
Inquebrável ou Irremediável?
“O passado não nos deixa ir. Ele apenas nos observa, esperando o momento de nos destruir.”
Kakashi estava arrumando a pequena casa que dividia com Iruka quando ouviu seu telefone tocando, então parou o que fazia para atender.
— Pai? — Sua voz saiu baixa, carregada de um cansaço que não vinha apenas do corpo, mas da alma.
— Filho… — Sakumo hesitou por um momento, algo incomum para ele. — Você pode vir até aqui hoje?
Kakashi passou a mão pelo rosto, sentindo o peso das últimas horas acumulando-se sobre seus ombros. Ele tentou parecer calmo para não deixar Iruka nervoso, mas pressentia que algo muito ruim estava para acontecer. No entanto, além disso, havia algo estranho no tom do pai.
— Aconteceu alguma coisa?
— Precisamos conversar — a voz de Sakumo soou séria, mas sem o peso de urgência. — É importante.
— Sobre o quê? — ele perguntou, receoso. Seu pai nunca hesitava quando precisava falar com ele, e agora, ali, parecia pensar em cada palavra, o que só trazia os piores cenários à mente do Hatake mais novo.
— Quero que venha até minha casa hoje. Precisamos falar sobre… sobre o que aconteceu na casa dos pais do Iruka.
O Hatake mais novo fechou os olhos. A menção do assunto fez seu estômago revirar. Kakashi sentiu um arrepio na espinha.
— Como o senhor sabe? Não contei nada e sei que o Iru’ também não…
— Mas eu sei, e o que preciso te contar, vai afetar a relação de vocês.
Desde o jantar com os pais de Iruka, uma sensação nefasta o acompanhava, como se algo estivesse prestes a ruir. A forma como foi olhado, analisado, a maneira como Madara havia falado com o filho e o modo como foi tratado, deixava tudo mais tenso. Não sabia exatamente o quê, mas temia pelo que viria a seguir.
— Kakashi — a voz de Sakumo saiu firme —, sei que está preocupado com seu namorado e queria dizer que não precisa… Por favor, venha até aqui, não quero falar sobre isso pelo telefone.
Houve um longo silêncio.
Kakashi sabia que o pai tinha razão, mas ainda assim, cada parte dele queria ignorar aquele chamado, evitar tudo aquilo pelo máximo de tempo possível, seja lá o que fosse.
— Tudo bem — ele finalmente cedeu. — Estou indo.
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Kakashi não demorou a chegar. Ao entrar na casa do pai, encontrou Sakumo sentado no sofá, uma garrafa de saquê e dois copos sobre a mesa. Não era um hábito do pai beber quando queria conversar, e isso só aumentou sua apreensão.
— Quer beber? — Sakumo ofereceu, servindo um copo para si.
Kakashi negou com a cabeça e se jogou no sofá ao lado dele.
— Prefiro ficar sóbrio, se não se importa — Kakashi respondeu, sentando-se ao lado dele. — O que houve?
O mais velho encarou o líquido no copo por um momento antes de soltar um longo suspiro.
— Tem algo que nunca te contei, Kakashi. Não porque fosse um segredo, mas porque achei que nunca precisaria.
Kakashi manteve-se em silêncio, atento. Sempre teve uma relação aberta com o pai, sempre dividiram tudo, afinal, sempre foram apenas eles.
Sakumo suspirou.
Por mais que não se arrependesse do que viveu, não era fácil falar sobre sua juventude com o próprio filho. Não queria que Kakashi o visse de maneira diferente, como alguém que se entregava sem pensar, que não levava nada a sério. Ele teve suas aventuras, sim, mas não era um homem que simplesmente aceitava qualquer um.
— Antes de ter você, eu tive minha fase… de liberdade, eu vivi muitas coisas — Sakumo continuou, escolhendo as palavras. — Não era um homem que buscava algo comum, mas também não me entregava a qualquer um. Nunca fui tão irresponsável. Talvez um pouco. Tive algumas aventuras, algumas relações intensas que me marcaram muito, outras que preferia não lembrar.
Kakashi arqueou uma sobrancelha. Não era esse o tipo de conversa que esperava ter com o pai.
— E por que está me contando isso agora?
Sakumo ergueu os olhos para o filho, o olhar transparecendo algo que Kakashi não conseguiu decifrar.
