Laranja mecânica

Naruto (Anime & Manga)
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Laranja mecânica
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Summary
Em que Shikamaru e Temari vivem um rolê aleatório numa locadora.ShikaTema // ShortFic // OneShot[Para o meu eterno OTP da franquia Naruto™ , para mim e para minha amiga Larissa.]

"Vê se não aluga noventa e oito filmes pra um fim de semana só", disse Kankuro logo após eu sair do carro.

"Eu posso alugar quantos quiser. Sorte sua que eu tinha prometido te emprestar o carro, idiota", falei e me afastei da janela do carro. "Cuidado com ele, e vê se não esquece de reabastecer", pedi.

"Afirmativo, senhora", ele riu e saiu praticamente voando com meu lindo carro. Ter irmãos é um sacrifício diário, mas vale a pena.

Lá estava eu mais uma vez, naquela mesma locadora que estava presente no nosso bairro desde que eu nascera. Aquele lugar fazia parte da nossa infância, mas agora parecia ser só uma lembrança. De uns anos pra cá, as pessoas começaram a esquecer da existência das locadoras por causa do Netflix, dos pay-per-views e filmes piratas na internet. Mas eu ainda venho aqui toda sexta-feira, desde que a mamãe e o papai faleceram, e isso já faz bastante tempo.

Eu adoraria dizer que sou a única fonte de renda do dono da locadora, mas não sou.

Além de mim, de alguns idosos legais e uma garota que estuda Cinema na faculdade local, tem outra pessoa, e essa pessoa também vem para a locadora toda sexta-feira, já há um bom tempo.

"Oi, Kiba", anuncio minha entrada, mas é praticamente em vão, já que o único atendente está com seus fones de ouvido como de praxe. Pelo menos hoje ele não trouxe o cachorro.

Estou sozinha, mas sei que logo aquele outro cara vai aparecer. Seu nome é Shikamaru, mas eu nunca falei com ele, mesmo que nós dois venhamos aqui já há dez mil anos, sempre no mesmo dia.

Meus dois irmãos, Kankuro e Gaara são meio reclusos, mas enquanto Gaara permanece sendo o mais caseiro de nós três, Kankuro adotou uma pegada mais festeira. Antes ele ficava e assistia filmes com a gente todo fim de semana, agora ele sai para ir a alguns bares e festas de rock, mas eu não me preocupo, pois sei muito bem com quem ele anda (coisas de irmã mais velha). Gaara agora fica mais em seu quarto estudando, pois está tendo certas dificuldades na faculdade, mas às sextas-feiras de noite ele para e assiste um filme comigo.

Enfim, comecei a procurar filmes interessantes, fossem eles repetidos ou não, e eu senti que demoraria bastante, como sempre.

"Oi", ouvi a porta abrir e a voz que eu raramente escutava. Era Shikamaru, e ele também não obteve resposta de Kiba, pois agora ele jogava algum jogo em seu celular.

Levantei o olhar da prateleira de filme que eu explorava e olhei para o garoto. Hoje ele vestia uma camiseta preta e calças verde-militar, com o cabelo comprido preso como sempre. Ele me olhou e eu disfarcei, voltando a procurar um, dois ou três filmes legais.

O primeiro filme já estava escolhido: O Clube dos Cinco, um dos meus favoritos. Gaara nunca assistira, então eu levaria aquele pra que víssemos juntos.

Andei para outro lado, evitando estar no mesmo lugar que Shikamaru, e cheguei à prateleira de animações cult. Depois de uma longa olhada, achei um que eu nunca vira, mas sempre ouvira falar sobre. Era James e o Pêssego Gigante, e apesar do design sombrio, parecia ser o máximo. Talvez eu fizesse Gaara assistir também.

Toda hora que eu levantava o olhar, Shikamaru também estava olhando, e depois baixávamos as cabeças como se nada tivesse acontecido.

Fui andando e cheguei a uma prateleira interessante. Kiba devia se entediar muito, pois toda semana ele criava uma prateleira apenas com filmes que ele escolhia como os melhores da semana na visão dele. Eram filmes que não tinham nada a ver uns com os outros, mas normalmente eram bons. Kiba era bem legal, mas hoje estava tendo um péssimo dia.

Quando estiquei a mão para pegar o filme Laranja Mecânica, outra mão segurou o outro lado da capa do DVD.

