
Julho, 1997.
Julho, 1997.
Evitou o garoto por longos quatro meses antes daquilo tudo. Mantinha, é claro, ele em vigilância. Era para isso que a Ordem da Fênix servia. Harry descobriu rapidamente que Malfoy estava usando a Sala Precisa.
Outra coisa pela qual poderiam se culpar: se não tivessem usado a sala de forma tão desleixada no ano anterior, talvez Malfoy nunca descobrisse sua localização.
Estava preocupada. Soube da batalha entre Draco e Harry no banheiro da murta, há uma semana. Queria saber como Malfoy estava, mas ele não compareceu a nenhuma das aulas compartilhadas desde então. A descrição que Harry fez do feitiço que jogou em Draco era horrível: como se mais de cem facas cortassem sua pele de uma só vez.
Até mesmo Slughorn, que não era o maior fã do garoto, notou sua ausência.
Pegou o mapa dos braços de Harry, que havia caído no sono deitado no grande sofá da sala comunal. Era sábado, ou seja, não teria que fazer rondas.
Harry estava exausto. Os sonhos estavam cada vez mais vívidos. Sentia Voldemort se aproximando cada vez mais.
Dumbledore havia revelado a Harry o segredo das Horcrux. E Horácio, após ser confundido, revelou quantas eram: sete.
Abriu o mapa, olhando diretamente para a torre. Não estava lá.
Olhou pelo contorno das masmorras, sem sucesso. No corredor da sala precisa, no salão principal… Nada.
Onde ele estava?
Achou.
- O que pensa que está fazendo na minha escada, Malfoy? - questionou, chegando de repente. Quando viu o nome do garoto no seu lugar, no único lugar que era só dela, não se controlou.
Malfoy não respondeu.
Ele estava sentado exatamente no mesmo lugar que Hermione se sentou da primeira vez que esteve ali. No topo da escada, de costas para ela.
Sempre que ele passava por ali era pela parte de baixo, vindo das masmorras. Ela, por morar nas torres, chegava pela parte de cima.
Observou atentamente o garoto. Seus cabelos, sempre muito bem penteados, estavam longos demais, bagunçados demais.
Quase cobrindo toda a parte de trás do seu pescoço. Quase.
Deixavam uma parte pálida o suficiente para que ela pudesse ver o grande corte, começando a cicatrizar. Sabia, pelo que seu melhor amigo havia contado, que era parte do Sectumsempra. Severo Snape tinha cuidado para que todos os cortes fechassem, mas magia nenhuma era forte o suficiente para que eles sumissem tão rápido assim.
Sentiu um calafrio.
Draco, magro daquele jeito e com os cabelos longos, era a imagem quase perfeita de Lucius.
Lembrou de tudo que viveu ano passado, quando o pai e a tia do garoto mataram Sirius. Quase mataram ela, Luna e Gina.
Sentou-se ao lado dele. Na escadaria.
Era tarde demais para alguém passar por ali. Era tarde demais para ele.
Ficaram em silêncio por quase meia hora. O relógio já marcava 23h30.
- Deviam ir embora. - ele falou, com a voz fraca. Como se não falasse com ninguém há meses. - Você, Potter e Weasley. Lovegood. Todos da armada. Aproveitem enquanto tem a liberdade. Não irá durar para sempre.
Parecia que Hermione estava ouvindo um oráculo, ditando um futuro infeliz. Draco não sabia exatamente o que aconteceria.
- Faltam menos de 20 dias para o fim das aulas. Vamos embora.
- Deviam ir antes. Agora. Antes que tudo aconteça.
Pensou em perguntar o que iria acontecer. Mas ele não falaria.
- Peça ajuda à Dumbledore. - implorou.
- Dumbledore? Ele não pode fazer nada. Realmente acha que ele não sabe, Granger? É claro que ele sabe! E não se importa. Se ele se importasse, Snape não estaria com Potter todos os dias, treinando ele para se defender do Lord. Mas sim, ensinando todos os alunos a se defenderem. - sentiu outro arrepio ao ouvir o termo que o loiro usou para se referir a você-sabe-quem.
