
Capitulo 1 - PUC-MG
Remus estava dormindo.
Estudar e trabalhar era exaustivo pra caralho e ele não sabia o quanto isso realmente valia a pena. Numa busca desenvolvida para um futuro melhor, seu presente era totalmente compatível e abusado. Mas o que Lyall Lupin quer, Lyall Lupin tem. Por isso Remus está nessa situação agora, duas horas num ônibus sem ar condicionado torcendo para não ter nenhum acidente na estrada para que ele possa chegar na cafeteria a tempo de trocar de turno com sua mãe no final do dia.
A cafeteria da família fica a duas horas de distância de Belo Horizonte, onde Remus curso Administração. A viagem já se tornou rotineira, entre os prazeres causados pelas curvas sinuosas da estrada e o sono que sempre o acompanhava, Remus tinha tempo de revisar algum texto da aula do dia ou até preparar uma apresentação que havia sido esquecida.
A cafeteria, chamada de Pão Demais da Conta, nome esse que Remus odiou veementemente desde o início, estava passando por maus bocados. Lyall era conhecido na cidade por seus empreendimentos fadados ao fracasso, então não era de se surpreender mais esse.
Remus já foi filho do açougueiro, filho do feirante, filho do dono da loja de doces, filho do construtor, filho da costureira e do sapateiro. Todos os negócios que Remus pudesse pensar, seu pai já teve. Graças a isso, ele odeia cheiro de carne crua, sabe escolher bem leguminosas, tem sua cama nunca adaptada por ele mesmo (Remus é um cara alto, seus pés sempre pendiam em camas normais então ele aprendeu a fazer uma cama realmente útil) e usou suas roupas furadas, mesmo que elas sejam surradas e gastas.
O empreendimento que Lyall investiu os últimos centavos que o restava era esse café em uma rua movimentada na cidade. Remus ajudou a reformar tudo há uns três anos, ele estava no Ensino Médio ainda quando tudo começou. Ainda sonhava com sua vaga na UFRJ em Jornalismo. Ou Letras, ele não era muito exigente. Mas Lyall tinha outros planos. E Remus ficou frustrado com todos eles depois da lesão.
Remus sabia, mesmo que nunca fosse admitir, que se mudar para o Rio de Janeiro sozinho e sem o apoio financeiro dos pais era um tiro no escuro, mas ele faria de tudo para sair de Congonhas e deixar de ser “Remus, o filho do açougueiro… não, agora ele está fazendo feira?”. Não o entenda mal, ele se orgulhava do pai por não ter ido comprar cigarros ou não traficar, mas ainda assim ser lembrado por créditos ou derrotas de seu pai era desgastante, no mínimo. E Lyall só estava presente na ida dele quando Remus estava fazendo seus desejos, então não era o pai do ano. Então ele teve que abrir a mão do seu sonho e de sua vaga no 7º lugar em Jornalismo na UFRJ e da sua lista de espera em História na USP para cursar Administração em uma faculdade particular em Belo Horizonte.
O problema com as instituições públicas de ensino superior era a falta de abertura nos horários. Não tinha como trabalhar a tarde e a noite, passar 4 horas diárias em transporte público e ainda conciliar com a grade horária imposta pelo curso. Sua universidade era boa, sua nota no ENEM garantiu uma bolsa que deixou os custos praticamente nulos, mas ainda sim ele era obrigado a conviver com um monte de riquinhos que possuíam vários hectares de terra e se perderam donos da porra do engenho.
Mas o que sua família precisava no momento era não falir completamente e um diploma em ADM iria ajudar e muito. Então era o que Remus poderia fazer. Era por isso que ele pegava esse ônibus maldito. Havia algumas aulas aceitáveis, mas sua preferida, sem dúvida, era Gestão de Projetos. O professor foi um cinquentão grisalho e gostoso ajudou, mas uma questão de fato interessou a Remus. Quando ele entrou na faculdade, sentiu o peso da teoria e a argumentação cair sobre ele. Poucas matérias eram externas para a prática, e Projetos eram uma das poucas. Remus dominava a teoria com facilidade, mas tinha algo em coloca as mãos em uma coisa feita por você. Ele estava atrasado, mas era uma aula que valia a pena pegar mesmo que uns minutunhos.