"Ah, não", uma voz disse.

"Perdão?", virei o rosto para olhar e dei de cara com o garoto.

"Eu já ia pegar esse... Mas você pode ficar", ele fez uma careta logo depois que eu comecei a olhar para ele.

"O quê? Ah, se é assim... Você pode ficar", soltei a capa.

"Sério? Porque eu estava mentindo, Eu simplesmente vi e quis pegar ao mesmo tempo que você", ele me lançou um sorriso muito pretensioso e ergueu o DVD no ar, fora do meu alcance.

"Ei, isso não é justo!", reclamei e estiquei o braço, mas ainda faltava um pouco para alcançar. "Você não pode levar".

"Como não? Você mesma deixou eu levar", ele continuou com aquele sorriso, mas deu as costas e aparentemente começou a andar em direção ao balcão.

Brava e meio chateada, corri e parei bem na frente dele, bloqueando o caminho, com a pior expressão que eu podia fazer para expressar raiva e descontentamento. Ele parou bruscamente e pareceu se intimidar por causa da minha expressão, mas depois fez uma careta de deboche e sorriu ironicamente, como se eu fosse uma criancinha.

"O que foi, loirinha?".

"Loi-? Escuta aqui, garoto! Você está sendo um idiota. Vá procurar esse filme num site, porque esse DVD é meu", reclamei.

"Então o que te impede de procurar na internet e assistir?", ele se curvou um pouco para frente, o que me deixou mais irritada.

"Olha, garoto, eu não sei o que você faz da sua vida, mas eu trabalho e tenho uma casa para sustentar, e o meu momento de paz é vir até aqui e escolher dois ou três filmes pra ver no fim de semana! Me dá esse negócio!", tentei pegar de novo, mas novamente ele ergueu bem alto.

"Parabéns, Srta. Adulta", ele revirou os olhos. "Você nem é tão velha assim".

"Eu tenho vinte e três", grunhi.

"Ah... Eu tenho vinte... Dessa vez você venceu", ele riu em escárnio. "Mas eu não vou te dar o filme, não, desculpe".

Virei as costas para ele e andei até o balcão, batendo nele e chamando a atenção de Kiba, que tirou os fones e interrompeu seu joguinho.

"Kiba, você tem outro DVD do Laranja Mecânica? Aquele idiota ali roubou de mim o único na prateleira das suas seleções", reclamei.

"Olha, eu não sei... Temari-san, não estou tendo um dia bom. Se você quiser olhar nos fundos, por mim tudo bem", o garoto suspirou.

"Puxa... O que aconteceu com você?", perguntei.

"Briguei com a minha mãe e a minha namorada terminou comigo", ele riu e suspirou. "Vou voltar a jogar Free Fire, pode procurar onde quiser lá nos fundos", ele abanou a mão e colocou os fones de volta.

Virei e Shikamaru ainda estava ali, procurando outro filme. Ignorei sua presença e seu olhar superior cheio de gracinhas, andando em rumo à porta dos fundos, que escondia atrás de si uma parede de prateleiras cheias de filmes velhos, repetidos, riscados ou 'fora de moda'. Mesmo se o outro Laranja Mecânica estivesse riscado, eu o levaria, pois os notebooks rodam DVDs riscados sem qualquer problema.

Com a porta entreaberta e a lâmpada incandescente amarela, aquele lugar ainda parecia escuro, era de fato empoeirado e tinha cheiro de 'guardado'.

Comecei a mexer nos filmes empoeirados, tossindo muito, mas precisava encontrar ou aquele ou um mais legal ainda. Não entendia os motivos do tal Shikamaru decidir que queria atrapalhar meus planos, mas por algum motivo aquele sorriso idiota dele permanecia na minha mente. Ele era bonito, de qualquer jeito.

"Hm... Gaara não iria assistir esse por nada no mundo... Acho que nem eu ia querer assistir algo assim...", fui correndo os dedos pelos inúmeros DVDs, até encontrar um que parecia legal. "Cartas para Deus... Parece adorável, mas não sei bem...", desisti daquele e continuei fuçando nas prateleiras que atacariam qualquer pessoa que sofre de rinite alérgica. "Mas e esse aqui? Parece interessante...".

"Você sempre fala sozinha?".

