
Segunda
Seul-gi estava cansada de café. Eram nove e trinta e cinco da noite, seu quinto copo de café na mesa soltava uma fumaça gostosa de se cheirar. O restaurante estava movimentado, embora tranquilo o suficiente para uma reunião sobre o projeto de pesquisa do próximo semestre.
Ela chegou antecipadamente.
Seus colegas estavam atrasados, de novo.
Sua professora do ensino médio poderia ter sido uma mentirosa escrota, mas falar que no período de especialização seus as pessoas teriam uma responsabilidade maior foi a pior das vigarices que a mais velha poderia ter lhe contato.
Sua barriga roncou novamente.
Que se danem.
Sua frustração, cansaço e fome formaram um bom agente para derrubar seu senso de educação, que tentava a todo custo não pedir seu jantar antes dos companheiros da noite.
Bom, quase uma hora de atraso, diga-se de passagem, também não é um senso de educação a ser respeitado.
- Bulgogi completo, por favor.
Enquanto esperava, Seul revisava alguns e-mails sobre a aula passada, que acabou perdendo o começo da palestra pela demora em terminar seu plantão. O professor não disse nada na hora, mas pelo olhar sabia que passou por um fio.
Precisava encurtar o tempo de deslocamento do hospital até a sede urgentemente. Talvez se trocar no carro? Poderia pedir para mudar de turno com o Min Sobin às terças, repondo algumas horas na madrugada de sexta feira.
Abrindo o bloco de notas no celular, ela começou a listar algumas ideias e deveres:
- Troca de turno
- Preparar as marmitas da semana
- Repor horas na sexta
Existiam alguns quartos para alugar ao lado da sede, poderia se adiantar, alugar um apenas para banho e uma soneca rápida.
- Ainda precisava de algum lugar para jantar.. - Disse em voz alta, esfregando a testa com uma mão dolorida antes de buscar o resto de café em sua xícara - Talvez aquelas geleias que o Sobin indicou não sejam uma má ideia.
- Na verdade, são bem ruins. Poucos nutrientes. - Seul quase se engasgou com a bebida.
Não tinha percebido a movimentação ao seu lado. Se não tivesse sentido a breve queimação em seus dedos pelo líquido quente, acharia que estivesse sonhando outra vez, mais especificamente tendo um pesadelo.
No mesmo instante que Yoo Je-Yi apareceu em sua visão, com aquele mesmo sorriso contido e postura quase bondosa, o garçom chegou à mesa no pior momento possível, depositando seu prato extremamente cheiroso na sua frente, anulando qualquer esperança de fugir dali.
Jae usava um traje meio moletom e social, quase caseiro, cabelos soltos e levemente ondulados nas pontas, com piercings nas orelhas. Seul- gi desviou o olhar, apertando os lábios, xingando mentalmente.
Ignorando a tensão esmagadora entre as duas, o rapaz apenas deixou a comida e saiu novamente, sem se importar em perguntar se uma das duas gostaria de algo mais.
Seul não podia culpá-lo.
Alguns minutos vergonhosos se passaram assim, Je-Yi encarando-a e Seul tentando ao máximo não olhá-la novamente, um brilho divertido em uma e uma surpresa desconfortável em outra.
- Está esperando alguém? - Jae quebrou o silêncio, inclinando ligeiramente a cabeça, como se não soubesse qual resposta viria, mas tivesse a plena certeza de que seria positiva.
Woo conhecia essa sensação.
Ela não esperou uma resposta.
Internamente, Seul incentivava seu coração a bater mais rápido, quem sabe poderia ter uma arritmia e ser levada para o hospital, escapando da situação.
A outra parecia relaxada, repousando a bolsa no estofado do assento à sua frente e apoiando os braços sobre a mesa, o queixo sobre a mão fechada, exibindo suas unhas perfeitamente feitas com uma postura suave, quase natural. Nem parecia que a situação em que ambas estavam deveria ser além do desconforto.
- Quanto tempo, Seul-gi - Disse com um sorriso mais aberto, olhos esperançosos.
- Dois anos, quatro meses e vinte e sete dias - Respondeu olhando-a firmemente, cedendo pela primeira vez sua luta interna - Poucos dias de paz - Abriu um sorriso irônico - Seu recorde.
As duas estavam diferentes, embora dois anos em si não fosse tanto tempo assim, tiveram uma boa mudança. Seul-Gi parecia mais madura, adulta, cabelo solto, roupas de escritório e uma jaqueta cinza por cima. Je-yi não conseguia parar de observá-la desde fora do restaurante, quando a viu sentada sozinha e concentrada no notebook.
Era como servir estrategicamente uma presa, com luzes angelicais e tudo.
Jae riu brevemente - Você contou bem os dias.
- Está me seguindo? - Respondeu sem rodeio, fechando totalmente a feição.
O sorriso da mais velha não vacilou, se sentindo nostálgica com o tratamento áspero - O tempo não te deixou arrogante, não é, Seul-gi?
- Não seria a primeira vez - Um puxão cínico brincou em seus lábios - Ou quinta…
Isso também não pareceu abalar Jae. Ela sinalizou brevemente para um garçom, chamando-o, ignorando o olhar incomodado da mais nova a sua frente e fazendo seu pedido tranquilamente.
Woo tentou não bufar de desconforto, focando sua atenção na comida. Mesmo que o inferno tenha se instalado em uma rara noite de tranquilidade, não poderia se dar ao luxo de desperdiçar comida.
Talvez, se continuasse evitando dar corda para a conversa e terminasse logo sua refeição, poderia ir embora e esquecer o resto da noite sem mais problemas.
Quase dois anos e meio sem vê-la. Foi um período tão conturbado, agitado e ao mesmo tempo tão tranquilo. Não queria parecer uma lunática fixando-se na ideia de que esse encontro não foi por acaso, mas vindo dessa mulher, seu subconsciente se recusava a deixar essa hipótese de lado.
- Você parece tensa - a voz doce a tirou de seus pensamentos.
Sequer desviou o olhar do prato ao respondê-la - Cansaço.
- Tem trabalhado muito? - A preocupação parecia tão genuína que Seul soltou um escárnio, finalmente olhando-a novamente.
Se arrependeu instantaneamente.
Aquelas mesmas órbitas falsas de um cordeiro a observavam com total atenção. Seu interior se apertou. Lembranças de uma época engraçada subiram sua mente.
- Apenas ultimamente - Resumiu por fim, sem interromper seu jantar.
Jae não pareceu receber a quantidade suficiente de informação.
- Soube que você está no hospital do sul e no da universidade, é surpreendente.
Seul-Gi escutou em silêncio, deixando que a mais velha se entregasse por conta própria.
- Parece agitado. Embora a taxa salarial realmente não seja justa em nenhum dos dois.. Depois daquele bolo de denúncias do ano passado, não sei como o do sul ainda não foi fechado - Sua reflexão foi profunda demais para quem só ouviu boatos - Acho que é mais fácil jogar para debaixo do tapete do que gastar bilhões construindo outro do zero, certo?
A mais nova se encostou no seu assento, observando-a com os olhos acirrados.
Jae percebeu uma certa amargura, o que a fez observá-la com curiosidade.
- O que? Disse algo errado? - Questionou assistindo seus dedos baterem na mesa em ordem de piano.
- É assim que você quer me garantir que não está me seguindo? - Acusou com a voz firme. Isso não a pegou necessariamente de surpresa, mas, sendo acusada tão explicitamente, era quase inusitado.
Sinceramente, embora quisesse ignorar ou negar que não se sentia afetada, quando Je-Yi finalmente encontrou Seul por, bote três conjuntos de aspas, acaso nesse restaurante, sua ansiedade em conversar com ela parecia ter uma influência em seu raciocínio lógico.
Acabou falando muito, afinal.
Jae riu baixinho. Sempre gostou de como Seul-gi não era suave com as palavras, continuava espantando-a com essa grosseria e honestidade, falando sempre como quisesse. Mesmo que o teto de ambas tivessem proporções de espaço diferentes, ela sempre respondia com o tom a sua altura. Isso era o que mais chamava sua atenção na medica.
- Mesmo que eu não esteja mais no campo da saúde, às vezes acabo recebendo informações sem ao menos pesquisar - Como esperado, sua desculpa não soou nada convincente - Você sabe como eu gosto de estar a par de tudo.
