
Druig deveria saber que aquilo acabaria mal, ele é o inteligente do grupo junto com o Phastos, mas ao que parece tudo que envolve Makkari tira totalmente sua capacidade de raciocínio.
Ajak os chamou mais cedo enquanto estavam no domo tentando não revirar os olhos para o politica de não intervenção que Ajak e o Ikaris tanto gostavam de enfatizar. Durante a reunião em volta da enorme escultura do celestial Arishem, Ajak se vira para mim e para Makkari ao meu lado.
— Druig tenho uma missão para você e para você também Makkari. – olha para meu lado rapidamente – Preciso que vocês vão a uma pequena vila em direção ao norte. Ouvi viajantes falando de ataques a um povoado e preciso que averiguem isso e nos informem.
— E se for deviantes realmente? – pergunto – Não sou um guerreiro capaz de ajudar Makkari caso tenha mais deviantes que o previsto. Makkari cutuca com o cotovelo minha caixa torácica a ponto de incomodar um pouco.
— Eu dou conta, não preciso de um cavaleiro me resgatando – assina com as mãos com uma expressão petulante para mim enquanto eu apenas levanto uma sobrancelha para ela. Implicância a parte, eu realmente me preocupava dela ter que encarar mais do que aguentava. Ela é poderosa e inteligente, mas os deviantes não devem ser subestimados e não quero minha Makkari em perigo. Ela não é sua, eu mesmo me lembro disso.
— Evitem conflito direto, apenas precisamos averiguar para então nos deslocarmos até lá se for necessário. Não podemos ir todos e deixar os daqui desprotegidos em caso de algum ataque. – Ajak olha maternalmente para Makkari — E sejam discretos.
Olho rapidamente para Ikaris e Sersi que parecem não sair nunca da lua de mel. Nojentos. Ou talvez esteja com inveja por não ser você com a sua Makkari.
Minha voz interna parece ser tão crítica quanto eu. Makkari chama a minha atenção fazendo sinal para eu ir na frente.
— Você é lento, vá na frente. Preciso ir com a Sersi em outro lugar e te encontro lá. – ela debocha de mim e eu sei que não é sério, é a nossa brincadeira particular.
— Mas é claro minha rainha, seu cavaleiro estará à sua espera. – faço rapidamente os sinais com as mãos e logo me inclino em uma mesura debochada e ela revira os olhos para mim me despachando com uma das mãos enquanto Kingo e Ajak riem e os outros nos olham com as sobrancelhas levantadas.
Sorrio enquanto vou para o corredor, bom, ao menos estarei numa missão apenas com ela. Meu coração dá um salto, preciso me manter no controle e não deixar que ela perceba. Nossa amizade é preciosa demais para eu estragar só porque me apaixonei por ela.
Ela não precisa saber.
Não vai saber.
Pedir discrição para um eterno é algo complicado, para mim é até fácil, mas com uma velocista como Makkari acho difícil ela se acostumar a andar longos metros sem usar seu dom. Uso um casaco de pele tentando parecer o mais humano possível, além de que realmente aqui é muito frio até para mim, espero que a Makkari tenha se preparado.
Em um piscar de olhos a própria aparece sorrindo a minha frente, segurando o que eu imagino ser um dos dispositivos de Phastos de localização.
— Vejo que se preparou – descruzo os braços e a olho em seu casaco de pele e o cabelo em diversas tranças.
— Não sou uma novata. – dá de ombros.
— Sei disso, e sei que faz muito disso para ir atrás de artefatos dos humanos, o que me lembra sem desvios para encontrar nada. – começamos a andar já vislumbrando fumaça e sombras de áreas habitadas. O caminho será um pouco longo, mas com a ela como minha companhia não será tão ruim.
— Então, que identidades vamos usar? – ela olha para cima em busca do sol fraco.
— Irmãos seria algo complicado de acreditarem, conhecidos ou amigos sozinhos na estrada seria suspeito, então pensei em sermos recém casados. – ela desvia o olhar rapidamente para me encarar em choque.
— E o que recém casados estariam fazendo nessa aldeia remota? – sorri.
— Em lua de mel, rumo a aldeia dos familiares que não vê há anos talvez – ela reconsidera a ideia e acena positivamente lentamente.
— Tudo bem, aceito ser casada com você. – eu rio.
— Você fala como se fosse algo ruim – finjo estar ofendido e coloco a mão em meu coração como se tivesse sido atingido. Agora é ela que ri.
Andamos o resto do caminho em silêncio absorvendo a paisagem, uma mistura de pontos verdes com a neve ao nosso redor, vejo uma montanha ao longe e um grande lago metade congelado.