"O quê?! O que é que você está fazendo aqui?! Achei que já tivesse ido embora", reclamei e voltei a mexer nos filmes. "Já conseguiu seu filme, agora dê o fora daqui", reclamei.

"Legal, eu não sabia que você era a dona do estabelecimento pra me botar pra fora dele", ele se encostou na parede. "Kiba disse que tinha alguns filmes legais aqui, então além desse aqui, eu quero mais um".

"Hm".

O silêncio voltou e ele começou a procurar um filme também. Eu queria achar algo legal e depressa, para poder ir embora logo. Se eu não fosse para casa logo, Gaara pularia o jantar, porque ele literalmente mora no quarto dele. Eu ainda o trato como criança quando estou longe dele, mas ele não pode saber disso.

"Speed Racer", murmurei. Mesmo que não quisesse admitir, não conseguia ficar sem falar comigo mesma. "Nossa, aqui tem muitos animes antigos...".

"Verdade", ele respondeu e eu levantei o olhar. "Ah, estava falando sozinha. Desculpe me intrometer".

Ficou um silêncio desconfortável dessa vez. Eu olhava de vez em quando para as mãos dele, e de vez em quando percebia que ele também olhava para mim.

Depois de alguns minutos, ele decidiu interagir.

"Então... De onde você conhece o Kiba? Daqui mesmo?".

"Hm. Ele é amigo de uns amigos do meu irmão, eu já o conhecia antes de trabalhar aqui", falei. "E você?".

"Estudamos juntos no primário. Você é irmã do Gaara, né?", ele disse e eu assenti. "Sobre o Kiba... Ele está tendo um dia bem ruim, não?".

"Orgulho e Preconceito... Ah, o Kiba? Sim. Ele brigou com a mãe e com a namorada. De novo".

"Ah...".

Era estranho. Fazia anos, anos e anos que nós vínhamos até a locadora nos mesmos dias, e nunca tínhamos trocado uma palavra sequer, mas de repente era como se ele quisesse interagir.

E eu achava aquilo muito estranho.

"Então, Temari... O que você faz?".

"Eu? Ah... Eu trabalho na área de contabilidade", falei e limpei as mãos na calça, cansada de procurar pelo Laranja Mecânica. "E você? Faculdade?".

"Eu já terminei. Digamos que tenha entrado 'mais cedo'. Eu fiz Administração, trabalho numa empresa pequena".

"Legal", falei.

Sem esperanças de procurar daquele lado, andei e passei por trás dele para chegar ao outro lado, encostando nossas costas por alguns segundos.

Enquanto eu procurava, ele me olhava discretamente, mas eu percebia. Ele segurava o Laranja Mecânica numa mão e explorava a prateleira com a outra.

"Achei!", falei e puxei a capa do DVD da prateleira, derrubando outros cinco ou mais. "Boa, Temari...", murmurei e agachei para pegar.

"Nunca imaginei que fosse tão desajeitada", ele me observava com aquele mesmo sorriso.

"E não sou. Foi um acidente", reclamei e coloquei tudo de volta no lugar. Depois de limpar as mãos, olhei em volta e sorri falsamente. "Bom, agora que nós dois temos nossos Laranjas Mecânicas, eu posso ir embora. Até logo", falei.

Andei até a porta que havia sido fechada por ele, mas quando fui abrir, ela simplesmente decidiu que não queria ser aberta.

"Ok, não está abrindo...".

"Deixe eu te ajudar", ele se aproximou e tentou abrir com uma mão só e depois com as duas, mas não deu nada certo. "Ok, eu acho que estamos presos aqui".

"Kiba-san!", comecei a gritar e bater levemente na porta.

Eu poderia chamá-lo até a madrugada, mas ele não escutaria.

Peguei o celular com a intenção de mandar uma mensagem ou ligar para ele, e aparentemente Shikamaru fez o mesmo, mas ambos fomos surpreendidos com a seguinte mensagem:

'Saí para resolver uns problemas, minha irmã mandou várias mensagens preocupada com algumas coisas lá em casa, eu volto em uma hora. Ou mais. Confio em vocês, volto logo'.

Ele enviara a mensagem há cinco minutos, infelizmente, o que significava que ficaríamos uma hora presos ali. Ou mais.

"Tá bem, você sabe arrombar portas?", ele perguntou.

