Ensejo.

Marvel Cinematic Universe Agatha All Along (TV)
F/F
G
Ensejo.
Summary
Se Rio Vidal houvesse a chance de voltar no tempo, teria sido tudo diferente?
Note
escrevi essa one há uns anos e decidi adaptar pra agathario. (fiquei com preguiça de passar pro inglês, foi mal :p)seja lá quem for ler: aproveite <3

1 ano.

Havia se passado 1 ano desde que tudo aconteceu. Dolorosos 12 meses os quais Rio não aguentava mais. Enorme era o vazio que fora deixado em seu coração, um buraco aberto em sua vida que jamais poderia ser preenchido, e estava sendo difícil lutar e tentar se manter de pé quando as lembranças ainda bastante vívidas em sua mente lhe revisitavam diariamente, tirando de si cada gota de sofrimento. Os demônios internos que viviam em seu inferno pessoal não deixavam-na em paz, escondidos pela escuridão que havia abrangido todo o seu ser sem deixar um único resquício de luz ou de felicidade, muito menos cores vivas, absolutamente nada. O vazio lhe matava por dentro a cada mês, semana, dia, hora, minuto e segundo. "Não há mais lágrimas para chorar" era a maior mentira que Vidal contava a si mesma, porque todas as noites o soar de seus soluços preeenchia um cômodo quieto em meio ao breu que o encobria, perturbando o silêncio, junto das gotas que escorriam por sua face de uma forma tão desesperada que fazia sua cabeça doer como nunca, assim a fazendo adormecer para despertar na próxima manhã torturante.

Virou rotina: acordar, passear pela casa, lembrar-se de tudo, todos os momentos bons, todas as lembranças que teimavam em viver em sua mente por mais que tentasse expulsá-las, os cheiros, os sons. Tudo era vívido, até demais para seu gosto.

Admirando o rosto de quem tanto amava, naquele dia em especial, e com o coração apertado e já partido há tanto tempo — que mais parecia uma eternidade — Rio visitava novamente tais lembranças dolorosas, a fim de sentir-se um pouco em paz na presença de sua amada. Pelo menos um pouquinho, porque sabia que, no dia seguinte, estaria novamente a cinco passos de cometer um ato considerado pura loucura.

— Dia 14 de junho de 2023. Se lembra dessa data, m'lady? Porque eu lembro. Mora aqui... — Rio tocou a própria testa levemente. — na minha mente, até hoje. Tão viva quanto nunca.

14/06/2023

"Vamos, amor. Iremos nos atrasar!"

O grito familiar soou tão alto quanto nunca. Não demorou até Vidal avistar um sorriso aberto, tão certinho e branquinho, brilhando tanto que serviria até para ser modelo de comerciais de pasta de dente e essas coisas. Era apenas uma das coisas que mais amava em Agatha Harkness. Então, antes que a mulher pudesse chamá-la novamente, Rio se levantou do sofá, deixando de lado o livro que havia pegado para ler enquanto sua amada se arrumava. Ela retirou do rosto seus óculos de leitura quadrados e os deixou acima da mesinha junto com o amontoado de folhas. Rio caminhou até a mulher dos olhos mais azuis que já havia visto em toda sua vida: magníficos, celestiais, eles eram únicos, como dois pedaços de safira, os quais pertenciam a Agatha Harkness — e bom, a ela mesma também, como sua esposa sempre dizia.

"Eu que tenho as roupas complicadas, e você que demora a se arrumar usando... isso." Rio apontou para as vestes de sua mulher.

"Ei! Isso foi o mais confortável que achei pra usar. Não se esqueça de que o nosso bebê tá me impedindo de vestir o que eu mais amo."

"Esses vestidos confortáveis combinam com você, mi amor" ela inclinou-se na direção da mulher, tocando com delicadeza sua barriga de 5 meses. "Muito obrigada por fazer sua mamãe ter que usar esses vestidos, bebê. Ficam lindos nela."

Agatha soltou uma leve risada, fazendo com que sua barriga se mexesse suavemente.

"Não vejo a hora de voltar a usar as minhas roupas."

"Você fica linda com qualquer roupa, cariño" Rio voltou a olhá-la nos olhos, inclinando o rosto para beijá-la. "Vamos. Quero saber logo se teremos a Morgana ou o Nicholas."