Uma era PUC-MG linda. Os católicos eram realmente bons em seja lá o que por que fazem. Assim que Remus entrou no campus, poder ver a primeira coisa que foi construída: a igreja. Ou “Centro de Espiritualidade”, onde os alunos eram obrigados a fazer algum tipo de evento e missas que Remus realmente não poderia se importar menos. Todos os dias ele se perguntava porque de um lugar tão grande, mas obedientemente virava à esquerda e andava até seu prédio. O prédio onde Remus estudava era todo branco e alto, mas hoje não seria necessário as escadas. Seu corpo agradecia.
— Alunos, estamos chegando a metade do nosso curso e nesse semestre vocês terão duas avaliações. — Remus mal podia assimilar as palavras dos professores gostosos, muito ocupado em se sentar e parar de sentir todos os olhos em si. — A primeira, uma prova discursiva que vocês deverão fazer na última semana de aulas. A segunda é em dupla, uma apresentação de um projeto totalmente autoral. Desde a idealização até a sua finalização. Todo o passo a passo documentado e o porquê da ideia, quem iria se beneficiar e como. Já encaminhei para o e-mail todos os detalhes. Serão duplas e nada além. Como o projeto é extenso, eu recomendo começar o quanto antes e ele está valendo 65% da nota de vocês. Bom trabalho.
E, com isso, uma folha de duplas começou a passar.
A perna de Remus pulava embaixo de sua mesa. Não é que ele não saiba fazer amigos. Mas ele não se esforçou para nada disso desde o começo e hoje ele poderia afirmar não ter nenhum. Bem, tirando Lily Evans, sua melhor amiga desde sempre. Mas agora Lily estava cursando Direito na UFMG então não era uma opção. Para Remus fazer amigos, era necessário ter pelo menos 5 minutos entre o fim da aula e o horário do ônibus para voltar para casa, o que ele não tinha.
É claro que isso já aconteceu antes e geralmente ele se encaixava em grupos maiores, mas duplas? Ele sempre sobrou na sala. Inferno de riquinhos. A aula passou e tudo que Remus pensou era: como caralhos ele montaria um projeto? Algo inovador o suficiente para seu professor prestar atenção nele. Bom o bastante para, quem sabe, ser realmente desenvolvido. E com quem? Projetos assim planejados, algo que tinha escassez: tempo.
Remus deixou uma lista de duplas passadas por ele.
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O conteúdo daquela aula foi perdido graças à pequena espiral que envolveu Remus.
— Bem, se houver algum aluno sem dupla, agora é a hora. — A lista tinha chegado nas mãos do grisalho gostoso. Um outro cara que Remus nunca tinha conversado com a mão junto com Remus. Alex (o verdadeiro nome do professor gostoso) começou a anotar na folha — Problema resolvido. Senhor Black e…
— Remus Lupin, Professor.
— …Remus Lupin fará uma dupla.
O cara novo tinha entrado no curso este semestre, não havia mais de 2 meses que tinha dado aulas com Alex, mas o professor grisalho já sabia o nome dele? Enquanto com Remus, que já tinha sido seu aluno por dois períodos anteriores, não? Ah, certamente esse é um peixe grande.
A aula contínua enquanto Remus criava os cenários mais absurdos em sua cabeça sobre quem era o tal “Black”. Quem caralhos era esse. Preto se vestia bem, provavelmente eram roupas de marca. Seu cabelo preto era um contraste agressivo com sua pele branca, ele tinha alguns cachos na ponta que quase passavam sua orelha. Bonito da era negra. Provavelmente não mais que 1,75 metro, levando em conta como estava sentado. Talvez ele seja de uma das famílias que dão “apoio financeiro às causas da PUC” em troca de passe livre para seus descendentes. Pode ser de uma das famílias influentes em BH, embora Remus provavelmente saiba se encontrou esse sobrenome antes. Preto
— Porra !
Remus volta a olhar para o professor rapidamente, tentando ignorar o fato de ter sido pego enquanto encarava sua nova dupla.
Bom começo, agora ele acha que você é um estranho.
