
─ Você é um ceguinho que não sabe nem por onde anda, deveria ficar em casa! ─ dizia um menino aparentemente mais velho, segurando o outro pela gola da camisa, quando ia bater no outro foi impedido por uma mão.
─ Se encostar nele, eu quebro tua cara! ─ falou um menino ruivo com a voz carregada de raiva, fazendo o outro soltar o menino de óculos, que caiu sentado no chão, e sair correndo assustado, pois sabia que mexer com o ruivo não era boa ideia.
─ Você está bem, Lee?
─ Estou. Obrigado Gaara, de novo me salvando desses valentões.
─ Já disse que não deve deixar eles falarem assim com você ─ falou Gaara ajudando o amigo a se levantar.
Os dois tinham apenas seis anos, mas eram muito amigos e Gaara sempre protegia Lee, já que aquela não era a primeira nem a última vez que ele sofria bullying por causa do seu problema de visão. Os dois eram vizinhos e Gaara foi o primeiro a falar com Lee quando ele se mudou e desde então, vivem juntos. O que nem o moreno nem o Sabaku sabia era que o problema da visão que Rock tinha, poderia o deixar cego num futuro próximo.
Quando os garotos tinham sete anos, o moreno recebeu a notícia que teria que se mudar, devido ao trabalho do seu pai. Os amigos passaram os últimos dias mais juntos ainda e na última noite do moreno na cidade, ele dormiu na casa do ruivo, abraçado ao seu amigo. Uma cena que partiu o coração dos pais dos meninos por terem que separar amigos tão unidos.
Eles ficaram separados por quase dez anos e muita coisa aconteceu nesse tempo. Lee perdeu seus pais e foi morar com seu padrinho, Maito Gai, que vivia na mesma cidade onde ele morou quando criança. Enquanto Gaara acabou se fechando, pensando que se fizesse amigos, todos partiriam assim como Lee e não queria sofrer por perder outro amigo, se tornou um garoto frio que não demonstra sentimentos, além de ficar um pouco agressivo com quem não conhecia e até com os mais próximos..
Gaara se levantou para ir mais um dia para a escola, para seu alívio aquele era o último ano. Último ano para aguentar os colegas idiotas, as brigas sem sentido, os amigos chatos que aturava apenas por obrigação e por insistência dos pais, para não ficar sozinho. Aquele dia a escola estava em fervoroso, mais que o normal, o motivo, pelo que ouviu pelos corredores, era a chegada de um novo aluno. Se fosse só pelo fato de ser um novo aluno, normalmente ele não daria bola, o motivo das risadas e falas nada amigáveis que escutou, era o fato do garoto ser cego.
─ Um bando de idiotas que não tem mais o que fazer. ─ falou Gaara para si mesmo.
O ruivo apenas bufou pelos comentários e sem perceber seu pensamento voltou a Rock Lee, o único amigo verdadeiro e sincero que teve em toda a sua vida, mesmo sendo crianças quando se separaram, ainda sentia falta dele. Estava distraído quando trombou com outra pessoa, caindo no chão, o que o deixou furioso.
─ Não olha por onde anda, seu idiota? ─ falou irritado.
─ Me desculpe… e sim, eu não vejo para onde vou. ─ falou o garoto com um sorriso tímido.
Gaara levantou com raiva, pronto para xingar quem quer que fosse, mas quando viu quem era, melhor, quando reparou na pessoa, as palavras simplesmente sumiram. O cabelo preto e liso com o mesmo corte tigelinha, as sobrancelhas grossas, o sorriso aberto, só não pode olhar os olhos por causa dos óculos escuros que o garoto usava. Levou um minuto para o ruivo reencontrar sua voz e mesmo sem ter muita certeza, resolveu perguntar.
─ Rock Lee?
A feição do rapaz mudou para surpresa, pois recém havia chegado na escola, não tinha feito amigos e nem falado com ninguém, já que havia vindo morar com seu padrinho a poucas semanas.
─ Como sabe meu nome? ─ perguntou.
─ Não sabe quem eu sou? ─ retrucou Gaara um pouco chateado por não ter sido reconhecido.
─ Me desculpe, mas eu perdi minha visão a alguns anos, então, não posso te dizer se sei ou não quem você é.
─ Eu… eu sou o Gaara, seu vizinho e melhor amigo.
Lee ficou estático, não podia ser. Tudo bem que ele havia voltado para a cidade que morou quando era criança, e claro que se lembrava do seu melhor amigo Gaara, seu vizinho, aquele que sempre o defendia dos valentões, aquele que prometeu que sempre estaria ao seu lado. Lee levantou a mão, a fim de tentar localizar Gaara, que se aproximou um pouco para que Lee o achasse.
