estamos aqui para acusar ninguém — disse Natasha, seu tom suavizando-se ligeiramente ao notar o pânico crescente no rosto de Wanda. — Estamos aqui porque o que quer que tenha acontecido com Nico, teve consequências além do plano físico. Consequências que estão afetando a estabilidade mágica desta região.
— E porque sabemos que nem sempre as coisas são o que parecem à primeira vista — acrescentou Rio, seu olhar encontrando o de Agatha com uma intensidade que parecia comunicar uma compreensão mais profunda.
Morgana foi a primeira a reagir. Com um suspiro prolongado, endireitou-se na cadeira, assumindo totalmente sua postura de matriarca.
— Talvez devêssemos ser mais honestas umas com as outras. — Ela olhou firmemente para Natasha e Rio. — Mas primeiro, gostaria de saber exatamente quem ou o que vocês são. Porque tenho vivido neste mundo por muito tempo, conheci muitos tipos de autoridade, oficial e não oficial, e nunca ouvi falar de investigadoras como vocês.
Foi Rio quem respondeu, um sorriso enigmático brincando em seus lábios.
— Digamos que somos especialistas em situações complicadas. Situações que envolvem a morte que não é morte, e a vida que não é vida.
O estômago de Wanda contraiu-se. Como poderiam saber tanto?
Natasha puxou um pequeno objeto de seu bolso — um cristal negro que brilhava com uma luz interior estranha.
— Este é um detector de Nexus. Ele identifica pontos onde a barreira entre dimensões foi comprometida. — Ela o ergueu, e o cristal emitiu um pulso de luz na direção do jardim. — Como aquele sob seu salgueiro.
As três Harkness trocaram olhares. O momento da decisão havia chegado. Continuar negando seria não apenas inútil, mas potencialmente perigoso.
Foi Wanda quem falou, para surpresa de Agatha e Morgana.
— Nico está morta, sim. Mas não do jeito que vocês pensam. — Sua voz tremeu ligeiramente, mas seus olhos permaneceram firmes nos de Natasha. — E o que está acontecendo no nosso jardim é muito mais complexo e perigoso do que uma simples perturbação mágica.
— Wanda! — advertiu Agatha, mas Wanda ergueu uma mão para detê-la.
— Não, Agatha. Precisamos de ajuda. — Ela encarou a irmã significativamente. — Os meninos estão tendo pesadelos. As proteções estão falhando. O que quer que seja aquela coisa, está ficando mais forte a cada dia. E se elas puderem ajudar… Eu não vou deixar meus filhos se prejudicarem por algo que fizemos, por algo que eu fiz. Eu a matei.
O que se seguiu foi uma narrativa cuidadosamente editada, mas essencialmente verdadeira. Agatha descreveu o relacionamento abusivo, a manipulação, os rituais de sangue não consentidos. Explicou como fugiu para Ravenwood, como Nico a encontrou, como houve uma confrontação que resultou em uma morte acidental. O que omitiu foram os detalhes específicos — que ela e Wanda haviam, juntas, tentado um ritual de ressurreição que deu terrivelmente errado.
— Então a enterramos no jardim — concluiu Agatha, sua voz mais fraca do que quando começou. — E desde então, coisas estranhas começaram a acontecer.
Natasha e Rio ouviram tudo em silêncio, seus rostos profissionalmente neutros, mas seus olhos revelavam diferentes graus de compreensão e, talvez, compaixão.
— Você está deixando de fora partes importantes — disse Natasha finalmente, seus olhos fixos em Wanda, não em Agatha. — Como o ritual que tentaram.
Wanda sentiu-se empalidecer. Como ela poderia saber?
— Do que você está falando? — perguntou, tentando soar confusa.
Natasha inclinou-se para frente, seus olhos nunca deixando os de Wanda.
— A assinatura energética ao redor não é de uma simples morte. É de um ritual de ressurreição malenius interrompido. Um ritual extremamente perigoso que requer sangue de quem tirou a vida. — Ela fez uma pausa significativa. — Sangue de mais de uma pessoa.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. As implicações eram claras. Natasha sabia que tanto Wanda quanto Agatha haviam estado envolvidas na situação de Nico.
— Não foi intencional — disse Wanda finalmente, sua voz quase um sussurro. — Ela atacou Agatha. Eu... nós... foi autodefesa. Ela ia matar minha irmã, apenas fizemos o que tinha que ser feito para nos proteger.
