
Conhecendo Chthon
WASHINGTON D.C.
WANDA MAXIMOFF NO MUNDO DE THE BOYS
DIA 37
- Nós poderíamos ser deuses juntos nesse mundo – havia um misto de carência e desespero na voz dele, tornando-o ainda mais desprezível aos olhos de Wanda – você não vê isso?
- Eu conheci criaturas, estas sim, que poderiam ser considerados deuses – Wanda retruca – eles sim podem mudar a realidade, viver muito além que qualquer um. Uma dessas criaturas tirou tudo de mim, a outra me mandou para esse mundo contra a minha vontade. Perto deles você seria um inseto tão insignificante quanto as pessoas lá fora o são para você. Nós somos muito diferentes, todo esse poder que você tem não muda isso. Eu sei agora o que Chthon queria me dizer.
OUTRO PLANO DA EXISTÊNCIA
CHTHON
37 DIAS ANTES NO MUNDO DE THE BOYS
Era uma sensação estranha. Havia aquela escuridão que a envolvia, como um manto sobre seu corpo. Era muito opressivo, mas não algo físico, apenas mental. Toneladas de pedras e escombros deveriam causar algum efeito em seu corpo, mas não havia qualquer peso, pressão, ou dor, que ela sentisse. Aos poucos a visão começou a clarear e foi com um sentimento de grande susto que a mulher conhecida como Feiticeira Escarlate acordou. Sua respiração era irregular, os batimentos em seu coração estavam acelerados. Seu corpo tremia, mas não havia dor e ela não constatou qualquer sinal de ferimento. Wanda Maximoff se viu num grande salão, num local muito parecido com o templo que havia destruído. Foi então que uma voz se fez ouvir.
- Que bom ter acordado, Wanda – ela se virou para o local de onde vinha o som. Havia um homem ali.
Wanda se levantou de vez, o poder já se fazendo presente em suas mãos e olhos. Ela sentiu como se seu coração tivesse dado um salto, pois se viu diante da figura do Visão. Era como se este nunca tivesse sido dela arrancado. No entanto, o primeiro momento de surpresa virou raiva, pois logo percebeu o que estava acontecendo. O impulso de atacar se fez muito presente e uma rajada seguiu em direção a figura diante dela. Foi com surpresa que viu a mesma figura segurando a rajada, até com certa facilidade. A mulher conhecida agora como Feiticeira Escarlate interrompe o ataque, para olhar melhor quem estava diante dela.
- Quem é você? – ela olhava em volta enquanto fazia a pergunta.
- Eu já tive inúmeros nomes ao longo da minha existência, mas creio que você me conhece como Chthon – a resposta dele só fez com que Wanda se preparasse para a luta – não há necessidade disso, Wanda. Eu não te trouxe até mim para lutarmos.
- Como você... o que você fez? Porque me salvou de morrer naquele lugar – a resposta inicial dele foi uma leve risada. Wanda sentiu-se ainda mais tensa ao ouvi-la, pois não havia qualquer sinal de alegria naquele riso.
- Ah Wanda! Minha querida Wanda. Você achou mesmo que ia morrer por conta daquele gesto tolo de auto-sacrifício? – ele manteve o sorriso – é impressionante o quão pouco você sabe, a respeito de seus poderes, do que você realmente é, do que está destinada a se tornar.
- E o que você sabe sobre mim, sobre meus poderes?
- Eu sei disso porque já estive no seu lugar, Wanda – a resposta dele se seguiu a uma ligeira aproximação, resultando nela se colocar de novo em posição de ataque – eu já disse que não há razão para isso, Wanda. Não precisamos ser inimigos, muito ao contrário.
- O que quer dizer com já esteve no meu lugar? – ela se mantinha em posição de ataque, mas não conseguia evitar a curiosidade presente em sua pergunta.
- Eu também já fui como você, Wanda. Tão jovem, ainda incapaz de entender o meu lugar na ordem das coisas, o meu potencial – ele dá as costas para ela, caminha alguns passos, para então se virar outra vez, se colocando a uma boa distância, como se buscasse tranquilizá-la – eu vejo você ainda presa a essas emoções humanas, deixando-se dominar por elas, mal me lembro de já ter sido assim antes, mas eu sei que fui.
- Por que você... essa aparência? – Wanda deu um passo hesitante à frente, como se quisesse olhar melhor para ele, que apenas manteve o sorriso.
- Foi o meu desejo de deixá-la mais a vontade que me fez escolher essa forma que você conhece, Wanda.
