Brother's Secret

Harry Potter - J. K. Rowling
G
Brother's Secret

Sete anos.

Os dias de inverno sempre foram os preferidos dos irmãos Black. Apesar do frio cortante e da corrente de ar que jogava seus pequenos corpos para trás, ainda era a melhor época do ano para brincadeiras.

Era no inverno que Sirius e Regulus se tornavam os reis dos impérios gelados que erguiam com as próprias mãos, guerreiros lutando em lados opostos até um ser fatalmente derrubado com tiros de bolas congeladas, anjos que caíam do céu e deixavam suas marcas na terra, deuses que criavam vida. Regulus duvidava que lançar feitiços fosse tão mágico quanto esses momentos com seu irmão.

Mas, enquanto Sirius o carregava nas costas até o cume de um pequeno morro, Regulus não se sentia tão poderoso. Na verdade, sofria com suas pernas enfraquecendo e a cabeça girando. Não ajudava Sirius usar, ilegalmente, magia para levitar um trenó atrás deles, com a varinha que roubou da cabeceira do pai enquanto ele dormia. Regulus temia apenas a ideia do castigo que receberiam se os pais descobrissem onde estavam e o que estavam fazendo.

— Por que ir tão alto, Sirius? — o caçula perguntou, tirando uma risada do irmão.

— Porque o trenó não pega velocidade de uma altura pequena, Reggie. — explicou Sirius, como se fosse óbvio. Regulus engoliu em seco.

No topo do morro, era possível ver o bairro inteiro. O sol começava a nascer no horizonte, iluminando a neve caída sob as ruas e telhados, dando a impressão de estarem em um labirinto congelado. Entre o morro e a planície abaixo, o gelo mais parecia um espelho. Regulus não conseguiu encarar a visão por dois segundos inteiros, precisou fechar os olhos com tanta força que doía. Achou que suas pernas cederiam ali mesmo.

— Não quero descer, Sirius. — confessou, levando ambas as mãos até o peito, dando em si mesmo um abraço desajeitado. — A gente deveria ir para casa, tem muitas brincadeiras legais e seguras lá.

Sirius bufou.

— Pff, como o quê? Levar o chá matinal para Madame Walburga? — ele forçou uma voz teatralmente fina, e, mesmo de olhos fechados, Regulus sabia que certamente estaria gesticulando tão exageradamente quanto.

— A gente podia começar um livro, ou fazer um dueto no piano.

Regulus sentiu as mãos de Sirius em seus ombros, e soube que era seguro abrir os olhos.

— Reggie, não precisa ter medo. Eu vou te proteger. — Sirius afirmou no tom gentil e doce que Regulus sabia ser reservado apenas para si.

Regulus não duvidava, nem por um segundo, que Sirius iria tentar protegê-lo. Ele sempre o fazia. Desde que se entendia como bruxo, era Sirius que espantava os monstros debaixo da cama, beijava seus ralados no joelho, o abraçava quando os trovões pareciam estar perto demais de seu quarto, contava histórias até voltar a pegar no sono quando pesadelos vinham o assombrar. Mas, principalmente, Sirius sempre assumia a culpa de tudo que Regulus fazia de errado, jamais permitindo que fosse vítima da ira dos pais. Às vezes, quando Regulus via cicatrizes novas surgirem no irmão, enquanto sua pele permanecia imaculada, se sentia um grande covarde e era consumido pela culpa.

Confiava em Sirius para protegê-lo, mas não confiava no morro para proteger Sirius. Regulus temia uma virada do trenó, que acabaria por soterrar ambos debaixo da neve. A ideia o fez estremecer.

— Não, Sirius. Vamos para casa. — insistiu.

— Regulus, — a voz de Sirius se tornou mais firme. — Você só está sendo medroso. O morro nem é tão alto assim! Não vai acontecer nada, eu juro.

"Medroso" atingiu Regulus como um soco. Sirius sempre foi, para ele, o garoto mais incrível do mundo, seu protetor, herói, confidente. Regulus queria ser como o irmão, corajoso, imbatível, destemido. Queria que Sirius tivesse orgulho dele. Se para isso seria necessário enfrentar a morte cara a cara, Regulus deixaria a covardia de lado. Iria se provar para Sirius.

— Tudo bem, vamos. — tentou dizer com convicção, mas as palavras ainda saíram trêmulas.

