If he’s bad, then what’s the worst that could happen to a girl who’s already hurt?

Harry Potter - J. K. Rowling
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If he’s bad, then what’s the worst that could happen to a girl who’s already hurt?
Summary
10 anos depois da Batalha de Hogwarts, Hyacinth Potter ainda está lutando contra a solidão, a depressão e o luto. Ela encontra forças na reforma política da sociedade mágica britânica, enquanto procura um propósito para a sua vida.Curiosamente, é Lucius Malfoy quem oferece o suporte que ela precisa.
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Proposta

Na manhã seguinte, Hyacinth sentia-se renovada. Ela sabia que essa sensação não duraria para sempre — suas emoções estavam sendo uma montanha-russa, como sempre foram. Mas, por enquanto, isso bastava.

Ela não esperava, nem por um segundo, que esse impulso de clareza fosse durar para sempre. Ninguém é feliz o tempo todo, assim como ninguém está sempre mergulhado na tristeza. Como uma bruxa que havia sobrevivido à guerra, ela entendia que as lembranças e as cicatrizes das batalhas que carregava ainda estariam lá, na alegria ou na tristeza, e prontas para surgirem nos momentos mais inesperados.

Mesmo assim, Hyacinth decidiu aproveitar aquela onda de energia enquanto pudesse. Talvez essa fosse uma outra maneira de, enfim, começar a se curar. Ir caminhando aos poucos, aproveitar os momentos felizes quando eles viessem e pedir ajuda quando os dias se tornassem mais sombrios. Era a sua maneira de finalmente tentar curar suas feridas — sabendo que a cura seria um processo lento e doloroso, cheio de altos e baixos.

Com determinação, Hyacinth mergulhou nos estudos sobre as leis mágicas e logo percebeu quantas normas que governavam o mundo bruxo estavam desatualizadas. Dez anos após a Segunda Guerra Bruxa e a sociedade mágica ainda lutava para se recuperar e se adaptar a uma nova realidade, enquanto as legislações não acompanhavam essas transformações, e continuavam a ser uma pedra no sapato da transparência e inclusão no mundo bruxo, limitando a capacidade da comunidade de se unir e discutir questões pertinentes à sua própria segurança e direitos.

As consequências dessa inércia legal eram evidentes em quase todos os aspectos da sociedade mágica. Muitos bruxos e bruxas, especialmente aqueles de origem trouxa, continuavam a enfrentar dificuldades para se integrar completamente ao mundo mágico — algo que a guerra deveria ter ajudado a superar, mas não foi o caso. A supremacia de sangue, embora oficialmente desacreditada após a queda de Voldemort, ainda influenciava as interações sociais e, pior, estava enraizada nas estruturas políticas e legais. Famílias de sangue puro — pelo menos aquelas que não foram devastadas durante a guerra — mantinham um poder desproporcional, em grande parte porque as leis que poderiam ter reduzido sua influência nunca foram revisadas.

Era ingênuo da parte de Hyacinth, e de tantos outros, acreditar que bastava derrotar Voldemort para que o mundo se tornasse perfeito — quando, na verdade, ele nunca tinha sido. Era bastante claro, na verdade, perceber que Voldemort não tinha total culpa de tudo, não foi ele o responsável pela corrupção do mundo mágico — ele foi um reflexo dele. Ele nasceu de uma sociedade que já carregava desigualdades, preconceitos e estruturas de poder que favoreciam poucos e marginalizam muitos.

Muito antes de Voldemort ascender, a supremacia de sangue já dominava a política e a cultura bruxa. A família Black era um exemplo claro disso, e Hyacinth não seria hipócrita ao ponto de acreditar que o seu assento no Wizengamot era resultado de um merecimento individual.

O fato dela ter se tornado herdeira da família Black não a tornava automaticamente digna daquele cargo. Em vez disso, apenas representava a perpetuação de um sistema que privilegiava os interesses das famílias tradicionais, criando barreiras invisíveis que tornavam a ascensão de outros bruxos quase impossível.

