
10 horas para o impacto
Naquela manhã, tudo estava quieto. Não havia sinais no rádio, não se ouvia nada além do próprio planeta se partindo antes da chegada do cometa.
Os cientistas, os políticos, os líderes religiosos... Todos se foram. Todos se calaram. Não havia nada a ser dito e ninguém parecia ouvir. O mundo estava em completo silêncio, aguardando o momento final.
Mas Neji e Shikamaru não queriam tornar aquelas últimas horas um martírio, um momento de choros e despedidas.
As últimas dez horas não seriam de lágrimas e lamentos. Não queriam passar os momentos finais lamentando algo que não poderia ser mudado. Em vez disso, escolheram criar lembranças preciosas, instantes de ternura e amor que permaneceriam para sempre na vastidão do universo, mesmo quando nada mais restasse da Terra.
Shikamaru e Neji prepararam um piquenique improvisado na sala, com cobertores espalhados pelo chão e almofadas confortáveis para deitarem juntos. Aiko ria enquanto tentava equilibrar morangos sobre a cabeça de uma boneca, e Shikadai observava, divertido, enquanto mastigava lentamente um pedaço de bolo.
— Você é muito boa nisso, Aiko — elogiou o irmão.
— Eu sei! A minha boneca está muito feliz — respondeu a menina, balançando os pezinhos no ar.
Neji sorriu, observando a filha com carinho. Aquele momento parecia quase normal, quase como se o mundo não estivesse prestes a acabar.
Aiko então sentou-se e começou a trançar o cabelo de sua boneca, concentrada e cuidadosa. A pontinha da língua para fora mostrava o quão concentrada ela estava. Shikadai, ao lado dela, pegou uma mecha dos cabelos da irmã e, sem dizer nada, começou a imitar os movimentos, tentando fazer uma trança em Aiko. Neji assistiu em silêncio, o coração apertado. Shikadai sabia, de alguma forma sabia que algo viria. Não entendia totalmente, não a extensão de tudo, mas compreendia que algo grande aconteceria.
Shikamaru se aproximou e se sentou ao lado dos filhos, pegando outra boneca e começando a fazer tranças nela também. Neji, sentindo um nó se formar na garganta, juntou-se a eles. Era um momento simples, mas infinitamente valioso.
— Olha, papai, consegui! — Aiko mostrou sua trança desajeitada com orgulho.
— Está perfeita — garantiu Neji, beijando sua testa.
— Papai, posso tentar no seu cabelo? — o Hyuuga não respondeu, apenas se virou de costas, dando à filha acesso aos seus cabelos. Shikamaru apareceu com todos os laços, fitas e presilhas que a filha tinha.
No fim, todos tiveram seus cabelos arrumados com presilhas de flores, corações e laços coloridos e Aiko parecia satisfeita com seu trabalho.
— Papais, não quero mais ser estrela, quero ser cabeleireira…
— Você poderá ser o que quiser, minha princesa — garantiu Shikamaru beijando a bochecha da filha.
Como eles queriam que o futuro fosse realmente, que todos os sonhos infantis se concretizassem. Eles queriam ver mais daqueles sorrisos singelos, inocentes e cheios de esperança.
Mas a esperança era um sentimento cruel, que sussurrava mentiras nos ouvidos dos mais velhos.
Porém, Shikamaru e Neji não podiam se agarrar a ela dessa vez. Mas não deixariam que essa face obscura desse sentimento tão bonito fosse corrompido pelas sombras da amarga realidade.
Então, eles sorriram para os filhos e continuaram a incentivar seus sonhos. Se os sorrisos dos filhos fossem a última coisa que veriam deles, ficariam felizes.
Eles riram, brincaram, contaram histórias. Compartilharam cada segundo com sorrisos sinceros e carinho abundante. Quando o cansaço veio, deitaram-se todos juntos, amontoados no colchão improvisado da sala, com Neji contando uma das histórias preferidas dos filhos e que sabia de cor. Cada palavra foi proferida com precisão e quando tudo se tornava pesado demais, Shikamaru assumia a função. Shikadai e Aiko adormeceram ouvindo a voz dos pais, seus pequenos corpos aquecidos entre os pais, abafadores foram colocados em seus ouvidos os impedindo de ouvir a chegada do fim.
O céu do lado de fora estava rubro, iluminado pelo cometa que rasgava a atmosfera, anunciando o fim iminente. Shikamaru se afastou do filho e se deitou ao lado de Neji e o puxou para um abraço apertado, sentindo a respiração dele contra seu pescoço.
— Eu te amo — murmurou Neji, segurando sua mão com força.
— Eu também te amo — Shikamaru respondeu, fechando os olhos.
— Você foi meu tudo e meu nada. Era tudo o que queria e nada do que esperava. Era tão parecido comigo em algumas coisas e tão diferente em outras. Você sempre foi tão inteligente, tão suficiente que nem sei como se interessou por mim. Mas agradeço por isso, agradeço por todos os segundos que vivi ao seu lado.
O mundo tremia. A própria Terra gritava.
Neji sentia as lágrimas banharem seu rosto e o medo do fim invadir seu peito com a mesma força que o vento soprava do lado de fora.
— Você era um preguiçoso inteligente, que usava todo seu QI para evitar qualquer tarefa chata e isso sempre significava menos trabalho e mais tempo livre. Sabe, acho que nunca te contei, mas você chamou minha atenção desde o primeiro momento, mas estragou tudo quando soltou sua primeira frase idiota. E eu ri, ao invés de ficar bravo contigo e com isso, a cada interação, eu me via mais envolvido e quando percebi, estava apaixonado. Shikamaru você sempre foi meu tudo. Você me amou, me aceitou, cuidou de mim em tantos momentos e não queria perder isso.
— Eu prometi que sempre cuidaria de você.
— E cumpriu sua promessa.
10...
9...
8…
Os dois se aproximaram mais dos filhos, como se pudessem protegê-los do inevitável com seus corpos, com seu amor.
— Eu estou com medo, Shikamaru…
7...
6...
5…
— Eu estou aqui, vou te proteger.
Os vidros começaram a estilhaçar. A pressão era insuportável. O último som que ouviram foi a respiração um do outro e o bater dos pequenos corações de seus filhos.
— Até depois do fim.
4...
3...
2...
1...
Neji segurou a mão de Shikamaru com mais força.
E puxou os pequenos que dormiam, alheios ao fim, para mais perto, sentindo o cheiro dos filhos uma última vez.
E então, o céu se tornou fogo. O mundo virou pó.
E por fim, o silêncio.