
Era uma noite fria, mas o apartamento estava quente de tanta gente que havia na festa. A comemoração de fim de ano no apartamento de Remus e Sirius havia pela primeira vez reunido os vários grupos diferentes do casal, tanto de Hogwarts quanto os de trabalho de Sirius e da faculdade de Remus.
Sirius, como sempre, era o centro da festa, jogando a conversa e o firewhisky de um lado para o outro, regendo com maestria os diferentes grupos de uma forma a produzir uma obra caótica e divertida, com muita risada. O fato de que não conhecia metade das pessoas que estavam ali há mais de algumas horas não o impedia em nada de ser tão sociável como sempre.
Remus sempre gostou de paz e quietude, ainda mais agora que já estava na metade dos seus vinte e poucos anos e com um filho pequeno para cuidar, mas quando Sirius havia expressado a vontade de sediar uma reunião grande para comemorar o Natal e conhecer os amigos do outro, Remus cedera, por que gostava de vê-lo em seu ambiente natural, rodeado de gente e contando as várias anedotas absurdas que reuniu durante a sua vida. Além disso, queria que os seus amigos conhecessem Sirius.
Quando Lily voltou para a sala onde todos estavam depois de colocar Harry e Teddy para dormir, já era por volta de 1h da manhã e o grupo estava risonho e caótico.
— Lily, meu amor, até que enfim! — Bradou James — Sirius está me difamando na frente dos novos amigos legais de Remus. Diga para eles, Lily! Diga que eu não era um stalker.
— Você não era. Você é, ainda. Eu juro, ele vive me dando susto. Estou fazendo algo, lavando uma louça, viro pra trás e lá está ele me olhando.
— O nome disso é amor. Não tem nada de errado em ser um pouco obcecado pela mulher da minha vida — falou, puxando Lilly para o seu colo e lhe dando beijos amalucados. Lilly os recebeu com uma carinha de felicidade celestial. A sala se encheu de “aaahs” e de “eeewws”.
— Você já contou pra eles das cartinhas de admirador secreto, Sirius? — perguntou Lily.
— Já. Contei tudo. Já acabou o respeito deles por James.
— Durou pouco — disse Remus.
— Mas me diga uma coisa, Sirius — disse Eveline, uma menina da sala de Remus na graduação em Defesa Contra as Artes das Trevas — E vocês dois? Eu já tentei umas duas vezes, mas ainda não consegui arrancar de Remus a história de vocês. Como vocês se conheceram?
— Em Hogwarts, mesmo. A gente era do mesmo ano.
— E estão juntos desde aquela época?
— Sim. Ficamos separados por um tempo, quando a gente tinha uns 20 anos de idade. Foi dessa época que veio Teddy. Mas, fora isso, estamos juntos desde os 16.
— Uau. Parabéns. Espera. James também estudava com vocês?
— Sim. Nós três compartilhávamos o mesmo dormitório. Somos amigos desde criança — respondeu James.
— Espera, então. Se vocês começaram a namorar com 16, então significa que vocês dormiam no mesmo quarto desde aqela época? — Eveline perguntou, com um olhar sugestivo — Qualquer adolescente mataria pela oportunidade de dividir um quarto com o namorado nessa idade.
— Sim... Mas Tiago estava lá também, então…Né — Comentou Sirius — Empata-foda do caralho — dirigiu o xingamento à James, que respondeu lhe mostrando os dois dedos do meio — Então não tinha muita vantagem nisso.
— Como assim? — James falou, indignado — Vocês estavam sempre tirando vantagem de compartilhar o quarto. Vocês dormiam na mesma cama todos os dias! Com as cortinas fechadas!
— É, mas não é como se a gente estivesse fazendo nada de mais — defendeu-se Remus.
— Conta outra, Remus! Vai dizer que estavam só dormindo?
— Eu me lembro de a gente ter conversado sobre isso na época. E você disse que não se importava.
— É James. Eu me lembro de você nos dando a sua benção pra fazer o que a gente quisesse contanto que não fizesse nenhum barulho.