Voldemort apenas levou esses valores ao extremo, transformando um sistema de exclusão em uma política de extermínio. Seria muita inocência crer que foi ele o criador do preconceito — quando, na verdade, ele apenas se aproveitou dele. Seus seguidores não foram corrompidos de repente; eles já carregavam dentro de si a crença de que alguns bruxos eram superiores a outros. Voldemort deu apenas a eles a permissão para agir.

Muitos daqueles que abraçaram sua causa, não o fizeram por medo ou por lealdade cega — pelo menos não no início —, mas porque, no fundo, sempre desejaram poder dizer e fazer abertamente o que antes precisavam esconder sob fachadas políticas. Não foi Voldemort quem incutiu neles o desprezo aos nascidos trouxas, mestiços ou qualquer um que não se encaixasse na visão tradicionalista do mundo bruxo. Esse pensamento já existia antes disso, e a única coisa que mudou foi o surgimento de um Lorde das Trevas que criou um ambiente onde era aceitável, e até incentivado, agir de acordo com essas crenças.

Foi por isso que, mesmo após sua queda, as ideias que ele propagou não desapareceram. Porque elas nunca pertenceram apenas a ele. Voldemort foi a faísca, mas o combustível já estava ali, armazenado há gerações, talvez desde antes de Grindelwald. Seu reinado permitiu que preconceitos antes sussurrados nos círculos mais fechados, fossem gritados sem vergonha.

E quando ele caiu, esses sussurros não deixaram de existir — eles apenas voltaram a se esconder nas sombras, esperando uma nova oportunidade para emergir.

Portanto, em dez anos, a sociedade mágica pouco mudou em questões fundamentais. Embora a vitória contra as trevas tenha trazido uma sensação de esperança e renovação, o sistema legislativo permaneceu congelado em um tempo anterior à guerra.

O Estatuto Internacional de Sigilo, por exemplo, continuava a ser tratado como algo intocável, mesmo com as crescentes tensões entre o mundo bruxo e o mundo trouxa. A tecnologia trouxa avançava rapidamente, tornando a exposição da magia mais arriscada do que nunca.

Câmeras de segurança estavam por toda parte, satélites vigiavam até as florestas mais remotas, e a internet conectava informações em questão de segundos. Se o segredo fosse quebrado, a sociedade bruxa, já extremamente fragilizada pela guerra, não teria forças para resistir a uma nova luta.

Os trouxas possuíam armas capazes de dizimar cidades inteiras, e o medo do desconhecido nunca foi um aliado da tolerância. Seria ingenuidade acreditar que a revelação da magia levaria a uma convivência pacífica quando, ao longo da história, a humanidade sempre respondeu ao que não compreendia com perseguição e violência.

Além disso, o peso da guerra não desapareceu. Muitas famílias inteiras foram dizimadas, e aqueles que sobreviveram continuavam a carregar cicatrizes emocionais que as leis não conseguiam reconhecer ou sanar.

Não havia apoio suficiente para os traumas que os bruxos e bruxas carregavam; o luto não foi adequadamente abordado em políticas públicas, e a sociedade mágica seguiu em frente como se a cura mental fosse tão fácil quanto crescer ossos. A Segunda Guerra Bruxa deixou uma cicatriz profunda, e muitas crianças órfãs foram deixadas à mercê de um sistema que nunca se preocupou com o seu bem-estar. Para as comunidades menos favorecidas, as oportunidades de ascensão social ainda eram limitadas por preconceitos velados, enquanto aqueles de famílias prestigiadas mantinham as suas posições com base na herança, e não no mérito.

As leis, ao invés de promoverem progresso, perpetuavam desigualdades e preservavam tradições obsoletas. O poder político permanecia nas mãos das mesmas famílias que, mesmo sem os Comensais da Morte, ainda sustentavam ideais ultrapassados. A supremacia de sangue já não era escancarada, mas ainda estava presente nos corredores do Ministério, nos assentos do Wizengamot, e nas decisões que moldavam o futuro da sociedade mágica.

