
Capítulo 3
A escuridão nunca havia sido tão solitária e dolorosa para mim. Eu, que sempre estive acostumada com a escuridão, me vi a odiando dia após dia.
E por quase cinquenta anos, a escuridão foi minha maior inimiga assim como minha melhor amiga. A escuridão me lembrava de casa, me lembrava de meu irmão, de minha mãe e meu pai... me lembrava de onde eu vim e para onde irei. A escuridão se tornara minha amiga, me trazia conforto enquanto eu sofria.
Mas tinha momentos... momentos em que a escuridão era demais. Grossa demais. Fria demais. Solitária demais. E me pegava desejando pelo abraço da morte. Era preferível. Havia momentos em que imaginava se já não estaria morta, e aquela era a punição por algum pecado que havia cometido.
Por quase cinquenta anos, a escuridão foi minha companheira constante. Mas ela não foi minha única companhia.
Nos últimos quarenta e nove, quase cinquenta anos, eu havia desenhado o céu noturno como me lembrava. Desenhei as estrelas de minha infância e as estrelas do céu da Corte Primaveril. E, às vezes, acordava e desenhava as estrelas e constelações que nunca tinha visto claramente antes em minha vida. Era estranho ver estrelas em meus sonhos que não eram realmente visíveis para mim, mesmo na Corte Noturna. Mas eram minhas constelações favoritas.
Mesmo nas profundezas da montanha, eu cantava para minhas constelações. Cantava, desejava e esperava. Esperava e desejava escapar. Desejava a liberdade e a capacidade de voar livremente. Desejava que Amarantha morresse para que suas proteções rompessem com ela e eu pudesse finalmente ser livre.
Além disso, ainda havia ela.
Amarantha.
A autoproclamada Grã-Rainha de Prythian.
Ela havia copiado e aperfeiçoado o método de aprisionamento de Tamlin. Me colocou na cela mais profunda dentro do palácio que construiu Sob A Montanha, onde nenhuma luz poderia atingir. O sol, a lua e as estrelas, outrora minhas companheiras constantes e salvadores durante meu aprisionamento na Corte Primaveril, eram inalcançáveis.
Amarantha não me tortura fisicamente e nem permitia que eu fosse machucada fisicamente pelos monstros sob seu comando. Pelo menos, não me torturou tanto quanto os outros. Particularmente, eu acreditava que a lembrava de sua irmã mais nova e ela precisava conversar com alguém... alguém que sempre a escutaria, mesmo que fosse contra minha própria vontade.
Todo mês, Amarantha vinha até mim no mesmo dia e me contava sobre o que estava fazendo ou o que estava ocorrendo em seu “reino”, e eu sabia que ela só fazia isso porquê tinha certeza absoluta de que eu não escaparia.
Eu descobri que ao longo dos cinquenta anos em que esteve em Prythian como emissária, ela decidira que queria Prythian para si, para começar a reunir poder e usar nossas terras como base para algum dia destruir o mundo humano de uma vez por todas, com ou sem a bênção do rei de Hybern. Então, há 49 anos, ela atacou. Poucos dias depois de negociar meu aprisionamento com Tamlin.
Amarantha me contou que sabia, sabia que mesmo com o exército pessoal, jamais conseguiria conquistar os sete Grão-Senhores com o volume de suas tropas, ou com seu poder apenas. Mas ela era esperta e cruel, e afirmou que esperou até que confiassem nela por completo, até fazerem um baile em sua homenagem, e, naquela noite, colocou uma poção roubada do livro de feitiços do rei de Hybern no vinho de todos. Depois que beberam, os Grão-Senhores ficaram prostrados, sua magia, exposta, e ela roubou seus poderes de onde se originavam, de dentro de seus corpos, colheu os poderes como se estivesse pegando uma maçã do galho, deixando os Grão-Senhores com apenas os elementos mais básicos da própria magia. E com o poder dos Grão-Senhores tão reduzido, Amarantha tomou controle de Prythian em questão de dias. Durante 49 anos, foram escravizados por ela.
Contou que após arrancar um dos olhos de um emissário de Tamlin, Lucien Vanserra, o filho mais novo do Grão-Senhor da Corte Outonal e amigo próximo de Tamlin, deu um baile de máscaras Sob a Montanha para si mesma. E fez com que todas as corte estivessem presentes. Uma festa, dissera Amarantha para todos, para se retratar pelo que fizera com Lucien; um baile de máscaras para que ele não precisasse revelar a cicatriz horrorosa no rosto. A Corte Primaveril toda compareceu, até mesmo os criados, e usaram máscaras, para honrar os poderes de transformação de Tamlin, dissera Amarantha.
Na noite que todos se reunirão, Amarantha contou que alegou que a paz poderia ser alcançada se Tamlin se unisse a ela como amante e consorte. Mas, quando ela tentou tocá-lo, Tamlin se recusou a permitir que se aproximasse, Amarantha contou-me. Tamlin aparentemente não a deixou tocá-lo depois do que fizera com Lucien. Ele disse, diante de todos naquela corte, que preferiria levar uma humana para a cama, preferiria se casar com uma humana, que tocar Amarantha. E disse ainda mais, disse que a própria irmã de Amarantha preferia a companhia de um humano à dela, que a própria irmã tinha escolhido Jurian em ver de Amarantha.