- Se essa foi a sua ideia de me deixar à vontade, saiba que foi uma péssima ideia
- Eu posso ver isso agora – ele responde – espero que você seja capaz de perdoar a minha insensibilidade.
- Chega de conversa fiada – a voz dela traindo uma grande irritação – por que você me trouxe aqui?
- Você tem razão, Wanda – ele disse – vamos direto ao assunto. De início, aliás, eu tenho uma pergunta a lhe fazer.
- Que pergunta? – ela notou a mudança nele assim que terminou de falar. O sorriso desapareceu do rosto, mas foi o tom de voz que indicou a ameaça presente no ar.
- O que te fez pensar que você tinha o direito de destruir o meu livro, Wanda?
CIDADE DE RED RIVER
ESTADO DO COLORADO
WANDA MAXIMOFF NO MUNDO DE THE BOYS
DIA 28
O dia de trabalho estava quase no fim e Wanda suspirou com o cansaço que sentia. Ela se lembrou do final de sua adolescência em Sokovia, quando trabalhou num lugar parecido com este em que se encontrava, logo depois que ela e o irmão deixaram o orfanato. A ex-Vingadora suspirou, enquanto fazia um breve alongamento, pronta que estava para uma nova rodada no trabalho. Após uma dificuldade inicial, seu corpo já tinha se ajustado ao esforço físico de ficar em pé ao longo do dia, se movimentando de mesa em mesa, pegando os pedidos e carregando bandejas. Era um esforço necessário para se esconder em plena luz do dia, manter-se incógnita, para seguir com o seu objetivo de sair da situação em que se encontrava.
Wanda sabia que ainda estava sendo vigiada. Depois de todas essas semanas, ainda havia a desconfiança sobre ela, mesmo tendo aceitado o acordo com aquela facção do governo. Pelas informações que recebeu, o tal Capitão Pátria insistia em tentar encontrá-la, enquanto seguia com seus planos de dar um golpe de Estado e assumir o poder. Ela sabia o que esperavam dela, que se opusesse aos planos de dominação daquele psicopata, que ajudasse a impedi-lo. Nada a deixava mais desanimada do que se envolver nisso, exceto, é claro, a frustração dela em não conseguir encontrar uma forma de voltar para o seu mundo de vez.
Tudo o que Wanda queria era poder se dedicar mais a buscar um jeito de voltar para casa, mas ela precisava ter cuidado. Já estava presa naquele mundo a quase um mês. Seus esforços para encontrar a melhor forma de voltar para mundo que ainda considerava como seu lar sendo infrutíferos até pouco tempo. Havia uma possibilidade agora, mas ela não podia se dedicar o tanto que queria por conta da vigilância sobre tudo o que fazia. Wanda suspirou resignada. Bobagem perder tempo com lamentações. Olhou em volta, aliviada por esse ser um momento de pouca movimentação no lugar, o que lhe permitiu ver o noticiário na TV.
As semelhanças de seu mundo com este onde fora lançada eram enormes, mas o que ela viu na TV mostrou um grande diferencial. Era uma reportagem sobre os super-heróis locais. Estes eram muito diferentes, não lembrando qualquer um dos que conhecera em seu mundo. Pareciam mais celebridades do que heróis. Ao longo dessas semanas, ela também acompanhou um pouco do que esses heróis faziam pelo país todo, pois estes eram as principais fontes de notícias em todos os veículos. Wanda conseguia ver por trás das manchetes apologistas, das reportagens fantasiosas. Era evidente para ela o quanto esses heróis, em sua grande maioria, não tinham qualquer preocupação com a segurança das pessoas em volta. Alguns pareciam mesmo agir como vilões de fato, sendo que o Capitão Pátria era o pior deles.
Esse, aliás, era outro ponto. A aparente ausência de supervilões, tirando as figuras em armaduras de quando chegou nesse mundo, era algo que também despertava grandes suspeitas em Wanda; isso e a influência dessa empresa chamada Vougth. O próprio governo local parecia dividido em facções, cada uma com sua agenda particular. Uma dessas facções tem ajudado Wanda a se manter escondida, mas ela não tem ilusões sobre isso, bem como o interesse por trás dessa ajuda. Sua chegada a esse mundo resultou em grandes conflitos, e ela está feliz por ter conseguido se manter no anonimato desde então. Embora preferisse se manter isolada, era ainda melhor do que estar sobre o radar do Capitão Pátria e da Vought. Tudo o que ela queria é ter paz para se concentrar no esforço de voltar para o seu mundo.