O começo era mentira, o final nem tanto. Ela com certeza pesquisou.
Seul sabia bem disso.
Jae sequer tentou esconder a cara de poker no final da frase.
A mais nova voltou sua atenção à refeição, apenas desejando que terminasse logo e pudesse ir embora. Fugir, fugir e fugir era algo chato, mas parecia ser a única coisa que mantinha sua sanidade segura, mesmo que internamente soubesse que essa preservação era mais imposta externamente do que o que realmente sentia.
- Você ainda parece tensa.
Seul-Gi a olhou com frustração, sabendo que não teria paz a menos que saísse correndo o que, no momento, não era a melhor opção - E você, o que tem feito?
Isso a empolgou.
- Abri uma galeria - Sorriu largamente, deixando uma sensação familiar na mais nova. Lembrava de como era algo que Je-Yi sempre comentava antigamente - ainda não está aberto ao público, mas estamos quase. Talvez dentro de um ano e pouco.
Woo concordou, retribuindo um sorriso pequeno, sincero, enquanto acenava, respondendo baixinho - Fico feliz por você.
O garçom voltou à mesa naquele instante, cortando a próxima frase da maior. Seul-gi observou essa interação, pensando internamente sobre algo.
- Foi por isso que nunca mais vi notícias suas junto ao seu pai? - Questionou quando o rapaz foi embora.
- Então você procurava notícias sobre mim? - Alfinetou, deixando que uma faísca quase imperceptível de malícia brincasse em seus olhos escuros. A estudante revirou os olhos.
Yoo lhe lançou um sorriso fechado, ficando brevemente em silêncio enquanto ajeitava seus talheres sobre a mesa. Não queria responder a pergunta, Woo percebeu. Ela costumava apenas ficar em silêncio, ou apenas mudar de assunto, quando um tópico desconfortável surgia, como se não precisasse dar atenção a questão por ser algo incômodo. Era um detalhe bem frustrante nela.
No entanto, para a sua surpresa, ela prosseguiu depois de poucos minutos;
- Permaneci um tempo fora do país, na verdade.
Curioso. Seul continuou mexendo no prato, assimilando se gostaria ou não de dar continuidade nesse tema.
Foi difícil prosseguir sua vida depois do tornado que era Yoo Je-Yi e, mesmo que estivesse tão diferente de antigamente, mais centrada e madura, andar sobre esse piso de gelo fino ainda era algo que a fazia vacilar.
Woo tomou fôlego.
Que se dane também.
- Trabalho? - Arriscou.
Je-i segurou uma breve animação pela pergunta, ciente de que aprofundar seria um pouco mais desconfortável, mas a hipótese de que Seul-gi quisesse saber sobre ela a fez querer patinar como louca.
- Trabalho, alguns projetos novos e… - Forçou as palavras para fora - Terapia.
Seul achou que tinha ouvido errado, quase soltando uma risadinha antes de tampar a boca para impedir a visão do seu sorriso curto - Sério?
Jae deixou o talher na mesa, se sentindo ofendida com a reação.
- Não fique tão chocada.
Woo não tentou esconder o sorriso divertido depois disso, se ajeitando no lugar, inclinando pra frente sem que percebesse, sentindo uma coceira na garganta em querer provocá-la mais sobre essa novidade - Meio difícil, você sempre odiou.
Yoo percebeu a breve empolgação e imitou, diminuindo o tom da voz - Minha terapeuta sabe fazer um ótimo Hotteok.
- Ah, então era, o que.. - Inclinou a cabeça - uma terapia ocupacional com culinária? Não acredito que te deixaram perto de facas com alguém desavisado.
Je-Yi simulou querer dar um soco nela, mas se segurou. Seul soltou uma breve risada, possivelmente o som mais leve feito desde que a encontrou naquela noite.
Na verdade, vergonhosamente, foi o mais tranquilo da semana inteira.
Um silêncio se instalou novamente. Jae a olhava com expectativa, o que pareceu incomodá-la, que voltou para trás, lhe lançando um sorriso fechado, repleto de sinceridade.
- Fico feliz que tenha gostado, mesmo que parte se deve pela comida - Puxou seu copo de água, sussurrando audivelmente - Você realmente precisava.
A alfinetada divertiu a maior, que tentou morder a língua antes de prosseguir.
- Preciso concordar, principalmente depois de ser chutado pela namorada.. - Puxou sua taça de vinho, sussurrando a última parte com um veneno doce - Na véspera do seu aniversário.
- Faltava pelo menos uma semana pro seu aniversário - Seul acusou a mentira - E não chegamos a namorar de fato.
Isso quase irritou Jae, que fechou os olhos brevemente.
Centenas de encontros, viagens juntas, quase morando sob o mesmo teto, sexo exclusivo, atividades comemorativas, tudo que um casal costuma fazer e dois anos depois Woo Seul-Gi ainda clicava na mesma tecla.
- Ah, depois de tudo, faltou o pedido para termos esse título? - Acusou, segurando a frustração na língua.
A menor coçou o pescoço, prevendo o próximo tópico da conversa.
- Je-Yi, aqui não - Seu olhar, quase acusatório, a fez se irritar ainda mais, prosseguindo sussurrando entre dentes - É difícil manter um relacionamento com alguém que quase atropelou uma pessoa intencionalmente.
Jae revirou os olhos - Quase - Estalou os dedos - E não diga como se fosse alguém inocente.
- Isso não interfere na gravidade - Pontuou, sendo ignorada.
- A gente até usou skins combinando do Godzilla e do King Kong no Fortnite, Seul-gi - Isso quase a fez rir pela aleatoriedade e como Yoo era horrível no jogo, algo dado como raro sobre ela - E você ainda fala essas palavras duras comigo.
Silêncio.
Ela não queria discutir ali. Não queria voltar para casa com aquela dor que tanto tentou deixar de lado nos últimos anos. Foi trabalhoso. Doloroso. Um caminho que está prestes a ser levado por uma tempestade de areia tudo por causa de um encontro, duvidosamente, por acaso.
Suas esperanças nunca foram grandes. Aparentemente, não importava o tempo, Je-i sempre parecia ter o mesmo efeito alcoolizante sobre ela.
- Você tem saído com alguém? - Yoo finalmente perguntou, deixando o tom sério o suficiente.
Woo revirou os olhos, sustentando aquele olhar fixo familiar. Possessivo.
Novamente aquela sensação de que era um jogo, que Jae ja sabia a resposta.
- E que diferença faz? - Respondeu com desdém.
Ainda sustentando o olhar, não foi nenhuma surpresa quando ela sentiu a ponta do pé da maior contra o seu, deslizando até a canela.
Ela costumava fazer isso quando estavam juntas, às vezes para provocar e às vezes sem nem perceber. Seul não tinha ideia de qual alternativa se tratava no momento.
- Então isso é um sim? - Je-i sabia que não e, embora sua terapeuta provavelmente esteja de contorcendo em casa, não resistiu a provocação daquele jogo de falsas apostas.
Dois longos anos árduos de terapia simplesmente esquecidos apenas com um olhar rebelde de Seul-Gi.
- Je-Yi - Advertiu, chutando seu pé para longe.
Isso não diminuiu sua determinação. Ela começou a brincar com o dedo na borda de seu copo, olhando-a novamente com a falsa inocência de carneiro. - É apenas uma curiosidade.
Woo soltou um escárnio de descrença, torcendo mais do que nunca para que seu coração sofresse uma arritmia cardíaca logo.
Ela puxou o cabelo sobre o rosto para trás, afastando o calor, fascinando Je-Yi, e prosseguindo com a disputa.
- Foram dois anos - Argumentou, evitando entrar muito a fundo sobre - E você? Saiu com mais alguém?
Jae odiou ter a resposta evitada. Ela sabia que Woo não tinha saído com ninguém. Mesmo que não fosse por ainda estar tão obcecada por ela como antes, tinha total conhecimento de como ela estava presa em uma rotina constante de trabalho e estudos, como todos os seus colegas, tanto do curso quanto do trabalho, já haviam desistido de convidá-la para sair depois de tantos foras.
Mas o fato de que Seul se recusava a ser sincera, ser transparente como costumava ser, a fazia querer gritar.
Je-Yi sorriu por fim, dando de ombros. - E que diferença faz? Foram dois anos.