— Eu não me importava, só estou dizendo…
— Mas então. Como foi isso, exatamente? — Insistiu Eveline — Vocês eram amigos desde os 11? Como é que duas pessoas que são amigos desde criança começam a namorar?
— Eles nunca me contaram essa história direito — disse James, com uma pontada de ressentimento na voz — Nunca me explicaram como foi o primeiro beijo nem nada. Quando descobri, já estavam juntos fazia tempo.
— Sério? Mas que amigos, hein?
— Pois é.
— Por que vocês não contam agora?! — sugeriu Eveline.
— É, conta! — outros pediram.
— Eu quero saber, também!
Remus já estava cobrindo o rosto e parecendo que preferia estar em qualquer lugar do mundo além dali. Sirius ria, a timidez mais difícil de detectar, mas qualquer um que o conhecesse bem saberia lê-la por trás do sorriso boçal.
— Agora é o momento perfeito. A gente tem que aproveitar enquanto eles estão embriagados.
— Deve ser uma história safada, pela cara dele! — Lily sugeriu.
— Com certeza! — afirmou James.
— Vai, Sirius, fala! Como foi isso?
Todos expressaram sua concordância entusiasticamente, cada um de sua forma, até que as vozes convergiram para um canto de “Conta! Conta! Conta!” acompanhado de palmas.
Sirius levantou as mãos, uma delas segurando a garrafa de cerveja, silenciando a multidão voraz.
— Se o povo quer, quem sou eu para negar?
Gritos de aprovação irromperam na sala.
Remus baixou a mão do rosto e lançou um olhar comicamente incrédulo à Sirius, como se estivesse telepaticamente falando “É sério que você vai contar?” Sirius levantou as mãos olhando para ele com uma expressão que dizia “o que eu posso fazer?” Remus abanou a mão e revirou os olhos.
— Tá bom, tá bom. Foi assim. Vocês sabem que Remus é enfermo, né? O pobrezinho — Alguém deu um assobio sugestivo e os outros riram. Remus fez uma cara de confusão — Então. Eu, como bom amigo que sou… Isso a gente tinha… Isso foi no sexto ano. Eu tinha 16. Não, 17. Eu tinha 17 e Remus 16. Aí tá, né? Aí eu me compadeci com ele um dia — Remus o fitava intensamente com diversão e incredulidade em iguais partes — O que? Não foi assim? — Remus ensaiou interrompê-lo — Não! Deixa eu contar, Remus! Foi assim. Ele fica muito inquieto antes da lua, né — mais assobios e risos — Aí eu fui ajudar. Fui lá e fiz uma massagem nele.
— Uuuuuiii.
— Uma massaaagem!
— Onde?
— No pé —respondeu Sirius.
— Remus tem fetiche de pé!? — alguém acusou e todos caíram na risada. Remus estava de boca aberta, as mãos agora permanentemente viradas para cima parecendo não acreditar em todas aquelas acusações.
— Não, não. São outros. — Sirius gesticulou com a mão como que prometendo contar essa outra história em outra ocasião — Eu fui fazer massagem no pé do pobrezinho, aí uma coisa levou à outra, né, e assim foi.
— Sirius, não foi assim, seu palerma! Você pulou uns seis meses de história! — disse Remus.
Sirius olhou para ele confuso por alguns segundos e então pareceu perceber do que ele estava falando.
— Ah, é! Não, não. Volta tudo. Eu me confundi. É que eu tô bêbado. Na verdade, a gente também tava bêbado naquele dia, por isso que eu não tenho uma memória muito boa. Então. Foi assim. O nosso primeiro beijo foi no halloween do… Do quinto ano. Não foi? Quinto ano, né, Remus? Foi. A gente tava bebaço. Alguém tinha encantado… Vocês devem se lembrar. Foi aquele halloween que encantaram umas abóboras pra ficarem correndo atrás de todo mundo. Aí tinha uma correndo atrás da gente. Aí eu puxei Remus pra dentro de um armário de vassouras…
Por quase um minuto inteiro os assobios e gritos e palmas impediram Sirius de continuar a história. Os armários de vassouras de Hogwarts eram conhecidos quase que como templos sagrados da sem-vergonhice adolescente bruxa. Remus já estava escondido novamente atrás das mãos
— Aí… — Continuou Sirius — Foi como mesmo, Remus? Você me beijou?