Hyacinth via tudo isso com uma clareza dolorosa: era necessário reformar profundamente as leis mágicas para alinhar a sociedade aos novos tempos e oferecer justiça a todos. Mas ela também sabia que mudanças precipitadas poderiam ser tão destrutivas quanto a estagnação. Se havia algo que a guerra lhe ensinara, era que revoluções forçadas consumiam tanto os opressores quanto os oprimidos.

Era tentador invadir o Ministério e derrubar todo o prédio de uma vez só, mas e depois? Quem o controlaria? Como garantir que um novo sistema não se tornasse apenas uma versão espelhada do antigo, onde uma nova versão de uma elite surgisse para substituir a anterior, repetindo os mesmos erros, mas com um nome diferente?

Seguir este caminho seria apenas uma armadilha: trocar um tirano por outro e colocar toda a sociedade em um novo tipo de opressão. O desafio real, portanto, não era destruir, era reconstruir  — e isso começava por reavaliar o próprio sistema.

Quando essa ideia floresceu na sua mente, ela se sentiu como se uma onda de euforia a envolvesse, tão intensa que era quase irresistível. A possibilidade de mudança se apresentava de maneira tão clara e evidente que ela teve vontade de rir como uma maníaca. Se alguém em algum momento duvidou do quão grifinória ela era, essa dúvida havia caído por terra.

Isso porque Hyacinth decidiu propor uma reforma ousada no coração da legislação bruxa: o Estatuto Internacional do Sigilo.

Hyacinth sabia que estava prestes a abrir uma caixa de Pandora. Essa mudança não seria bem recebida por muitos, especialmente por aqueles que ainda se beneficiavam do status quo, como os Malfoy, que ainda mantinham suas influências por meio dessas tradições ultrapassadas.

Os riscos da sua proposta eram bastante claros, e ela estava ciente de que enfrentaria uma onda de críticas e resistência.

No entanto, Hyacinth enfrentou Voldemort de frente e saiu vitoriosa; ela estava mais do que preparada para essa batalha. Ela estava determinada a dar voz às comunidades marginalizadas, reavaliar as linhas que separavam o mundo mágico e o mundo trouxa, e, principalmente, promover uma verdadeira mudança que refletisse o mundo moderno.

Era isso ou nada, na verdade.

Com um propósito claro em mente, Hyacinth mergulhou de cabeça no Estatuto Internacional do Sigilo Mágico, destrinchando cada detalhe das leis que governavam a sociedade bruxa britânica.

Foram dias intermináveis — e noites insones — cercada por montanhas de pergaminhos e tomos antigos espalhados pela biblioteca e pelo escritório da mansão. Ela rabiscava anotações, corrigia trechos, atualizava cláusulas e, em um raro momento de frustração, correu para o mundo trouxa e voltou com pacotes de notas adesivas coloridas. Em pouco tempo, sua parede estava coberta por lembretes vibrantes, cada um marcando um ponto crítico da reforma.

O desafio era ridiculamente grande. A cada artigo revisado, a cada cláusula reescrita ou removida, seu coração acelerava.

Ela sabia que sua proposta tocaria em nervos sensíveis. Certamente, ninguém estava pronto para isso. Mas mudanças eram inevitáveis, e se havia algo que a guerra lhe ensinara, era que coragem não se tratava apenas de enfrentar um inimigo em comum, mas também de questionar aquilo que muitos acreditam ser correto e imutável.

No fim do mês, restava apenas um último passo antes de enviar a proposta ao Wizengamot: ela precisava falar com Hermione.

A tarde estava fria e molhada naquele dia, o som da chuva batendo contra as janelas da mansão e o vento soprando as tulipas do seu jardim. Hyacinth correu até a lareira e gritou o destino da casa de Hermione e Ron. O fogo verde brilhou intensamente, engolindo-a naquele turbilhão familiar que sempre a deixava tonta.