O seu desejo de voltar de onde veio, no entanto, esbarrou numa barreira difícil, que era a aparente ausência de magia nesse mundo. Essa foi uma descoberta que a deixou chocada, juntamente com outras descobertas que fez. O Stephen Strange desse mundo, após perder a condição de exercer a medicina por conta de um acidente, se tornou um alcóolatra em processo de auto-destruição. Tony Stark morreu ainda na infância, num misterioso acidente com os pais, com as Indústrias Stark incorporadas pela Vought. Essa corporação, aliás, tem sido uma grande influência ao longo de décadas, por isso, em vez do soro do super soldado, tivemos o Composto-V, ou seja, sem Capitão América nesse mundo também. Não há qualquer sinal de que tenha existido uma Shield ou mesmo Hidra. O mais chocante, no entanto, foi descobrir que sua contraparte nesse mundo morreu junto com os pais e irmão na guerra civil de Sokovia. A bomba agora era da Vought e não das Indústrias Stark, e explodiu de fato.
Todas as tentativas dela de estabelecer contato com alguma fonte mágica se mostraram inúteis. Wanda podia sentir isso em seus poderes, como estes reagiam a esse mundo sem magia. Ela ainda era muito poderosa, mas era possível perceber como a ausência de magia afetava suas capacidades. Esses pensamentos foram deixados de lado pela ex-Vingadora, que se voltou para o que era mostrado na TV. O que ela viu foram ondas de protestos e conflitos pelo país, crises internacionais cada vez mais intensas, ameaças de guerras cada vez mais próximas. Wanda sentiu a raiva ganhar força dentro de si, ao ver a figura do Capitão Pátria na tela da TV. O discurso dele cada vez mais ganhando um contorno extremista.
Como se tudo isso não bastasse, uma grande polêmica se estabeleceu com o que pareceu uma cisão entre os tais Sete. Pelo menos duas facções, cada vez mais radicalizadas, se formaram, tendo de um lado o Capitão Pátria, e do outro a heroína chamada Starlight. Essa cisão aconteceu poucos meses antes de Wanda chegar nesse mundo. A chegada dela, no entanto, fez com que tudo isso ganhasse contornos cada vez mais violentos nas últimas semanas. A ex-Vingadora podia perceber que havia algo muito mais sério por trás disso. Ela sabia que estava no meio de uma luta encarniçada por poder. No meio dessa luta, queriam usá-la contra o Capitão Pátria. No último mês tentaram convencê-la disso. Se envolver nessa guerra era a última coisa que queria, mas ela sabia que dificilmente conseguiria evitar tal situação, não antes que encontrasse uma forma de escapar desse mundo.
Todos esses pensamentos foram descartados de vez quando Maria se colocou ao lado dela, sempre exibindo o seu jeito despachado e alegre. Ela era uma filha de imigrantes mexicanos, uma estadunidense de primeira geração que ainda parecia conservar muito dos hábitos e costumes do país de origem de seus pais. Wanda não saberia dizer ao certo se o jeito despachado e falante dela eram parte desses hábitos e costumes, ou se era apenas uma característica pessoal de Maria. Quem sabe não seria parte do disfarce? Wanda sabia que a função dela era vigiá-la. Ainda assim, não foi impedimento para que algo muito próximo de uma verdadeira amizade surgisse entre ambas. Maria foi de grande ajuda para que a ex-Vingadora se adaptasse a essa nova realidade. Como se não bastasse, frequentemente era capaz de arrancar dela, uma risada genuína. Era algo que a jovem nascida na Sokovia experimentou muito pouco em sua vida. Em verdade, Wanda não lembrava de ter tido uma amiga de verdade desde a sua adolescência, no país onde nasceu.
A ex-Vingadora deixou esse pensamento de lado. Era um sentimento que ela vivera muito pouco, e frequentemente não sabia bem como retribuir. A situação das duas já era bem complicada para se pensar demais sobre. Maria parecia ver essa dificuldade em se relacionar como parte da situação em que ambas se encontravam, além de timidez e falta de traquejo social por parte de Wanda; em parte era mesmo. No entanto, a ex-Vingadora sabia também que era algo mais. Era também a sensação cada vez mais forte de um certo não pertencimento, uma distância que via alargar-se cada vez mais, dela com o restante da humanidade.
Esse sentimento tornou-se ainda mais forte à medida em que mergulhava na descoberta de seus poderes. Uma parte de si gostaria de se convencer que fora o resultado da corrupção do Darkhold, mas era uma perda de tempo. Em seu íntimo, Wanda sabia que aquele livro maldito apenas amplificara o que já estava dentro dela desde sempre. Um distanciamento que apenas seus pais, seu irmão e o Visão, tinham sido capazes de superar até então. Uma parte dela lamentava isso, mas Wanda também sabia que esse distanciamento era usado também como um escudo, uma forma de protegê-la da dor da perda, algo sempre presente em sua vida.