Se lembrou de Dobby, no quarto ano, chamando Malfoy de Mestrinho. Como se fosse um escravo. Esse era o futuro de Draco agora: ser escravo do seu lord.
Olhou mais afundo para o garoto ao seu lado. Sua aparência, outrora tão importante, agora parecia não ser nada. Estava muito magro. Muito mesmo. Devia ter perdido, no mínimo, dez quilos. Suas bochechas não existiam mais. Eram apenas cavidades preenchidas por pele. Seus olhos, tempestuosos, beiravam ao preto quando contrastados às fundas olheiras que os cercavam.
Não sabia se ainda tinham algum tipo de intimidade. Mas se aproximou, pegando o braço do garoto.
- Eu não sou o único. - se apressou a dizer, antes que ela finalmente confirmasse o que suspeitava desde o início do ano letivo.
Puxou as mangas da capa, revelando a camisa social preta. Abriu, calmamente, os botões do punho, segurando as lágrimas quando viu o que estava ali. A marca negra.
Pensou em encostar nela, mas temeu. Não sabia o que aquilo faria à um trouxa, ou nascido nas condições.
Olhou, detalhadamente, a tatuagem no braço pálido de Draco. Não era bem uma tatuagem. Era uma marca.
Forjada em fogo, diria, pelas bordas queimadas que a pele mostrava. Imaginou, com dor no coração, o sofrimento que ele passou para conseguir aquilo.
Chorou.
- Você nos odeia tanto assim, Malfoy? - disse, entre soluços.
- Não importa minha crença pessoal. Meu pai falhou na missão que tinha, de conseguir a profecia. Eu sou sua punição. Ou me tornava um deles, ou morríamos os três. O fim da família Malfoy. - divagou, com os olhos igualmente marejados, mas sem deixar as lágrimas rolarem.
- Perguntei se nos odeia. - insistiu.
- Não!
Mais silêncio.
Hermione queria poder falar com ele abertamente, sem pensar em quem ela era, quem ele era… Queria poder entrar na cabeça do rapaz e ouvir plenamente tudo que ele pensava. Tudo.
- Vocês precisam matá-lo, Granger. - disse, por fim, provando o que ela realmente queria saber: que ele não era fiel à Voldemort. Que tudo aquilo que ele fez, ou ainda faria, era por obrigação e não por convicção. - No começo, era apenas sobre magia… Hoje ele quer sangue. Não quer apenas governar… Quer matar qualquer um que se oponha a ele.
Ficaram ali, em silêncio, por mais alguns minutos. A cabeça de Hermione girava, não conseguia saber o que fazer. Contar para Harry? Procurar por Dumbledore? Mandar uma carta para Remus?
- Quem mais?
- Blaise. Theo. - respirou fundo. - Crabbe. Goyle…
- Parkinson?
- Não. Ele tentou convencer os pais, mas eles se opuseram. - respirou fundo, provavelmente pensando que seus pais poderiam ter se oposto. - Os Greengrass também não. Foram embora para a França.
Ela tinha ouvido os rumores, é claro. De que Draco estava namorando Greengrass. Fazia sentido, ela havia sido seu primeiro beijo, eles se conheciam há anos. Talvez um beijo fosse o bastante para se tornar um namoro, e quem sabe, um pedido de casamento.
Quando parou para pensar, realmente… Não via as irmãs Greengrass desde as férias de natal.
- Alguns grifinórios também, Granger. - continuou, sem olhar para ela em nenhum momento. - Córmaco McLaggen, Augustus Blackwood… Nem todos recebem a marca. Só os que são mais confiáveis. - puxou o braço, que ainda estava sendo segurado pela menina, cobrindo a marca. - Não confie em ninguém. Apenas nos seus amiguinhos. Não confie em nenhum puro-sangue. Voldemort está oferecendo qualquer coisa pela cabeça do Potter.