─ Ruivinho? ─ chamou pelo apelido que Gaara odiava quando criança.
─ Sim, sou eu Lee.
Lee não aguentou mais e puxou Gaara para um abraço um pouco desajeitado, deixando todos os outros alunos chocados, pois a última pessoa que imaginavam abraçando alguém, estava abraçado ao aluno novato e estava chorando? Aquele era o fim dos tempos, pensavam os outros alunos que observavam a cena completamente chocados.
Ficaram abraçados até ouvirem o sinal tocar e indicar que precisavam ir para suas salas, e para felicidade dos dois, Lee estava na mesma sala que Gaara. O ruivo o guiou até a sala, fazendo que os demais alunos abrissem um corredor conforme eles passavam. Na sala de aula, o ruivo fez Lee se sentar ao seu lado e conforme os demais colegas de sala entravam, os olhares automaticamente caiam sobre os dois e os cochichos aumentavam.
Gaara apresentou Lee aos “amigos”, que gostaram dele, do seu jeito animado e não se deixava abater por suas limitações, sempre buscava soluções para isso. Logo Rock já estava enturmado, o que deixou o ruivo um pouco incomodado com aquela aproximação com os outros colegas.
No fim das aulas, o Sabaku perguntou ao moreno onde ele estava morando e se alguém o viria buscar. Lee disse que ninguém o viria buscar, já que precisava aprender o caminho para a escola, apenas falou o nome da rua para que o Gaara pudesse lhe indicar a direção que deveria ir. Era independente e sabia se virar e não gostava de dar trabalho a ninguém. A última coisa que queria era ser um peso na vida de alguém.
─ O destino realmente quer nos unir novamente. ─ falou Gaara deixando Lee confuso.
─ Como assim, ruivinho? ─ perguntou Lee curioso, e Gaara revirou os olhos.
─ Só não te bato por causa desse apelido, porque acabei de te reencontrar. O que quis dizer é que você é meu vizinho, de novo. Poderemos vir juntos para escola, se você não se importar.
─ Não acredito que seremos vizinhos de novo. Sua mãe ainda faz aquele bolo de chocolate com morango? Saudade dele.
─ Acho que tem mais saudade do bolo e da minha mãe do que de mim. ─ falou em um tom de falsa decepção, que não passou despercebido por Lee.
─ Ah ruivinho, nada se compara a saudade que senti de você. Eu nunca reclamei por ter perdido minha visão, mas agora, eu daria tudo apenas para poder te ver, mesmo que fosse por um minuto.
A fala do moreno deixou Gaara corado e agradeceu por Lee não poder ver , mas era capaz dele ter percebido apenas pela sua respiração que ficou um pouco alterada, mas não falou nada e o ruivo agradeceu novamente por isso.
─ Gostaria de almoçar lá em casa? Minha mãe ficará muito feliz em rever você.
─ Pode ser, só preciso falar com meu padrinho e ver se ele não se importa.
Os dois rapazes foram caminhando para casa, conversando sobre o que aconteceu durante esses anos. Gaara se surpreendeu quando Lee contou que tocava saxofone, mas ficou triste ao saber que desde a morte dos seus pais, ele não havia mais tocado, pois se lembrava da sua mãe e o quanto ela dizia amar o ouvir tocar. Para ele, ainda era difícil, não tinha superado a perda dos seus pais. Ao chegar na casa de Lee, ele apresenta Gaara a Gai que fica feliz pelo afilhado já ter um amigo e não precisará se preocupar tanto com a adaptação do afilhado à nova escola. E claro que autorizou o rapaz ir almoçar na casa de Gaara, mas somente porque eram vizinhos e já se conheciam, não o deixaria ir se fosse alguém que tivesse acabado de conhecer..
Os dois se despediram de Gai e foram para casa de Gaara, que assim que abriu a porta, ouviu sua mãe gritar da cozinha
─ Gaara! Você demorou, já estava ficando preocupada. ─ disse Karura ainda na cozinha.
─ Espere aqui um pouco Lee, e se prepare porque ela irá surtar. ─ falou baixo para Lee que apenas riu junto com o ruivo. ─ Mãe, tenho uma surpresa para a senhora.
─ Que surpresa? ─ perguntou saindo da cozinha e indo em direção ao filho.
─ Você se lembra do Rock Lee, meu amigo, nosso vizinho?
Os olhos de Karura se arregalaram de surpresa, não acreditando no que ouviu.
─ Aquele menino que você dizia que ia ficar ao lado dele para sempre, que dormiam abraçadinhos na mesma cama?
─ Mãe, não precisa lembrar disso. ─ repreendeu Gaara ficando corado ─ Mas é esse mesmo, eu o reencontrei, ele está estudando na mesma escola que eu e é nosso vizinho, de novo.