— Eu… me envolvi com algumas pessoas e uma delas foi Madara.
O nome atingiu Kakashi como um soco.
— Madara? — ele repetiu, confuso. — O pai de Iruka?
Sakumo assentiu lentamente.
— Sim. Eu e ele tivemos um caso há muitos anos. Foi intenso e rápido, e logo seguimos caminhos diferentes. Não houve nada de errado nisso. Mas agora… agora pode haver consequências.
Kakashi sentiu a respiração vacilar, sem entender o que aquilo significava.
— Pai, por que está me dizendo isso? O que Madara tem a ver com…
Sakumo fechou os olhos por um instante antes de soltar a verdade.
— Filho… há uma chance de que Madara seja seu pai.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Kakashi piscou algumas vezes, lutando para absorver aquelas palavras, tentando juntar os pedaços de um quebra-cabeça que, até aquele momento, nem sabia que existia.
— Isso… — Sua voz falhou, os pensamentos embaralhados. — Isso não faz sentido.
Sakumo assentiu lentamente.
— Eu sei. Mas é a verdade.
Kakashi engoliu seco e então levantou-se abruptamente, sentindo o chão desmoronar sob seus pés.
— Você está me dizendo que, por causa disso, Iruka pode ser meu irmão!?
Sakumo passou uma mão pelos cabelos grisalhos, bagunçando os fios presos no habitual rabo de cavalo, e respirou fundo. Não conseguiu responder de imediato. Não precisava. O silêncio foi uma resposta suficiente para o mais novo.
— Isso não pode ser verdade. Não pode!
— Eu entendo o que está sentindo…
— Entende? — Kakashi riu, sem humor. — Como poderia entender? Eu passei a minha vida inteira sem pensar em um futuro com ninguém, sem acreditar que eu poderia ter algo assim. Então apareceu o Iruka… E agora você me diz que…
Ele engoliu novamente em seco, sem conseguir terminar a frase.
Sakumo levantou-se e aproximou-se do filho.
— Sei que isso é um choque. Mas precisamos lidar com essa situação.
— Como? Como eu lido com isso, pai?
— Descobrindo a verdade.
Kakashi riu de novo, mas agora havia algo quebrado naquele som.
— Você quer que eu simplesmente sente e espere? Que olhe nos olhos de Iruka e continue fingindo que não sei disso?
— Eu não disse que vai ser fácil.
Kakashi balançou a cabeça.
— Não… eu não posso continuar. Eu não posso vê-lo sem pensar nisso.
— E se não for verdade? Você vai se arrepender de deixá-lo por algo que talvez nem exista?
— E se for? — Kakashi rebateu, a voz falha. — Como eu poderia viver com isso?
Sakumo não tinha respostas. E isso era o pior de tudo.
Kakashi sentiu o peito arder. Tudo o que construiu com Iruka… tudo o que sonharam… Agora não passava de cacos de vidro.
Ele precisava sair dali.
— Eu preciso pensar.
— Eu sei, filho. Mas é melhor do que viver uma mentira. Ao menos, até termos a certeza de tudo. Não quero parecer cruel ou insensível. Eu posso somente imaginar o quanto isso vai abalá-los, mas vocês encontrarão o caminho de volta um para o outro.
Kakashi não respondeu, apenas fechou os olhos por um instante, tentando afastar a imagem de Iruka de sua mente. Mas era inútil. Ele sabia que, mesmo longe, nunca deixaria de amá-lo.
Sakumo viu o filho se levantar e andar até a porta sem nem olhar para trás. Não o impediu, somente observou enquanto Kakashi saía, o coração apertado ao ver o filho carregando o peso de algo que ele mesmo nunca quis enfrentar.
E quando a porta se fechou, Sakumo soube que, independentemente da verdade, nada seria como antes.
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Iruka saiu da casa dos pais completamente abalado. Não sabia o que pensar, o que fazer, nem se deveria contar a Kakashi. Não sabia se continuava ao lado dele com todas aquelas incertezas. Mesmo assim, em meio a todo aquele turbilhão, ainda desejava o alfa ao seu lado. Queria ser abraçado, amparado e protegido. Queria acreditar que tudo era apenas um pesadelo terrível e que logo abriria os olhos e encontraria seu amado ao seu lado, o olhando com preocupação e em seguida dizendo que tudo ficaria bem.
