Bem vindo à Banda Aranha

Spider-Man: Spider-Verse (Sony Animated Movies)
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Bem vindo à Banda Aranha
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O multiverso foi defendido, Miles Morales salvou seu pai e o Mancha foi preso. Ponto final. Agora é tempo de desacelerar e curtir os novos amigos que fez entre as dimensões. Parte de sua diversão agora é tocar na banda de Hobie Brown junto com Gwen Stacy. Mas, quando tudo parecia tranquilo, um novo integrante (e um velho inimigo) ameaça tirar Miles Morales do sério.

Difícil dizer ser era dia ou noite com o céu nublado. As luzes da cidade refletiam cores frias e quentes nas nuvens, como um caleidoscópio.

Dois viajantes chegaram naquele beco espremido entre os prédios. Bem diante deles, do outro lado da rua, estava o apartamento do seu amigo.

Logo na entrada, as paredes estavam cheias de cartazes antigos e pichações. Podia-se ler coisas como ACAB e God Smash the Queen.

A escada era bem estreita e os dois viajantes precisavam andar com cuidado, pois os degraus estavam cheios de cacos de vidro.

Assim que começaram a subir já ouviram os toques da guitarra, mas tinha algo mais. Era como se alguém estivesse tocando outro instrumento. A música parecia completamente dissonante: enquanto a guitarra soltava acordes eletrizantes, ouvia-se ao fundo um teclado soturno repetir as mesmas notas sem parar.

Ela tomou a dianteira, uma vez que já tinha visitado o lugar mais vezes. Ele veio logo atrás, imaginando que talvez seu amigo estivesse acabado de sair de uma briga.

Finalmente chegaram ao terceiro andar. Bateram na porta do primeiro quarto, mas era impossível que alguém ali dentro ouvisse com o volume do som da guitarra.

Por sorte a porta estava apenas encostada.

Incrivelmente o apartamento era bem coerente com a aparência do prédio: as paredes estavam cheias de sinais de infiltração e a tinta estava descascando.

Tal como a Tardis, o apartamento parecia maior por dentro do que por fora. O motivo era bem simples: não havia móveis. Nada de estante, guarda-roupa ou mesa. Pallets e caixas de papelão faziam as vezes de gavetas e prateleiras. Era como um imenso galpão e no centro dele, os amplificadores e os instrumentos. Felizmente, uma alma bondosa trouxe puffs e cadeiras para os visitantes.

Pois bem, quem estava acariciando as cordas da guitarra com tanta violência era um rapaz magro e alto, usando coturnos e uma pulseira com spikes. Ele não tinha notado ainda presença dos amigos, tão concentrado que estava naquela canção. Além disso, quando toca, Hobie Browm costuma fechar os olhos e se perder na música. Segundo ele, é uma das melhores sensações da vida.

Ela, Gwen Stacy, tentou acenar para o amigo, mas logo parou, como se tivesse se surpreendido com algo.

Ele, Miles Morales, não podia ver ainda do que se tratava, uma vez que estava passando pela porta naquele exato instante.

-Ei, Hobie! Fala aí! O que você man...?

Ao lado de Hobie Brown havia um teclado. No controle do instrumento estava um homem de braços compridos, pernas longas, corpo atarracado e cheio de manchas. Gwen e Miles reconheceram o insólito criminoso que em outros tempos foi uma ameaça ao equilíbrio do multiverso. Ele, mesmo sem possuir olhos, tinha visto os visitantes e imediatamente parou de tocar.

Sentindo que a música ficara repentinamente descompensada, Hobie abriu os olhos.

-Gwen! Fala, Miles, meu garoto!

Hobie largou a guitarra e correu para cima deles com os braços abertos. Gwen não fez muito caso, mas Miles quase recusou o abraço. Ele estava visivelmente irritado.

-O que ele tá fazendo aqui?

Mancha, encolhendo os ombros e apertando as mãos contra o corpo, deixou escapar o desabafo carregado de vergonha:

-Viu? Eu te disse que era uma má ideia!

Porém, Hobie segurou bem o jovem colega antes que ele fizesse qualquer coisa. Olhando bem no fundo dos seus olhos, ele esclareceu:

-Calma, calma, parça! Eu trouxe o carinha pra cá.

Morales explodiu! Ele deu um pulo para trás e ficou andando em círculos enquanto abanava os braços para cima e para baixo.

-Você o quê? Mas ele quase matou meu pai!

Gwen, parada no seu canto, mas ainda encarando o vilão, completou:

-Além de ter ameaçado o multiverso.

Mancha saiu de trás do teclado e caminhou envergonhadamente na direção do grupinho  justificando-se da seguinte maneira:

-Ok, eu entendo que à primeira vista parecia que eu estava planejando algo perverso, mas não acha que está exagerando? Eu só queria impressionar o Homem Aranha.

