
CAPÍTULO 2 - Uma Raposa Entra Nos Meus Sonhos
Aquela noite pelo visto não seria das mais rápidas para se pegar no sono. Depois de virar e revirar na cama pelo que pareceu horas, finalmente a dor sanou ao ponto de conseguir dormir.
O que aconteceu em seus sonhos naquela noite, ela culparia a dor de cabeça.
Ela sentiu algo espetar suas costas, e passando a mão ao redor sentiu algo que parecia a consistência de grama. A garota abriu os olhos fracamente e a primeira coisa que viu foi os galhos de uma grande árvore impedir que a luz forte refletisse tanto em seu rosto. Ao se sentar encontrou uma raposa com pelagem laranja com cinza a encarando.
- Estava começando a duvidar que você viesse. - A raposa falou.
A. Raposa. Falou.
A. Raposa. Falou.
- Raposas podem falar? - ela diz e olha ao redor. Aquilo era loucura. Colocou as mãos nos cabelos para ver se sentia algum machucado, mas só encontrou folhas da árvore e grama. Tentou não pensar no ninho de rato que estava o seu cabelo.
- De tanto coisa a questionar, é nisso que que se centrou? - o animal a olha com atenção. - Como encontrou o caminho?
- Quem é você? E que caminho? - ela ainda estava confusa.
- Eu sou você. - Alycia podia jurar que a raposa lhe deu um sorriso. - Me disseram que me encontraria quando estivesse pronta.
- Pronta para o quê? - ela olhou ao redor, mas só o que se via era a floresta ao seu redor, estava com o animal no que parecia ser uma relva.
Seu coração batia tão forte contra seu peito que parecia um milagre não ter saído para fora.
- Para entender seu verdadeiro eu. - o animal falante olhava para o seu peito, sem dúvida ouvindo seu coração golpear a golpes fortes. - Sua vocação. Para o que foi destinada. Você não tem curiosidade?
- Isso é loucura. Eu tô numa peça? Isso é reencenação de Alice no País das Maravilhas? Vou entrar por um buraco agora?
- Não posso te contar muita coisa. Mas por favor, o meu mundo, o nosso mundo, corre perigo. Por favor, me ajuda a mudar o rumo das coisas. Me ajude a salvar as pessoas que eu amo.
No fim, ela desconfiava que aquela raposa realmente a conhecia, pois sabia dos seus pontos fracos, e um deles era sentir pena de pessoas que pediam desesperadamente por ajuda, como ela. Ela soltou um suspiro resignado, pensando em tudo que iria mudar, tudo que iria abrir mão por aquele momento.
- Tudo bem. Vou com você. - mas seus pais e sua amiga passaram por sua cabeça e ela exitou um pouco. - Preciso me despedir antes, deles.
Certo. Encontro você aqui em uma hora. - o animal a olhou como a entendesse, e talvez entendesse mesmo, se realmente fosse quem dissesse ser, ela, afinal.
Quando Alycia acordou, o céu estava mais escuro sinalizando que era de madrugada. Ela olhou confusa ao redor do quarto e como uma avalanche o sonho veio a sua memória. Ela estava ficando louca, igual aquelas meninas da internet.
Ao entrar na cozinha para beber água e ver se esquecia o sonho, não ficou surpresa ao ver sua mãe também atrás de água.
- Aly, acordada a essa hora filha? Amanhã você tem aula. - não era estranho encontrar sua mãe perambulando pela casa de madrugada, ela tinha insônia, e nem todos os tratamentos que tinha feito tinha dado certo.
- Tive um sonho estranho e acordei. - ela deu de ombros, pegando água para si. Não sabia se era real o que tinha sonhado e concordado em fazer, mas assumia que demonstrar um pouco de afeto pelos pais não seria tão estranho. - Posso passar o resto da noite com a senhora e o pai? Acho que consigo dormir melhor.
- Claro, minha filha. Vou só ao banheiro.
Aproveitando a deixa da mãe, a menina foi ao seu quarto e pegou o celular, digitando o que esperava não ser uma mensagem de adeus para sua melhor amiga. “Beatriz, te amo. Obrigada por ser a pessoa mais irritante da face da terra e me convencer de entrar nas suas loucuras. Sim, eu pesquisei sobre o lance de visita aos universos, loucura garota. Se trate imediatamente.”
Acompanhando a mãe após enviar a mensagem, se deitou entre os pais, sem querer acordar o pai que dormia profundo, soltando roncos baixinhos. Ela suspirou ao fechar os olhos e disse um “eu amo vocês” antes de agarrar no sono novamente.
Quando acordou dessa vez estava na beirada de um rio, com a raposa ao seu lado, as duas olhando para a água que as refletia.
- Pronta? - o animal disse a olhando pelo reflexo.
- Tenho medo, não sei para onde você vai me levar.
- Eu nunca machucaria a gente. Alycia, mais uma coisa, tenha cuidado com os verdes e não tenha compaixão com os falsos amigos.
- Você não vai me dizer para onde eu vou? Eu me despedi deles por nós.
- Para casa, Alycia. Você vai para casa, e obrigada pela despedida, finalmente posso ficar em paz.
Ao acabar a frase, a garota já estava sendo empurrada para a água do rio, perdendo a consciência ao bater nele. Sua alma, como a raposa tinha dito, estava indo para casa, mas seu corpo foi ficando inerte ao longo das horas que se passavam e a manhã surgia. E quando seus pais acordaram e a deixaram dormir mais um pouco, não desconfiaram que sua filha não acordaria mais naquela dimensão.
Quando deu o horário próximo da hora da aula da garota, e seu pai foi a acordar, sua filha não despertava. Ao chamar a esposa desesperada que também tentou a acordar sem sucesso, os vizinhos acordaram com os gritos e choros daqueles pais que não teriam mais a filha única de volta. Mas ao aceitar a aventura proposta pela raposa, Alycia não sabia disso.
Mas a raposa sabia, afinal, era ela ou a ideia dela no futuro desesperado, e naquele momento em que os pais choravam abraçados enquanto os vizinhos chamavam o socorro e a garota mergulhava nas águas, o animal se sentiu grato pela despedida que nunca tinha conseguido fazer.