─ Por Kami, é sério mesmo Gaara? Faz uns dez anos que ele se mudou e que você se fechou para o mundo. Quero ver ele logo, o traga aqui, farei o meu bolo de chocolate com morangos para comemorar.
─ Ele já está aqui mãe, o convidei para almoçar conosco hoje. ─ falou Gaara se afastando um pouco e dando para a mãe a visão de Lee para Karura.
─ Nossa, como você cresceu. Não mudou nada, só está mais alto e mais encorpado. É um belo rapaz.
─ Obrigado. ─ disse um pouco sem graça. ─ É uma pena que não posso dizer como a senhora está hoje, mas imagino que deve continuar linda.
A mulher olhou para Gaara em questionamento, pois não entendeu a fala de Lee.
─ Mãe, o Lee infelizmente perdeu completamente a visão a alguns anos.
─ Que pena meu querido, mas como você está? Seus pais como estão?
─ Eu estou bem, já me adaptei à minha nova vida. E quanto a meus pais, eles faleceram a alguns meses, por isso vim para cá, para ficar com meu padrinho.
─ Sinto muito, me desculpe pela indelicadeza.
─ Não precisa se desculpar. Fiquei muito tempo fora e não mantivemos contato, não tinha como saber.
Os três ficaram conversando enquanto aguardavam os demais membros da família no Sabaku. Logo o pai de Gaara também chegou para almoçar, seguido dos irmãos do ruivo, que iam almoçar praticamente todos os dias com a mãe, ou ela surtaria, já que Temari e Kankuro não moravam mais com eles. Durante todo o almoço, todos os Sabaku notaram o olhar de Gaara, que estava mais brilhante e o sorriso que há muito tempo não viam, não saia de seu rosto. Realmente o retorno de Lee fez muito bem a Gaara e esperavam que dessa vez o outro não precisasse ir embora novamente, pois seria muito pior para Gaara se isso acontecesse.
Nos dias seguintes, todos notaram a mudança de Gaara, ele estava mais alegre e quase não era mal educado com os outros. Quase. Já que a única pessoa que ele tratava bem e que aceitava que implicasse com ele, era Rock Lee. Não demorou muito para que surgissem boatos que os dois estavam juntos, como casal e os comentários ainda mais maldosos e preconceituosos aumentavam. Porém nenhum deles ligava para aquilo, deixavam as pessoas falarem. Mas internamente tanto Gaara quanto Lee queriam que fosse verdade a parte que eram um casal.
Karura como uma mãe observadora, notou que o filho andava distraído, às vezes dava uns sorrisos bobos sozinho, e ficava muito animado quando iria sair com Lee. Desconfiava do que estava acontecendo, mas queria ouvir da boca do filho.
─ Filho, posso falar com você um pouco ─ falou Karura na porta do quarto do filho, que estava deitado na cama mexendo em seu celular.
─ Claro mãe. ─ disse o ruivo se sentando na cama com sua mãe ao seu lado.
─ Lembra de quando você me contou que era gay e que achou que eu fosse te julgar, te mandar embora e que não te amaria por isso?
─ Lembro mãe. E quando você falou que isso não mudava nada, que ainda me amaria e que continuaria sendo seu filho, foi o dia mais feliz da minha vida.
─ Eu te fiz prometer que sempre me contaria sobre seus amores e paixoes e até tivemos um conversa, constrangedora para nós dois, sobre sexo. ─ os dois riram ao lembrar daquilo.
─ Mas eu nunca amei e nunca me apaixonei. Acho que o amor não é para mim.
─ O amor é para todos, às vezes você só precisa abrir os olhos. Gaara, o que você sente pelo Lee?
─ Ele é meu melhor amigo, eu gosto de como ele encara a vida, os obstáculos, as dificuldades e os preconceitos. Adoro o jeito que ele fala sobre o que gosta, como se anima com coisas simples, como foi quando ele pegou o Shukaku pela primeira vez e que agora não sai do colo dele quando vem aqui, meu gato me trocou aquele safado, sem-vergonha. O sorriso fácil que contagia e me faz rir. Ele é o único que me faz rir. Amo o ouvir tocar seu saxofone, tem uma paixão tão grande quando toca, parece que ele se transporta para outro lugar e acaba me levando junto.
Karura apenas riu e Gaara encarou sua mãe sem entender o motivo do riso.
─ Você está apaixonado por ele, Gaara e apenas não percebeu, ou percebeu e não quer admitir.
Gaara ficou sem palavras, não sabia o que dizer, nem conseguiu negar.