Domingo
O último dia da semana costumava ser o período em que Seul-Gi conseguia descansar de verdade.
É, costumava.
Atualmente eram os dias em que a noite era tranquila o suficiente para lavar suas roupas da semana.
As duas horas lavando peças, separando as casuais das de trabalho, cores que poderiam misturar e o tempo de secagem de cada grupo, Seul-gi aproveitava para estudar as raras matérias que tinha certa dificuldade.
Já se passavam da meia noite e o ambiente era tranquilo, mesmo com o som das máquinas desgastadas batendo do outro lado da lavanderia.
Era o único momento que poderia ouvir música no fone ao máximo, tornando o tempo de estudo quase relaxante. Seven tocava pela segunda vez, divertindo-a ao recordar de uma cena em particular do videoclipe que se passava em uma lavanderia.
Embora, sem que permitisse, a letra a lembrou do encontro inesperado.
Uma semana e pouco tinha se passado desde a última vez que soube de Jae o que, secretamente, lhe fornecia um alívio menor do que esperava que tivesse.
Woo sempre teve um problema em esquecer o cheiro dela e, mesmo em um lugar cheio de aroma de amaciante e sabão, sua mente ainda lembrava dos traços daquele perfume. Era como uma descarga elétrica induzida forçadamente, apenas essa lembrança a fazia se lembrar de tudo, das memórias, dos confrontos, dos carinhos, da visão que costumava ter quando acordavam juntas, do cheiro do suor do corpo de Je-i, até a da fragrância usava para aromatizar seu banheiro. Tudo descia nela em uma onda de mar em ressaca.
Tudo era dolorosamente familiar.
Um limbo perigoso demais para brincar na borda.
Chacoalhando a cabeça, percebeu que o sono parecia começar a se manifestar. Seus pensamentos, mesmo com a música alta, se misturavam para fora do tema trabalhado em seu computador.
Estava prestes a apagar mais um parágrafo de sua pesquisa quando ouviu um estrondo de uma das máquinas que usava, cuja passagem circular estava escancarada enquanto um barulho assustador vibrava do eletrodoméstico.
- Merda, merda, merda… - Praguejou enquanto corria até a máquina, ignorando toda água que a escotilha jorrou em si antes que conseguisse desligar o aparelho.
A roupa presente na máquina parecia intacta, mesmo que coberta por sabão, agora sua vestimenta… Estava encharcada até o começo da calça. Seul teve que se segurar para não morder a mão em frustração.
Depois de colocar as peças em outra máquina, ela deu um pulo rápido no banheiro que havia no local, trocando a blusa molhada por outra preta, meio limpa, mas seca.
Quando voltou, feliz pelo local ainda estar vazio, sentiu uma onda de sono e cansaço se apossando de seus ombros repentinamente. Ter sido encharcada pela água gelada, mesmo depois de ter se trocado, a deixou úmida, com frio e juntando com o sono, sentia como se caso deitasse no banco duro de espera, acabaria dormindo.
Ela reuniu suas coisas, desistindo de estudar por enquanto, sentando na frente das máquinas que usava com o fone no máximo novamente. Torcia que a música conseguisse deixá-la acordada, o que, sinceramente, não parecia estar funcionando.
Seu sentido de tempo parou de funcionar alguns minutos depois de se sentar. Era como estar dormindo de olhos abertos, como se enxergasse a visão à sua frente, mas sua mente parecia congelada, afogada.
Um toque suave em seu ombro a despertou lentamente.
Quando olhou para cima, desejou mais uma vez estar em um sonho.
Je-Yi estava, novamente, à sua frente. Usava moletons grossos dessa vez, cabelo solto e um copo na mão.
- Café?
Certo, dessa vez não tinha como ela alegar ser uma coincidência, embora, como conhecia bem a mulher, sabia que ela com certeza diria isso, mesmo sabendo que Seul-gi conhecia a verdade.
Às vezes Je-i se fazia de desentendida apenas pela sensação de diversão que era.
Ela realmente apareceu ali, na direção mais oposta da sua casa, com uma bolsa de roupas sujas e um café especificamente do gosto de Seul apenas pelo acaso do destino.
- Minha máquina quebrou - Alegou inocentemente, sorrindo de forma diabólica.
Woo zombou - Existem pelo menos quinze lavanderias até sua casa.
Je-Yi não respondeu de primeira, sustentando um olhar rápido pouco antes de ajeitar sua roupa em uma das máquinas livres na mesma fileira que estavam. Ela aceitou o café, tomando alguns goles profundos, segurando um som de aprovação com a dose necessária.
Enquanto observava a maior de costas, ela se apressou em arrumar um pouco o desastre da sua roupa, cheirando a blusa para ter certeza de que não estava com um odor ruim, embora o cheiro da outra anulasse qualquer sentido nasal próprio.
Seul se sentia tensa, uma sensação de ansiedade no estômago.
- Eu me mudei, na verdade - Respondeu finalmente, encarando-a com um sorriso travesso, logo voltando sua atenção para frente - E essa é a única que fica aberta vinte e quatro horas e perto de onde eu fico agora.
Silêncio. A estudante olhou para o café na metade ao seu lado.
Não sabia se acreditava no que ela dizia. Jae tinha um histórico de ser uma bela mentirosa compulsiva, o que, percebendo atualmente, era um detalhe que tinham em comum na época que se conheceram.
- Eu te vi dormindo aqui, então passei em um carrinho que vende café aqui da esquina - Seul não respondeu, olhando-a com os olhos semicerrados. Je-Yi segurou a risada com o silêncio, indo até o assento ao seu lado com uma expressão brincalhona - Não acredita? Eu te levo lá.
– Eu não estava dormindo - Cruzou os braços – Apenas descansando os olhos.
– Sua boca estava ligeiramente aberta.
– Cala a boca – Uma risada suave ecoou pelo local, surpreendendo a estudante.
Outro silêncio. A estudante a encarou, sustentando aquela expressão séria.
Aos poucos, o sorriso da maior foi diminuindo, se perdendo, nublado pela visão nostálgica de Seul, seu cheiro, seus olhos que um dia pareciam tão inocentes, cheios de uma seriedade e grosseria convidativa, o tom doce de sua voz desferindo um veneno de mel e limão.
Sentia sua fome ser saciada aos poucos.
- Você está molhada - Percebeu.
- Uma máquina abriu - Woo respondeu, apertando os lábios em uma confusão momentânea.
Ela desviou o olhar. Não pareceu tão incomodada em responder.
Jae ia estender a mão até uma mecha molhada do seu cabelo quando Seul segurou seu pulso por reflexo. Ambas congelaram. Foi a primeira vez que se tocaram em anos. A pele de Je-Yi estava quente contra a palma úmida, como segurar um ferro recém tirado da brasa por poucos segundos depois de ter a mão congelada, causando um choque térmico, seguido pela sensação de uma queimação assustadora. Ninguém teve coragem de quebrar o silêncio durante a batalha de olhar.
Woo quis segurar seu pulso com mais força, lutando contra o impulso de puxá-la, mas soltou depois de alguns minutos constrangedores.
- Não quero sua gentileza - Disse baixo, ciente de que a grosseria não afetou Jae de qualquer forma.
Cruzou os braços novamente, olhando para frente, descansando os olhos sobre um turbilhão de pensamentos confusos em sua mente.
Yoo soltou um suspiro quase impaciente, se encostando no assento em uma distância considerável, mantendo mãos inquietas sobre o colo.
- Você está sendo muito desconfiada. Tensa. Um obrigado não seria tão ruim - Acusou em falsa birra, se referindo ao café ao lado da outra.
Seul-gi não respondeu. Je-Yi soltou um som de escárnio. Teimosa e orgulhosa.
Ambas permaneceram em silêncio pelo tempo restante, cada uma aguardando o tempo das lavadoras. Como a estudante tinha mais roupas, foi quase comicamente estratégico que o tempo que ambas ficaram prontas foi correspondido, mesmo que tenha chegado no lugar mais cedo.
Je-Yi estava entretida no celular, fingindo não perceber cada micro movimento que Seul fazia ao seu lado. Como a ponta do seu dedo não parava de bater contra o joelho, como ela trocava de música no fone a cada duas faixas, como seus olhos a olhavam de canto, mesmo com o rosto totalmente imovel a frente.
Era adorável.