Sersi está certa quando diz que esse planeta é muito bonito, e realmente é, e isso que me faz pensar no que os humanos fazem com ele e uns com os outros.
Depois de um tempo,estávamos perto da estrada principal, já conseguíamos ver pessoas ao longe e então Makkari faz sinal para eu parar e estende a mão para mim.
Pela minha expressão ela percebe que eu não entendi o que ela queria dizer, então ela pega minha mão e entrelaça na dela.
— Se vamos fingir ser casados devemos ao menos fingir algum tipo de intimidade – assina com apenas uma mão, logo me puxa para continuar andando. Ela deve estar sentindo a vibração do meu coração já que bate forte e tão rápido agora.
— Então quer dizer que são recém casados? – um senhor idoso nos olha longamente e olha para nossas bolsas penduradas nos nossos ombros. Detecto seu idioma para me orientar de qual forma devo me comunicar aqui.
— Isso. – Makkari responde apenas acenando positivamente.
— Temos uma acomodação, mas aviso que se forem ter que sair façam logo, aqui escurece rápido e pode ser perigoso. – sua expressão parece assombrada e eu e Makkari nos entreolhamos imaginando se seria a mesma coisa. Deviantes.
— Porque? Aconteceu alguma coisa recentemente? – indago como um viajante curioso.
— Bem, há relatos de algum tipo de monstro um pouco mais longe daqui, em direção aos nossos campos e plantações, alguns animais sumiram também. – animais? Deviantes não vão atrás de animais. Mas ficarem em áreas perto de humanos é sim algo comum.
— Não vamos mais sair por hoje, certo querida? – olha para Makkari que sorri maliciosamente para mim — Obrigado.
— Deixe-me leva-los até o locação de vocês – o senhor vai na frente e o seguimos tranquilamente enquanto ele tagarela sobre o pequeno povoado e o avisamos que estamos apenas de passagem.
Ao sermos deixados sozinhos percebemos que embora tenha a possibilidade de discrição há apenas um local para deitarmos, embora seja grande, teremos que dividir. Me desvio para acender o fogo da pequena fogueira, Makkari joga nossas bolsas perto de onde iremos dormir e se joga nos lençóis felpudos.
Suaves batidas soam e eu atendo dando de cara com uma mulher de cabelos bem pretos, um pouco mais nova e ela segura uma bandeja com tigelas feitas de barro e ornamentadas, observo o vapor saindo e imagino que seja algo como sopa. Agradeço rapidamente e Makkari aparece atrás de mim já com as mãos estendidas para sua sopa.
— Ah, ah – tiro a bandeja do seu alcance – Cadê sua educação? – ela dá a língua para mim e antes que eu possa piscar pega uma tigela da bandeja e sorri vitoriosa para mim.
— Eu vou deixar passar dessa vez – tento fazer cara de bravo, mas nunca funciona com ela.
Sentamos perto da lareira e comemos em um silêncio confortável. Rapidamente ficou completamente escuro lá fora e penso na possibilidade de sair escondido para procurar deviantes, porém ao olhar para Makkari já a encontro dormindo ocupando quase todo o espaço que eu deveria ocupar.
Pelo visto isso vai ficar para amanhã. Agora eu tenho que pensar em como vou dormir.
Admito que procrastinei por meia hora pensando em como proceder com os humanos amanhã sem entrar em suas mentes, Ajak não gosta mas é um meio bem mais fácil e mais discreto. Apago as velas restantes e apenas um pouco da luz da lua entra pela janela, e eu vou sondando lentamente enquanto avanço para cama, algo bem risível para qualquer um já que parece que estou com medo de acordar alguma fera.
Makkari abre os olhos ao notar provavelmente as vibrações enquanto eu me mexo mais perto dela, seus olhos logo parecem notar o meu dilema.
— Eu desmaiei não foi? – assina devagar para que eu posso enxergar.
— O problema nem é esse, mas o fato de você ter se apossado da cama toda – brinco com ela que logo repara que estou tentando deitar. Ela me dá um sorriso como se estivesse se desculpando então vai para a ponta se virando em minha direção e me observando.
— O que foi? – pergunto baixinho e sei que ela entendeu ao ler meus lábios já que parece pensativa, mas logo balança a cabeça como se me falasse que era para esquecer isso — Bem, só não tente me abraçar enquanto eu durmo, posso ficar mal acostumado. Ou me empurrar para a parede.
Ela faz cara de brava e se vira para o outro lado, porém consigo ver ela reprimindo um sorriso enquanto se vira rapidamente para eu não ver.