A morena mais nova saiu puxando sua amada pela mão, a guiando até a porta que levaria ambas até a garagem de casa.

"Não seria Melinoe ou Thanatos?" Agatha indagou, confusa. Sua esposa falava tanto naqueles nomes que achou que seriam aqueles.

"Só se tivéssemos um casal de gêmeos, porque os nomes combinam," Rio tocou a barriga da mulher novamente e a acariciou — era como um vício, sentir a pele macia, às vezes o bebê se mexendo ali dentro. Rio amava. "Mas há apenas um bebê no forninho, então iremos de Morgana ou Nicholas."

Agatha acariciou a mão grudada na sua que ainda a puxava pela enorme casa até que chegassem na garagem. Harkness sabia o quanto Vidal sonhava em formar uma família, ser mãe, gerar uma criança, algo que ela nunca tivera a oportunidade de fazer durante os anos em que esteve casada com sua ex-esposa: a outra mulher não queria ter que gestar o bebê, e Rio não conseguia engravidar por conta de um problema de saúde que havia. Bom, juntaram o útil ao agradável em seu relacionamento, pois Agatha também queria ter filhos, então aceitou gestar seu bebê e o de sua esposa sem problema algum, e toda a dor que passara pelo processo da FIV havia valido a pena até aquele momento.

O brilho que refletiu nas iris acastanhadas de Rio fora impagável quando Agatha a contou que tudo havia dado certo e que teriam um bebê logo.

Naquele dia, foram para um exame de ultrassom, e Rio estava tão ansiosa que fumou três cigarros só na parte da manhã; ela mal conseguia conter sua felicidade e a ansiedade. E então, descobriram que daqui a alguns meses teriam seu precioso Nicholas Harkness-Vidal, e não poderiam estar mais felizes do que já estavam.



— Foi um dos dias mais felizes da minha vida... — a voz embargada fizera-se presente, junto com as lágrimas que teimavam em cair pelo rosto de Vidal. — Nosso pequeno Nicky, tão precioso, tão puro e inocente. Ainda me lembro de quando ele deu seus primeiros passos, sabia? Lembro de tudo. Até de quando ele falou "mama" e eu e você quase surtamos e fizemos ele chorar pelo susto. — ao rir fraco, uma lágrima escorreu, mas ela a limpou rapidamente.

Sentou-se, observando cada detalhe do rosto de sua mulher: seus lábios rosados e finos, os olhos cerúleos tão brilhantes e vívidos, as maçãs do rosto pouco avermelhadas por conta de um leve blush e o sorriso que residia no canto de sua boca. Respirou fundo, sentindo-se em paz na presença dela. Vidal sempre se sentia daquele jeito, e era uma paz tão inexplicável, tão imensurável. Apenas ela e sua Agatha, sozinhas naquele local, e mais nenhuma alma viva presente para atormentá-las, bem do jeito que sempre deveria ter sido.

— Ainda tenho nossos videos, nossas fotos... Não apaguei nada, eu nunca faria isso. As pessoas até dizem que eu tinha que parar de mandar mensagens pro seu número, mas, quer saber? Que se fodam todos. Isso é a única coisa que faz com que eu esqueça que quero morrer.

Rio puxou o ar com vontade e o expeliu pelas narinas. As lágrimas escorriam por seu rosto em um choro repleto de dor e sofrimento, porém tão silencioso quanto nunca, nenhum soluço ousava rasgar sua garganta e escapar por entre seus lábios um pouco rachados.

— O aniversário de 1 ano do nosso filho... Mesmo que não tenhamos feito uma festa, só algo entre nós três, foi um momento que eu nunca seria capaz de esquecer.

11/10/2024

O sol estava mais cintilante do que nunca do lado de fora, e os raios solares invadiam os cômodos da grande residência pelas cortinas e persianas abertas, iluminando tudo e fazendo com que não precisassem deixar as lâmpadas da casa acesas. Agatha, naquele dia especial, cozinhava com todo amor e carinho do mundo um bolinho para seu filho. Nicholas estava fazendo 1 aninho e a mulher sentia-se mais do que emocionada sempre que aquele fato a atingia com tudo no dia, e era como se alguém estivesse lhe batendo com um taco de baseball. O tempo estava passando rápido demais, por isso Rio Vidal também tentava aproveitar ao máximo cada momento da vida de seu filho e de sua esposa, pois não queria perder nada — a sensação que tinha era de que se até mesmo ousasse piscar, perderia uns bons meses.