Trinta minutos depois a secadora de Je-Yi tocou, coincidentemente no exato momento em que Seul terminava de dobrar as suas roupas em uma mala média. Estava em um impasse.
Não conversaram muito. A tensão e ansiedade de estarem no mesmo cômodo por tanto tempo sozinhas, depois de uma longa estadia de rancor e saudades, formava uma situação implícita de que a estudante não conseguiria dormir facilmente essa noite.
Pelo menos não devendo um favor a ela.
Seul viu algo familiar perto da entrada, pouco antes da outra começar a caminhar até ele.
Sua boca se moveu antes que seu cérebro conseguisse nocauteá-la - Você veio de skate?
A pergunta pareceu pegar Jae de surpresa, que não perdeu tempo em sorrir - Sim, minha casa não é muito longe.
Seul a encarou por alguns minutos, refletindo suas opções, processando se era uma boa ideia e ignorando a certeza de que não era. Resolveu dar um basta na razão e no coração ao mesmo tempo, expressando sua confusão, jogando a cabeça para o lado, apertando os lábios, em conflito, em guerra, caindo de uma vez.
Ela fechou a mala, reunindo suas coisas e jogando o copo de café vazio na lixeira mais próxima, se aproximando do diabo em forma de tentação à sua frente.
- Eu te levo de volta - Disse simplesmente, seguindo para fora.
Je-i não escondeu o sorriso largo, ciente da enorme abertura concedida pela outra sem muito esforço. Ela a seguiu, correndo brevemente para ficar ao seu lado, achando engraçado como a menor pisava com força.
- Não precisa, Seul-gi - Disse com uma voz doce além da conta, como se não quisesse incomodá-la.
Woo conhecia bem esse tom. Sabia que tinha caído em uma armadilha muito bem calculada. Fingiu não ter noção disso.
Ela não admitiria, mas por dentro, Seul queria saber até onde Jae iria para se aproximar dela, se esse tempo longe realmente mudou seus métodos traiçoeiros. Ela não poupava esforços em manter sua obsessão por ela em controle na época da escola, mesmo que sempre foi muito boa em escondê-la sob uma pele de coruja.
Queria saber como a Je-Yi adulta lidava.
Desde que se encontraram no restaurante, toda a fixação destrutiva daquele relacionamento que tiveram voltará com força para Seul. Todo o seu trabalho árduo em se manter ocupada, exausta ao limite, para evitar que voltasse a pensar naquele lugar sombrio, despencou sobre a ponte frágil que erguera nos últimos anos.
Bom, ela não estava lutando de verdade para mantê-la de qualquer forma.
- É apenas pelo café, já que você não me fala quanto foi - Respondeu séria, descendo uma rua do estacionamento - Não quero ficar em dívida com você.
Outra mentira.
Jae percebeu.
Ela sorriu, segurando o skate atrás das costas de forma zombeteira, olhando para ela com olhos fixos. Alguns passos a frente ela alfinetou;
- Você tem questões mais preocupantes a tratar comigo do que um café.
Seul manteve o queixo erguido, reto, processando o começo de outra conversa difícil.
- Por isso você voltou a me seguir? - Acusou, fingindo uma inocência familiar a de Je-Yi.
Seu sorriso sumiu. Ela tomou a cabeça - Foi por acaso. Quase como destino, não acha?
Isso sim era uma bela piada - Você nunca acreditou no destino.
- Posso ter mudado minhas crenças - Brincou, mudando seu tom para uma breve ofensa - Você realmente parece não estar nem um pouco feliz em me ver de novo, Seulgi-ah.
A estudante girou o pescoço dolorido, ignorando-a.
- E você, não acredita?
Ela sorriu em puro sarcasmo, estalando a língua - Apenas em maldições.
Quando chegaram no estacionamento, o único carro no local, um spark preto, vibrou com o comando da chave. Era o mesmo que Seul tinha comprado no final do relacionamento de ambas. Uma avalanche de memórias mal contidas inundaram as duas, cientes das situações que passaram no veículo.
Jae seguiu adiante, abrindo a porta de trás para depositar sua bolsa e skate, seguindo para o banco de passageiro na frente, sem esperar que a outra dissesse algo.
Seul, por outro lado, sentia que se arrependimento matasse, não teria mais que se preocupar em cozinhar suas marmitas da semana.
Assim que se sentou no banco de piloto, Jei já tinha colocado o caminho em seu gps. Era de fato um endereço diferente da casa que morava com seu pai na adolescência, não era longe, mas também não tão perto da lavanderia como prometera.
Quase metade do caminho foi em completo silêncio. Em certo momento, Like Crazy começou a tocar no rádio em volume baixo, deixando o ambiente em um conforto quase incômodo.
Nos últimos meses, mesmo que nem sempre tivesse a oportunidade, Woo adquiriu um gosto em dirigir de madrugada. Era quieto. Tranquilo. Sentia como se pudesse respirar um pouco, sem se preocupar com trabalho, cursos, aulas de reforço, hospitais, deveres, tudo que vem sugando cada gota de vitalidade nos últimos tempos.
Graças ao café, um pouco da presença arrepiante ao seu lado, não se sentia muito sonolenta ou exausta como antes, apenas um pouco dolorida. Precisava descansar dessa rotina. Tinha algumas folgas acumuladas, mas só de imaginar em ter tempo para não pensar, parar, refogar os pés em uma bacia de água quente, seu peito se apertava um pouco.
Não sabia se merecia.
- Você está tensa de novo - Je-Yi quebrou seu pensamento.
O ambiente estava tão silencioso e confortável que, pela primeira vez desde o primeiro encontro de ambas, ela se esqueceu que não deveria ser assim, que não deveria ser quente e aconchegante tê-la por perto.
- Não se preocupe.
Eles continuaram o percurso em outro silêncio. Dessa vez, sem tentar disfarçar, Jae a encarava fixamente, embora, não como antes, como se quisesse desvendar cada camada de pele do seu rosto. Não. Seul reparou de canto de olho e pelo retrovisor, que era mais suave, como se olhasse uma paisagem bem detalhada em uma galeria ou na ponta da encosta de uma montanha.
Woo segurava o volante com uma mão, enquanto a outra apoiava a cabeça contra a porta. Seu cabelo solto já estava seco, alguns fios escorrendo pelo rosto cansado e angelical. A mão de Yoo coçava para não ir até os fios, se lembrando categoricamente de como ela reagiu a sua tentativa de toque.
Jae tinha centenas de perguntas entaladas. Queria extravasar e conversar por horas, falar sobre o motivo do término delas, porque Woo trabalhava tanto, trazer a tona o fato de que o banco de passageiro estava em uma posição estranha, muito para trás, o que ela reparou quando sentiu o cinto de segurança ficar folgado de uma forma desconfortável; queria saber se ela apenas deu uma carona aleatória ou se era rotineiro, se tinha alguém com frequência.
Queria despejar teorias e dúvidas, mas sabia que isso só afastaria a mulher, a deixaria com receios e raiva.
Não queria assustá-la, mesmo com suas suspeitas;
De alguma forma, pelo que notou, Seul-Gi ainda pendia em participar de seus jogos, dessa provocação com rancor. Ela queria distancia-la, deixar claro que Je-Yi não era bem vinda, ao mesmo tempo que se interessava pelo seu passado, pelo seu sumiço, que lhe oferecia carona e deixava o seu canal de rádio de pop preferido tocar, mesmo que Seul gostasse de estilos mais antigos.
Ou seu gosto tinha mudado nesse tempo?
O que mais Jae tinha perdido?
- Você começou a usar maquiagem? - Woo a olhou rapidamente com confusão.
Assim que entrou no carro, Yoo percebeu uma pequena bolsa na porta do passageiro. A dúvida era válida, curiosa, nada possessiva sobre a ideia de que a bolsa era de outro alguém.
- O que? Ah, é para as reuniões de planejamento mensal - Disse sem muita vontade de aprofundar - Recebi algumas indicações de outras colegas.
Jae concordou, tamborilando o dedo na porta, processando.
Seulgi tinha total noção do que se passava em sua mente.
O encontro da noite definitivamente não era o que Je-Yi esperava.
Quando Woo estacionou na frente de sua casa, ambas não se moveram nos primeiros instantes.
Seul não sabia como prosseguir e Jae não queria que a noite acabasse assim. Estava frustrada com a sua própria falta de atitude.