O rosto de Sirius se iluminou. Antes que Regulus percebesse, já estava sentado no trenó, com um universo de gelo à sua frente. Manter os olhos abertos seria impossível, então apenas se segurou no trenó com força, até os nós dos dedos ficarem tão pálidos quanto a neve que os rodeava. Sua mente produzia mil cenários catastróficos por segundo, sentia que toda sua força estava direcionada para eles, e não restava nada para o corpo. Desmaiaria a qualquer instante.

— Pronto? — Sirius perguntou.

Não estava, mas assentiu em concordância. Sentiu os braços do irmão o envolverem. Era um toque sutil, mas capaz de confortar, pelo menos um pouco, sua ansiedade. Sirius fez uma contagem regressiva e o trenó começou a se movimentar.

Regulus não ousou abrir os olhos por um segundo sequer. O vento que batia em seu rosto começou a vir cada vez mais rápido, mais frio e mais dolorido. Era como ter a morte o estapeando seguidas vezes. Ele sentia o trenó ganhando cada vez mais velocidade, em sincronia com as batidas de seu coração. Pensou que aquele seria seu fim. Quando abrisse os olhos, estaria morto, e que morte patética seria! Um pescoço quebrado em uma descida de trenó. Seus pais teriam desgosto. Terminariam a vida como uma vergonha para a Casa Black.

Mas seu desespero veio mesmo quando o aperto de Sirius passou de suave para sufocante. O irmão o segurava como se agarrasse a própria vida. Subitamente, os gritos de Sirius ficaram mais altos que o vento, e Regulus sentiu como se todo o corpo se esvaísse de sangue. Se até mesmo Sirius, que não temia nada nesse mundo, percebeu o fim que se aproximava, então não teria volta.

— Eu te amo, Reggie! — ele gritou como últimas palavras. Regulus sentiu como se uma chave tivesse virado dentro de si.

Aos poucos, o trenó foi perdendo a velocidade, e o vento mal passava de um zumbido incômodo, mas Regulus ainda sentia as pernas tremerem.

— Não sei se essa foi a pior ou melhor ideia que já tive na vida. — Sirius lamentou-se, ajudando o irmão a se levantar. — Puxa, Reggie, você está pálido! Melhor irmos para casa e te dar algo bem doce para comer.

Por um segundo, questionou os próprios sentidos. Teria Sirius realmente dito aquelas palavras? Ou sua mente havia lhe pregado uma peça, tentando confortá-lo diante da morte iminente?

Ninguém nunca havia dito que o amava, nem mesmo Sirius. Na família Black, amor não era algo a ser dado, mas a ser conquistado. Ambos eram jovens demais para fazer por merecer o amor dos pais, ainda não tinham tido tempo de acrescentar glória ao legado da família. No fundo, Regulus sabia que o cuidado de Sirius com ele não podia ser outra coisa senão amor, mas isso nunca foi posto em palavras.

Demonstrações de afeto davam a sensação de estarem quebrando as regras, e Merlin sabia como ir contra os pais apavorava Regulus. Mas talvez fosse uma infração que valesse a pena ser cometida. Queria ouvir aquilo de novo. Necessitava da confirmação de que realmente era amado por alguém, por Sirius! Precisava saber que aquilo não havia sido apenas um impulso causado pelo medo. Precisava do amor do irmão. Valeria a pena ser punido por isso. O Cruciatus de seu pai não amedrontava tanto quanto a possibilidade de jamais ouvir aquilo de novo.

— Não! — protestou o caçula, odiando como a voz soava incerta. — Quero ir de novo.

Sirius o encarou com a sobrancelha erguida, como se não acreditasse nele.

— Tem certeza?

Regulus assentiu. Sirius o colocou nas costas e levitou o trenó atrás de si de novo. Novamente, Regulus sentiu as forças se esvaírem de si ao encarar a imensidão branca que emergia abaixo. Sirius o abraçou e Regulus sentiu outra vez os tapas do vento conforme o trenó ganhava velocidade.

Mais uma vez a morte tocou seu rosto, e Sirius pareceu senti-la também. E, mais uma vez, quando o pavor ensurdecia mais que a golfada de ar que os envolvia, o irmão o agarrou com força e gritou:

— Eu te amo, Reggie!