-E matar o meu pai!

Miles avançou na direção do bandido com os punhos cerrados, mas tanto Gwen quanto Hobie o seguraram. Não era sua intenção realmente acertá-lo, apenas queria assustá-lo.

A cena surtiu o efeito esperado: Mancha recuou imediatamente, mas não sem antes replicar:

-Eu já disse que não queria matar ninguém!

-Claro, você só ia destruir a cidade, mas ninguém iria morrer!

-Tá, eu não pensei muito no começo, foi mal, mas eu já me arrependi. É sério!

Mancha chacoalhava os braços desesperadamente. Como Miles continuava bem agitado, o bandido achou por bem se esconder... atrás do teclado. A cena era patética: aquele sujeito preto e branco encolhido atrás de um equipamento que mal tapava a sua cabeça. Morales quase riu do absurdo, mas então se lembrou que já tinha subestimado o Mancha antes e as coisas saíram do controle.

-Aham! Sei! – Miles livrou-se dos braços de Hobie e Gwen com agilidade, mas rumou em direção à porta – Não foi o que me pareceu quando te derrotamos.

Hobie tomou a frente enquanto Gwen ficava de olho no supervilão (ela mesma não estava muito certa da idoneidade do sujeito).

-Miles, Miles, escuta seu mano aqui: o sujeito tava perdidaço, mas eu tive uns papos com ele e a gente está se entendendo. Ele não é má pessoa.

Brown era um cara tão legal, tão carismático, que Morales não duvida que com uma boa conversa ele conseguiria convencer qualquer um. Pena que ele só utiliza esse “super-poder” quando está disposto, o que não acontece sempre. O jovem Homem Aranha não conseguia ficar zangado com o amigo. Hobie percebeu que a carranca de Miles foi se desfazendo, mas um pensamento atravessou à mente do rapaz no instante em que os ânimos se acalmaram:

-Mas porque ele tá solto?

Sim, até onde Miles lembra Mancha tinha sido levado pela Sociedade Aranha para ser enviado de volta para seu universo após seus poderes serem analisados. O próprio Miguel O’Hara se encarregou do caso, após se desculpar com o garoto por ter sido duro demais (não que Miles tivesse o perdoado, mas pelo menos já foi algo vindo daquele cara).

-Porque se ele continuasse preso, com certeza ele se tornaria uma pessoa má, cara.

Hobie sempre foi muito claro sobre o que achava da abolição penal, mas dentro da Sociedade Aranha com certeza ele é um voto vencido. Levando em consideração a influência e o respeito que todos tem por O’Hara é de se esperar que ninguém tenha o ajudado a tirar o Mancha de lá.

Gwen juntou-se á roda de conversa novamente com o que parecia ser o melhor palpita sobre por que raios um supervilão de alta periculosidade estava tocando teclado:

-Então isso é um tipo de reabilitação artística.

-Por aí, Gwen – Hobie tinha outro “super-poder” muito efetivo: nunca ser suficientemente claro em suas respostas.

Finalmente saindo de trás do seu escudo improvisado, o Mancha interveio quase como se fosse uma criança ansiosa para ser perdoada pelos pais:

-Eu já até me sinto melhor, na verdade!

Miles e Gwen fizeram a próxima pergunta em uníssono para Brown:

-Miguel concordou com isso?

-Você concorda com tudo que o sistema te impõe?

Morales e Stacy se entreolharam e chegaram à mesma conclusão:

-Ele não sabe.

Hobie ainda completou:

-É, ele não sabe – Dito isso, Brown virou-se para pegar Mancha pelo ombro e trazer mais perto da roda de conversa - Além do mais, o carinha aqui é demais no teclado. Mostra pra eles, mano!

Por puro ressentimento, Miles começou a fazer pouco caso das capacidades do seu desafeto:

-Tá, ele sabe tocar a música tema do Exorcista.

Curiosamente, Mancha se incomodou mais com o insulto à música do que com as ameaças de agressão física:

-Tubular Bells! A música tem título, viu!

-Mas a melhor parte é o improviso. Bora lá, Mancha!

Mancha pulou para trás do teclado e começou a tocar o que parecia ser a música da cantina de Star Wars. A melodia estava bem agradável e divertida e assim permaneceria não fosse Brown ter começado a arranhar a sua guitarra.

-Tá, Miles, você tem que admitir que ele manja um pouco de música – Gwen sussurrou.

Inesperadamente, o tecladista respondeu ao cochicho da jovem:

-Música é minha maior paixão (depois da física quântica).