Hyacinth foi recebida pela bagunça de brinquedos e livros espalhados e o som de risadas de duas crianças correndo lá fora. Ela conseguia ver, através da janela, Rose e Hugo pulando em poças d’água, enquanto Ron, com um sorriso largo no rosto, corria atrás dos filhos, tentando, sem muito sucesso, manter a mesma energia que os dois pestinhas.

A cena apertou seu peito. Uma bola de ciúmes e inveja se formou imediatamente na boca do seu estômago, enquanto ela ainda se entristecia ao pensar no quanto ela sentia falta disso: uma família. A saudade a sufocava, fazendo com que o contraste entre esta casa vibrante, alegre e feliz com a sua mansão tão grande e vazia se tornasse ainda mais intenso. Era um lembrete doloroso do quanto ela ainda se sentia sozinha.

Hyacinth respirou fundo e decidiu empurrar o sentimento para o fundo da sua mente, enquanto atravessava o corredor com passos rápidos em busca de Hermione.

Ela encontrou a amiga na cozinha, absorta na leitura do Profeta Diário, com uma xícara de chá fumegante ao seu lado.

— Eu não sabia que você ainda lia essa porcaria.

Hermione ergueu os olhos do jornal, surpresa com a presença de Hyacinth na cozinha, mas logo um sorriso se formou em seus lábios.

— E eu não sabia que você ainda tinha medo do Profeta Diário.

Eu não tenho medo disso!

Hermione arqueou uma sobrancelha, claramente divertida.

— Continue dizendo isso pra você mesma.

— Cala a boca, Hermione. — Hyacinth revirou os olhos e se jogou na cadeira ao lado da amiga com uma falta de elegância que faria Walburga chorar. — Eu só não vejo sentido em me importar com um jornal que vive de fofoca. Por isso, fiquei surpresa que você ainda assine o Profeta Diário.

— Bem, sim, às vezes eu ainda leio. É bom ficar por dentro das notícias, especialmente com o meu trabalho no Ministério, mesmo que a maior parte seja pura especulação.

— Tem algo interessante aí, então? — Hyacinth perguntou, inclinando-se levemente sobre o jornal.

Hermione apontou para a manchete com um gesto indiferente, enquanto se levantava da cadeira e buscava outra xícara no armário. Hyacinth passou os olhos rapidamente pela página, era algo sobre desaparecimentos. Nomes como Thornhill, Cresswell e Vance estavam destacados. Ninguém que ela se lembre de ter ouvido falar, na verdade.

— Alguns bruxos de sangue-puro envolvidos em atividades ilegais. Você já sabe como é… Nada para se preocupar, logo isso será resolvido.

Hyacinth franziu a testa por um momento, pronta para questionar a manchete, quando Hermione a interrompeu com uma xícara fumegante de Earl Grey. Ela a pegou distraidamente, levou o chá aos lábios e decidiu não insistir nesse assunto. De fato, não era nenhuma novidade ver o jornal espalhando as ilegalidades que aconteciam nas famílias de sangue-puro, por menores que elas fossem — e ela estava aqui por outro motivo.

— Então, eu vim te procurar por outra coisa. Preciso da sua ajuda com uma proposta que estou revisando…

Não foi preciso explicar muito, em pouco tempo, as duas já estavam debruçadas sobre a mesa da cozinha, com as cabeças juntas, imersas na leitura da proposta de Hyacinth. Papéis se espalhavam ao redor, competindo com xícaras de chá e pratos de biscoitos quase intocados.

Hermione lia cada linha com cuidado. E Hyacinth a observava ansiosamente, buscando qualquer sinal de reprovação. Finalmente, Hermione pousou a última página sobre a mesa.

– Hyacinth… Isso é… bem, é impressionante e muito bem escrito. Mas uma reformulação completa do Estatuto Internacional do Sigilo é muito ambicioso para a sua primeira proposta, você não acha?

– Bem, vá com tudo ou vá pra casa, é o que dizem.

– Você tem certeza? Isso pode ser bem perigoso.