A tensão aumentou quando se aproximou de sua casa. Sua mente criou os piores cenários, onde tudo parecia girar em torno daquela possibilidade terrível. E se fossem irmãos? O amor deles estava prestes a se desfazer?
Iruka se recusava a acreditar. Mas o medo crescia dentro dele como uma erva daninha, sufocante, implacável.
Assim que entrou em casa, encontrou Kakashi sentado no sofá, com o olhar distante e os ombros tensos. Ao lado dele, uma pequena mala. Seu coração disparou. O pesadelo nunca teria fim?
— Oi, amor… ‘tá tudo bem? — tentou soar calmo, mas a voz trêmula e a respiração acelerada o denunciava.
Kakashi ergueu os olhos para ele, e Iruka viu algo que nunca vira antes: um vazio profundo, uma seriedade que beirava o sombrio. Seu peito se apertou. O silêncio entre eles era sufocante, pesado como chumbo.
— Precisamos dar um tempo, Iruka.
A frase caiu sobre ele como uma lâmina fria. Seus pulmões travaram, e a bile subiu à garganta. O mundo ao redor pareceu oscilar, ameaçando desmoronar a qualquer instante.
— O quê? — ele murmurou, com os olhos arregalados, buscando no rosto do namorado qualquer traço de hesitação. — Por quê? — sua voz vacilou, mas ele não podia evitar.
— Acho que você sabe. — Kakashi massageou as têmporas, exausto. — Eu sinto a sua tristeza, sua angústia, sua agitação. Eu te conheço, Iruka.
— Você está terminando comigo? Por causa dos nossos pais? — Iruka perguntou, sentindo a raiva misturada ao pânico crescer em sua voz.
— Eu não sei — Kakashi soltou, arrastando a mão pelos cabelos, como se quisesse arrancar as próprias dúvidas. — Eu não sei o que fazer, Iruka. Se há a menor chance de sermos irmãos, como podemos continuar juntos? Isso… Isso nos destruiria.
— Mas nós não sabemos de nada ainda! — Iruka rebateu, a voz falhando, os olhos marejando. — Você vai jogar tudo fora com base em uma dúvida? E tudo o que construímos? E tudo o que somos?
— Eu não posso fingir que essa dúvida não existe. — Kakashi desviou o olhar, o peito subindo e descendo rapidamente. — Eu te amo, Iruka, mas não posso arriscar que isso seja verdade. Você consegue? Consegue conviver com essa sombra sobre nós?
— Eu… Eu não sei! — Iruka apertou os punhos, as unhas cravando na palma das mãos. — Mas eu sei que não quero te perder! Você é minha casa, meu porto seguro! Não tenho mais ninguém! Você vai mesmo me deixar agora? Quando mais precisamos estar juntos?
O silêncio que cresceu entre eles era ensurdecedor. Iruka sentia cada batida do próprio coração reverberar na cabeça, cada respiração irregular de Kakashi ecoando no espaço entre eles. Mas ele sabia. No fundo, já sabia.
— Me diz que isso é só um pesadelo, Kakashi — ele implorou, sentando-se ao lado do alfa e fazendo-o encará-lo. — Me diz que não vai me deixar…
O Hatake encostou sua testa na do ômega, querendo ignorar tudo, desejando poder fugir dali com Iruka e deixar tudo para trás e recomeçar em outro lugar. Mas, mesmo ali, naquele momento, aquela dúvida o sufocava. Ele estaria amando seu irmão? O beijando? O desejando de todas as formas? Ele não conseguia.
Kakashi fechou os olhos por um instante, como se absorvesse a dor naquelas palavras. Quando os abriu novamente, não havia hesitação, apenas um cansaço avassalador.
— Eu te amo e sempre vou te amar, mesmo que duvide disso agora. Espero que quando tudo isso acabar, a gente encontre o caminho de volta um para o outro. Adeus, Iruka. — Kakashi deixou um beijo demorado nos cabelos castanhos, lutando contra a ardência nos olhos e ignorando o chamado do seu corpo para pegar o ômega em seus braços e acolhê-lo.
A porta se fechou com um clique suave, mas o som reverberou como um trovão aos ouvidos de Iruka.
E então, ele ficou sozinho. Sozinho em meio aos cacos de um amor que acreditava ser inquebrável e que, agora, parecia irremediável.