Quando aterrissaram, Regulus precisou de um tempo para normalizar sua respiração e batimentos cardíacos. Ainda tremia muito, mas sua mente continuava reprisando as palavras de Sirius sem parar. Desejava jamais esquecer-se de como ele pronunciava elas.

"Eu te amo, Reggie!"

Regulus mal podia acreditar. Que honra era ser amado por Sirius, que privilégio era ter um irmão como ele! Precisava ouvir mais uma vez.

— Vamos de novo. — disse ao irmão.

— Está ficando tarde, Reggie. Melhor irmos para casa antes que papai e mamãe acordem.

— Desde quando você é responsável?

Estranhamente, aquilo pareceu deixar Sirius profundamente ofendido. Seu rosto se retorceu em uma careta contrariada.

— E desde quando você é imprudente? — ele retrucou.

— Eu... eu gosto das descidas. — Regulus respondeu, sentindo as bochechas esquentarem. Não era um bom mentiroso, mas Sirius não fez mais perguntas, apenas carregou Regulus e o trenó pela terceira vez.

Lá em cima, mais uma vez, ficou fraco e trêmulo, mas se forçou a manter os olhos abertos. Queria gravar a expressão de Sirius, seus gestos, seu tom de voz. Faria um quadro dessa memória e deixaria exposto em seu subconsciente.

Quando desceram pela terceira vez, Regulus se manteve focado no irmão. Quando Sirius deixou escapar a declaração, um sorriso preencheu o caçula por inteiro. Por um segundo, ele até esqueceu como odiava as descidas. Tudo que importava era o quanto amava o irmão.

Queria dizer que o amava de volta, mas não encontrava coragem em si para isso. Dizia a si mesmo que jamais fora ensinado a dizer como se ama, mas sabia que isso era apenas uma desculpa.

No caminho para casa, Regulus ainda manteve os olhos esperançosos no irmão, desejando ouvir aquelas palavras mais uma vez, mas elas não vieram. Pelo resto do dia, Sirius não voltou a repeti-las ou sequer tocar no assunto, colocando Regulus em profunda perturbação.

Será que realmente havia apenas imaginado tudo? O vento havia pregado uma peça em seus sentidos? Sirius, assim como os pais, apenas o amaria quando ele provasse sua utilidade ao nome da Casa Black? Mas Sirius nem mesmo se importava com a honra da família. Será que não o amava por ser fraco? Ou seria Sirius fraco demais para declarar tais coisas em uma situação que não envolvia o medo da morte?

Regulus buscou um pouco da coragem de Sirius e foi ao quarto do irmão depois do jantar para pedir para voltarem ao morro no dia seguinte. Sirius estranhou a vontade de Regulus, mas era incapaz de resistir a uma aventura.

Os irmãos passaram a ir ao morro todas as manhãs. Regulus odiava cada segundo das subidas, mas enfrentava as descidas com o peito cheio, sabendo que ouviria as únicas palavras de afeto que já lhe foram direcionadas na vida.

— Eu te amo, Reggie! — se tornou sua música preferida.

Às vezes, mesmo quando estava sozinho e, especialmente, quando se via triste, as repetia em sua cabeça. O amor do irmão levava todas as dores embora.

Com o tempo, foi se acostumando a ouvir essas palavras; elas se tornaram parte de sua rotina. Sabia que já não era mais capaz de viver sem elas e se perguntava o que seria dele quando a primavera chegasse.

Por alguns dias, continuou a ter medo do morro. Regulus o encontrou em muitos de seus pesadelos, sendo soterrado de neve e deixado para trás por Sirius. Mas ele se forçou a enfrentar sua nêmesis até o medo passar a se misturar com a emoção e ser dissolvido por ela até não restar mais pavor algum.

Em algumas semanas, as descidas pararam de ser assustadoras e passaram a ser parte de seu fascínio. O zumbido do vento passou a ser acompanhado dos gritos animados da dupla, e o gelo que sentia em seu corpo se tornou uma sensação gostosa causada pela adrenalina.

Sirius decidiu que era hora de arriscar um pouco mais e começou a criar curvas, subidas, rampas e uma pista inteira de neve usando magia. Quanto mais arriscado o trajeto se tornava, mais vezes ouvia Sirius declarar seu amor, então não reclamou uma vez sequer.