Depois de tudo que vivera, do desastre que foi o contato com os filhos que tanto quis ter para si, mas principalmente, depois de viver semanas nesse mundo, tão igual e ao mesmo tempo tão diferente do seu, Wanda passou a refletir sobre tudo isso. É verdade que ela teve também outras “distrações”. Nas últimas semanas, por exemplo, Maria conseguiu alegrá-la constantemente com seu modo otimista de ver a vida, mesmo sem deixar de entender a situação complicada em que ambas se encontravam. Era por conta disso que ouvia sem reclamar, o tagarelar agradável de sua colega, naquele momento de breve ócio no trabalho de ambas. Wanda apenas ouvia, enquanto comparava o contraste físico entre elas. A jovem filha de imigrantes tinha traços latinos bem definidos, ressaltados principalmente por seus olhos castanhos, além da cascata de cabelos negros deslisando até a metade de suas costas.
- Será que o seu paquera vem hoje, Wanda? – o sorriso contagiante de Maria ao fazer essa pergunta era ainda mais ressaltado pelo tom de leve provocação em sua voz.
- Não sei do que você está falando, Maria – Wanda desviou o olhar dela, incapaz de esconder um leve constrangimento. Uma suave batida de ombros antecedeu a resposta da outra mulher.
- Estou falando daquele Deus de ébano que fica ainda mais lindo num jaleco branco. Mais precisamente... – ela passa a sussurrar nos ouvidos de Wanda – aquele médico bonitão que acabou de entrar, fazendo questão de se sentar numa das mesas que você costuma servir – Wanda olhou na direção indicada, um pouco mais rápido do que gostaria de admitir – talvez seja hora de parar com o flerte, e vocês dois irem logo para o próximo nível, o que acha?
- Cala a boca, Maria – Wanda disse isso reprimindo um leve sorriso que surgia em sua boca, ao mesmo tempo em que caminhou em direção ao cliente, evitando o impulso de arrumar o cabelo e o uniforme.
Ela sabia que Maria devia estar rindo bastante da situação às suas costas, enquanto caminhava até a mesa onde estava o homem que ela conhecia como Tyler Johnson. O primeiro encontro deles se deu poucos dias depois dela ter sido alocada nessa cidade, como parte do programa de proteção da facção governamental que a mantinha sob vigilância. Ela e Maria ganharam novos documentos. O fato de não ter registros de sua presença nesse mundo facilitou que usasse o seu primeiro nome. Ambas ganharam um lugar para morar e um modesto emprego, como forma de manter Wanda incógnita. A ex-Vingadora ainda estava se acostumando a essa nova rotina quando ele apareceu, junto com um grupo de outros residentes. Ainda se lembrava daquele dia, e das pessoas que estavam junto com Tyler. Era um típico grupo de colegas médicos, tentando relaxar um pouco, após um provavelmente duro plantão, no hospital que funcionava no final da esquina.
Naquela primeira vez ela fora assediada por um dos residentes, nada que não pudesse lidar sozinha, mas a firme voz de comando do homem sentado diante dela foi o suficiente para fazer o sujeito recuar. Depois disso não houve mais incidentes, o serviço ocorreu com normalidade, o pagamento foi feito e todos foram embora. Wanda e seu “cavaleiro da armadura” apenas trocaram um breve olhar naquela noite, nada fora dito, mas ele passou a vir regularmente desde então. A diferença é que agora, Tyler vinha sempre sozinho, tornando-se praticamente um cliente fixo da ex-Vingadora.
Olhando para aquele homem, Wanda não podia deixar de considerar que tinha um tipo. Ele é alto, mas seus modos são suaves, sua voz soava tranquila, quase melodiosa. Ao mesmo tempo, havia autoridade nela. Era inevitável não comparar o homem diante dela com Visão, embora ambos fossem bem diferentes em alguns aspectos, a começar pelo tom bem escuro da pele de Tyler Johnson. As palavras de Maria ainda reverberavam em sua mente quando ela terminou de servi-lo. O interesse dele mais do que evidente. No entanto, Wanda sabia muito bem que não haveria futuro para os dois juntos. As palavras de Chthon ainda muito frescas em sua mente.