─ Você deveria falar com ele, pois eu acho que ele sente o mesmo. Vou deixar você pensando no que falei e lembre-se que estarei ao seu lado sempre meu querido. Ah Gaara, o Gai me contou que ele voltou a tocar o saxofone por sua causa. ─ Karura falou e saiu do quarto do filho, o deixando com seus pensamentos.
Gaara deitou novamente, pensando no que sua mãe falou. Se estava mesmo apaixonado pelo seu amigo, como ficariam as coisas entre ele se fosse realmente verdade? Como ele falaria com seu amigo sobre isso? E para ajudar, no dia seguinte era o último dia de aula antes das férias do meio do ano e Lee ficaria alguns dias fora, iria fazer alguns exames de rotina para ver como estavam seus olhos. Apesar de não enxergar, tinha que fazer um acompanhamento periódico. Teria esses dias para pensar em como, e se, falaria com Lee. Apesar de todas as dúvidas e questionamentos que tinha em mente, não pode deixar de sorrir ao pensar que foi o responsável por fazer Lee voltar a fazer o que tanto gostava, que era tocar seu sax.
Lee ficou fora quase uma semana e nesse tempo Gaara quase surtou. Parou de negar seus sentimentos, admitiu para si, e para sua mãe, que estava apaixonado e que faria de tudo para ficar ao lado de quem ama.
Gaara estava em seu quarto, pensando em como falaria com Lee, até que o ouviu tocando seu sax e era a música preferida do ruivo e do Lee, Perfect do Ed Sheeran, sim eles tinham uma música, mas não admitiam que ela expressava o que sentiam. O ruivo revoltado tinha um lado romântico que sem perceber só demonstrava quando estava com Lee.
Lee tocava aquela música lindamente, como se fizesse uma declaração para Gaara e era na verdade. Gaara não foi o único a pensar sobre seus sentimentos e enquanto estava fora decidiu que quando voltasse falaria para Gaara o que sentia e esperava, de todo coração, que o sentimento fosse recíproco. Gaara saiu correndo do quarto, quase trombando com sua mãe quando chegou a sala que tinha um sorriso no rosto, pois sabia onde o filho estava indo com tanta pressa e imaginava também o que iria acontecer. O ruivo foi direto para a casa do moreno, mal cumprimentou Gai que parecia o esperar para lhe dizer que Lee estava no jardim dos fundos e que ele podia ir lá.
Gaara parou perto de Lee e ficou vendo ele terminar de tocar a música, quando acabou Gaara estava com lágrimas nos olhos, emocionado, sabia que Lee tinha tocado para ele, que tudo o que queria dizer foi dito através daquela música.
─ Pode se aproximar Gaara, por favor.─ pediu Lee com a mão estendida, que assim que sentiu a de Gaara a segurou com delicadeza. ─ Sabe, eu nunca estive tão feliz na minha vida. Desde que voltei para cá pensei que não iria me acostumar, que não faria amigos e que voltaria a sofrer com o bullying, eu não imaginava te reencontrar, pensei que tinha perdido meu melhor amigo para sempre. Você me ajudoou a me adaptar, me apresentou seus amigos que agora são meus também, me defendendo dos valentões como sempre fez. Mas o destino quis que nos encontrássemos novamente. Ao teu lado eu pude ver um futuro. Você me tirou do escuro onde me encontrava, pode achar que estou fazendo piada por causa da minha visão, mas não é Gaara. O que estou querendo dizer é que eu estou completamente apaixonado por você. Não sei se você sente o mesmo, mas…
─ Lee, eu demorei para entender o que sentia e precisei de alguém para abrir meus olhos e ver o que estava bem na minha frente. Estava mais cego que você… piadinha sem graça, eu sei… Eu também estou apaixonado por você, quero poder andar ao teu lado como namorado, estar ao teu lado para tudo. Sei que teremos muitos obstáculos, muitos irão nos criticar, irão dizer que estou contigo por pena, mas saiba que não é nada disso. Quero estar ao teu lado porque te amo.
─ Isso foi um pedido de namoro?─ perguntou Lee abraçando Gaara
─ Sim, então, aceita namorar comigo Rock Lee?
─ Claro que sim, ruivinho.
Gaara levantou um pouco a cabeça para selar os lábios de seu amado. Um beijo cheio de amor e de carinho, que demonstra o quanto os dois se amam.
─ Queria poder ver seu rosto agora. ─ falou Lee em um sussurro ─ Mas mesmo não podendo, eu te imagino e sei o quanto você deve estar lindo sorrindo como um bobo apaixonado, assim como eu devo estar.
Lee podia ser cego e ter suas limitações, mas isso não o impedia de amar e ser amado. Juntos eles passariam por todos os obstáculos que a vida colocasse em seus caminho e provariam a todos que o AMOR NÃO É CEGO.