"Saber, eu sei", suspirei. "Mas tanto o batente da porta quando a própria porta são de madeira pura, não tem como. Seria o mesmo que querer quebrar a perna".

"Caramba, você é bem durona".

"Preciso ser".

Empilhei O Clube dos Cinco, James e o Pêssego Gigante e Laranja Mecânica e coloquei sobre meu colo assim que sentei naquele chão sujo. Não passaria uma hora de pé por nada no mundo.

Depois de alguns minutos me observando ele também sentou, bem do meu lado. Aquela salinha era bem apertada e isso me incomodava um pouco, pois por mais que eu trabalhasse num escritório pequeno, eu estava acostumada a estar sozinha em espaços pequenos.

"Quais filmes você escolheu?", ele perguntou de repente.

"Eu? Ahn... Escolhi O Clube dos Cinco, porque é um dos meus favoritos e meu irmão nunca viu; James e o Pêssego Gigante, afinal tem o Tim Burton na produção e como eu gosto dos filmes dele eu quero ver como esse é; e por fim, Laranja Mecânica. E você?".

"Laranja Mecânica e o último filme de O Poderoso Chefão".

"Legal... Qual o seu filme favorito?", perguntei e percebi que se separasse um pouco as pernas, nossos joelhos se encostariam.

"Filme favorito... Scarface".

"Scarface? Você gosta bastante do Al Pacino...".

"Gosto. Mas a questão é a história do filme em si. É interessante ver que o sucesso ser alguém consegue sugar tudo o que ela já tinha antes disso e também consegue destruir o que ela ganha depois", ele balançou a cabeça. "O Tony Montana jogou tudo no lixo, inclusive as pessoas que ele amava e que também o amavam. Ele chegou tão alto que quando caiu, já nem ligava mais".

"É interessante pensar dessa maneira, afinal é simples falar que ele simplesmente ganhou tudo e perdeu tudo logo depois", suspirei. "É um filme excelente. Boa escolha".

"Obrigado", ele falou. "E qual o seu filme favorito?".

"Ah. Eu não tenho um", sorri.

"Como não?!".

"É que na verdade eu nunca pensei nisso", dei risada. "Eu só quis perguntar pra puxar assunto, não sabia do que falar considerando que estamos presos nos fundos de uma locadora".

"Ah, não. Nós temos que descobrir qual é o seu filme favorito. Não ter um filme favorito é como não ter uma cor favorita".

"A minha é roxo. Todos os tons de roxo existentes no universo", respondi depressa e ele sorriu.

"A minha é verde. Todos os tons de verde que existem no universo também", ele falou. "Certo, você tem um gênero de filme favorito então?".

"Algo entre filmes de suspense e dramas de época em geral".

Ele coçou o queixo, muito pensativo. Aparentemente o assunto FILMES era algo realmente importante para ele. Apesar de querer que Kiba chegasse logo para podermos ir embora, eu sentia que gostaria de ter essa conversa.

"Sherlock Holmes?".

"Eu gosto, mas não posso dizer que é um favorito, jamais", falei e cocei o queixo também.

"Hm... A Lista de Schindler? Não é suspense, mas é drama sobre o holocausto", ele sugeriu.

"Seria uma boa, mas acho que não".

"E o filme sobre a rainha Elizabeth I?".

"Eu nunca terminei de ver esse, mas é bom também".

"Certo, isso é mais difícil do que eu pensei", ele riu devagar e eu também ri. "Diga alguns filmes que você gosta muito então".

"Vejamos... O Clube dos Cinco, As Vantagens de Ser Invisível, O Poderoso Chefão, Valente (da Disney), Busca Implacável, Quatro Irmãos...", falei e continuei pensando. "A Ilha do Medo, Golpe Baixo, Senhor dos Anéis (O Retorno do Rei), Star Wars IV, Quem Quer Ser Um Milionário... Ai, são muitos, desculpe".

"Você tem um ótimo gosto para filmes, diz muito sobre você... Ah! Tive uma ideia", ele tirou o celular do bolso e desbloqueou a tela. "Vamos assistir um filme no meu celular, eu deixo você escolher. Meus dados móveis são ilimitados".