"Prontinho!"

Agatha ouviu sua voz favorita no mundo soar na cozinha e um sorriso logo iluminou seu rosto.

"Nicky está de banho tomado e arrumadinho pra tirar foto com o bolinho dele."

Harkness virou-se apenas para encontrar sua mulher e seu filho, parados na entrada da cozinha, e ele no colo dela, tão calmo e confortável. O pequeno, que a olhava de forma curiosa, logo passou a arregalar aqueles grandes olhos castanhos, os quais ele havia puxado de Rio, para o bolo que terminava de enfeitar.

Rio caminhou em sua direção e riu, o que a fez franzir o cenho em confusão.

"O que foi?" indagou Agatha.

"Tem um pouquinho de glacê aqui" Rio lambeu a pontinha do nariz alheio e a deu um beijinho em seguida. "Pronto, limpinha."

"Ah, eu nem percebi" riu fraco, voltando a finalizar o bolo. "Puta que pariu, fodi foi tudo aqui..." Agatha resmungou, pegando a espátula para consertar o erro cometido.

Rio aproximou-se dela, estreitando levemente os olhos para o bolo, confusa.

"Gag Nicky? Sério?"

"Ei, não são G's, são Y's, de yay. Yay Nicky."

"Olha, Agatha, uma pessoa normal teria escrito apenas um Feliz Aniversário" Vidal viu a mais velha fazer um biquinho e o beijou em seguida, rindo. "Mas você não é normal e eu amo isso."

"Idiota."

Harkness voltou sua atenção ao bolo, grunhindo baixo de raiva pela parte do glacê que estava desarranjada.

"Mas que porra!"

"M'lady, deixa assim. O Nicky não vai nem se lembrar que você estragou o bolo dele. Não é, amorzinho?" Rio começou a fazer voz de bebê para o pequeno em seus braços. "Fala pra mamãe assim: mamãe Aggie, eu só quero tirar algumas fotos com o meu bolinho."

"Então vem tirar foto com o seu bolinho, pirralhinho!"

Rio soltou uma risada amena, observando Agatha se aproximar e tomar Nicholas de seus braços, o enchendo de beijinhos ao que deixava escapar algumas risadas com as gargalhadas do menino. Ela observou, quieta em seu canto, enquanto a mais velha brincava com o filho, girando, arrancando risadas fofas dele e com um enorme e brilhante sorriso no rosto. Sorriso esse que Rio Vidal amava. Tamanha felicidade mal cabia em seu peito, e, apenas por um momento, Rio sentiu uma enorme vontade de chorar ao vê-los daquela maneira: saudáveis e felizes.

Rio os amava tanto.

— Eu ainda consigo ver vocês dois daquele jeito... — ela sorria fraco, de lado. — Você andando com ele pela casa, correndo atrás dele, brincando... Às vezes é tão real que eu consigo até mesmo falar com você, mas quando percebo, tô falando com nada mais do que o vazio.

Rio alcançou a mão de sua mulher, que estava muito gélida para seu gosto. Porém, os olhos azuis, tão cintilantes e celestiais, lhe encaravam atentamente, então ela não se preocupou.

— Me lembro de cada coisinha, cada mania, cada gosto seu. Sinto tua falta todos os dias, da sua pele na minha, dos seus lábios nos meus, do seu calor esquentando o meu corpo frio, do seu cheiro doce... Porra, ainda é tão, mas tão estranho dormir todas as noites sem a sua presença, sem- sem a sua mão no meu peito — riu, sem humor. —, e é estranho não ouvir mais você dizer o quanto ama o biquinho que eu faço enquanto durmo. É estranho não presenciar mais as suas manias irritantes e não ter você presenciando as minhas.