— Acreditamos em você — disse Rio surpreendentemente, seu tom mais suave do que em qualquer momento anterior. — Conhecemos a reputação de Nico Minoru. Ela já estava sob investigação por suspeita de práticas proibidas com outras parceiras.
— O problema — continuou Natasha — não é o que aconteceu com Nico. É o que está acontecendo agora. O ritual incompleto, combinado com o background místico peculiar de Nico, criou uma situação instável. — Ela olhou para o cristal detector, que agora pulsava mais rapidamente. — E pelo que estou vendo, não temos muito tempo antes que a situação piore significativamente.
— O que você quer dizer com "piore"? — perguntou Morgana, sua preocupação evidente.
— Nexus descontrolados geralmente seguem um padrão — explicou Rio, assumindo um tom quase didático. — Primeiro, manifestações menores, plantas morrendo, animais adoecendo, distúrbios sensoriais como os sons que vocês relataram. Depois, invasões psíquicas; pesadelos, visões, comportamentos influenciados. Finalmente... — ela hesitou — manifestação física completa. A entidade ganha forma corpórea e pode atuar diretamente no plano material. Ela também pode se apossar do corpo de alguém, até que consiga se materializar por completo.
— Quanto tempo temos? — perguntou Agatha, toda pretensão abandonada.
Natasha estudou o cristal por um momento.
— Pelo ritmo das pulsações... dois, talvez três dias até a manifestação física completa.
— E o que podemos fazer? — inquiriu Wanda, o medo por seus filhos evidente em sua voz.
Natasha e Rio trocaram um olhar, como se comunicassem silenciosamente. Finalmente, Natasha voltou-se para as três Harkness.
— Existe um ritual de purificação e banimento que pode funcionar. Mas é complexo e perigoso. Requer poder considerável e... um sacrifício.
— Que tipo de sacrifício? — perguntou Morgana, sua voz cautelosa.
— O sacrifício da conexão — respondeu Rio. — Quem realizou o ritual de ressurreição estabeleceu um vínculo com o que foi trazido de volta. Esse vínculo precisa ser cortado. Permanentemente.
— E isso significa...? — insistiu Agatha.
— Significa que você e Wanda terão que renunciar a uma parte de sua magia. Permanentemente — Natasha olhou para as duas irmãs com seriedade. — A parte específica de sua essência mágica que foi usada no ritual.
Um silêncio pesado caiu sobre a sala enquanto as implicações disso eram absorvidas. Para uma bruxa, especialmente de uma linhagem tão poderosa quanto a Harkness, renunciar a qualquer parte de sua magia era como perder um membro.
— Há outra opção? — perguntou Morgana, sua voz traindo sua idade pela primeira vez desde o início da conversa.
— Sim — respondeu Natasha gravemente. — Podemos tentar conter a entidade indefinidamente. Mas seria como colocar um curativo em uma ferida gangrenada. Eventualmente, falharia. E quando isso acontecesse, o resultado seria catastrófico.
— Quanto? — perguntou Wanda subitamente. — Quanto de nossa magia teríamos que sacrificar?
Natasha a fitou longamente, seus olhos azuis profundos como o oceano, e por um momento, Wanda sentiu novamente aquela conexão estranha, aquele reconhecimento inexplicável.
— Não sabemos com certeza. Depende da força do vínculo, da natureza exata da entidade, e da quantidade de sua essência que foi investida no ritual original.
— Poderíamos perder tudo? — perguntou Agatha, a ideia claramente aterrorizante para ela.
— É possível, mas improvável — respondeu Rio. — Mais provável é que percam aspectos específicos de suas habilidades. Talvez Wanda não possa mais manipular energia da mesma forma, ou você perca alguma afinidade particular.
A chuva intensificou-se lá fora, batendo ritmicamente contra as janelas, como se o próprio céu participasse do drama que se desenrolava na mansão.
— Precisamos de tempo para pensar — disse Morgana finalmente. — Para discutir isso em família, não posso colocá-las em perigo.
Natasha assentiu compreensivamente.
— Entendo. Mas como disse, o tempo é curto. — Ela se levantou, seguida por Rio. — Voltaremos amanhã pela manhã para sua resposta. Enquanto isso, reforcem suas proteções o máximo que puderem, especialmente ao redor dos quartos dos meninos.
As três Harkness acompanharam as visitantes até a porta. Quando Natasha passou por Wanda, parou por um momento, seus rostos próximos o suficiente para que Wanda pudesse sentir o perfume sutil de seu cabelo — algo como limão e lavanda.