— Não! Aí você fez a porra daquele feitiço maluco que você criou lá na hora e jogou cola na porta, pra a abóbora não entrar. Aí você foi colocar o ouvido na porta pra ouvir se ela ainda tava lá e ficou com a cara colada na porra da porta — continuou Remus.
— Ah foi! — Sirius falou, as memórias turvas de bêbado voltando para o seu cérebro também atualmente bêbado — Quem diria que gritar colus maximus empunhando a varinha faria trinta litros de cola saírem voando em jato dela. Aí depois você ficou preso. Suas costas ficaram coladas na porta.
— Eu tentei te ajudar e acabei preso no seu lugar.
— Aí você ficava falando “Vá sem mim, Sirius!”
— A abóbora tinha voltado. Ela tava batendo na porta bem forte. A gente tinha que fugir, se não ela ia derrubar a porta — Remus explicou para os ouvintes.
— “Se salve, Sirius”--- Sirius imitou Remus — Parecia que ia morrer, tá ligado? E nada de a gente conseguir desgrudar ele da porta. Aí eu disse. Eu disse assim “Remus, é só sair por debaixo do vestido!”. Eu esqueci de falar: ele tava vestido de vovozinha da chapeuzinho. De camisola e touquinha, e tal. Aí ele foi, né? E saiu por baixo do vestido, e ficou só o vestido grudado na porta. Só que agora ele tava só de cueca. Aí eu disse, “pega a minha roupa”. Eu tava vestido de Dumbledore. Aí eu tirei a roupa e fiquei só de barba, tá ligado? De barba e chapeuzinho pontudo e cueca. E dei minha roupa pra Remus.
— Aaaahhh — Um coro irrompeu dos amigos da época de Hogwarts, como se tivessem acabado de entender um antigo mistério não resolvido. O mistério de Sirius vestido de Dumbledore sexy passeando pelos corredores de Hogwarts no halloween de 1976.
— Eu fiz isso porque Remus é todo modesto, né. Ele não ia sair dali nem a pau sem roupa. Aí ele começou a chorar. Por que ele ficou emocionado que eu dei minhas roupas pra ele, tá ligado.
— Não — Interrompeu Remus.
— Foi sim — Sirius apontou um dedo na direção do namorado — Você começou a chorar, “Ai por que eu te considero pacas” — imitou Remus, com uma voz chorosa.
— Você tá contando tudo errado.
— “Sirius, meu amigo querido. Obrigado. Porque isso, porque aquilo…” Aí… Aí você me beijou? — olhou para Remus pedindo confirmação da memória.
— Não! — Remus gritou e riu — Você já tinha me beijado nessa altura. Você tinha ficado me atormentando quando eu tava preso. Fazendo que ia comer meu nariz. Aí eu disse: “Me devolve meu nariz”. Aí você… — Remus parou e riu, parecendo ser tomado subitamente por uma onda de timidez.
— Isso! Aí eu disse “Pra que?” Aí Remus, “Pra te cheirar melhor”.
Os gritos e palmas e assobios irromperam novamente, mais fortes do que em qualquer outro momento.
— Quem diria! Nosso Reminho!
— Fiu fiu.
— Au au!
— Aí… Sim! — Continuou Sirius, quando finalmente deixaram — Aí ele foi e me cheirou de verdade! Foi assim! Agora eu lembrei! Aí a gente se beijou. Agora eu me lembrei. O negócio de a gente trocar de roupa e ele chorar foi depois. Foi ele quem começou. Ele me atacou! Ficou cheirando meu pescoço. Vocês acreditam?