Vidal sentira sua voz falhar no mesmo instante em que as lágrimas de um choro repleto da mais pura e genuína dor que estava sentindo lhe atingiram com tudo como um tiro fatal no peito. A falta de ar fez-se presente, e quanto mais chorava, mais sentia seu fôlego indo embora. Àquela altura já respirava com toda a dificuldade do mundo, de forma audível e rápida, sentindo o mundo ao seu redor girar e colapsar. Soluços fortes e agressivos saíam rasgando por sua garganta, caindo em seus ombros como destroços, judiando de sua pessoa. Estava completamente vulnerável, seus demônios internos estavam em exposição, e era como se toda aquela escuridão que tomava conta de seu ser houvesse se espalhado pelo quarto, de forma rápida, se alastrando por cada parte do cômodo e engolindo tudo o que podia.

— Eu te amo tanto. Volta pra mim. Por favor, meu amor, m'lady, minha Agatha... Por que você me deixou? Por que me abandonou assim? Por quê? Por que o destino resolveu tirar você da minha vida? O que eu fiz de errado? HEIN? O QUE EU FIZ?

Àquela altura, já berrava com todo o fôlego que tinha, ajoelhada e derrotada. Abraçando como podia o corpo de sua esposa, Rio a apertava, implorava e suplicava para que a mulher mais velha voltasse para ela, que lhe desse mais uma chance; uma chance de amá-la mais ainda, de fazê-la mais feliz ainda. A mulher questionava a si mesma o que havia feito de tão horrível naquela vida para que o destino decidisse fazer com que Agatha fosse embora, que decidisse deixá-la sofrendo sem o amor de sua vida ao seu lado, sem suas manias, seus trejeitos, sem seus beijos, os toques, as risadas, os sorrisos alegres, e com a falta dos olhos cerúleos que tanto amava naquele mundo. Aquela cor vibrante lhe fazia mais falta do que qualquer um poderia imaginar.

E sentia-se tão culpada; culpada de terem um filho tão parecido com Agatha, ainda que não totalmente fisicamente. Nicholas havia a mesma mania que Agatha tinha de dormir com a mão em seu peito, como se buscasse conforto, ele também ria como ela, e o menino só tinha apenas 2 anos, mas ela já sabia que a personalidade de sua esposa havia ido toda para ele, além do fato de seu filho ter nascido no mesmo dia em que Agatha fazia aniversário, porém em um mês diferente. Apenas um mês antes.

A culpa caía por seus ombros como um peso impossível de ser carregado. Todo dia 11, de cada mês, não aguentava olhar para aquela criança inocente e lembrar de sua esposa e também de que Agatha havia ido embora de suas vidas. Sentia-se a pior mãe do mundo por ter que deixar seu próprio filho nesses dias com Wanda, uma amiga, por não conseguir nem ao menos ficar perto dele – por mais que Maximoff fosse de confiança e quase que uma irmã para ela. Não merecia o bebê incrível que tinha. Estava pagando por todos os seus pecados e essa só poderia ser a única explicaçao para tudo aquilo, mas até ela mesma pensava merecer passar por todo aquele sofrimento, porque sua ex-esposa sempre dizia que almas indignas como a dela mereciam queimar no inferno. A conta de Rio Vidal veio, cedo ou tarde.

Vivia o Inferno na Terra a cada dia que passava.

— Rio.

A voz familiar soou em alto e bom som. Ela estava de olhos fechados, abraçando com toda a força existente em seu ser a pessoa que descansava em seus braços. Rio então sentiu uma mão lhe tocar o ombro.

— Rio, chega. Vamos embora.

Não quis dar ouvidos, só queria continuar ali, chorando, com sua amada em seus braços.

— Vidal!

E novamente, a voz a chamou, mais firme e até rígida, porém em um grito que fora capaz de despertá-la, como se ela houvesse recebido um choque por todo seu corpo. Vidal observou tudo ao seu redor, trêmula, confusa, perdida. Gotas de chuva caíam fortemente sobre seu corpo já encharcado por conta do temporal que havia começado. Então, ela finalmente percebeu: em seus punhos cerrados, continha um punhado de terra molhada. Rio afastou-se da onde estava, com a respiração já desregulada, ofegante, e o choro preso na garganta pelo susto que tinha levado.

Os olhos marejados leu as palavras gravadas à sua frente, com a visão levemente borrada pelas lágrimas:

AGATHA HARKNESS-VIDAL

11/11/1985 – 11/11/2024

"NOUS RENCONTRERONS DANS D'AUTRES VIES, MON AMOUR."