Fico de frente para o teto e coloco um braço por trás da cabeça e o outro braço em cima da minha barriga enquanto sorrio como um idiota apaixonado até pegar no sono.
De manhã, sinto uma respiração bagunçando meus cabelos e um peso sobre minha barriga. Abro os olhos lentamente e vejo tranças a minha frente e parte do rosto sonolento de Makkari. Admiro um pouco suas linhas suaves, seus cabelos e sinto a sua respiração tão próxima de mim que por um momento eu me permito imaginar algo mais. Imagino eu sendo um cara mais legal como Gilgamesh ou bonito como Ikaris ou Kingo, ela merecia alguém assim, não um cara cínico, sarcástico e tão crítico quanto eu, ou magrelo e baixo... Sem falar dos meus conflitos diários a respeito à humanidade, o que poderia fazer, o que eu deveria fazer.
E vamos de autocritica com uma pitada de auto piedade, era assim que os humanos amavam? Eu sabia que algo durante os anos tinha mudado entre a gente, entre as brincadeiras, os segredos que a gente guardava um do outro, nossos momentos sozinhos apenas admirando a humanidade e esse planeta.
Se eu tivesse concentrado o suficiente no presente, perceberia o sorriso crescendo nos lábios de Makkari enquanto ela levanta mais o rosto e nossos narizes se encostam junto com nossas testas e olhamos dentro dos olhos um do outro.
Meu coração acelera e parece que eu sinto o coração dela também acelerar, eu juro que ela começou a moveu seu rosto mais perto do que até que... batidas soam na nossa porta e ela tão rápida como sempre já estava de pé e evitava meu olhar.
Eu suspiro e respondo que já abriria, não posso não culpar quem quer que seja e abrir a porta com cara de poucos amigos já bem conhecida entre os eternos.
— Sim? – levanto a sobrancelha para a mesma mulher que trouxe a nossa comida ontem.
— Ah, desculpe atrapalhar, só passei para avisar que hoje à tarde teremos uma festa em comemoração à mudança de estação – ah sim, eles estão entrando no inverno o que explica a duração dos dias, embora aqui o dia realmente seja mais curto, e a neve tomando mais conta do verde e do lago. Ela parece curiosa e tenta olhar por cima do meu ombro para ver dentro de nosso quarto e eu logo tampo sua visão me movendo bruscamente – Ah, desculpe...
— Você já disse muito essa palavra hoje – Makkari surge ao meu lado sorrindo para a mulher amigavelmente e me olha com um sinal de alerta.
— Eu havia esquecido que vocês como recém casados gostariam de um tempo a sós, acho que atrapalhei vocês, mas achei que gostariam de ver um pouco da nossa vila antes de partirem – ela cora e parece genuinamente constrangida — Eu sei como é, quando somos recém casados é meio difícil sair e desgrudar, não sei nem como não engravidei logo no primeiro ano, mas espero que vocês tenham mais sorte que eu.
Makkari faz um som como se engasgasse e rapidamente começa a assinar para a mulher a nossa frente. Ela claramente não entende nada e olha para mim em busca de ajuda e eu pigarreio tentando não corar ao me sentir constrangido com o que ela quis dizer que estávamos fazendo.
— Olha, tudo bem. Esqueça isso – Makkari olha para mim e fiz sinal para que eu traduzisse o que ela disse, algo como "nós não estávamos fazendo nada, e iremos sim ao festival." – Ela disse que quer sim, ver o festival.
— Ótimo! Vejo vocês lá – ela se vira para sair, mas eu a interrompo.
— Ah e não se esqueça de não bater na nossa porta, principalmente durante a manhã, podemos estar ocupados — ela cora e acena andando rapidamente.
Ao fechar a porta com um suspiro Makkari aparece ao meu lado com os braços cruzados.
— Podemos estar ocupados? – ergue a sobrancelha para mim.
— Somos recém casados e assim eles devem pensar. – me aproximo dela — Que absurdo a minha própria esposa não querer passar um tempo comigo a sós.
Ela tenta disfarçar mas vejo suas bochechas corarem quanto ela revira os olhos.
— Agora meu bem, vamos nos preparar, estou morrendo de fome. – coloco a mão em minha barriga sentindo ela roncar cada vez mais.
Talvez seja uma boa ideia realmente ir nesse festival, espero que tenha muita comida.
Andamos o dia todo de mãos dadas, longe de mim reclamar, mas estávamos mesmo era em busca de possíveis deviantes. Íamos a lojas, principalmente as de comida, algumas podíamos experimentar e foram as minhas preferidas.