De repente, como se lembrasse de algo, a estudante tirou o cinto, inclinando para o porta luvas na frente da passageira de uma forma quase protetora. De dentro, tirou um broche pequeno, familiar, o mesmo que ambas compartilhavam quando estavam no último ano.
Só que esse era o de Jae, que achou que tinha perdido no último dia que se viram.
Os olhos da mais velha estavam fixos no amuleto. Woo parecia tímida, quase com vergonha, enquanto segurava o objeto com receio.
- Você esqueceu o seu comigo na última vez que esteve aqui - Disse baixo, entendendo o objeto. Ye-Ji não respondeu de primeira, tentando assimilar que finalmente tinha achado o item precioso e, mais complicado ainda, que esteve com a própria Woo esse tempo todo.
- Você guardou? - Olhou para ela depois de pegá-la com um cuidado exagerado.
Seul deu de ombros, fingindo um descaso que acendeu uma chama de ira em Je-Yi.
- Meio que esqueci ali.
Era mentira. Uma mentira dolorosa. Na verdade, Seul sabia que o objeto estava ali desde o momento que a deixou em casa pela última vez, o encarou no mesmo lugar por diversas noites dos primeiros meses, mas, por alguma crença infundada, sabia que se tocasse, no momento que sentisse aquelas pequenas dobras de escultura, voltaria correndo para Jae.
Era um medo. Um receio. Quase uma esperança.
Então ficou ali, abandonado.
- Esqueceu? - Sua voz era de pura descrença, frustrada, que se intensificou ainda mais quando assistiu aqueles olhos, antes cheios de um oceano acastanhado de estrelas, em um tom opaco de desfeita.
Woo Seul-gi era insuportável.
Jae a odiava tanto que doía. Em mais um impulso inconsequente, ela levou suas mãos até o rosto de Seul e puxou para si, beijando-a com força antes que conseguisse ser lógica o suficiente para se auto impedir.
Foi rápido. Um toque firme e curto.
Mas ela não se afastou totalmente.
Ainda segurando sua mandíbula macia, esperou uma reação, uma explosão, um empurrão, até mesmo o boche sendo jogado na cara.
Nada.
Woo largou o amuleto e a puxou pela nuca.
Tudo se tornou uma confusão depois disso. Foi como um catalisador em um vulcão. O gosto doce de Jae, quase cristalizado, com o seu cheiro e aquele olhar perdido desvendou completamente a mulher.
Quando a fagulha foi ativada, em vez de uma explosão, foi como se a menor tivesse caído no oceano, sendo puxada para baixo, com aquele toque de desespero e necessidade.
O toque de Je-Yi em seu rosto era gentil, ao contrário de Woo, que apertava seu cabelo com força. Estavam com saudades. Tremiam uma contra a outra. Suspiravam entre cada selar. Cada estalar de lábios, cada mão necessitada e aperto no couro cabeludo era como uma súplica. Quando Seul sentiu o molhado de sua língua em seu lábio, suas costas se arrepiaram até o começo da orelha.
Ela puxou Jae pela cintura, se irritando pela distância dos bancos. O polegar trêmulo de Je-Yi puxou sua boca, abrindo-a, deslizando uma língua que derretia morango contra o gosto de café. Seul-gi suspirou pesadamente, fazendo-a se arrepiar.
O calor começou a ser insuportável. A velocidade que o coração de Woo batia quase a fez hiperventilar. Quando seus sentidos ficaram nublado o suficiente para sequer perceber que o foco de Jae tinha mudado, seu corpo recebeu outra dose de adrenalina quando saiu aquele mesmo músculo molhado e quente em seu pescoço, lambendo, mordendo, chupando, suspirando em sua orelha, devorando sua carne, derrubando cada parede de autocontrole construído.
Quase todas.
Em um pulo de consciência, Seul se afastou, respirando pesado, se jogando contra a porta. O rosto de Jae estava completamente vermelho, perdido em um momento, implorando no próximo.
Ela abriu a porta rapidamente, caminhando para o meio da rua, agradecendo por ser uma estrada deserta, possivelmente com uma única casa na rua toda.
Seu coração de fato ia ter uma arritmia.
Ouviu o som da porta do carro abrindo e fechando em um estrondo.
Seu corpo formigava. Um detalhe crucial passou por sua mente no instante que pisou no asfalto da rua: ela não se arrependia.
Não queria fugir, embora precisasse. Não queria ter parado, apenas tinha se assustado com o quão inertida ficou, se chocando com a lembrança de como seu corpo realmente reagiu a Jei.
Quando olhou para trás, para uma feição desafiadora e pecaminosa, suas pernas quase cederam. Ambas se encararam por breves minutos. Momentos de silêncio entre elas sempre tinham um final imprevisível.
A menor não estava longe o suficiente para a sua segurança, para a sua sanidade, embora não estivesse perto o suficiente também.
Je-Yi não se moveu.
Ela apenas sussurrou, zombando.
Covarde.
Seul não se permitiu pensar novamente.
Seu corpo, sua mente, coração, tudo era alastrado pelo incêndio criado por Jae.
Ela andou rapidamente até o diabo de sua mente. Agarrou seu rosto, prensando seu corpo contra o dela com uma força que fez ambas baterem contra o carro em um baque alto.
Sua boca acabou abrindo momentaneamente ao soltar um gemido breve de dor, que foi recebido ansiosamente pela fome de Seul-gi. Sem a distância anterior, tudo parecia muito mais destrutivo, quente e familiar.
O cheiro de Jae a deixava doente de saudades, sua boca macia era como a cachaça mais doce e viciante que teve a sorte de repetir. Era um jogo de impulsos, uma droga, sempre que seus lábios tocavam, quando sentia aquele gosto e o calor molhado, e de novo, e de novo, de novo, ela queria mais, mais e mais.
Quando sua mão gelada encostou na pele quente da cintura da maior, quando ela sentiu aquela tremedeira breve pelo contato, Seul-Gi quis mais.
Sempre mais, mais e mais.
Uma mão firme e confiante, muito diferente de anteriormente, subiu até o topo de sua nuca, arranhando seu couro com unhas afiadas até o começo do seu pescoço, arrepiando, fazendo-a se contorcer ainda mais sob seu toque.
Jae aproveitou o momento, girando-a contra o carro, aprofundando o beijo novamente, lambendo e chupando, devorando sua boca. Se passaram anos e ela ainda se lembrava perfeitamente como nublar sua mente.
– Era mentira, não é? - Jae perguntou entre beijos, brincando com seus lábios, molhando-os de leve e, quando procurava por mais, se afastava brevemente, apenas para repetir - Você não esqueceu do amuleto. Você não me esqueceu.
– Jaeyi-ah.. - Interrompeu sua fala ao puxar seu lábio, quase rasgando-o
– Não gosto quando você não é sincera - Seu tom, gesto e até as carícias ficaram mais ásperas por uma fração de segundo - Você não conseguiria..
Seul segurou seu rosto novamente, beijando-a com vontade, ignorando a conversa fiada.
– Fala que era mentira, Seul-Gi - Je-Yi teimou entre respirações e líquidos, quase implorando, com uma voz melosamente falsa.
A menor a olhou com travessura, beijando seu queixo, final do pescoço, próxima a orelha, mordendo levemente uma área que sabia o quão sensível era para ela. Teve sua confirmação quando ouviu o som da mão dela batendo firme contra o capô do carro ao lado do seu ombro.
Elas ficaram alguns minutos assim, acalmando a respiração e desfrutando daquela carícia molhada, sem se preocupar como essa simples recaída afetaria a outra quando a sensação alcoólica passasse.
Seul a encarou novamente, depositando mais alguns beijos antes de sussurrar contra a pele úmida - O tempo te deixou arrogante, Je-Yi?
Terça
Seul estava na merda.
Não sabia onde estava com a cabeça, sequer tinha uma segunda para culpar.
Depois daquela noite, tudo realmente desandou. Sua concentração, ansiedade, tudo foi para o caralho por conta daquela mulher maldita.
E então ela fez o impensável.
Ferias.
Quase duas semanas com a cabeça nos ares e duas reuniões com seus superiores, que afirmavam estarem preocupados com o novo apelido nada maldoso estar circulando entre os residentes, lhe foi concedida uma semana de folga.
