
Izuna encontrava-se sentado no canto do jardim do clã Uchiha, sob a sombra de uma cerejeira em flor, onde o aroma das pétalas dançava no ar, mas o Uchiha não parecia notá-lo. Seus olhos, agora permanentemente cobertos por bandagens, ardiam com uma dor fantasma e seus pensamentos vagavam entre a missão e como as coisas eram antes de tudo acontecer. Era uma sensação vazia e incômoda, como se seu mundo estivesse sendo lentamente apagado. Ele sabia que sua visão estava comprometida; mesmo com o tratamento de Hashirama, o progresso era mínimo.
— Você precisa descansar mais, Izuna, e confiar no tempo — Hashirama dissera dias antes, com aquele tom esperançoso que soava quase ingênuo. — Não desista tão cedo.
Mas Izuna sabia. O poder destrutivo do Mangekyou Sharingan havia cobrado seu preço. Não era só sua visão que estava comprometida; era sua capacidade de lutar, de proteger, de ser útil para o clã.
O clã… Nunca pensou que passaria por aquilo em algum momento. Ele não precisava da visão para perceber a tensão crescente que se instalava ao seu redor desde que retornara da missão. O clã o tratava com uma mistura de respeito e pena. Como se isso não bastasse, Tobirama sempre estava presente, pairando como uma nuvem carregada.
A presença dele era constante, silenciosa e pesada, como um lembrete vivo do que havia acontecido. Tobirama mantinha-se à distância, os olhos furtivos e carregados de culpa. Eles trocavam poucas palavras desde que Izuna retornara. O Uchiha sabia que o Senju se sentia responsável por tudo.
O Senju, como Hokage, tinha delegado a missão a Izuna. Um erro, ele sabia. A informação havia sido insuficiente, e agora Izuna pagava o preço. Ainda assim, Tobirama sentia que havia algo mais profundo corroendo o espaço entre eles, algo que se agravava a cada tentativa fracassada de consertar as coisas.
O som dos passos de Tobirama era inconfundível: firmes, embora hesitantes, como se ele quisesse se aproximar, mas não tivesse coragem. Izuna suspirou. Ele sabia que o irmão de Hashirama viria eventualmente; Tobirama sempre aparecia, mesmo quando era claro que não era bem-vindo.
— Você devia descansar dentro de casa — a voz de Tobirama soou, cortando o silêncio.
Izuna não respondeu de imediato. Ele permaneceu olhando para a escuridão que agora definia seu mundo. Depois de um momento, respondeu com um tom frio:
— E você devia estar liderando sua vila, não perdendo tempo com alguém como eu.
— Não diga isso — Tobirama protestou, aproximando-se mais. Ele hesitou, mas acabou se sentando ao lado de Izuna, embora mantivesse uma distância respeitosa. — Eu só... queria ver como você estava.
— Estou cego, Tobirama — Izuna cortou, a voz carregada de amargura. — É assim que eu estou.
O silêncio caiu entre eles, pesado e desconfortável. Tobirama parecia lutar para encontrar palavras, mas Izuna não facilitava. O Uchiha sabia que estava sendo cruel, contudo, não conseguia evitar. Parte dele queria que Tobirama sentisse o peso de tudo, que carregasse a culpa tanto quanto ele carregava a dor e o fracasso.
— Se eu tivesse insistido mais para não ir sozinho... — Tobirama começou, a voz vacilante.
Izuna virou o rosto em direção ao som, mesmo sem enxergá-lo.
— Não. Você não teve culpa por eu ser um tolo arrogante. Eu sabia que era perigoso. Eu sabia que estava me arriscando.
— Mas eu sabia que talvez você não voltaria inteiro — Tobirama rebateu, a voz mais firme. — Eu deveria ter feito mais para impedir.
Izuna bufou, um som seco e amargo.
— Feito o quê? Me amarrado em uma árvore? Mesmo que tivesse tentado, eu teria ido. Não coloque isso nos seus ombros, Tobirama. Já basta eu carregar as consequências.
Tobirama permaneceu em silêncio, o olhar fixo nas mãos, apertando-as com força. Ele sabia que Izuna estava sendo honesto, mas isso não diminuía o peso que sentia. Cada vez que olhava para o Uchiha, via o estrago que a missão havia causado, não apenas fisicamente, como também emocionalmente. Izuna estava mais frio, mais distante, e Tobirama sentia que não importava o que fizesse, nunca conseguiria alcançá-lo.
— Como você está hoje? — Tobirama perguntou, sua voz baixa, mas carregada de cuidado.
Izuna não respondeu de imediato. Em vez disso, inclinou a cabeça levemente na direção do som, seus lábios se curvando em um sorriso amargo.
— Perguntas como essa começam a soar cômicas depois da centésima vez, Tobirama. Você quer que eu diga o quê? Que estou ótimo?
Tobirama suspirou, mas não recuou. Ele sabia que Izuna estava testando sua paciência, talvez até tentando afastá-lo.
— Não espero que você minta, Izuna — respondeu calmamente, sentando-se a uma distância segura. — Só queria ouvir sua verdade.
— Minha verdade? — Izuna deixou escapar uma risada curta e fria. — Minha verdade é que voltei cego de uma missão que nunca deveria ter sido minha.
— Eu sinto muito, Izuna — ele disse por fim.