— Fique atenta esta noite — murmurou Natasha, apenas para que Wanda ouvisse. — Ela virá para você em sonhos, o vínculo maior sendo com você por causa da magia que você depositou durante o ritual, visto que foi você quem a matou. Não a deixe entrar, não importa que forma ela assuma.
Antes que Wanda pudesse responder, Natasha já havia se afastado, juntando-se a Rio na varanda.
— Uma última coisa — disse Rio, voltando-se para Agatha. — O Departamento de Investigações Especiais opera sob um código estrito de sigilo e não-interferência quando possível. O que aconteceu com Nico... entendemos as circunstâncias. Nosso objetivo aqui não é justiça convencional, mas equilíbrio místico.
Era uma mensagem clara: elas não estavam ali para prender ninguém, apenas para resolver a situação sobrenatural.
As duas investigadoras desceram as escadas da varanda sob o sereno, a chuva diminuindo consideravelmente, e caminharam até um sedan preto estacionado na entrada. Apenas quando o carro desapareceu na estrada que as três Harkness fecharam a porta e se olharam, uma mistura de alívio, confusão e preocupação em seus rostos.
— Não confio nelas — declarou Agatha imediatamente. — Aparecendo do nada, sabendo coisas que ninguém deveria saber...
— Temos alternativa? — rebateu Wanda. — Você mesma disse que nossas proteções estão falhando. E agora sabemos que temos dias, não semanas.
Morgana observava as netas com um olhar pensativo.
— É curioso — disse ela finalmente. — Essa tal de Natasha... não sentiram algo familiar nela?
Wanda engoliu em seco, o coração acelerando novamente. Então não havia sido apenas sua imaginação.
— Você também sentiu? — perguntou, sua voz traindo mais emoção do que pretendia.
Morgana assentiu lentamente.
— Como se já a conhecêssemos de algum lugar. — Ela voltou-se para Agatha. — Você não sentiu?
Agatha franziu o cenho, pensativa.
— Não, aí não sei — ela não completou a frase, como se as palavras adequadas lhe escapassem.
— Precisamos ser cautelosas — advertiu Morgana. — Mas também precisamos ser práticas. Se elas realmente podem ajudar com o que está acontecendo no jardim, talvez devamos considerar sua oferta.
— Mesmo que signifique perder parte de nossa magia? — questionou Agatha, claramente perturbada com a ideia.
— Mesmo que signifique isso — confirmou Morgana gravemente. — Porque a alternativa é algo potencialmente muito pior.
A discussão continuou por horas, enquanto a chuva aumentava e a tempestade voltava a rugir lá fora, como um presságio do que estava por vir. Quando finalmente chegou a hora de buscar os gêmeos na escola, Wanda saiu sozinha, precisando do ar fresco, mesmo sob a chuva, para clarear seus pensamentos.
Dirigindo pela estrada sinuosa que levava à cidade, não conseguia tirar Natasha de sua mente. Aqueles olhos verdes como uma floresta silenciosa, pele branca como nunca havia visto antes, cabelos de fogo... parecia algo familiar para ela, em algum lugar no fundo de sua mente, algo que ela não conseguia lembrar agora.
Era incômodo demais para ser ignorado, mas como era possível? Como uma sensação poderia ser tão forte e inquietante?
Wanda não tinha respostas, apenas perguntas que se multiplicavam em sua mente, porém uma coisa estava clara, algo maior estava em movimento. Algo que transcendia o acidente com Nico, algo que tinha raízes muito mais profundas.
E enquanto a chuva caía incessantemente, transformando o mundo em uma paisagem desfocada de cinzas e azuis, Wanda não pôde deixar de sentir que, de alguma forma, essa história já estava escrita muito antes de qualquer incidente. Como se o destino, ou algo ainda mais antigo e poderoso, estivesse finalmente cobrando uma dívida há muito esquecida.
Na Casa das Bruxas, sob o antigo salgueiro, algo se movia na terra encharcada. Algo que não era mais Nico, mas que ainda carregava seu rosto, suas memórias, seus ressentimentos. E à medida que a noite se aproximava, ele ficava mais forte, mais consciente, mais determinado.
Duas noites restavam até a lua cheia. Duas noites até que pudesse finalmente emergir completamente. E então, as Harkness descobririam o verdadeiro significado do medo.