Zumbi do apocalipse medicinal. Nada inovador, na sua opinião. Na escola já escutou nomes mais criativos.
Bom, ela não pode negar. Literalmente, era isso ou demissão. O que a fez duvidar se era realmente preocupação ou medo de mais uma possível denúncia.
“Próxima parada; Incheon. Tempo de estimativa: Duas horas”
Eram quase cinco da tarde. O vagão não estava tão sobrecarregado quanto achava que estaria, o que era um alívio. Assim que guardou sua bolsa de viagem na comporta acima, Seul se permitiu observar a paisagem na janela por um tempo.
Logo iria anoitecer. Lembrou da pequena câmera em sua bolsa menor, que poderia usar para tirar algumas fotos do pôr do sol.
Depois que adiantasse algumas coisas, obviamente.
Primeiro, por força do hábito, ela posicionou seu computador sobre a mesa à sua frente, que separava do outro lugar disponível daquele conjunto. Escolheu esses assentos especificamente simulando uma mesa de piquenique para ter o espaço necessário para trabalhar.
Os próximos vinte minutos respondendo alguns e-mails e dúvidas de seus colegas referente a última pesquisa imposta passaram voando. Ela sequer tinha percebido o trem se movendo.
Coçando a garganta, percebeu como ela estava seca. Puxando uma garrafa de água da bolsa, seus olhos finalmente avaliaram o lugar à sua volta pela primeira vez desde que entrou.
De fato, o vagão permaneceu quase vazio; apenas um casal no fundo, duas senhoras nas poltronas após a sua e, subitamente, Je-Yi sentada confortavelmente no conjunto ao lado, lendo um livro.
Seu queixo caiu.
- Sério?!
A mulher desviou a atenção da leitura como se tivesse sido chamada casualmente. Sua expressão tranquila se passou por uma surpresa fingida e cômica.
- Seul-gi? Que surpresa!
Minutos depois do papo furado e acusatório, sentada à sua frente, Jae parecia estar nas nuvens, lendo algo cujo título indicava algum thriller com suspense.
Woo não tento afugentá-la. Desistiu dessa ideia inútil no momento que a viu na lavanderia. Ambas ficaram em silêncio por um bom tempo, Seul pode terminar seus últimos deveres antes de realmente tirar férias e Je-Yi parecia realmente focada na leitura.
Um carrinho de lanches acabara de passar, deixando alguns para elas, quando a maior estendeu seu celular sobre a mesa com uma imagem nova.
Je-Yi deitada na cama, tendo dois gatos pretos filhotes dormindo juntas sobre a sua barriga.
Seul realmente teve que se segurar com a súbita dosagem de açúcar, não querendo deixar transparente o quão adorável a outra estava na foto - Você os adotou?
Ela sorriu, concordando. - Fazem companhia para o Jaehyun quando estou fora, olhe - Pegou o celular, procurando algo antes de virá-lo novamente com uma imagem dos dois gatinhos e do cachorro dormindo juntos no sofá.
Woo ia explodir.
- E como ele está?
- Velho, mas feliz - Disse enquanto guardava o celular - Os pequenos adoram incomodá-lo de madrugada, tive que começar a trancar a porta do meu quarto para dormir em paz.
Aproveitando que ela olhava para a janela, Woo observou como ela brincava com a borda de uma folha do livro com os dedos.
- Você simplesmente o jogou para os tubarões?
Je-Yi riu com a constatação, olhando-a novamente enquanto apoiava o queixo sobre o pulso. Seul retribuiu um sorriso rápido.
- E você? É uma boa companhia, deveria adotar algum - Existia uma curiosidade genuína ali.
Jae queria saber mais sobre sua vida pessoal.
Ela conseguia informações sobre seu trabalho, especialização, turnos, estudos e até umas férias de última hora, mas existia um limite que Seul-gi compartilhava com o mundo lá fora, consequentemente, com ela.
Além de que, tal como um ser do século paleolítico, a estudante não tinha nenhuma rede social.
- Não sei se teria tempo, não quero negligenciá-lo - Disse simplesmente, enquanto começava a guardar o computador.
Jae olhou em volta por um momento, cruzando os braços, considerando se o humor dela estava bom para ser incomodado.
- Assim como faz consigo mesma?
Woo a encarou, sem nenhuma expressão surpresa com o comentário amargo, embora devolvesse com um levantar dos lábios em desafio.
- Uh, e você é péssima em esconder que é uma stalker - Respondeu apoiando a mão sob o queixo, imitando uma mania familiar, refletindo sua expressão de curiosidade falsa - Me conta, qual é a desculpa de agora?
Percebeu que se referia a esse encontro puramente do acaso. Jei pendeu a cabeça, encostando-a no assento, enrolando para responder - Negócios e negócios.
- Oh, sério? - Sentiu a ponta do pé de Seul sobre o seu, apertando - Quais negócios?
Ela sorriu, recuperando a postura. - A sede de imóveis responsável pelo local que quero comprar para a minha galeria fica em Incheon e eu não queria ter que esperar até eles terem uma vaga para reunião - Disse com um dar de ombros, como se fosse um detalhe chato.
- Então você simplesmente decidiu ir até eles?
- Sim.
Woo soltou uma risada de escarnia, brincando com uma caneta que tinha em mãos sobre a mesa. Fez uma expressão falsa de consolação.
- É realmente uma situação seríssima, imagine só, deixar Yoo Je-Yi esperando para poder comprar mais um imovel milionário - Zombou enquanto fazia vários tecs com a língua - O mundo de hoje em dia.
Jae não se ofendeu com o tom, já era familiarizada com a ironia dela referente a diferença de realidade das duas. Então, aproveitando o momento descontraído com ácido, mordeu a língua antes de dizer - Você é má.
- Apenas com as minhas perseguidoras.
- Existe mais de uma? Que requisitada - Fingiu desanimar - Odeio competir.
Compartilharam uma expressão suave por alguns segundos, quase adocicada. Seul limpou a garganta rapidamente, se entretendo com os lanches sobre a mesa, mesmo sob o olhar avaliativo queimando seu rosto
- Você ainda mora com a tia? - Jae perguntou na metade do seu sanduíche.
- Ela provavelmente sentiu você, depois de tantos anos, ainda chamando-a de tia - Woo alertou, dando uma pausa enquanto tomava um gole do achocolatado que bebia - Não, sai alguns meses depois de terminar a faculdade e ela já se casou novamente.
Ela deveria dar essas informações para Je-Yi?
- Uh, ela é bonita? - Perguntou animada, se inclinando sobre a mesa.
- Bonita e rica.
Seu sorriso se alargou. Desde a escola, por alguma razão, as duas sempre se deram bem, Jae sabia quando ser educada de um jeito lisonjeiro com os mais velhos, então não era difícil sempre ser uma amiga de exemplo aos olhos dos responsáveis de seus amigos.
Não foi diferente com a sua madrasta.
- Sua família tem um gosto familiar - Alfinetou.
- Não acho - Seu tom ficou sério - ela não é desequilibrada.
Yoo riu alto, levando a mão ao peito como se tivesse sido atingida - Nossa.
A refeição prosseguiu em silêncio. Em certos momentos, uma captava os olhares da outra, o que, de uma perspectiva mais velha, era quase bobo. Se tirassem todo o contexto passado de ambas, pareciam duas jovens flertando com olhares ao acaso, quase como em uma novela muito melosa.
Às vezes o pé da estudante apertava o seu com um pouco mais de força, imitando outra mania antiga, causando um nervosismo vergonhoso em Je-i
- E a Ye-ri e a Kyung? - Seul perguntou de repente.
- Se casaram dois meses atrás - informou sem muito interesse.
Seus olhos se arregalaram - Sério?
- Apenas no cartório. - Jei se lembrou de um detalhe - Tentaram me usar como testemunha em par com outra pessoa.
Seul-Gi segurou a risada, tampando a boca com a mão - Tipo, te arranjar alguém sendo testemunha?
Ela se acabou de rir quando recebeu a confirmação. Jae sustentava uma expressão neutra, ciente da humilhação passada.
- E o que aconteceu?
- Eu não apareci - Deu de ombros, como se fosse óbvio.
Outra gargalhada, digna de jogar a cabeça para trás, quase deitando no assento ao lado. Seul apenas assistia como sua desgraça parecia diverti-la.