– Ficar sentado sem fazer nada também pode ser perigoso, Hermione. Isso daqui é o certo a fazer, mesmo que não seja fácil.

– Claro, sem dúvidas, eu concordo. – Hermione assentiu, folheando as páginas novamente com cuidado. – Eu acho que é inovador, para ser honesta, Hyacinth. Isso é brilhante. Eu só não consigo deixar de pensar no quanto você vai estar se arriscando ao propor algo assim.

– Você não tem ideia de como estou aliviada em ouvir isso! – Hyacinth suspirou, inclinando-se para trás na cadeira. – Você acha que vai funcionar? Que eles vão aprovar?

– Eu acho que tem potencial, sim. – Ela disse. – Mas essa proposta levanta pontos que são muito sensíveis… quer dizer, eu não acho que a Suprema Corte vai aceitar facilmente. Você sabe que eles estão presos no passado, Hyacinth, e a guerra nem faz tanto tempo assim.

– Eu sei! Mas o mundo mudou tanto de lá pra cá, Hermione. Não dá pra continuar ignorando os trouxas como se os bruxos fossem melhores em tudo. Os avanços trouxas são surpreendentes. A tecnologia, os sistemas de segurança, a internet...  tudo isso também impacta o nosso mundo... Quer dizer, não podemos  continuar vivendo como se estivéssemos totalmente seguros. Em algum momento isso vai explodir na nossa cara, e então a magia será exposta aos trouxas.

– Você está certa… – admitiu Hermione, pensativa. – Mas eu, na verdade, não entendo porque apenas escolher reformar o Estatuto Internacional do Sigilo e manter a mesma coisa de sempre.

Hyacinth ergueu uma sobrancelha.

– Eu pensei que você, como uma nascida-trouxa, seria a primeira a concordar com esse plano. Você conhece os dois mundos. Você sabe o quão perigoso é termos leis que não nos protegem do perigo da exposição.

— Você realmente acha que os trouxas são uma ameaça?

— Bem, a Caça às Bruxas é um ótimo exemplo.

Hermione revirou os olhos exasperada.

— E isso faz séculos, Hyacinth. — Ela inclinou-se ligeiramente para frente. — Olhe ao seu redor. Eles estão séculos à nossa frente em tantas áreas. E nós estamos perdendo todos os avanços científicos trouxas, porque nos escondemos deles por medo de que algo de séculos atrás aconteça de novo?

— Eu não acho que seja apenas por medo, Hermione. — Hyacinth rebateu. — Há um abismo entre saber da existência da magia e realmente compreendê-la. Você sabe como meus parentes eram. Eles sabiam da existência da magia, mas nunca a aceitaram de verdade. Agora imagine milhares de pessoas do mesmo jeito.

— Claro, mas isso só aconteceu porque não houve um esforço real de integração. Se, em vez de separar a sua mãe da sua tia, tivessem levado a sua tia para o mundo bruxo e mostrado as vantagens da magia, as coisas poderiam ser bem diferentes.

Hyacinth deu uma risada curta, incrédula.

— Você realmente acha que pessoas, como Lucius Malfoy, aceitariam trouxas vivendo entre eles sem fazer nada?

— Ele aceitaria se o Estatuto do Sigilo não existisse, e se existissem regras explícitas sobre isso.

— Isso é loucura, nunca daria certo.

— Isso é revolução. Pense no que os trouxas conquistaram. Eles superaram preconceitos, barreiras culturais, avanços que pareciam impossíveis. Por que a magia seria diferente?

— Porque a magia não é apenas uma barreira cultural. Você está comparando toda uma sociedade mágica, com as suas regras, leis e sistema monetário próprio, com, sei lá, a criação do avião.

— Mas é isso que está nos impedindo de evoluir. O mundo trouxa está avançando a passos largos, enquanto nós ainda vivemos na idade média, com as mesmas tradições, as mesmas leis.