— Sentir muito não vai restaurar minha visão, Tobirama — Izuna respondeu, seco. Ele se levantou com esforço, apoiando-se no tronco da cerejeira.
Tobirama se levantou também, instintivamente estendendo a mão para ajudá-lo, mas Izuna recuou, o gesto pequeno, porém devastador.
— Eu... só quero ajudar — Tobirama murmurou, com um toque de desespero na voz.
Izuna virou o rosto, sem responder. Ele sabia que estava sendo cruel, mas não conseguia deixar de sentir o rancor. A missão, a cegueira, a impotência... tudo parecia levar de volta ao Senju, mesmo que fosse injusto.
— Talvez você devesse parar de tentar, Tobirama — Izuna disse finalmente, com a voz baixa, mas afiada como uma lâmina. — Não há conserto para isso. Para mim.
Tobirama deu um passo para trás, como se tivesse levado um golpe físico. Ele observou Izuna se afastar lentamente, o andar vacilante e tenso, cada passo uma lembrança cruel da vulnerabilidade que ele tanto desprezava.
A acusação pairou no ar, pesada e cortante. Tobirama abaixou a cabeça, suas mãos se apertando em punhos.
— Eu sei que errei ao te delegar aquela missão.
— Errou? — Izuna o interrompeu, sua voz se elevando pela primeira vez. — Ou será que achou que era algo que eu deveria ser capaz de lidar? Que precisava provar que era forte o suficiente?
Tobirama sentiu o golpe das palavras como uma lâmina. Ele queria negar, mas sabia que Izuna estava certo, ao menos em parte. Havia subestimado os riscos, confiado demais nas habilidades de Izuna e negligenciado a possibilidade de falha.
— Eu confiava em você, Izuna. Ainda confio. — Sua voz era baixa, mas firme. — No entanto, a verdade é que falhei em garantir que você tivesse tudo de que precisava.
— Confiava? — Izuna repetiu, sua voz agora carregada de amargura. — Não parecia confiança. Parecia um teste. Como se você quisesse ver até onde eu aguentava antes de quebrar.
Tobirama sentiu um aperto no peito, mas não encontrou palavras para negar.
— Não era isso — Tobirama começou, a voz vacilante. — Eu nunca quis... nunca pensei que...
— Que eu falharia? — Izuna completou por ele, levantando-se com dificuldade. Sua mão encontrou o tronco da cerejeira para se apoiar, o gesto pequeno, mas carregado de significado. — Bem, você tem sua resposta agora, não tem?
Tobirama se levantou também, mas não tentou se aproximar. Ele sabia que qualquer gesto de conforto seria rejeitado.
— Você não falhou, Izuna. Eu falhei. E, mesmo que você não acredite, isso me atormenta todos os dias.
— Bom para você, Tobirama — Izuna respondeu, com a voz baixa e cortante. — Ainda assim, o que me atormenta é saber que talvez você nunca tenha me visto como igual. Sempre fui só o irmão de Madara, sempre fui o seu inimigo, alguém a ser superado. Você me vê como alguém digno de estar ao seu lado?
Aquelas palavras foram como um golpe direto no coração de Tobirama. Ele queria gritar, queria negar, mas tudo o que conseguiu fazer foi ficar parado, impotente, enquanto Izuna começava a se afastar, seus passos vacilantes e lentos. O silêncio foi resposta suficiente para o outro, que apesar de ouvir a respiração pesada e o som dos pés se movendo, como se quisesse se aproximar, nada se concretizou.
— Vá embora, Senju — ordenou Izuna, caminhando lentamente até sua casa.
Quando Izuna desapareceu de vista, Tobirama permaneceu ali, parado sob as cerejeiras, com os punhos cerrados e a mente em um turbilhão. Ele percebeu que, por mais que quisesse corrigir as coisas, talvez fosse tarde demais. Ele sabia que havia perdido mais do que uma chance de pedir desculpas. Estava perdendo Izuna, a frágil conexão que tentavam construir, e talvez nunca a recuperasse.
A rachadura entre eles estava se tornando uma fissura irreparável, e cada tentativa de consertá-la parecia apenas aprofundá-la.
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Do alto de uma varanda, Madara assistia à cena em silêncio. Ele não interveio, não desceu para consolar Izuna nem confrontar Tobirama. Havia uma tempestade em seus olhos negros, mas também uma compreensão sombria.
— Esse é o preço de nossas escolhas, Izuna — murmurou para si próprio. — E, talvez, um preço que Tobirama nunca será capaz de pagar.
Enquanto as flores da cerejeira caíam lentamente no jardim vazio, Madara se virou e entrou na casa. Ele sabia que a guerra entre Uchiha e Senju havia terminado no papel, mas, para Izuna e Tobirama, aquela batalha interna mal havia começado. Ele sabia que a relação entre Izuna e Tobirama já era complicada, mas agora parecia irreparável.
E, no fundo, Madara se perguntava se algum dia haveria paz verdadeira entre Uchiha e Senju, ou se eles estavam todos fadados a viver entre as rachaduras de um mundo que nunca poderia ser inteiro novamente.
Izuna e Tobirama podiam se amar, mas as marcas do passado e o peso das escolhas recentes abriram um abismo entre eles que não seria facilmente ultrapassado. Se realmente quisessem que tudo ficasse bem, teriam que passar por cima do orgulho, das desconfianças e dos medos que carregavam.
Talvez não estivessem preparados para isso.