- Kyung deve ter desejado te matar - Supôs entre lágrimas.
- Não seria uma novidade.
- E por que você não foi? Era apenas algumas horas.
Yoo não respondeu. Viu como a expressão zombeteira dela ia murchando aos poucos, dando lugar a uma compreensão quase envergonhada.
Ambas ficaram em um silêncio novo agora. Não sabiam como prosseguir. O assunto estava posto, cheio de conflito e mágoas, mas nenhuma delas tinham ideia de como prosseguir.
Seul queria tanto evitar isso. Seguindo em frente com a vida, se matando aos poucos, que agora que foi lhe apresentado novamente esse caminho com a Je-Yi, sentia como se os últimos tempos, as poucas sessões de terapia, seus trabalhos, estudos, tudo não tivesse metade do peso de sua luta para ir contra o que sentia por ela.
Era tanta saudades que doía.
O olhar de Jae, meio esperançoso e triste, doía.
Seul não sabia o que fazer.
Sexta
Pouco mais de quatro e quinze da madrugada, Seul-gi se encontrava esparramada na cama, com fome, sonolenta e meio bêbada. Tinha passado o dia fora, passeando, fazendo algumas atividades novas e bebendo com o anoitecer. Não era de exagerar, mas cometeu dois erros grotescos: sair com pessoas que bebiam cachaça como se fosse café da tarde e não comer nada desde às seis da noite.
O incômodo literalmente a acordou e a impedia de dormir e a preguiça de fazê-la se levantar e sair do hotel em busca de algo prático para comer o que, em outro tópico, era bom, já que estava grogue demais para sair de noite assim.
Seu estômago roncou de novo, parecendo como se estivesse se auto ingerindo. Durante sua soneca, tinha sonhado que desfrutava de uma refeição caseira, justamente o que a fez acordar com tamanha larica.
Se tivesse o necessário, cozinharia um Sundubu.
Curiosa, pegou seu celular para pesquisar uma receita, notando que, com a mini compra que fez no dia anterior, tinha o necessário para fazer a pasta base, faltando apenas alguns ingredientes para o principal. Agradeceu que o quarto oferecia alguns utensílios de cozinha também.
Por alguma razão, visto que ela não sairia de qualquer forma, abriu um bloco no celular para anotar:
Cogumelo
Abobrinha
Camarão
Tofu
Cebolinha
Mensagem enviada ✅ 04h32
Pensou se pegaria mais alguma bebida, embora ainda sentisse um efeito raso de álcool no organismo
Chá de pêssego
Mensagem enviada ✅ 04h32
Seul se virou na cama, sentindo uma pontada dolorida na testa, próxima aos olhos. Era difícil ficar de ressaca, mas com certeza acordaria com uma dor de cabeça ao amanhecer.
Aos poucos, seu sono foi levando-a tranquilamente para outra soneca, finalmente ignorando a insatisfação de seu estômago.
Nos últimos instantes com as pálpebras ligeiramente abertas, juntando com a cabeça pesada, a notificação que se seguiu na tela do seu aparelho não pareceu algo real no momento.
Você quer fazer Sundubu Jjigae?
04h39
Uma hora e vinte depois, Woo se levantou em um pulo com a campainha, tendo feito um movimento tão desajeitado que acabou escorrendo a mão da beirada na cama, levando-a para fora.
Inferno.
Ainda no chão, sua mão subiu atrás do celular, vendo que não era nem seis da manhã ainda, observando o céu escuro, meio rosado, na janela da sacada do quarto. Seu coração errou uma batida por dois motivos consecutivos:
Primeiro: quem bateria no seu quarto nessas horas?
Segundo: um nome assustador na notificação de mensagens.
Abriu o aplicativo, onde a última conversa tinha sua pequena lista de ingredientes. Maldição, porque caralhos fizeram o símbolo do bloco de notas tão parecidos?
Outra batida na porta.
Não poderia ser.
Argh!
Se levantou, parando por um momento pela tontura leve.
Óbvio que poderia. Com certeza poderia, era sobre Je-Yi, então convenhamos.
Ela não se deu ao trabalho de olhar o olho mágico.
- Eu estava bêbada - Disse com culpa ao abrir a porta e se deparar com a mulher ali, linda, segurando duas sacolas e um olhar convencido.
Yoo Je-Yi tinha aquele sorrisinho de canto zombeteiro. O cabelo em uma trança, usando roupas largas novamente. Ela estava bem próxima da porta, logo, próxima de Seul, que sentiu como se fosse atingida por uma lufada do cheiro dela diretamente de um ar condicionado potente.
- Eu imaginei - Concordou, ainda parada.
Woo continuou observando. Em outras situações, o considerado normal ao receber uma mensagem de madrugada da sua ex era ignorar, isso se sequer estivesse acordada naquele horário morto.
Jae não apenas estava, como atendeu o seu pedido alcoolizado e, de alguma forma que não sabia se realmente quisesse saber, encontrou sem paradeiro em menos de duas horas.
- Então porque veio? - Perguntou em voz baixa, dando passagem.
Ela entrou, parando ao seu lado para sussurrar antes de entrar.
- Porque era você.
Seul-Gi terminava sua segunda garrafinha de chá de pêssego, entretida com a visão de jae presa no meio do processo culinário. Particularmente, tinha noção de como ela não gostava muito de cozinhar, o que fazia dessa ocasião algo ligeiramente especial.
- Posso ajudar? - Questionou.
Je-Yi aceitou de bom grado, quase como se já esperasse e ansiasse pela oferta.
- Você pode refogar a carne e o camarão?
Enquanto Seul-gi controlava a situação da pequena panela no fogo, Yoo cortava os outros ingredientes. Essa era uma cena nostálgica, visto que quando passavam dias e dias na casa da outra, costumavam dividir a culinária dessa maneira.
No começo de verdade, Seul tinha dificuldade em deixá-la ajudar. Cozinhar era um momento tranquilo para a estudante, que gostava de desfrutar do processo rápido e relaxante. Quando a maior, inexperiente na rotina, começou a querer invadir esse espaço, Woo sentiu como se uma das poucas coisas que tinha controle estivesse lentamente deslizando pelo desfiladeiro.
Isso causou pequenas brigas.
Jae teve que realmente bater o pé. Me deixa ajudar. Não foi um simples pedido. Era quase como uma vontade. Sem que Seul soubesse, ela tinha começado a preparar pratos pequenos em casa, às vezes usando suas amigas de cobaia, apenas para conseguir acompanhar a quase-namorada na cozinha.
Ambas encontraram um meio termo com o tempo. Quando Seul queria cozinhar sozinha, Jae a deixava sozinha. Quando Yoo percebia que a estudante estava cansada, ou apenas sem muita disposição, se oferecia de prontidão.
O pico de sua evolução foi quando Seul-gi se permitiu deixar a tarefa totalmente para ela.
- Corte o tofu em cubos e os cogumelos bem picados - Orientou, mesmo sabendo que Je-Yi conhecia bem a receita.
Quando terminou de separar todos os ingredientes, Jae se apoiou no balcão atrás de Seul, assistindo as bolhas do caldo se intensificarem, trazendo um aroma maravilhoso para todo o apartamento.
Ela sorriu. Andou até a geladeira pequena e pegou uma garrafa de água, segurando uma pequena risada com a visão de uma garrafa de Soju no final e outra de bokbunja ju pela metade no fundo.
Seul não tinha o costume de beber quando eram mais novas. Dizia que não gostava muito da sensação de não ter a cabeça focada. Essa situação de cuidar da outra bebada muitas vezes era a estudante cuidando de Jae.
Os tempos mudaram, mas saber que mesmo assim, no meio do caos, ela ainda procurava pela maior, a enchia de esperanças e um toque de soberba.
Na metade da garrafa de água, depois daquele breve silêncio caloroso, Seul não aguentou segurar uma dúvida.
- Você realmente acha que daria certo dessa vez? - A questão a pegou de surpresa.
Jae ficou séria, com uma delicadeza no olhar. Não queria dizer a coisa errada. Não podia.
- Eu não sei - Foi sincera, se aproximando do balcão atrás dela - Mas, se serve de uma motivação, ainda frequento a terapia. Três vezes por semana.
Seul riu um pouco - Um belo compromisso - Respondeu enquanto colocava o tofu na panela - Acho que seria bom voltar a fazer também.