— Você está certa, Hermione. — Hyacinth suspirou, segurando as mãos da amiga na sua. — Mas, na prática, não é assim que as coisas acontecem. O mundo bruxo é comandado por sangue-puros e o mundo trouxa é comandado por pessoas que temem o desconhecido. Não seria uma boa combinação.

— Eu não estou dizendo que seria fácil, mas o primeiro passo precisa ser dado em algum momento.

— Eu sei. — Hyacinth murmurou. — Mas isso não é apenas sobre uma relação mundo bruxo e trouxa. Essa reforma aborda a manutenção da nossa própria sociedade primeiro, antes de pensarmos em dar um passo maior do que as nossas pernas.

Hermione tamborilou os dedos na mesa, ponderando. Ela era uma pessoa extremamente inteligente, mas muito teimosa. Hyacinth sabia que ela não deixaria isso facilmente de lado.

– Tudo bem, vamos concordar em discordar, por enquanto… E quanto aos nascidos trouxas? – Questionou, voltando à proposta. – Você propõe alguma mudança na forma como lidamos com a inserção deles no nosso mundo?

– Sim – Hyacinth confirmou, feliz em deixar a discussão anterior para trás. – Eles merecem mais do que um simples panfleto e um tapinha nas costas. Talvez uma transição mais suave, um acompanhamento mais próximo... e suas famílias também precisam de ajuda para lidar com a revelação da magia, especialmente de uma forma que garanta que eles não contem para mais ninguém.

– E esse Departamento de Proteção e Acolhimento de Crianças Mágicas? – Questionou Hermione, folheando novamente as páginas da proposta. – É uma iniciativa muito inteligente, realmente. Como você vai garantir que as crianças estejam realmente seguras, mesmo em lares trouxas?

– A proposta prevê medidas rigorosas de avaliação, acompanhamento e, em casos extremos, a intervenção do Ministério. Não podemos fechar os olhos para o sofrimento dessas crianças, especialmente aquelas que ficaram órfãs durante a guerra.

Hermione ficou em silêncio por um momento.

— Isso é muito legal, Hyacinth. Eu sei que ainda discordo de muitos pontos, mas acho que para um primeiro passo é uma ótima proposta.

Hyacinth suspirou, aliviada por, pelo menos, terem chegado a um meio-termo.

— Obrigada, Hermione! — Hyacinth respondeu. — Eu também não acho que minha ideia seja perfeita, mas é um começo. Fico feliz pela sua ajuda!

Hermione assentiu, ainda parecendo pensativa. Talvez ainda um pouco discordante.

Neste momento, a porta da cozinha se abriu com um estrondo, trazendo consigo uma explosão de ar fresco e o eco de risadas de crianças. Ron entrou logo atrás, sorrindo largamente, enquanto Hugo e Rose corriam ao redor dele em círculos, encharcados da cabeça aos pés. Os cabelos grudavam em seus rostos corados, e as roupas pingavam no chão impecavelmente limpo da cozinha.

Antes que Hermione pudesse reagir, os dois se lançaram em direção à Hyacinth, gritando:

Tia ‘Cinth! Tia ‘Cinth!

— Hugo! Rose! — Exclamou Hermione, horrorizada. — Não molhem a sua tia! Olhem só para vocês, completamente encharcados! Ronald, como você deixou isso acontecer? Eles vão adoecer!

— Você é uma bruxa, querida. Basta alguns feitiços e uma poção Pepper-up e eles estarão novinhos em folha. — Ron respondeu e, sem a menor pressa, jogou-se em uma cadeira e piscou para a esposa.

Hermione cruzou os braços, batendo o pé no chão de forma irritada. Hyacinth engoliu uma gargalhada com a cena tão familiar. Parecia o terceiro ano de novo.

— Mesmo assim, Ron. Olhe essa bagunça! A cozinha está molhada, as crianças estão pingando por todo lugar… isso não é nada higiênico!

— Está tudo bem, Hermione. — Hyacinth sorriu, tentando segurar os dois pestinhas que tentavam escalar o seu colo ao mesmo tempo. — Eu estou ótima, e, pelo visto, esses dois pestinhas se divertiram muito sem mim. Não foi, meus amores?