Tive que ficar o tempo todo de olho em Makkari, ela era uma colecionadora nata, adorava arte principalmente, mas alguns trabalhos manuais ela olhava admirada e sua bolsa de couro pendurada no ombro estava pesada de tantas peças feitas, sim ela comprou dessa vez. De acordo com a própria, só apenas "pega emprestado" de pessoas que mereciam.
— Imagino que boa parte seja presente para os outros eternos. – finjo pegar a bolsa para flexionar os braços como se fizesse exercícios - Mais dois minutos com essa bolsa e eu fico forte igual Gilgamesh.
Ela ri e coloca a mão em meu bíceps como se estivesse avaliando minuciosamente com a testa franzida em concentração.
— Para mim você já está ótimo, olha esses braços. Anda treinando com a Thena escondido? – me olha desconfiada. Se eu não a conhecesse e não soubesse que faz parte das nossas várias brincadeiras, diria que ela está de alguma forma me cortejando, como os humanos fazem. Meu estômago se agita e logo minha mente pensa em algo para dizer e não gaguejar feito um idiota.
— Ah não meu amor, ainda preciso treinar mais, continuo sem músculos. Preciso ficar bem bonito para você, para não me trocar por outro eterno. – me aproximo e lhe devolvo a bolsa enquanto ela abana a mão como se dissesse que isso era impossível.
Estendo o braço flexionado para ela enfiar sua mão e continuamos a nossa caminhada até escutar um grupo de mulheres com crianças em volta debatendo seriamente.
— Era enorme, talvez devêssemos mandar os caçadores ir atrás dele. – uma mulher jovem tão loira que era quase branco seus cabelos.
— Mas a noite é perigoso. Nem sabemos o que é. — uma mulher de cabelo preto com uma criança no colo retruca e eu e Makkari nos entreolhamos andando mais devagar.
— Deve vim da floresta até nossos campos, e quando há pouco movimento aparece do nada. Até gado a criatura já levou.
— Espero que hoje no festival ele não apareça.
— Talvez seja até melhor aparecer, com mais pessoas podemos nos defender.
— Está louca! E as crianças?!
Passamos pela discussão e voltamos a nossa acomodação.
— Ao que parece realmente pode ter algum deviante perdido aqui – Makkari sente na cama e coloca sua bolsa no chão.
— Talvez, ou não. Deviantes não esperam a noite, nem que tenham pouca pessoas ao redor. Ele age exatamente ao contrário. — anda pelo quarto pensando a respeito e cada vez mais acho que talvez não seja um deviante, mas precisamos ter certeza — De qualquer forma, vamos a esse festival, podemos nos esgueirar e ir para os campos.
Makkari acena com a cabeça positivamente para mim.
— Alias, comprou algum presente para mim? Desde que nos casamos você não me deu nem um presente? – pergunto a ela que cruza os braços e revira os olhos para mim enquanto puxa algo da bolsa — Sabia que tinha me casado com a mulher certa para mim, minha linda, linda Makkari.
Ela tira da bolsa uma pulseira de couro e um saco de biscoitos de alguma loja que entramos para experimentar abaixando a cabeça para mexer em algo em sua bota, mas vejo suas bochechas tremerem enquanto sorri e quase consigo ver um rubor ali.
Talvez casar não seja algo tão ruim assim.
— Está usando a pulseira que te dei.– passo com Makkari em meus braços enquanto desviamos das crianças correndo sem rumo, e da enorme fogueira no meio da aldeia e das pessoas sentadas em troncos ou nos poucos bancos. Há casais e famílias em todo o lugar. E realmente havia muita comida.
— Claro, minha esposa que me deu. – respondo dando um meio sorriso para ela que sorri mais ainda.
— Você parece estar adorando estar casado comigo. — algumas pessoas olham para Makkari quando ela usa os sinais em dúvida, eles veem pessoas como a Makkari como defeituosas, dignas de pena e esse é um lado dos humanos que eu detesto e que gostaria de mudar, de ajudar a mudar, mas Ajak diz que eles devem aprender no próprio tempo.
Mas será que eles irão aprender algum dia? Esse é o meu medo.
— E quem não adoraria estar casado com você? — retruco. Ela fica séria, e eu não sei o porquê, imaginei que iria sorrir com a minha brincadeira – O que foi?
— Enquanto andamos hoje eu percebi as pessoas me encarando e continuam mesmo agora, elas devem achar que você foi obrigado a casar comigo. Sabe como a humanidade é – ficamos em um canto de pé perto de uma casa enquanto observamos tantas crianças e pessoas se divertindo como se estivéssemos falando algo tão sério.