Sirius parecia perceber o efeito que suas palavras causavam no irmão e começou a dizê-las cada vez mais, com mais convicção, mais alto. Regulus nunca se viu tão feliz. Quando o trenó descolava do chão, ele se sentia, finalmente, corajoso, imbatível, mas, principalmente, sentia-se como parte de algo. O elo que formou com Sirius naquele monte congelado, ele achava, era a magia mais poderosa que existia, e totalmente inquebrável. Nem mesmo o coração de pedra dos pais destruiria sua ligação.

Descer o morro de trenó acabou se tornando uma tradição, mesmo quando os irmãos ganharam suas primeiras vassouras e se apaixonaram por quadribol, cobiçando subir cada vez mais alto e descer cada vez mais rápido. Assim que o primeiro floco de neve caía sobre o chão, lá iam eles, subindo o morro de mãos dadas e com um imenso trenó os seguindo. Sirius nunca parou de dizer que amava Regulus em meio às descidas. Regulus nunca parou de ter esperança de que ouviria aquilo fora daquele contexto. Até Sirius partir para Hogwarts.

Regulus chegou na estação King's Cross com os olhos inchados. Havia virado a noite se debulhando em lágrimas, pensando o que seria dele ali? Completamente sozinho com os pais o ano inteiro, sem Sirius para dividir com ele as aventuras secretas, que apenas os dois conheciam. Não conseguia imaginar o que seria dele sem sua dupla. Seu irmão. Seu único amor. Como poderia se despedir dele por um ano inteiro?

— Não quero que você vá — Regulus confessou a Sirius, antes que este pudesse subir no trem.

— Eu preciso ir, Reggie, e logo você vai estar vindo comigo. Prometo te escrever toda semana — respondeu, com um sorriso tranquilizador que, pela primeira vez, não foi capaz de acalmar o caçula.

Sirius pareceu se dar conta de quanta dor e saudade inundavam o coração do irmão, e seu rosto se contorceu em uma expressão sofrida. Naquela época, Sirius costumava ser o mais alto, e precisou ficar de joelhos para olhar Regulus nos olhos.

— Eu te amo, Reggie — disse, porque, no fim, Sirius sempre sabia a coisa certa a se dizer.

Algo se transformou dentro de Regulus ao ouvir aquilo. Se dentro dele ainda havia dúvidas sobre quem dizia aquilo no trenó, se o vento ou se Sirius, elas não existiam mais. Toda a tristeza em si foi lavada e enxugada para fora através das únicas lágrimas de felicidade que Regulus derramaria em sua vida. Ele abraçou Sirius com força, desejando que o tempo parasse naquele instante e jamais voltasse a correr novamente.

— Eu te amo, Sirius! — conseguiu dizer, em voz alta, a plenos pulmões, para que a estação inteira pudesse ouvir. Mais lágrimas caíram de seu rosto quando Sirius o apertou ainda mais.

Não se importava com os olhares reprovadores que sabia que sua mãe direcionava aos dois. Ele e Sirius eram a coisa mais importante do mundo, de seu mundo pelo menos. Teve a certeza de que, apesar da distância, quando Sirius voltasse, tudo ficaria bem.

Mas, a coisa engraçada sobre a infância é que as certezas que ela carrega sobre o futuro são mais incertas que o próprio.

Quando Sirius foi colocado na Grifinória, seus pais mudaram, mas Sirius também. Seus pais passaram a falar de Sirius com cada vez mais desgosto e decepção, e as cartas do irmão eram recheadas de cada vez mais absurdos. Quanto mais Sirius escrevia sobre sua relação com sangue-ruins e traidores do sangue, mais seus pais ensinavam a Regulus sobre a verdadeira honra de um bruxo de sangue puro. Ele era lapidado para ser tudo que o irmão se provou falho, e aceitara o papel com muito orgulho, porque não havia orgulho maior do que ser um puro-sangue.

De início, Regulus tentou recolocar o irmão nos eixos, mas Sirius sempre fora um rebelde inconsequente e jamais deixaria de ser. E as palavras de sua mãe sobre o legado histórico de nobreza Black faziam mais sentido que os delírios progressistas do irmão.

Aos poucos, Regulus foi percebendo que heróis da infância estão destinados a morrerem junto com ela. Só nunca achou que este seria seu irmão.

Quando Sirius voltou para casa nas férias, não sentia mais vontade de brincar, tampouco Regulus. Mas não tinha problema, porque no início do verão, o morro foi demolido e a prefeitura começara a construir uma igreja naquele lugar.