Remus sabia, naquele momento, que nunca mais iriam deixá-lo esquecer aquilo. Em todos os encontros entre os amigos iriam jogar esse “para te cheirar melhor” na cara dele. Quase se arrependeu de ter trazido seus novos colegas civilizados para conhecerem os idiotas que ele chamava de amigos de infância. Porém, a visão de todas aquelas pessoas rindo não só dele, mas acima de tudo com ele, em um apartamento aconchegante à meia luz do pisca pisca da árvore de Natal, aquilo trazia acima de tudo uma felicidade tão intensa e profunda como ele nunca teria imaginado que teria oportunidade de ter alguns anos atrás durante a guerra. Estavam todos a salvo, vivos, desentendimentos do pós-guerra já reconciliados. Todos sabiam ali sabiam de sua condição e o aceitavam. Ali diante dele estava a sua família.
Depois de alguns minutos em que todos se uniram para atormentar Remus enquanto ele ficava cada vez mais vermelho, os convidados exigiram uma continuação da história.
— Aí foi acontecendo, né? Remus começou a me atacar nos armários de vassoura com mais frequência. A gente ficou só nessa amizade colorida por meses. Aí um dia eu disse, “Remus”, eu disse. “Quando é que você vai parar de me enrolar e me pedir em namoro?”
— Foi assim, Sirius? Você tem certeza? — perguntou Remus, irônico — tem certeza que não era você que tava na sua fase porra louca me enrrolando?
— É… Digamos que eu não estava no momento mais são da minha vida. Meus queridos papai e mamãe ainda não tinham me libertado daquele inferno daquela casa. Na verdade, Remus me ajudou muito nessa época.
Por um momento o clima da sala ficou mais sério. Remus sentiu a emoção das lembranças daquele tempo terrível em que visitara Sirius na casa dos Potter e o encontrara coberto de hematomas e o cabelo raspado, recém fugido de casa, e o fizera prometer que nunca mais voltaria lá.
— Remus foi minha âncora. Mesmo eu sendo um idiota com ele, ele estava sempre lá para chupar o meu…
— EEEII! — Remus interrompeu.
— Eitcha lelê! — gritou James.
— Jesus Cristo, Sirius! Você vai espantar os amigos de Remus — advertiu Lily.
— Que nada. Você acha que não tem armários de vassoura naquela universidade deles?
Alguns drinques mais tarde, perto do nascer do sol, a festa finalmente se dissipou. James e Lily foram os últimos a sair. Sirius e Remus beijaram a cabeleira selvagem do pequeno Harry, já no sétimo sono nos braços do pai, e fecharam a porta atrás dos últimos convidados.
Sirius entrou no quarto do casal depois de ir checar Teddy e encontrou Remus sentado no parapeito da janela. Foi lá se sentar do seu lado e dividiram um cigarro em silêncio olhando o sol nascer. A cena os lembrava dos vários momentos dos dois juntos em outros parapeitos, em outras épocas, que pareciam agora outras vidas.
Remus admirava o rosto do outro, iluminado pelos primeiros raios da manhã. Era tão bonito como sempre foi em todas as vidas que já viveram. Crianças travessas aprontando no castelo, animais selvagens correndo pela floresta, adolescentes dramáticos (muitas vezes com razão para o ser) soldados em uma guerra que quase lhes tirou tudo. Inimigos. Amantes perdoados. Pais.
Uma onda de carinho inundou o seu peito.
Sirius percebeu que o outro estava o encarando.
— Stalker — acusou baixinho, com um meio sorriso lindo.
— Você é capaz de levar alguma coisa a sério?
— Não sem ser obrigado.
— Eu estou pensando em te obrigar um pouquinho. Ainda tem energia?
Sirius sorriu e assentiu, olhos sérios que brilhavam por detrás da nuvem de fumaça que soprara entre eles.
oOo
Dumbledore, Minerva McGonagal, juntamente com um fantasma de óculos escuros e uma vovozinha alta de camisola e touca de dormir, corriam alucinadamente espiral abaixo, seus gritos intermitentes de aflição cômica reverberavam nas paredes curvas e sem janelas da grande escadaria. Da perspectiva dos quadros, às quatro figuras inusitadas seguia-se uma abóbora flutuante de aspecto maléfico. Umas pinturas esboçaram preocupação com as vítimas da perseguição, outras pareciam simpatizar mais com a abóbora, irritadas por terem seu sono interrompido pelos gritos.