As íris acastanhadas caíram sobre a foto da mulher de longas madeixas escuras que havia na placa daquela lápide, seu olhar admirando cada minúcia da face dela, não deixando passar despercebido um mínimo detalhe sequer. Aquela frase na lápide era a que Agatha sempre dizia que gostaria de ter gravada na dela quando morresse de velhice ao lado de Rio, e aquela frase era para Rio. Especialmente para sua Rio Vidal.

Agatha estava morta.

Agatha havia morrido em um acidente de carro, o qual Rio descobriu tarde demais ter sido obra de sua ex-esposa, Eris, que vivia para atormentar sua vida.

Eris havia jurado Agatha de morte antes disso, muito bem antes, e bem na cara de Vidal, que pensou ser apenas mais um blefe de uma ex frustrada com as escolhas que ela mesma havia feito sobre o casamento que tiveram.

Rio deveria ter feito alguma coisa, deveria ter desconfiado de tudo mais cedo, porém descobrira aquele plano tarde demais, ligou os pontos tarde demais.

Ao ser confrontada, Eris fizera questão de lhe contar detalhe por detalhe. Ela cortou os freios do carro de Agatha, e sempre a vigiando de longe, esperou com que sua esposa saísse com o veículo. Eris pagou alguém para jogar um caminhão na direção do carro de Agatha, em uma descida onde havia um sinal de trânsito, e sua esposa não pôde freiar antes que aquela tragédia se concretizasse.

Todo aquele pesadelo que estava vivendo havia sido meramente calculado por sua maldita ex-esposa.

— Rio...

Vidal ergueu o olhar e avistou Hela, sua irmã e melhor amiga, bem ali, parada ao seu lado, segurando um guarda-chuva preto, enquanto carregava em sua expressão uma leve carranca de preocupação. Ela era uma das poucas pessoas que estavam lhe ajudando naquele momento difícil. Rio estava caída, sentada na terra, rente à lápide de sua esposa, agora encarando aquelas palavras novamente.

Era sempre difícil aceitar sua nova realidade. Sempre tinha aqueles surtos de distorção onde achava que Agatha estava ali com ela, porém na verdade não era nada e estava falando com o vazio, conversando com o silêncio ensurdecedor de sua residência.

— Vamos, Rio.

Não. Não conseguia aceitar.

— Nicky precisa da mãe dele. — Hela continuava insistindo. — Precisa de você.

— Sabe que eu não consigo. Não hoje. Você sabe bem que dia é...

— Dia 11 de Novembro de 2025.

E, subitamente, o choro anteriormente interrompido voltou com tudo.

— Vamos, Rio. Já chega disso.

— Não, não, não, não... NÃO!

Hela tentou puxá-la, mas Rio não lhe deu ouvidos e lutou, lutou para ficar ali, abraçada à lápide de mármore, derramando sobre aquelas palavras gravadas suas lágrimas e seus soluços, pouco se importando se estava encharcada do temporal ou se seu vestido estava sujo de terra molhada. Que se foda tudo!

Ela só queria uma chance.

— ME DEIXA EM PAZ, PORRA! — gritou, com todo o fôlego que havia em seus pulmões, afastando as mãos da outra mulher com certa rispidez. — Por favor, me dá uma chance... Me deixa voltar, por favor, por favor, eu preciso de mais uma chance, uma chance de salvar ela, eu imploro... Me dá uma chance, eu não vou aguentar viver assim- ME DÁ A PORRA DE UMA CHANCE! Eu preciso da minha Agatha de volta. Eu preciso dela.

Hela ainda tentava puxá-la a todo custo. Até que conseguiu.