Brown terminou a palhinha batendo a guitarra contra o chão, algo que assustou até mesmo o Mancha. Miles e Gwen se aproximaram, ainda um tanto ressabiados, mas bem menos confusos do que antes.

-Ele vai tocar com a gente na banda?

-Se o Miles concordar... – Assim que Hobie respondeu, todos, incluindo Mancha, olharam para Morales.

-Pra quê eu tenho que concordar? A banda é sua e você já decidiu!

-A Banda Aranha é nossa, mano. Aqui não tem chefe, somos uma banda sob autogestão. Sem mecanismos de exploração como interesse comercial. Não ouvimos as gravadoras. Nós simplesmente gravamos as músicas, fazemos os shows, se todos estão de acordo.

Morales franziu o cenho, colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco e ficou meneando a cabeça enquanto repetia em tom sarcástico:

-Tá legal, beleza...

-Então, tá de acordo com a inclusão do carinha, Miles?

-Ele já entrou. Sou voto vencido.

-Nada disso, parça, as decisões têm de ser unânimes.

-Você sabe minha resposta!

Miles não conhecia suficientemente Hobie, por isso pensou que ele seria pressionado até que concordasse com a decisão do vocalista da banda, mas o que aconteceu o seguinte foi bem distinto do que imaginava. Brown colocou a mão sobre o ombro de um Mancha cabisbaixo e esclareceu:

-Foi mal, carinha, mas não vai ser dessa vez. Mas vamos continuar tocando juntos fora dos shows.

Quem sentiu-se mal pela exclusão do sujeito foi justamente Gwen Stacy, que logo começou a argumentar com o amigo se havia algum modo de remediar a situação:

-Eu sei que você ainda tá zangado com ele, mas nós o impedimos antes que fizesse uma bobagem. Ele não é um monstro irredimível, sabe? Talvez essa seja uma oportunidade dele se reabilitar.

-Tá, eu sei... é só que... Ah! Eu fiquei tanto tempo sonhando em fazer parte de um grupo como o nosso, cheio de gente igual a mim, que passa pelos mesmos problemas, e do nada o Mancha, que nuca foi picado por nenhuma aranha radioativa ou sei lá, aparece por aqui também!

-Então, você tá zangado porque ele não é como nós.

-Sim, eu tô!

A cada resposta, Miles ficava mais irritado, mas não era com a amiga, mas sim consigo mesmo. Quando ele externava o que estava sentindo desse jeito a situação parecia bem boba.

-Com esse papo de “só podemos aceitar homem aranha raiz” você tá me lembrando alguém.

-Ah, Gwen, nem vem com essa! – Morales torceu o nariz, mas depois assumiu um tom resignado - Não, mas você tá certa. Acho que é só inveja mesmo.

-Miles, você já é um de nós. Todo mundo te adora. O Hobie te adora.

-Eu sei, eu sei... – Após respirar fundo, Miles abriu leve sorriso e agradeceu - Valeu, Gwen. Hobie, eu queria mudar o meu voto. Eu acho que o Mancha pode fazer parte da banda sim. Eu só estava meio irritado antes, mas agora estou com a cabeça no lugar.

-Ah, Miles, meu garoto! É isso aí!

Morales estendeu a mão:

-Bem vindo à Banda Aranha, Mancha!

O ex-criminoso o cumprimentou, eufórico, enquanto repetia:

-Ah, muito obrigado, Miles! Muito obrigado mesmo! E pode me chamar de Jon.

-Tá certo... Jon.

 

**

Os ensaios seguiram relativamente tranquilos – o maior problema era sempre a quantidade de instrumentos que Hobie quebrava no calor do momento – e logo chegou o dia do batismo de fogo: a banda se apresentaria num show!

O local ficava numa espécie de conjunto habitacional abandonado, onde uma escadaria muito usada por skatistas levava a um playground em ruínas. O palco foi montado bem ali, próximo do escorrega e de um balanço.

Miles foi o primeiro a chegar e Hobie o último, sempre bem despreocupado. Devido ao prestígio de Brown, a banda seria a primeira a se apresentar, mas ele ofereceu a um grupo desconhecido a chance de abrir o show.

Finalmente, depois de duas apresentações, chegou a hora. Miles não era exatamente um fã de música punk, mas Hobie deixava tudo tão cativante. No final das contas não era sobre decorar letras e acordes, mas sobre se divertir enquanto solta seu grito gutural de liberdade (palavras do próprio vocalista).

Morales pensou que Mancha pudesse aprontar algo no último minuto, por isso não desgrudou o olho dele nas três primeiras canções. Na quarta música, Hobie o cercou com um abraço e começou a cantar ao seu lado. Foi o bastante para ele se deixar levar pela canção. Depois disso, ele só se concentrou no seu solo.