— Sabe, eles também devem comentar sobre o fato de você não estar com alguém a sua altura – ela se vira para mim franzindo a testa sem entender.
— Olá casal. – um completo estranho surge com uma bolsa de couro enorme presa ao ombro, algo nele me diz não ser nada confiável — Gostariam de ver alguns peças artesanais?
Makkari imediatamente começa a prestar atenção ao homem.
— Quais peças? – traduzo para ela, mas a olho avisando para ter cuidado.
— Bem, as que eu tenho comigo são de povos viajantes, mas em minha vila do outro lado da montanha eu tenho objetos realmente especiais, de diversas dinastias egípcias. – os olhos de Makkari parecem brilhar.
— E como podemos fazer para ver essas peças egípcias? — traduzo obrigado e a olho sinalizando que nada de desvios da missão, mas ela apenas me ignora.
— Eu parto amanhã, se quiserem me acompanhar. Eu vou passar pelos campos ao amanhã, meu barco está por aqui no lago, preciso sair antes que congele totalmente – seu sorriso aumentou vertiginosamente, sabe que conseguiu atrai-la.
Ela acena positivamente para ele que faz um cumprimento curto e logo parte para outros querendo mostrar seus produtos.
— Se eu bem me lembro, combinamos que não haveria desvios? — a encaro que me devolve o olhar com olhos pedintes difíceis de resistir.
— Por favor, se vamos conferir hoje se tem deviantes ou não, logo amanhã podemos ir com ele – suspiro com força, eu não confiei em nada nele, mas é difícil não ceder algo a Makkari.
— Certo, se conseguirmos hoje podemos ir. – ela comemora com um enorme sorriso que me faz realmente esquecer toda a desconfiança que eu tinha.
— E você não fala nada para Ajak assim como eu. – pisca para mim.
— Claro. – pisco de volta.
Gritos nos alcançam e dois garotos que aparentam ter entre dez e doze anos aparecem correndo entrando com tudo na área da festa.
— Ele está lá nos campos!
— Nós vimos. E enorme e tem pelo escuro. – os outros se aproximam fazendo todo tipo de pergunta e os músicos cessam a canção alegre.
Aproveitamos a comoção e vamos nos esgueirando pelas sombras das casas até irmos para trás e a partir dali até os campos.
Não deixo Makkari ir na frente, já que poderia ser um risco. Então vamos juntos e ela parece estar impaciente por não poder ir mais rápido.
Perto dos campos podemos ver uma sombra grande, mas um pouco menor do que um deviante e peludo demais.
— Vou me aproximar um pouco mais e volto rápido. – Makkari mal termina de assinar e corre em volta da sombra, não perto o suficiente para eu me preocupar. Ela logo volta com um sorriso — Pode se aproximar se quiser, não é um deviante só que explica muita coisa.
Curioso, eu me aproximo mais, tomando cuidado para não ser brusco e assustar o que quer que seja. Meus olhos inicialmente não acreditam no que veem. Humanos e seus dramas.
— Não acredito que viemos até aqui por causa de um urso – reclamo e Makkari surge ao meu lado rindo.
— Veja o lado positivo, não correm o risco de ser um deviante – dá de ombros.
— Ataques de ursos são comuns, bem, desde que ele coma só o gado. – concordo com ela e nos afastamos do urso que zanzava pelo campo — Vamos voltar para a festa, não comi o suficiente ainda.
De volta a festa, que já havia recomeçado timidamente, as pessoas continuam receosas e eu logo resolvo isso entrando em suas mentes avisando sobre o urso no campo. Logo tudo volta ao normal e eu volta à mesa de comida e as crianças recomeçam a correria entre os adultos.
Colocam uma bebida forte em minha mão e na de Makkari que bebe e faz uma careta, faço o mesmo e repito a mesma careta.
— Só uma bebida dessas para aguentar esse frio. – digo e bebo novamente entretanto mais devagar até me acostumar. Makkari rouba uma parte da minha comida, estamos mais relaxados agora que sabemos que eles não correm um risco tão grande.
— Agora estamos livre para amanhã ir atrás das minhas peças egípcias. – Makkari bate com o quadril em mim e eu derrubo parte da comida.
— Que pecado, desperdício de comida é algo sério. – pego um pedaço de pão com algo dentro que eu não identifiquei mas que achei muito bom e fiz sinal para ela abrir a boca e experimentar. A alimento e ela faz um barulho com a boca como se tivesse experimentado a melhor coisa – Sabia que gostaria.