A outra mulher a afastou de lá com bastante dificuldade: Rio gritava em direção à lápide, tentava se soltar, esperneava, até berrava com algumas falhas na voz, indicando que fazer aquilo estava machucando suas cordas vocais. Hela conseguia sentir dali toda a dor que sua irmã estava sentindo, a perda de um amor que tinha tanto pela frente, uma história tão linda que fora interrompida subitamente sem dó, nem piedade; ela amaldiçoava Eris todos os dias, e nunca se arrependeria do dia em que fora atrás da mulher para descer nela a maior surra que Eris provavelmente nunca recebeu em sua vida antes. A única coisa boa que resultou daquilo tudo, foi que, o cara que dirigiu o maldito caminhão na época – e que saiu vivo, pois pulou do mesmo antes de atingir o carro de Harkness – entregou-se para a polícia e também dedurou Eris, com várias provas do que ela havia feito, e provas de outras coisas horrendas que a filha da puta também fizera no passado para seu próprio benefício. Então, assim como esse cara, Eris estava presa, e iria apodrecer na prisão, talvez até morresse cedo lá – e Hela pouco estava se fodendo para as condições da desgraçada.

— Hela, por favor... Se eu ao menos pudesse...

A voz de Rio falhava, e ela já podia sentir seu corpo inteiro fraquejar.

Já próximas do carro estacionado, sua irmã abriu a porta de trás para colocá-la dentro do veículo. Assim que a porta bateu, Rio encostou a cabeça na janela fechada, olhando de canto para o bebê que estava ali dentro, dormindo em sua cadeirinha. Tão sereno, tranquilo como nunca. Com o ronco alto do motor, Nicholas acabou acordando e, consequentemente, o chorinho alto e assustado ecoou por todo o veículo. Vidal suspirou, pesadamente, o observando por alguns segundos, mais do que hesitante. Ainda doía tanto, mas sua irmã estava certa: Nicholas precisava dela, agora era a única que ele tinha.

Rio inclinou-se em direção à cadeirinha, soltando o cinto que prendia o menino. Ela pegou seu filho no colo, o segurando com delicadeza, e começou a balançar-se suavemente para acalmá-lo. Não tardou até Nicky voltar a dormir e o carro voltar a estar silencioso, com apenas o som abafado da chuva que caía do lado de fora. Vidal encostou levemente a ponta de seu nariz ao do pequeno, esfregando a região de forma branda, e depositou um beijinho na pontinha do nariz dele, o vendo sorrir durante o sono. Tão idêntico à outra mãe, mesmo que, fisicamente, ele fosse idêntico à Rio. Sentindo uma enorme vontade de chorar lhe atingir com tudo, ela colou sua testa na dele e então inspirou vagarosamente o cheirinho de bebê do menino.

Por favor, apenas uma chance. — sussurrou em uma súplica, mantendo seus olhos fechados. — Nós precisamos dela.

Subitamente, o alto estrondo de um trovão pôde ser escutado de dentro do veículo, indicando que um raio havia caído ali por perto. Por sorte, não acordou Nicholas, mas o coração de Rio acelerou naquele mesmo instante, não somente pelo susto, como também de preocupação. Rio apenas desejou estar em casa logo, segura daquela tempestade com seu filho. Ela pôs o bebê novamente na cadeirinha, assegurando-se de que ele ficaria bem e confortável em seu sono. Então, encostou-se novamente na janela do veículo, a fim de descansar um pouco, perder-se em sonhos, caída nos braços de Morfeu; só naquele outro mundo poderia encontrar sua amada Agatha novamente, como sempre acontecia toda vez que adormecia.

O próximo despertar fora estranhamente tranquilo, suas pálpebras se abriram aos poucos e ela conseguiu enxergar seu quarto parcialmente iluminado; provavelmente Hela não quis acordá-la, então a deixou na cama. Rio notou também que sua irmã mais velha havia trocado suas roupas, pois agora usava uma camisola de seda da cor verde. Virou a cabeça de lado, avistando o horário no relógio digital, já estava de tarde, e o temporal de mais cedo parecia ter passado, já que raios solares invadiam o cômodo pelas frestas das persianas fechadas. Rio se levantou, preguiçosamente, ao se espreguiçar; estava faminta e sentia-se exausta depois de tudo o que aconteceu no cemitério, apenas queria se acabar de comer até não aguentar mais.

Ao sair do quarto, ela rumou até o primeiro andar, caminhando em passos curtos à cozinha.

Ali encontrou Agatha, alegre, enquanto fazia algum lanche para as duas – deduziu isso pelos dois pratos acima do balcão de mármore.

— Finalmente acordou, meu amor. Boa tarde, coisa preguiçosa. — Agatha sorriu, voltando a dar atenção aos sanduíches que preparava.