Olhei para ele de maneira crítica, mas peguei o celular que ele me oferecia e comecei a explorar o aplicativo de filmes e séries. Havia bastantes opções bem diferentes umas das outras, mas tudo parecia bom, porque era baseado nas preferências do próprio Shikamaru.

Era estranho pensar em como aquela conversa começara, afinal foram anos e anos ignorando a presença e existência um do outro. Juro que até este dia, nunca tinha dito um 'oi' sequer, mesmo que ele fosse conhecido de Gaara e Kankuro. Diferente do que eu pensara quando ele me impedira de levar Laranja Mecânica comigo, ele era um cara legal. Contudo, eu sentia certo nervosismo em suas palavras e certa ansiedade, mas como não entendia a razão, decidi ignorar isso.

"Podemos ver esse aqui? Só vamos ver se você concordar", exigi e coloquei o celular equilibrado sobre o joelho dele.

"A Segunda Mulher? Você sabe que só tem o áudio original em chinês, não sabe?", ele perguntou e eu assenti. "Bom, fomos alfabetizados, então acho que sei ler legendas".

"É bom saber. Você está com fones de ouvido? Se não, nós podemos usar os meus", coloquei os fones para fora do bolso e ele assentiu.

Ele conectou os fones ao celular que tinha a tela bem grande, por sorte. Shikamaru tomou a liberdade de colocar o fone direito na minha orelha direita, e depois o esquerdo na sua própria orelha, e por algum motivo achei aquilo estranho, porém confesso que gostei.

O filme começou. Era uma história com um começo 'sem sal' que de repente recebia quilos e quilos de 'tempero', de maneira inesperada. Ele nunca tinha visto, mas seria a terceira vez que eu veria aquele filme, e era excelente.

"Ah, então são gêmeas", ele murmurou e eu ri. "Agora ficou interessante".

"Você não faz ideia...".

O filme foi passando e ele parecia vidrado. Com certeza não era 'seu tipo de filme', mas a história o estava intrigando e envolvendo de forma muito intensa, mesmo que seu rosto não esboçasse muitas expressões. A verdade é que ele não era bom com expressões, eu conseguia perceber.

A coisa que eu mais demorei para perceber foi que eu tinha parado de assistir o filme e agora só olhava para ele e para tudo o que ele fazia, tentando lê-lo, de certo modo, mas não conseguia perceber muitas coisas mais. Só sei que ele tinha gostado do filme, e muito.

"Não acredito", ele suspirou sem alterar a expressão ao ver uma cena do filme que esclarecia muitas coisas de uma vez só. "Céus...".

O melhor de tudo é que ainda caminhávamos para o meio do filme e não havia nem sinal de Kiba. O negócio na casa dele deveria estar bem sério, espero que não tenha nada a ver com os cachorros.

A mão direita de Shikamaru segurava o celular e a outra mão estava livre, sobre o chão, e até então estava tudo em completa normalidade, até os dedos dele encostarem nos meus, mas eu deixei do jeito que estava. O cabelo dele estava preso, mas algumas mechas soltas caíam por sobre o rosto, só que ele parecia não se importar, mas eu ficava um pouco incomodada.

Com a mão livre, coloquei as mechas soltas do cabelo castanho do rapaz atrás da orelha, e ele me olhou por cinco segundos antes de voltar a dar atenção ao filme. Porém, depois de um minutinho, ele olhou para baixo e viu nossas mãos, e aí me fitou de novo.

"O quê?", falei.

"Nada".

"É que você está me olhando de maneira estranha", murmurei e juntei as pernas.

"Estou?".

Balancei a cabeça e desviei o olhar, voltando a prestar atenção no filme, já que parara de assistir logo no começo. Contudo, ele permanecia me olhando e eu começava a ficar nervosa.

Nunca fora olhada daquele jeito, era estranho e completamente novo.

"Acho que eu sei o motivo", ele enfim quebrou o silêncio.

"Motivo de quê? De ficar me olhando assim?", falei ainda sem olhar.

"É", ele disse e percebi que sorriu. "É que você é bonita".

"Não sou. Vamos, veja o filme", falei e virei o rosto dele para a tela do celular e ele começou a rir.

"Você é, sim. E eu sei que você não viu nada do filme até agora", ele falou e eu corei. "Não fique com vergonha, eu olho para você já tem quatro anos e você só reparou nisso hoje".

Quatro anos?