Um grupo de homens vestidos com pesados casacos parecem já estar alcoolizados a ponto de falarem mais alto. Desde que não arrumem briga com ninguém, eu não ligo. Observo eles passarem os olhos por quem está perto até que um loiro alto fixa seus olhos em Makkari que não percebe já que continua comendo da minha comida. Ele abaixa a voz ao dizer algo ao grupo que se também se voltam para cá e observo o olhar malicioso da maioria.
Meu sangue ferve e eu entro em suas mentes e leio seus pensamentos para saber do que estavam falando e eu não consigo ficar escutando nem mais de trinta segundos ao perceber o tipo de coisa que estavam falando sobre ela, as situações lascivas, o desdém e a forma como a veem como objeto de prazer.
Penso em diversas formas que posso resolver isso, fazer eles se estapearem, fazer brigarem uns com os outros, qualquer coisa serve para que eles aprendam.
Sinto um cutucão ao meu lado.
— O que houve? – Makkari me observa atentamente. Fico entre dizer algo a ela ou não, não quero que ela se sinto menosprezada ou mal por causa de uns imbecis.
— Aqueles homens, estão falando sobre você. – aponto com o queixo – E não de um jeito lisonjeiro. – trinco o maxilar e ela logo percebe o que estou prestes a fazer.
Ela se interpõe a minha frente, tapando minha visão deles.
— Eles não valem a pena, você tem que ser forte. Lembre-se do que a Ajak nos disse – seus olhos me encaram profundamente e eu quase me perco neles. Levo um momento para me acalmar e percebo que os idiotas fazem isso com todas as mulheres, mais um ponto negativo, mas ao menos não existe isso em todas as sociedades que visitamos, ainda sim é em sua maioria a tal da superioridade masculina.
— Vamos, acho que esse negócio que nos deram está começando a fazer efeito. – me viro para ela que encaixa os braços novamente nos meus e andamos calmamente em direção ao pequeno lugar que agora nos serve como abrigo temporário.
Eu demorei para perceber que talvez a Makkari seja um pouco mais sensível a bebidas fortes, ela cambaleia quando puxa seus sapatos para fora já perto da cama.
— Alguém parece estar trocando as pernas. – digo e ela me olha em franzindo o cenho até perceber que era dela que eu falava.
— Não é possível, você bebeu duas doses e eu uma. – se joga na cama logo depois.
— Por favor, deixa espaço para mim. – me encaminho para a cama também e ela abre espaço para que eu possa deitar.
Ela fica de frente para mim, com os braços cruzados e suas tranças se espalham pelos travesseiros. Assumo a mesmo posição de ontem, com o braço atrás da cabeça e encaro o teto perdido em pensamentos até ver uma mão na frente do meu rosto tentando chamar minha atenção. Viro apenas meu rosto em sua direção e ela parece mais perto do que antes.
— O que você quis dizer com aquilo mais cedo? – assina devagar como se suas mãos tivessem perdido a agilidade habitual graças a bebida.
— Aquilo o que? – agora é minha vez de franzir a testa em dúvida. Espero que ela não esteja querendo saber o que aqueles idiotas estavam dizendo e pensando sobre ela.
— Sobre comentarem de nós, de você não estar a minha altura? De onde você tirou isso? – fico um tempo em silêncio absorvendo a pergunta e em como responder enquanto isso ela me olha curiosa com a minha resposta.
— Bem, você sabe o que sempre dizem da Sersi e do Ikaris, de como eles são lindos e são lindos juntos. Um casal bonito. Ele tem toda aquela pose que faz as mulheres olharem instantemente para ele. A Sersi é amada pelos mortais, é gentil com todos. Já no nosso caso, você consegue ser os dois, tem a beleza e é amada pelos mortais por ser tão compassiva e amorosa com eles – vejo ela prestar atenção a cada palavra com atenção total.
— Mas você também. Você é tão compassivo com eles que não aguenta ver as maldades e todo o mal que eles mesmo fazem uns com os outros, quer que eles melhorem. E ainda tem a beleza a seu favor – dou um sorriso sarcástico para ela que apenas levanta a cabeça como se me desafiasse a contradize-la.
— Então quer dizer que se casou comigo pela minha suposta beleza? – ela me dá um tapa leve e ainda sim faço como se tivesse sentido dor.
— Não, foi pela sua inteligência. A beleza é só um bônus – retruca.
— Posso conviver com isso – sorrio — Agora vamos dormir, já que temos alguém para encontrar bem cedo. Ah, pode me abraçar de novo essa noite, mas não se acostuma.
Dessa vez o tapa que ela me dá é bem mais forte, mas não me impede de ir dormir com um sorriso no rosto.