OUTRO PLANO DA EXISTÊNCIA
CHTHON
28 DIAS ANTES NO MUNDO DE THE BOYS
Wanda sentiu a ameaça na voz dele, ainda que esta tivesse um tom normal, quase como se tivesse feito uma indagação inofensiva. Apesar de manter a aparência do Visão, ela já percebia que era apenas o visual, pois o tom de voz e a postura em nada lembrava o homem que ela amou um dia. Se o objetivo dele em emular a figura do Visão era fazê-la baixar a guarda, aconteceu justamente o contrário. Aquela que todos conheciam agora como Feiticeira Escarlate estava mais armada do que nunca. Era possível sentir o seu poder querendo vir à tona, mas com ela procurando se conter, até entender melhor a situação em que se encontrava.
- Eu estou esperando a sua resposta, Wanda – Chthon se mantinha a uma boa distância dela, sem fazer qualquer gesto brusco, um tom de voz tranquilo. Com tudo isso, a sensação de ameaça permanecia no ar.
- Eu fiz o que era o certo a fazer – ela responde.
- Ah Wanda! Todo esse potencial e você ainda se deixa levar por essas tolas paixões humanas – ele voltou a sorrir, mas era o mesmo sorriso sem qualquer traço de alegria de antes – espero que não demore muito para você aceitar que está muito acima disso.
- Pare de falar comigo como se me conhecesse melhor do que eu mesma – o tom de voz dela subiu um pouco, embora ainda não estivesse gritando. O fato é que o ar condescendente dele a estava realmente irritando.
- Não é que eu conheça você, Wanda – ele responde – eu já disse, apenas vivi toda a jornada que está no seu futuro, aquilo a que você está destinada a se tornar.
- Do que você está falando?
- Estou falando do seu caminho para a divindade, Wanda – não havia mais o sorriso em seu rosto enquanto respondia.
Wanda olha para a figura diante dela e não sabe bem o que fazer. Se este for mesmo o Chthon de que as lendas falam, aquele sobre quem leu no Darkhold, então ela deve estar na dimensão para qual este fora exilado. Seu desejo é voltar de onde veio, embora não saiba bem o que faria em seu mundo novamente. Por conta disso, seus pensamentos se voltam para tudo o que fizera, as mortes que causou. São sentimentos mistos. Ela lamenta, não exatamente pelos que morreram, mas pela inutilidade de suas ações no final das contas. Pensar em tudo isso provoca um desalento em Wanda. Sua postura vai aos poucos relaxando, o modo de ataque vai se desfazendo. Não é por confiar na criatura à sua frente, mas por um grande cansaço que toma conta dela.
- Não teve nada de divino no que eu fiz – ela responde, a voz traindo o desânimo que sente.
- Você diz isso porque ainda está presa às noções de moralidade humana, Wanda – o ser que emula a figura do Visão responde a ela, enquanto tenta uma lenta aproximação – seres como eu, como os que você está destinada a se tornar um dia, podem ser misericordiosos ou cruéis na mesma medida.
- O que você quer dizer com isso? – ela percebe a lenta aproximação dele, mas dessa vez não demonstra qualquer reação.
- Eu quero dizer é que existem deuses que são normalmente cruéis e deuses que são normalmente benevolentes – ele continua se aproximando dela – mas não se iluda minha cara, mesmo os deuses normalmente benevolentes também são capazes de grandes crueldades. Por outro lado, os deuses normalmente cruéis raramente cedem à benevolência. Com o tempo, de fato, a maioria se torna apenas indiferente. Os humanos, e demais seres no universo, é que têm essa crença infantil em figuras malignas como o diabo. Essas tolas criaturas se iludem com a suposta benevolência de um deus que os protegeria, mas eles estão errados, Wanda. Seja na Terra ou em outra parte do universo, estão todos errados – ele continua se aproximando enquanto fala.
- E de qual grupo de deuses você faria parte?
- O grupo dos cruéis, com certeza – ele volta a sorrir, enquanto faz um gesto, como se quisesse abarcar todo o ambiente em que estavam – porque você acha que fui exilado para essa dimensão isolada – ele dá um leve suspiro – estou aqui a tanto tempo, nem sou mais capaz de dizer quanto. Preso nessa dimensão, quase sem poder intervir no seu mundo, o mundo que já foi meu.
- O que você quer realmente de mim? Não deve ser só por causa do seu estúpido livro que eu destruí.
- Você tem razão, Wanda. Há algo muito mais importante do que um livro que eu poderia recriar facilmente – ele responde.
- E o que seria?
- O que mais poderia ser, Wanda – ele responde – a minha libertação desse exílio, é claro. Retornar para o mundo que já me pertenceu. E você é a chave para isso.