Comecei a sentir borboletas no meu estômago. Por quatro anos eu pensei que ignorava a existência de uma pessoa que também me ignorava, mas aparentemente eu estava completamente enganada.

"Do que você está falando?".

"Olha, eu sou uma pessoa muito introvertida se você quer saber. Eu gosto muito de filmes, mas eu só venho aqui há tanto tempo pra poder ver você e esperar que você fale comigo", ele contou e pausou o filme. "Por quatro anos eu achei que não tínhamos nada a ver um com o outro, mas hoje eu descobri como nosso gosto cinematográfico é parecido, e eu preciso admitir: eu já assisti Laranja Mecânica umas cinquenta vezes, e eu só peguei porque vi que você ia pegar e queria te provocar. Desculpe por isso".

"O quê?! Mas... Era só você, sabe, vir até mim e falar comigo!", eu reclamei. "Eu sempre achei que eu não existisse pra você, a gente nunca trocou uma palavra! Eu sempre quis falar com você, mas achei que nunca me daria bola", admiti.

"Nós somos dois idiotas, então", ele riu e esticou um pouco as pernas.

"É...", eu ri e abracei minhas pernas com leveza. "O mais engraçado é pensar que poderíamos ser amigos há quatro anos ou mais", dei risada, mas ele permaneceu em silêncio.

"Só amigos?".

O tom dele foi completamente sugestivo e eu me assustei com isso, mas abracei minhas pernas com um pouco mais de força. Ele ainda olhava para as pernas e eu olhava para o chão, mas ainda pensava se Kiba demoraria muito a chegar.

Eu nunca me sentira tão nervosa, mesmo que já tivesse tido outro relacionamento. O meu primeiro e único namorado era uma pessoa tão normal que chegava a ser chato, ele era muito frio, calculista e até robótico. Acho que tanto eu quanto ele nunca tínhamos amado ninguém e confundimos uma pequena atração com amor, o que foi um grande erro.

Mas agora saber que por tanto tempo Shikamaru tivera interesse em falar comigo parecia mais do que surreal. Era bom.

"Desculpe por isso", ele suspirou e começou a tentar se levantar, mas eu segurei sua mão.

"Não", murmurei e ele voltou a sentar. "Eu... Eu fico feliz em saber".

"Então você não me acha um idiota atirado?", ele perguntou e neguei balançando a cabeça. "Eu realmente fui muito direto, nada na vida me preparou para isso, então peço desculpas de novo".

"Você não me deve desculpas. Eu é que devo... Deveria ter dito olá uma vez na vida".

O silêncio voltou e eu continuei segurando a mão dele. Ele parecia sem reação quanto àquilo, mas não tentara soltar nossas mãos e nem nada do tipo. Ele se sentia estranho por ter sido tão sincero e incisivo, e eu me sentia estranha pela coisa toda. Mas eu sentia que não queria ficar naquela inércia, apesar de achar tudo muito estranho.

Ele parou de olhar para o nada e olhou para mim de novo, daquele mesmo jeito diferente que me deixava intrigada e incomodada de um jeito bom.

"Você gosta de música?", ele perguntou e eu assenti.

Com a mão livre ele pegou o celular, tirou os fones e colocou uma música para tocar. Era calma e agradável, não era melosa e nem romântica, era simplesmente uma canção legal.

"Boa", falei e sorri. Era realmente boa.

A música rolava e Shikamaru mexia a boca sem produzir qualquer som, e pude perceber que ele sabia aquela música de cor. A seleção de músicas que o celular dele reproduzia era muito boa, preciso admitir.

Quando algumas canções do Red Hot Chili Peppers começaram a ser reproduzidas, ele saiu do transe e voltou a me olhar daquele jeito tão diferente e tão novo para mim.

"Temari".

"Sim?".

"Posso te beijar?".

Quando arregalei os olhos já era tarde demais, pelo menos na minha cabeça. Ele estava muito perto, virado para mim, há apenas alguns centímetros do meu rosto. Eu me sentia uma adolescente americana num filme colegial.

"O que é que você tá esperando?", perguntei.

"Você dizer que sim".

Passei os braços por de trás do seu pescoço e o puxei mais pra perto, reduzindo a distância a quase nada. A respiração dele bateu no meu rosto, e eu senti seu cheiro gostoso de roupa bem lavada e desodorante masculino, ficando surpresa por não encontrar o cheiro dos cigarros que ele sempre jogava fora quando entrava na locadora.