Foi a vez de Je-Yi concordar com o escárnio, acenando exageradamente com a cabeça.
- Com certeza - Um pano de prato atingiu sua cara - O que?
A atenção de Woo se voltou para a panela pelos próximos minutos, perdida em seus pensamentos.
Quando se encontraram no restaurante, mesmo que coberta de ressentimento e rancor, Seul-Gi fez o seu máximo para ignorar aquela faísca que estalou em seus olhos ao ver Jae novamente. Era magnetismo puro. Como um ímã preso na crosta da terra, puxando-a para o mais profundo dos oceanos. Je-Yi era um anseio como o chamado do mar, mas tão perigosa e assustadora quanto ser caçada por velociraptors em uma floresta.
Ela era todas as metáforas entre uma paixão e abismo, vício e obsessão.
Sem muitas surpresas, duas mãos repousaram em sua cintura delicadamente. Seul continuou focada no fogo, deixando que seu corpo absorvesse a descarga de adrenalina quando sentiu Jei depositar a testa contra o seu ombro, abraçando-a.
- Je-Yi, vou queimar a comida - Disse, implicando.
A maior soltou uma risadinha em seu pescoço,
- Eu te compro outra - Brincou, subindo até sua orelha - Te dou um restaurante.
Ela a apertou em seus braços, inspirando com força o cheiro em seus cabelos. Jae adorava senti-los tanto quanto gostava do cheiro da brisa do mar.
Seul sorria mesmo tentando se desvencilhar do carinho. A refeição estava praticamente pronta, mas queria aproveitar aquele momento.
- Se queimar, eu te mando embora.
- Você quer eu vá? - Questionou apertando sua cintura uma última vez antes de se afastar, quase se jogando ao seu lado, apoiando na bancada - Eu vou.
Je-Yi manteve brevemente um tom mais sério, apenas para chamar sua atenção antes do habitual sorriso provocativo voltar.
Seul-Gi entrou na brincadeira, desligando a chama da panela e limpando as mãos em um pano. Sustentou seu olhar, fazendo uma expressão de curiosidade e deboche.
- Vai mesmo? - Deixou uma pílula de falsa esperança na voz - Promessa?
- Vou. Se você quiser, eu desapareço. Vou para outro continente - Seu sorriso era puramente sarcástico, com uma voz baixa e áspera - Você nunca mais vai ouvir sobre mim.
Seul-Gi ainda sustentou o olhar pouco crente, se aproximando. A diferença de altura sempre foi um ponto muito perceptível para ambas, sendo a vez da estudante provocá-la, brincou um pouco com a ponta do dedo em seu queixo.
Deixou o tempo passar, dando a impressão de estar perdida em um pensamento profundo, ponderando a oferta, vendo se conseguia irritá-la por querer considerar essa oportunidade.
Woo deu de ombros, seguindo o caminho para um armário baixo. Jae soltou uma risadinha.
Derramando um charme manhoso na voz, disse – Mas não é o que você quer isso, certo, Seulgi-ah?
– Certeza? - Questionou sem tirar os olhos dos utensílios.
– Absoluta.
Passaram uns quarenta minutos quando finalmente terminaram de comer. Bom, quando Seul-gi terminou, visto que Je-Yi se satisfez bem mais cedo. Tentou adverti-la sobre os riscos de comer tão rápido, sendo ignorada, apenas para descobrir o motivo da pressa.
Ela queria passar os próximos minutos torturantes observando Seul-Gi comer.
Não era algo novo. Era um costume particularmente frequente e estranho desde quando estavam juntas. Seja comendo, lendo, estudando, assistindo algo, cozinhando, o que for, Jae passava um bom tempo observando-a sempre que podia.
Quando Seul terminou, seu sono pareceu querer gritar que ainda estava ali. Seus olhos pesaram quase que instantaneamente que se sentiu cheia.
- Sono?
- Um pouco - Disse bocejando.
Yoo riu vendo como seus olhos marejaram. Woo sempre foi alguém corrido, então era uma raridade para ela ficar com tanto sono depois de comer, tanto que para evitar isso costumava tomar um café forte logo em seguida de cada refeição pesada.
Ela devia estar bem cansada.
- Você realmente encheu a cara ontem. - Constatou.
Seul fez uma careta, esfregando o rosto com as mãos com força - E ainda estou pensando se me arrependo ou não.
Um breve silêncio se instalou. Aproveitando a deixa e uma ideia diabólica, Je-i apoiou a cabeça no encosto, transmitindo uma falsa pose de serenidade. Woo notou um brilho novo no olhar dela.
- Se divertiu com alguém?
Reparando de cara na armadilha, Seul começou a arrumar seus utensílios na mesinha, tendo em mente as possíveis perguntas que se seguiriam.
- Uh? Ah, sim - Respondeu meio receosa.
Je-Yi simulou um bico, erguendo a cabeça, inclinando a parte superior do corpo na direção dela, observando um nervosismo novo surgindo.
- As garotas de intercâmbio que você conheceu? - Jogou sua carta.
Isso despertou Seul, que parou na hora, olhando-a com surpresa, sendo recepcionada com um olhar novo e neutro. - Eu não te falei sobre elas.
- Não falou - Deu de ombros. Silêncio. Ambas mantiveram um confronto ocular fixo até Jae quebrar com uma risada - Calma, apenas vi uma notificação do grupo no seu celular.
Woo apenas revirou os olhos, xingando-a baixinho, não querendo discutir sobre esse tópico.
- Vou dormir - Disse desistindo da louça sobre a mesa.
Seul-Gi tentou se levantar, mas uma mão firme e macia segurou seu antebraço, puxando-a na direção da maior. O desequilíbrio e força mal colocada a levou para cima de Yoo, que ainda mantinha um biquinho manhoso e um olhar quase pidão.
Seul travou ali mesmo. Seu coração disparou de forma lenta, mas forte contra o peito, como uma bola de tênis sendo rebatida a cada dois toques.
Jae sabia do efeito que tinha causado. Sentia o mesmo em seu próprio peito, garganta e ventre.
Estava morrendo de saudades da Seul-Gi.
Desde quando estava em outro país, quando a viu no restaurante, quando quase se devoraram em beijos na frente da sua casa. Na verdade, foi a partir do momento em que ela esqueceu seu broche no carro da mulher acima e a viu pela última vez.
Desde quando Je-Yi soube da transferência para sua escola, sentiu aquele puxar enigmático. Quando ela a viu pela primeira vez, sabia que a fome que se alastrava em sua barriga, a cada confronto, a cada desafio, competição, parceria e honestidade, só seria saciada quando devorasse a mulher.
E ela fez. Diversas vezes. Jae se viciou em uma corrida totalmente diferente de todas que já tenha participado. Sua língua adquiriu uma compulsão pelo gosto de Seul-Gi, pelas disputas, honestidades e mentiras.
E então ela não pode mais se saciar.
Sua abstinência nunca foi curável.
- Você quer que eu vá embora? - Queria ouvir. Aprendeu que sua obsessão se tornava mais gostosa toda vez que a Woo retribuía a ela.
Raiva brilhou nos olhos da estudante. Seul-Gi sabia o quão gulosa era. O quanto sempre buscou por mais, ansiou e cobiçou. Um dia, quando ela finalmente aceitou sua fome insaciável, conheceu Yoo Je-Yi.
E desde então ela sempre lhe deu de corpo e mente. Sua ganância, sua fome, pecados, fetiches e desejos.
E Jae sempre quis mais, tanto quanto ela queria da maior.
Woo se ajeitou em seu colo lentamente, observando bem seus olhos, suas pupilas dilatando, outro sorriso sacana ameaçando aparecer. Quando o encaixe ficou perfeito, familiar, tanto quanto o calor em seus corpos, Seul levou uma mão até seu rosto, passando os dedos pelo cabelo macio e bochechas.
Quando Yoo tentou alcançar seus lábios, faminta, implorando, ela se afastou.
Seu rosto franziu em desgosto. Jae não se moveu mais.
A mesma mão tão suave e carinhosa de antes desceu até o colo de sua clavícula, raspando as unhas ali de leve.
Ao mesmo tempo em que Seul se agachou em seu ouvido, seus dedos envolveram a garganta de Jei, pressionando-a lentamente.
- Não me faça me arrepender disso, Yoo Je-Yi.