— Boa tarde, amor. — limitou-se a dizer.

Não era Agatha.

Aquela era somente uma das típicas alucinações que tinha durante o dia, constantemente. Rio já havia se acostumado a ver Harkness andando pela casa, em vários momentos dos dias, fazendo coisas e vestindo roupas diferentes. Tudo uma distorção de sua realidade cruel. Ela se deu conta de que havia esquecido seu celular no quarto e subiu novamente ao cômodo para pegar o aparelho. Ainda sonolenta, tropeçou, quase caindo nos degraus altos, e aquilo serviu como um baque para lhe fazer acordar de vez. Rio adentrou o cômodo assim que chegou até lá e rumou para pegar o celular que estava em cima do colchão; desbloqueou o aparelho e correu para olhar suas notificações, logo vendo que haviam duas de sua irmã. Curiosa, ela abriu a conversa e leu as mensagens imediatamente:

      "E aí, Riacho, manda um feliz niver pra minha cunhadinha. O boliche ainda tá de pé hoje, né?"

      "Tô doida pra fazer sua esposa perder no próprio aniversário. Muhahahaha"

O quê? Hela só podia estar de brincadeira com a porra da sua cara! E se fosse algum tipo de piada, não havia graça alguma naquela merda. Ainda assim, encontrou-se confusa com aquelas mensagens: será que havia se confundido e ido até o cemitério visitar Agatha na data errada?! Sem entender o que estava acontecendo, Rio decidiu abrir o calendário digital para verificar.

— Mas... que... porra... — ofegou imediatamente, arregalando os olhos. — é essa?

Rio esfregou um punho cerrado em seus olhos e os estreitou bem para saber se estava enxergando direito ou não.

      "11/11/2024"

Não conseguia acreditar naquilo. Seu mundo inteiro girou a ponto de deixá-la enjoada, ela estava perdida, confusa, desesperada internamente, e sequer sabia o que pensar, ou o que fazer. Até que uma voz, suave e familiar., carregando consigo uma sutil rouquidão, invadiu seus ouvidos.

— Querida, o lanche tá pronto e... — Rio enxergou Agatha bem ali, na porta do quarto. Agatha parou, notando algo de diferente em sua esposa. — Você tá bem, Rio?

E ela apenas anuiu em resposta, estagnada no lugar, mais pálida e gélida do que nunca, como quem havia visto um fantasma. Bem, tecnicamente, era o que estava vendo. O fantasma de Agatha Harkness, em um maldito sonho. Mas tudo parecia tão real que estava começando a duvidar até mesmo de sua própria sombra: os cheiros, as sensações, o som doce da voz de Agatha, sua aparência... Não era um sonho.

Harkness não trajava vestes diferentes dessa vez, não estava falando de algum assunto diferente, suas madeixas ainda estavam um pouco desgrenhadas e despenteadas como viu há alguns minutos e seu semblante parecia cansado. Definitivamente, não era só mais uma alucinação da mente traiçoeira de Rio.

— Tudo bem... — Agatha meneou a cabeça levemente. — Bom, venha comer antes que o Nicky acorde e nos impeça de colocar algo no estômago. Vou esperar na sala com os lanches.

E, então, ela saiu do quarto, simples assim. O barulho da peça de madeira batendo com força em seu encaixe fora capaz de despertar Rio daquele transe, que, de repente, começou a desferir em seu próprio corpo vários tapas e beliscões, querendo ver se aquilo era algum tipo de sonho maluco do qual logo acordaria, no carro de sua irmã, a caminho de casa. Entretanto, aquilo nunca acontecia, parecia mais real do que nunca, e agora sentia-se dolorida por ter se estapeado e se beliscado.

Ela não acreditava muito naquele tipo de coisa, sempre assistia filmes e séries onde os desejos dos personagens se realizavam através de algo mágico, inexplicável, porém, o desejo que havia feito, de alguma forma, se concretizou, e ao perceber que nada daquilo era um sonho ou apenas sua mente traiçoeira tentando enganá-la, um forte arrepio percorreu por todo seu corpo.

11 de Novembro de 2024, 16:16 da tarde. Horas antes da morte de Agatha Harkness.

Aquele era o ensejo de Rio Vidal.