Ao sairmos, nos despedimos do senhor e da mulher xereta que nos desejam felicidades e muitos filhos. Eles gostam mesmo de crianças.
Com um Sol bem tímido a gente encontra o tal vendedor parado olhando em direção ao lago.
— Ah vocês vieram mesmo! – abre os braços alegre – Vamos, não podemos perder tempo. Logo, logo esse lago congela – olho para Makkari que dá um sorriso capaz de derreter toda a neve ao nosso redor.
A caminhada não dura muito, mas tivemos que dar a volta pelo lago já que ir pela parte congelada era perigoso. O barco era algo pequeno, mas levando que precisaríamos apenas atravessar o lago e ir atrás da montanha não seria tão perigoso.
Não deveria ser, até que percebo que passamos da montanha e já que ainda estou suspeitando do nosso "amigo" decido ir ver o que tem em sua mente, longe de Makkari, que está na proa olhando a paisagem. Ele de fato era um mercador, mas de escravos.
E éramos as iscas. Ótimo.
Makkari vai ficar chateada por não ter uma peça nova em sua coleção mas ao menos será um problema a menos nesse mundo. Do outro lado da montanha há algumas cabanas que parecem ser de caçadores, nenhuma que parece ser dele ou uma aldeia e ela logo percebe a mentira. Antes que eu posso avisa-la, ela confronta o homem, infelizmente está acostumada a acharem uma presa fácil.
Como se tivesse vendo tudo em câmera lenta, o cara tenta investir contra ela, que desvia rapidamente e ele bate com tudo no timão. Estávamos perto demais da terra, não teria como desviar, o chão que pararia a gente.
Nos seguramos enquanto o barco dá um baque em algo antes de chegar a terra firme. Até aqui as coisas não estavam boas, o traficante de escravos estava desmaiado, o barco agora tinha um rombo do lado e estava afundando.
Apesar dos pesares, temos que salvar o traficante, nem que seja para deixa-lo em terra firme.
Makkari se adianta já com água chegando nos joelhos, impossibilitando ela de ir sobre a água.
— Makkari! – ela o pega no colo – Tire o casaco é muito pesado e vai acabar te afundando – eu e ela tiramos os casacos e pulamos na água gelada.
É difícil até respirar, mas nadamos rapidamente até chegar a terra firme que ao menos não estava tão longe.
Ela joga o corpo no chão com um baque enquanto treme loucamente e eu igual. Olhamos para algumas cabanas e não vemos um caçador sequer.
— N-não é temporada de caça – claro que isso só fica melhor – M-molhados desse jeito n-esse frio não tem como voltarmos.
Makkari se abraça como se isso fosse ajudar com o frio de gelar qualquer um, talvez um humano nessa condição já estivesse em um caso grave de hipotermia. Isso explica porque não há caçador aqui. E o Sol fraco não brilha aqui, está encoberto pela montanha.
Vou em direção ao traficante de escravos que tinha uma enorme mancha em sua cabeça, talvez de onde ele tenha batido no barco e começo a reparar que ele nem ao menos se mexe. Constato que ele não tem pulso, como último recurso entro em sua mente e é como se tivesse vazio. Cubro o corpo com a neve, já que é o único recurso aqui disponível para enterra-lo. Makkari me ajuda e ao percebemos que está completamente coberto, paramos e olhamos para as barracas novamente.
Ela aponta para uma barraca e corre até lá com sua super velocidade. Logo volta e aponta para que eu entre ali, e ela some dentro da barraca grande coberta um pouco com a neve.
Dentro da barraca, que era maior do que eu esperava. A área era forrada com pele o que ajudava um pouco com o frio, e tinha uma área para fazermos uma fogueira. Makkari me entrega um cobertor de pele o que ajuda muito, mas não com as roupas molhadas. E nossas bolsas com algumas roupas agora estão descansando no fundo do lago.
— E-escuta, precisamos tirar as roupas e deixar que sequem – ela nem sequer reclama e eu me viro esperando ela tirar as roupas e se cobrir com um outro enorme cobertor de pele. Escuto ela andando e me viro, suas tranças estão pingando pelo chão.
Ela se vira para me dar privacidade e eu faço tiro as roupas molhadas o mais rápido que posso. Não era o cenário ideal que eu imaginava, na verdade é constrangedor.
Pego as roupas dela e a minha e estendo perto da fogueira que eu vou tentar acender nesse momento, da mesma forma que os ancestrais dos humanos.
Makkari se encolhe na cama forrada com outro tipo de pele animal e parece estar conseguindo diminuir a tremedeira.