Uma bifurcação surgiu no caminho, quase na base da escadaria. A professora e o fantasma viraram à esquerda e, em um momento de lucidez fortuita que conseguiu heroicamente trazer ao seu córtex pré-frontal através da nuvem pesada de embriaguez, a vovó puxou Dumbledore para a direita.
Dividir e se salvar.
Sem se virar para ver qual dupla a fruta nefasta havia optado por seguir, o diretor parou com um solavanco para explodir a fechadura da porta do armário de vassouras que se apresentou na sua frente (veja bem, não abrir com alohomora, como qualquer bruxo normal faria, e sim obliterar com confringo a parte da porta em que a fechadura se encontrava), causando uma espécie de redemoinho de membros em inércia, que caíram todos emaranhados dentro do quarto.
Ainda no chão, Dumbledore performou outro feitiço absurdo.
— COLUS MAXIMUS!
Ao som daquelas palavras, proferidas provavelmente pela primeira vez na história da humanidade, uns dez litros de cola branca jorraram da varinha do bruxo em direção à porta para selá-la porcamente bem a tempo de impedir a abóbora de entrar.
Estavam a salvo dentro do armário.
Os meninos riram a risada maluca dos bêbados, um por cima do outro, no escuro. O som das cabeçadas da abóbora inimiga na madeira da porta azia um toc toc violento que só parecia amplificar a comédia da situação.
Após algumas batidas, silêncio.
Sirius se levantou cambaleante para investigar, chapéu pontudo esquecido no piso, e encostou o ouvido na porta. Remus segurava o braço do outro, a postos para puxá-lo de volta ao menor sinal de um ataque surpresa, demonstrando uma confiança admirável nos seus próprios reflexos para uma pessoa que havia ingerido uma quantidade absurda de achocolatado batizado de firewhisky não fazia muito tempo.
— Acho que ela foi embora — disse Sirius.
Ao longe, ouviram um dueto de gritos ficando progressivamente mais fracos. A abóbora havia decidido ir perturbar James e Peter.
Os meninos riram.
Sirius tentou se afastar da porta, mas a cola não deixou..
— Sua cara! - exclamou Remus e ajudou o amigo a se desvencilhar da gosma pegajosa — Seu idiota!
De alguma forma, Remus acabou ele mesmo com as costas coladas na madeira e as mãos de Sirius, agora liberto, agarrando a parte da frente de sua camisola de florzinhas cor de rosa. O menino o fitava com um olhar maníaco. Os seus olhos cinza tinham uma vocação enorme para expressar loucura. Os risos morriam lentamente só para irromperem de novo ao som hilário do silêncio.
O mundo girava e os dois se agarravam um no outro para não cair.
Sirius bateu a testa no seu queixo de Remus. Abocanhou o seu nariz.
— Comi o seu nariz.
Remus deu o seu melhor para conjurar uma voz séria, lutando contra a risada que borbulhava na sua garganta.
— Me devolve meu nariz.
— Pra quê? — Sirius sempre teve mais dificuldade para simular seriedade, mas parecia estar concentrando todo o poder mental que ainda lhe sobrara depois de todo aquele álcool tentando seguir a cena proposta pelo amigo. Uma luz pareceu se acender na névoa colorida da sua mente — Você… Pra que você quer… — sua empolgação para entregar a piada era maior do que sua capacidade para contá-la — Pra que esse nariz tÃO GRANDE!? Vovó. — conseguiu por fim articular, com uma expressão de orgulho.
Tendo colocado a bola na área do amigo, esperava ansioso que a rebatesse de volta. Uma dança conhecida entre os dois. Mas a minúscula parte sóbria no cérebro de Remus se acendeu vermelha com a perspectiva da resposta óbvia para a piada. “Perto demais”, alertou. “Perigo!”.