Quando o nariz dele encostou no meu, eu não fui capaz de evitar um sorriso.

"Eu tenho mesmo que confirmar?", perguntei.

"Não".

Ele me beijou de maneira necessitada, como se há muito precisasse disso. Agora estávamos um de frente para o outro, eu ainda o abraçava pelo pescoço e ele levara as mãos à minha cintura. Suas mãos grandes e firmes, e apesar da idade é válido dizer que ele é bem maior do que eu. As mãos dele me aproximaram mais um pouco, até onde era fisicamente possível naquela posição.

Meus lábios desacostumados depois de muito tempo eram molhados num beijo intenso e caloroso, e eu estava me sentindo como ser flutuasse, como se eu fosse uma nuvem. Soltei seu cabelo com dificuldade, sem realmente olhar e parar para ver o que estava fazendo, era simplesmente pela vontade de segurar os cabelos castanho-escuros tão macios.

"Você é linda", ele murmurou e sorriu em meio ao beijo.

Meu coração batia num ritmo acelerado que eu nunca tinha experimentado antes. Aquela posição não permitia que chegássemos completamente perto um do outro, e quando ele percebeu isso, tomou uma atitude drástica e com a força dos braços me ergueu e me sentou sobre seu colo.

"Bem melhor", ele riu e eu sorri.

Agora meu peito estava quase encostando em seu queixo, mas ele erguia a cabeça para continuar em contato com a minha boca. Com uma das mãos apoiadas no peito dele, eu sentia seu coração batendo mais forte, assim como o meu coração. Ele parecia ansioso e necessitado, e seu beijo era forte e marcante, mas ainda assim dava um jeito de ser doce e agradável.

"Por que eu demorei tanto?", suspirei e afastei seu rosto do meu por alguns instantes.

Ele sorriu e voltou a me beijar, uma das mãos nas minhas costas e a outra puxando meu cabelo levemente. Ele era muito bom naquilo, tenho que admitir. Era como estar dentro de um filme, e assim como eu, ele amava isso.

O ritmo foi se tornando cada vez mais lento, até que enfim nós paramos. Quando eu abri os olhos encontrei aquele mesmo garoto, pouco abaixo de mim agora, mas com o mesmo olhar e um sorriso fraco. Eu o abracei e recostamos nossas cabeças em nossos respectivos ombros, perfeitamente encaixados.

Por vários minutos permanecemos daquele jeito, como se nada existisse a nossa volta. Porém, ambos os celulares vibraram em nossos bolsos, forçando-nos a nos separarmos um pouco para ver do que se tratava. E era outra mensagem de Kiba.

'Desculpe a demora, estarei de volta em quinze minutos', era o que dizia o SMS dessa vez.

Ambos avisamos-lhe sobre o incidente com a porta, e Kiba nos prometeu que abriria assim que chegasse.

Guardamos os telefones e voltamos a nos encarar como antes, mas agora sem qualquer estranheza. Voltamos a sentar um do lado do outro, apenas encostando as cabeças. Eu nunca ficara com ninguém, muito menos dentro de um cubículo como aquele, mas é o que dizem: para tudo existe a primeira vez. E aquilo ainda era como um filme pra mim.

"Então...".

"O quê?", sorri.

"Você topa ir ver um filme na minha casa qualquer dia desses?", ele convidou.

"Hm, não sei...".

"Tudo bem, eu entendo".

"Estou brincando, seu idiota. É claro que eu vou", dei um soco leve em seu ombro e ele riu.

"Então a partir de agora nós somos amigos?", ele indagou.

"Só amigos?".

Trocamos os números de telefone, pois agora precisaríamos. Depois disso, ficamos daquele jeito, encostados, até Kiba chegar. Ouvi passos e também o ranger do chão de madeira do outro lado da porta, e debaixo dela podíamos ver a sombra de Kiba.

Quando ele enfim abriu a porta, tinha um sorriso sem graça e coçava os cabelos da nuca, envergonhado.

"Sinto muito, pessoal... Essa porta só abre por fora", ele se apoiou na porta e sorriu de maneira curiosa. "Mas então, me digam... O que é que vocês fizeram durante esse tempo todo?".