Foi quase uma hora de apresentação e embora o clima estivesse ameno, todos saíram suando em bicas – com a exceção do Mancha, que parece que não sua mais. Já fora do palco, Hobie chamou todos e anunciou:

-Vamos tirar uma foto, galera!

A Banda Aranha se uniu. Cada um fez uma careta, seguindo a orientação de Brown. A foto foi tirada numa velha máquina fotográfica bem ao estilo lambe-lambe. Em questão de minutos, eles estavam em mãos com um registro daquela noite muito louca.

Em dado momento, Hobie sumiu na multidão de fãs alucinados pela música. Gwen e Miles ficaram juntos com Mancha. Este sempre tentou conversar com Miles durante todo o tempo em que ensaiaram, mas o menino sempre dava um jeito de sair de perto. Quando Gwen foi buscar alguns copos, de repente ele viu a chance de puxar assunto com o rapaz:

-Uau! Eu tô muito nervoso. Sabe, eu nunca fui a um show punk. Na verdade, eu nunca fui a um show de música. Não que eu não gostasse de nenhuma banda, mas eu nunca tive muito tempo. Bem, eu tinha, mas ficava em casa pensando no trabalho, nas equações, enfim, acho que estou falando demais.

-Sim, você está.

A resposta seca e dura de Miles foi um balde de água fria.

-Foi mal.

Mas, ao sentir que estava sendo muito amargo, Morales tentou consertar as coisas:

-Ah, não, cara. Desculpa. Eu só...

-Entendi.

Após isso, eles ficaram um minuto sem se falar, ambos presos nesse silêncio constrangedor. Coube a Miles a iniciativa de “quebrar o gelo”:

-Mas, você nunca foi a shows mesmo?

-Nunquinha.

-Nem quando era mais jovem?

-Como assim? Eu ainda sou jovem!

-Eu sempre achei que você tinha, tipo, uns 30 anos.

-E tenho! A terceira idade não começa com 30 anos. Peraí, quantos anos você têm?

-Dezessete.

-E a Gwen?

-Também.

-E o Hobie?

-Dezoito.

-Caramba, pensei que ele tinha vinte e pouco!

-Sim, eu vivo dizendo isso!

-É a pose.

-Ele é muito legal.

-Descolado.

-Ninguém fala “descolado”.

-Não tô por dentro das gírias de hoje...

-Chega nele e diz “você é um comédia!”. Ele vai se sentir o máximo!

-Ok, eu não estou por dentro das expressões, mas sei que essa aí não é bem um elogio.

-Vai por mim.

Era possível? Miles estava sorrindo e se divertindo com o cara que quase estragou o seu universo e que por pouco não matou o seu pai? Mas uma onda de bom senso envolveu os pensamentos de Morales quando ele comparou o que sentiu quando foi negligenciado pela Sociedade Aranha com a forma como o Mancha se sentia em seu mundo.

Antes que fosse mais além, o dito cujo se pronunciou, dessa vez bem sentido:

-Olha, de novo: desculpa por tudo antes. Eu estava muito confuso e zangado.

-Tudo bem, já passou.

-Sério?

-Sim.

Bastou essa confirmação para o ex-cientista voltar ao seu estado eufórico:

-Que bom! Agora podemos ser amigos, tocar juntos, conversar sobre as séries que estamos assistindo...

-Calma, um passo de cada vez!

-Tá certo. Me empolguei. Não acha isso muito irado?

-O quê?

-Eu criei o Homem Aranha e você criou o Mancha. Fomos arquinimigos e agora somos amigos. O círculo se completa!

Morales estava começando a se irritar agora com a forma como esse sujeito parece pensar. Ele odeia pessoas pegajosas e tudo indica que essa “mancha” não sai tão fácil.

-De novo com esse papo esquisito, cara!

Num breve lapso de autoconsciência, Mancha avaliou bem o que estava dizendo:

-É, é meio esquisito mesmo.

Se seguiu uma nova pausa, mas essa bem menos embaraçosa que a primeira. Era quase como um intervalo necessário para que ambos os lados adquirissem fôlego para continuar se entendendo.

-Mas, na real, eu tô gostando mesmo de ver que deixamos a rivalidade de lado.

-Eu também! Ah, e a propósito, pode ficar tranquilo que não vou revelar a sua identidade secreta para ninguém!

-Nós estamos em outra dimensão. Ninguém aqui me conhece.

-Eu sei, mas mesmo assim eu não revelaria. Eu juro!

De novo esse cara está soando como um esquisitão, pensou Miles. “Mas quem sou eu para julgar?” De qualquer maneira, Morales apreciou o ato do colega de banda e agradeceu bem baixinho antes de Gwen chegar com os copos:

-Obrigado.