Quando Amarantha me contou isso, eu não pude acreditar que ela o deixou vivo. Mas de acordo com Amarantha, ela estava com humor generoso. Ela deu a Tamlin a chance de quebrar o feitiço que lançara a fim de roubar-lhe o poder.
Não muito surpreendente, Tamlin cuspiu em seu rosto.
E isso me fez o odiar ainda mais. Esquartejar e matar minha mãe sem qualquer motivo além do medo do poder da minha família, tudo bem. Me aprisionar por mais de um século sem nunca me permitir sair da minha jaula, tudo bem.
Mas se tornar o consorte de Amarantha, após ela ter arrancado o olho de seu amigo, era o seu limite?
Meu sangue sempre fervia quando pensava em Tamlin e suas hipocrisias. Eu o faria pagar por tudo o que eu e minha mãe sofremos. Torturaria, esquartejaria e mataria cada um de seus amigos. O faria ver todos eles sofrendo, talvez por séculos, antes de lhe matar com minhas próprias mãos.
Pelo menos, eu faria isso se tivesse sobrado algum de seus amigos.
Amarantha me contou sobre seu grandioso plano.
Tamin tinha sete vezes sete anos antes que Amarantha o reclamasse, antes que ele tivesse que se juntar a ela Sob a Montanha. Se ele quisesse quebrar a maldição, precisaria encontrar uma humana disposta a se casar com ele.
Mas não qualquer garota, uma humana com gelo no coração, com ódio por nosso povo. Uma garota humana disposta a matar um feérico. Mas não qualquer feérico, o feérico que ela matasse precisava ser um dos homens de Tamlin, enviados para o outro lado do muro por ele, como cordeiros para o abatedouro. A garota só poderia ser trazida para Prythian a fim de ser cortejada por Tamlin caso matasse um de seus homens em um ataque não provocado, caso matasse apenas por ódio, exatamente como Jurian fizera com Clythia.
E por esse plano, eu agradeci mentalmente a Amarantha. Era altamente improvável que Tamlin conseguisse fazer alguém se apaixonar por ele, muito menos uma humana que odiasse feéricos. Apenas uma humana extremamente burra e ingênua cairia nessa armadilha. Mas mesmo sabendo a grande possibilidade de isso nunca acontecer, não disse a Amarantha o erro que cometera ao formular esse plano.
Tamlin não precisava se apaixonar pela humana. Ele poderia muito bem fingir seus sentimentos e eu sabia como ele poderia ser encantador. Eu sabia que ele poderia, tinha visto ele enganar meu irmão ano após ano. Afinal, esse poder de encantar os outros e faze-los confiar nele era o que tinha me levado a ser prisioneira.
Então, mesmo que a chance de Tamlin fazer alguém verdadeira ama-lo era pequena, ainda existia a chance. E por quase cinquenta anos, as tentativas de Tamlin aparentemente foram fracassadas. Amarantha se divertia me contando sobre essas tentativas.
Mas isso não as únicas coisas que ela me contava. E nem as piores.
Não. Isso era coisa pequena e insignificante. Nada demais. Nada importante.
Isso não fazia parte da minha tortura. Essas visitas não eram torturantes, chatas, mas não torturantes. Não eram horríveis. Não eram desesperadoras.
A minha tortura era outra. E envolvia a minha única família direta restante.
Meu irmão.
Rhysand.
Rhysand estava Sob a Montanha. Ele também estava sendo mantido prisioneiro por Amarantha. Por quase cinquenta anos eu o senti. Sentia sua presença, sentia seu poder, mesmo enfraquecido.
E por quase cinquenta anos, noite após noite, Amarantha vinha e me contava como ela o estuprava. Como o forçava a lhe dar prazer. Como fez dele seu escravo e brinquedo sexual.
E noite após noite, eu chorava de desespero e dor por meu irmão. Pelo meu melhor amigo, meu protetor. Por aquele que sempre esteve comigo.
Pois, mesmo que eu sentisse raiva e ódio por ele não ter me regatado, por nunca ter me achado... eu ainda o amava com tudo de mim. Ele era a minha outra metade. Meu oposto. Meu irmão mais velho.
Amarantha sabia disso, e me torturara através dele. Ela não precisava me torturar fisicamente como fazia com os outros, ela só precisava contar o que fazia com ele. Só precisava fazer isso e me lembrar que não importa o que eu fizesse, o quanto eu tentasse, o quanto eu gritasse, batesse ou me rebelasse... não poderia lhe ajudar. Não poderia lhe salvar.
E por isso orava as estrelas e a lua, que me lembrava de ver no céu noturno da minha casa, todas as noites que me libertassem e lhe salvassem. Rezava para que as estrelas o libertassem, o confortassem e lhe dessem esperança de um futuro melhor. Rezava para que as estrelas me ouvissem e realizassem meus desejos.