Observo subir uma fumaça depois de algumas tentativas falhas, e logo um fogo tímido surge. Makkari bate palma atrás de mim.
— Já está quase virando um humano – assina ainda tremendo um pouco.
— Bem, admito que não esperava essa reviravolta em nosso casamento – me sento em frente a fogueira. Makkari logo vem se sentar ao meu lado.
— O que? Ambos nus tremendo de frio no meio do nada? – ela suspira e espreme um pouco da agua de suas tranças — Se bem que a culpa é minha.
— Eu nem disse nada, esposa.
— Mas vai dizer – olha emburrada para as chamas agora bem maiores.
— Ainda bem que ninguém vai saber sobre isso – balanço a cabeça de um lado para o outro mexendo os cabelos — Pena que os seus presente foram para os peixes
Makkari parece se lembrar disso agora e coloca as mãos no rosto em frustação.
— Relaxa, pelo menos o meu está bem aqui – estendo o pulso e mostro a minha pulseira para ela.
Ela me estende a língua como as crianças humanas emburradas e eu acho graça.
— Daqui algumas horas podemos nos vestir de novo e voltar – assina. Logo um silêncio pouco constrangedor cai sobre nós — Eu não queria matar aquele homem, isso tudo foi culpa minha – ela engole em seco e parece tentar não chorar.
— Ah minha doce Makkari, claro que não foi sua culpa – sem pensar muito, chego mais perto para abraça-la ao meu lado e ela coloca a cabeça em meu ombro — Infelizmente essas coisas acontecem. Lidar com eles é, bem, difícil. Eu iria controla-lo quando percebi quem ele era, mas você já tinha percebido. Ele fez o destino dele.
Ela me olha com os olhos brilhando de lagrimas não derramadas. Pego seu rosto e o aproximo do meu enquanto ficamos assim tão próximos e sentindo a respiração um do outro. Sinto ela se acalmar lentamente.
— Sabe, acho que você está errado – diz movendo apenas os lábios— Seriamos um casal muito bonito.
Minha respiração engata de uma forma que se eu não fosse um eterno acharia que estava tendo dificuldade respiratória.
— Isso quer dizer que você...
— Ai estão vocês! – Uma voz estrondosa surge do nada e nos afastamos assustados – Espera o que vocês estavam...
— Kingo – digo secamente.
— Kingo — ele repete como se fosse óbvio — espera vocês estão... sem roupa?! Não me diga que vocês... Olha eu não quero pensar nisso agora, não quero me traumatizar – ele nos olha horrorizado.
Makkari faz não com a cabeça rapidamente e o pergunta como que nos achou.
— Ah, aquele troço que o Phastos te deu não dá apenas para localizar o Druig sabe, mas todos nós – o que estava nesse momento no fundo do lago — Mas serio coloquem a roupa de vocês não quero ver vocês sem roupa, por favor.
— Estão molhadas – respondo olhando para as roupas ainda úmidas para que ele mesmo possa constatar.
— Ah relaxa, estamos aqui em cima – aponta com o indicador para cima.
— Espere, vieram até aqui? – Makkari me olha rapidamente. Será que descobriram nosso pequeno desvio não programado?
— Sim, então, precisamos de vocês. Achamos deviantes do outro lado do planeta, precisamos ir – suspiramos aliviados até que ele começa a bater palma para nos apressar. — vamos logo com isso, mas esperem eu me virar ai vocês colocam a roupa de vocês. E depois quero saber dessa história direitinho, e quero detalhes mas não detalhes íntimos demais.
A noite, sentando no domo penso sobre o que aconteceu esses dias e tento juntar as peças. Talvez ela sinta o mesmo e tenha medo de arriscar, assim como eu tive todos esses anos.
Alguém bate à porta e meu coração acelera, pensando ser Makkari que vai terminar de dizer o que queria e finalmente pararemos de ficar nessa dança de flerte através de séculos e séculos.
— Oi – Kingo surge e eu murcho internamente – Então, eu fui perguntar para a Makkari sobre hoje e ela falou para eu perguntar para você e aqui estou eu – se senta à minha frente — Pode começar.
Ignoro-o totalmente enquanto levanto e vou andando pelo domo com seus gritos as minhas costas. Sei que ele não desiste fácil e virá atrás de mim.
Hora de procurar Makkari para dizer que se ela quisesse me abraçar mais esse noite eu deixava, contando que continuasse a comprar mais comida para mim. E claro, que eu diria isso na frente de Kingo, para frustrá-lo ainda mais com o nosso silêncio logo depois.