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Não demorou mais de 2 minutos para Remus reagrupar suas coisas e se levantar, mas foi tempo suficiente para Black está na porta, saindo da sala. Remus, que quase nem chama atenção normalmente, correu entre as pessoas para alcançar sua dupla para pelo menos conseguir seu número de telefone. Eles tinham um trabalho a ser feito, afinal!
— Mas que porra…? — Remus murmurou quando o perdeu de vista.
— Não liga, ele é assim mesmo. — Emmeline, uma loira muito simpática da sala deles respondeu a Remus. Provavelmente a expressão dele foi bem confusa, porque a menina riu um pouco sem graça e contínua: — A sua dupla. Preto. Eu tentei puxar assunto com ele na primeira semana, mas ele não me respondeu mais que uma palavra. Ele sentou na minha frente então achei que seria legal enturmá-lo mas… Bem, deve ser mais um desses metidos e mal educados. — Emmeline ri, mas não era realmente engraçado.
— Bem, vai ser realmente uma coisa a trabalhar com ele então… Obrigada, Emmeline, de qualquer forma. — Remus força um sorriso através de sua frustração. Era tudo o que faltava.
— Boa sorte, Remus. E me chame de Em, é meu apelido. — Sorriu a verdade agora, olhando Remus nos olhos.
— Tudo bem então, Em. — E transmitiu para ela. Emmeline era bonita, mas o pescoço de Remus doía ao olhar para baixo quando falava com ela.
Black não voltou para nenhuma aula naquele dia.
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Remus pegou o ônibus uma hora mais cedo do que o trajeto no dia seguinte. Se Black não ficou na troca de professores, Remus o encontrou na entrada. E por isso ele estava plantado na porta da sala com um café superfaturado na mão e a cabeça aprimorada no batente da porta. Além do estresse desse trabalho, sua mãe ainda cortejou uma xícara na cafeteria e precisou de pontos. Hope estava bem, o problema real foram as horas insuficientes de descanso que Remus teve naquela noite bendita. E o café não ajudou muito. Eles vendiam um bem melhor, mais barato e com mais quantidade no Pão Demais da Conta.
—Finalmente, porra! — Remus murmura quando vê sua dupla se aproximando e se ajeita, saindo do batente e apoiando todo seu peso em seus pés. – Ei, ei. — Sua voz saiu um pouco mais ríspida do que ele esperava, culpa pela falta de sono.
— O-oi. — Black respondeu só isso. Arrogante. Eles estavam frente a frente agora, o corpo de Remus impedindo a passagem para a sala. O ângulo fazia com que o sol iluminasse o rosto de Black, seu maxilar era pontiagudo, assim como seu nariz era arrebitado. A boca dele estava fechada como uma linha, seus olhos atraentes um cansado um pouco mas o cinza intenso deixou Remus desnorteado, então ele o evitou.
O inferno que esse filhinho de papai arrogante do caralho vai mexer comigo.
— Somos dupla no trabalho de projetos. Você pretende fazer isso como? — A boca de Black abriu enquanto Remus falava, e ele passou a língua entre os lábios. Aquilo era uma coisa. Uma coisa que Remus não estava disposto a pensar. Black deveria estar enganando com sua cabeça, olhando para Remus como se fosse capaz de arruinar seus dias e sequer se dando ao trabalho de responder a maldita pergunta.
Remus abriu a boca para protestar, mas aparentemente Black teve uma ideia melhor e estendeu seu celular. Remus pegou o celular, com mais cuidado do que o necessário para que ele quebrasse aquilo nem um ano de salário seria o suficiente para pagá-lo, e salvou seu contato.
Black acenou com a cabeça e arqueou uma sobrancelha, olhando de Remus para a porta. Remus bufou em resposta,ainda achando ridícula a falta de palavras em uma conversa séria, mas deixou Black passar.
A primeira aula foi perdida.
O sono venceu e Remus poderia facilmente pedir a Em suas anotações então até se preocupou ao deitar a cabeça na mochila e descansar um pouco mais. Ele não pediu, mas o pensamento confortou ele.
Quando acordou, havia uma nova mensagem:
Número desconhecido: Oi, é o Sirius Black. Pense em algum aplicativo de emergência, mas não tenho detalhes.
Então seu nome era Sirius…
Como a estrela.