Hugo e Rose gritaram em resposta, rindo e tentando contar ao mesmo tempo o que estavam fazendo lá fora com o seu pai, enquanto Hyacinth se abaixava para secar o rosto de Rose com a manga de suas vestes.

Hermione observava tudo isso com um carinho exasperado, enquanto Ron ria das histórias exageradas dos seus filhos.

— Como vão as coisas, Hyacinth? — perguntou Ron.

— Estou bem, Ron. E esses dois monstrinhos? — Hyacinth arrulhou, apertando as bochechas gordas e rosas de Hugo e Rose.

— Estão crescendo rápido demais. — Ron suspirou, bagunçando os cabelos molhados de Hugo. — Logo, estarão em Hogwarts, vão crescer ainda mais, arranjar namorados, casar… Eu vou virar avô, a casa vai ficar vazia…

— Não seja dramático, Ron. — Hermione bufou, revirando os olhos.

— Merlin, você virou aqueles velhos sentimentais, cara. — Hyacinth gargalhou.

— Quem é velho aqui, mulher? — Ron perguntou, sorrindo, enquanto pegava Hugo e Rose nos braços e os afastava para evitar que se empoleirassem ainda mais em Hyacinth.

— Você! — Hyacinth respondeu de imediato, com um sorriso travesso. — Você já começou a dizer “no meu tempo não era assim” também?

Ron corou horrivelmente.

— Cala a boca, Hyacinth!

— Bem, você não tem filhos, então não entenderia. — Hermione respondeu. — É apenas difícil ver eles crescendo tão rápido.

Ainda que tenha sido uma resposta inocente, as palavras de Hermione perfuraram seu coração, lembrando-a sobre a verdade dolorosa de que Hyacinth queria muito uma família, mas era incapaz de ter em sua solidão forçada.

Hermione não percebeu a mudança de humor de Hyacinth, e ela também não quis insistir nessa conversa.

— Agora, por favor, leve esses dois para trocar de roupa e tomar um banho quente antes que eles peguem um resfriado, não importa o que você diga.

Ron soltou uma gargalhada e fez uma continência exagerada.

– Sim, senhora! – Ele pegou Hugo e Rose nos braços nos braços e levou escada acima, deixando para trás um rasto ainda maior de água.

– Desculpe a interrupção, Hyacinth. – Hermione suspirou, massageando as têmporas com os dedos, tentando acalmar uma dor de cabeça iminente. – Parece que eu vou ter que limpar a casa agora.

– Não tem problema nenhum, Hermione. – Hyacinth forçou um sorriso para a amiga. – Nós já terminamos aqui e eu realmente preciso ir para casa agora. Tenho muito o que fazer hoje ainda.

Ela se levantou, ajustando as vestes e, com um movimento rápido da varinha, fez as gotas d’água desaparecerem, dissipando qualquer vestígio da umidade deixada pelo abraço entusiasmado dos sobrinhos.

– Tem certeza?

— Ah, claro, sim, não se preocupe.

— Tudo bem. Foi ótimo ver você novamente, Hyacinth. A sua proposta é realmente um ótimo primeiro passo. Depois me conte como foi a recepção do Wizengamot.

Hyacinth agradeceu as palavras da amiga, gritou um adeus para Ron e caminhou até as chamas esverdeadas em direção à sua casa.

Mais tarde naquele dia, enquanto comia sozinha na sua mesa de jantar solitária em sua mansão silenciosa e vazia, Hyacinth pensou novamente na dor de não ter ninguém para recebê-la em casa, compartilhar um jantar, discutir o seu dia, ou apenas ter uma vida a dois.

A solidão sempre retornaria de tempos em tempos, esmagando-a com um peso invisível. Mas agora Hyacinth sabia que tinha algo pelo qual lutar e criar um propósito para a sua vida além de focar na própria dor.

Por enquanto, isso seria o suficiente.

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