A parte bêbada venceu e, ignorando todos os sinais de alerta, disse:
— Pra te cheirar melhor.
E uma força misteriosa que ele vinha tentando ignorar há tempos se aproveitou do seu estado debilitado para lhe compelir na direção que queria, na direção do menino à sua frente, mais precisamente, do seu pescoço pálido e longo.
Remus empurrou seu nariz contra a pele quente e encheu seus pulmões.
Voltou a si e se afastou, procurando uma reação no rosto do outro.
Sirius procurava de volta.
Conseguiram ficar quietos por três segundos antes de cederem novamente à graça que permeiava a atmosfera do castelo inteiro naquela noite.
Sirius o beijou e também aquilo era hilário.
Remus baixou a barba falsa do outro para facilitar o acesso à sua boca.
Beijavam e riam ao mesmo tempo. O álcool e a magia fluíam doces e quentes nas veias de Remus. O mundo se reduziu ao armário de vassouras e à maciez dos lábios do menino à sua frente. Era tudo surreal e Remus se entregou àquele sonho maravilhoso enquanto a realidade não voltava.
Foram interrompidos por uma pancada na porta que os fez pularem.
— Ela voltou! — disse Sirius, metade drama, metade pânico real — Ela devorou Peter e James e voltou pra pegar a gente!
Quando quiseram sair dali, perceberam que era impossível desgrudar o tecido da camisola de Remus da parede. A cola havia secado totalmente enquanto se beijavam e, com as faculdades incapacitadas pelo álcool e pelo flerte, não lhes ocorria contrafeitiço algum.
A abóbora continuava tentando derrubar a porta atrás de Remus com pancadas regulares.
— Me deixe aqui. Se salve! — disse Remus, contagiado pelo drama do amigo — Diga pra mainha que eu a amo.
— Não! Olha! — Sirius segurou a cabeça de Remus com uma mão em cada lado, apertando suas bochechas, e olhou no fundo de seus olhos — A gente morre como her… A gente morRE JUNTOS! Hoje. HerÓIS! Todos por todos! E um por TODOS.
O jeito foi Remus sair por baixo da roupa.
Remus ficou parado semi nu na frente do outro e olhou um pouco aflito para o vestido florido grudado na porta.
Sem que lhe fosse pedido, Sirius tirou seu manto azul com estrelinhas prateadas e o ofereceu para o amigo se cobrir. A embriaguez coloriu aquele gesto todo de cor de rosa na cabeça de Remus. Por um momento, bizarramente, sentiu sua garganta apertar como se fosse chorar.
— Eu te considero pra caralho, sabia? — disse, mas não soube dizer se Sirius pode ouvir através do pano grosso do manto que ajudava a passar por cima de sua cabeça.
Bolaram um plano, mais por telepatia do que por palavras, visto que conversar naquele estado parecia um jogo impossível de telefone sem fio.
Contaram um, dois três a partir da batida e, no quatro, a abóbora se espatifou contra a parede atrás da porta que fizeram desaparecer com um gesto de varinha no momento certeiro, ou melhor, que Sirius fizera desaparecer, enquanto Remus balançou a varinha só no cinco e gemeu alguma coisa que definitivamente não era um feitiço, mas na sua cabeça era.
Saíram do armário, Remus agora fantasiado de Dumbledore versão vovozinha e Sirius vestido de não lá muita coisa, só uma samba canção, botas de salto, um chapéu de cone e uma barba branca com respingos de polpa laranja, resquícios do assassinato brutal da abóbora.
Sirius, sendo Sirius, não demonstrou um pingo de vergonha enquanto cambaleavam de volta à torre da Grifinória. Sorria e jogava charme como de costume ao encontrarem grupos de meninas com suas risadinhas. Deu uma voltinha e fez uma pose ao ouvir um assobio de um grupo de meninos.
Remus, por que era Remus, sentia vergonha pelos dois, mas, por trás de camadas de medo e inadequação, sentia também um afeto do tamanho do céu.