Hermione continuou em silêncio. Não podia falar nada. Não podia correr o risco de contar qualquer coisa a Draco. Voldemort não teria pena de utilizar alguma maldição imperdoável para arrancar respostas do garoto. Não queria que sua situação ficasse ainda mais complicada.
- Eles estão na minha casa. - continuou, seu tom de voz ficando cada vez mais baixo. - Todos eles. Minha mãe não pode mais sair de lá enquanto eu… - virou o rosto, pensando antes de falar. - Enquanto eu não cumprir minha missão.
Ele se levantou, percebendo que a garota não falaria mais nada. Sabia que ela não podia quebrar a confiança de Potter. Só de estar ali, ao lado dele, já corria um risco enorme.
Ele também. Se qualquer um dos seguidores de Voldemort o visse, assim, tão perto de uma nascida trouxa, estaria morto. Ele, Lucius, Narcisa… Talvez até Bellatrix e Rodolpho. Voldemort não pouparia nenhum deles, se pudesse usar de exemplo para os outros.
Sentiu a mão dela em seu ombro, quando estava quase no último degrau. Se virou, sem entender muito bem o que acontecia. Sentiu a cabeleira volumosa de Hermione Granger encostar em seu ombro, enquanto ela o abraçava.
Ficou estático. Não a abraçou de volta. Sentia que, se movesse qualquer músculo, desabaria. Estava fraco, patético. Estava igual ao seu pai.
- Eu sinto muito que tenha que passar por isso. - ela sussurrou, ainda com os braços em volta do corpo dele. - Mas… N-não posso abandonar Harry. Nem a ordem.
Inspirou o cheiro do cabelo dela, que cobria boa parte do seu rosto.
- Cicatriz tem sorte de ter vocês. - declarou, vendo a garota soltar os braços que o envolviam.
Se encararam. Cinza no castanho.
Queria puxar seu rosto e beijá-la de novo. Mas não o faria. Ela não merecia que um Comensal, alguém que jurou matar pessoas como ela, a tocasse.
Mas ela o beijou. Ela colocou os dois braços em volta de seu pescoço, encerrando o espaço entre eles.
Não durou muito.
Durou tempo o suficiente para que Draco Malfoy desejasse ser qualquer outra pessoa naquele momento.
Não estava apaixonado, céus, nunca. Não por ela.
Sabia que Granger acabaria se casando com o pobretão ou o cicatriz caso sobrevivessem à guerra.
Ela soltou os braços do pescoço do garoto, arfante. Sem se distanciar. Era a primeira vez que olhava dentro dos olhos dele. Tão perto, tão tristes.
- Essas coisas que vocês estão procurando. - ele disse, sem se separar dela. - Ele sabe. Sabe que estão tentando destruí-las. Me mandou ir até a casa de Sirius e ordenar que o elfo me entregasse um amuleto. O que ainda está lá é falso, uma cópia do original. Tenha cuidado.
A casa de Sirius deveria continuar na família, pelas leis mágicas. Pertencia ao herdeiro dos Black. O último homem da família. Bellatrix não tinha filhos, Andrômeda foi deserdada, além de ser mãe de outra mulher.
Ele se desvencilhou dos braços dela. Se afastou, de forma rápida, e sumiu nas sombras em direção às masmorras.
Hermione ficou estática, repassando tudo o que havia acontecido.
Não o viu mais até o fatídico dia em que os comensais invadiram Hogwarts.
Era verdade.
Draco Malfoy era, oficialmente, um comensal da morte.
Dumbledore estava morto. Ele e Severo Snape tinham tirado sua vida.
Ela devia ter ido até a torre naquela noite. Quem sabe, se fosse, poderia ter impedido que os dois matassem o professor. Mas não teve coragem de ir ao encontro de Draco depois do que aconteceu.
Se ela não estivesse ali, Draco Malfoy provavelmente não estaria mais vivo. Mas, talvez, Albus Dumbledore estivesse.