
Capítulo I - Um chamado
A manhã começou como todas as outras, Agatha foi despertada pelo sino insuportavelmente alto às cinco da manhã. Ela tentou impedir que o som se instalasse em sua mente, tampando os ouvidos com o travesseiro. Inútil. Como poderia cinco badaladas serem tão extensas e infernais.
O barulho finalmente parou e ela se levantou da cama. Olhou pela janela e encontrou o breu completo. Agatha era a responsável por acender as lanternas do Instituto antes das aulas começarem. Ela ganhou essa responsabilidade como “reconhecimento” pelas notas perfeitas no último ano. Era isso que se ganhava por ser exemplar, mais responsabilidade. Perfeito.
Agatha buscou armário seu robe mais grosso, pegou na gaveta o acendedor, passou a mão desleixadamente nos cabelos e finalmente saiu do quarto. Começou como sempre pelo seu próprio corredor e seguiu assim, começava pelo primeiro andar de dormitórios, e depois o segundo e terceiro, por fim, descia ao térreo onde eram dadas as aulas. Passava pelo corredor da biblioteca e terminava na recepção, depois voltava ao seu quarto e se arrumava para o café.
No meio do banho frio, Agatha ouviu o primeiro sino tocar e revirou os olhos exalando.
— Ai que inferno — ela resmungou se secando. Os próximos passos foram feitos as pressas. Ela abriu seu armário e buscou seu vestido entre as vestimentas, então o segundo sino tocou e então ela se lembrou. Ainda não era o primeiro dia de aula. Isso era em dois dias.
Com um suspiro aliviado, Agatha fechou o armário e pegou as outras roupas na gaveta. O Instituto Nossa Senhora do Silêncio tinha regras para tudo, inclusive para as roupas que você deveriam usar fora do ano letivo. Ela se vestiu, aplicou perfume atrás das orelhas, e se pôs em frente ao espelho para se pentear.
Por Deus, esse suéter bege e a calça marrom a faziam se sentir um pergaminho velho e apodrecido. Seu nariz enrugou com o pensamento.
Após conferir se seu cabelo estava decentemente arrumado, Agatha foi à capela para a oração da manhã. As freiras estavam finalizando quando ela chegou à capela, mas ela conseguiu se esgueirar pelo canto e fingir que sempre esteve ali. Pelo menos ela respondeu o último amém.
Seguiram para o refeitório, onde o café da manhã foi servido, e comido, em completo silêncio. Estando quase sozinha no colégio, ela tinha muito tempo livre, e muita paz, se é que se pode chamar assim. A garota fazia o possível para ocupar esse tempo livre, ela ia à capela e rezava, ou ia à biblioteca e lia, se sobrasse tempo ela ia até a outra capela e se confessava. Ela não tinha muito o que confessar. Confessava sobre a raiva, e sobre o ressentimento, e quem quer que estivesse ouvindo a perdoava, a aconselhava e ela cumpria a penitência.
— Agatha, que bom que te encontrei — a voz inconfundível de Lilia a tirou dos devaneios.
— Bom dia, Lilia. — ela sorriu para a mulher grisalha. — O que posso fazer por você?
— Na verdade, eu tenho notícias — Lilia tocou seu ombro.
— Minha mãe ligou? — Agatha perguntou com uma centelha de esperança, que se apagou quando viu a semblante solidário que Lilia exibia.
— Não querida. Ela não ligou. — Lilia tentou sorrir — Minhas notícias são outras. Você terá uma colega de quarto para esse ano — a mulher disse animada. Agatha não sabia como reagir. Sempre esteve sozinha, desde que entrou no colégio aos 6. — Vai ser uma tarefa difícil, mas eu sei que você consegue.
— Tarefa? — Será possível que ela receberia mais responsabilidades? Por Deus — Que tarefa?
— Ah — Lilia exalou — A Madre Superiora ainda não falou com você, não é? De toda forma, é bom que vá vê-la. Boa Sorte.
E assim Lilia seguiu seu caminho. Agatha não deixou de pensar o quão estranha aquela mulher era, e com um suspiro profundo, se pôs a caminho da sala da Madre Superiora. Depois de duas batidas, sua entrada foi liberada.
— Reverendíssima, bom dia. — Agatha cumprimentou a mulher.
— Senhorita Harkness — a senhora idosa disse sorrindo — Entre e sente-se, por favor. — E Agatha fez o que lhe foi dito. Ela observou a Madre Sharon Davis, uma senhora idosa, sorridente e contente. No fundo, Agatha esperava que os anos de regime rígido entre as freiras tivessem endurecido a velha. Mas se essa era versão mais “dura” de Sharon, ela não queria nem imaginar como ela era quando chegou no convento. — Não fico surpresa que já esteja de volta ao colégio, mas o que te traz a minha sala?
— Bem, encontrei a Vice Diretora Calderu nos corredores agora a pouco, e ela me disse para vir falar com você, algo sobre eu ter uma colega de quarte nesse ano — Agatha se sentia desconfortável com a ideia — E me desejou sorte na minha tarefa. Que tarefa?
— Bem, eu a chamaria para conversar sobre isso mais tarde, mas já que está aqui. — ela disse diminuindo o sorriso — Agatha… — Pronto, lá vem a “palava do Senhor”. Agatha reprimiu a vontade de revirar os olhos. — Nesse ano, o Senhor deu a nós um novo chamado, nos foi incumbido um propósito com duas novas alunas. Garotas problemáticas essas… — a Madre franziu o cenho — E eu peço sua ajuda nesse novo propósito, Agatha.
— Claro, Madre, eu farei o que eu puder. — Agatha vestiu seu melhor sorriso — Mas, por que essas novas alunas são tão problemáticas?
A Madre superiora suspirou e balançou a cabeça levemente.
— Bem, elas estão vindo do reformatório do estado vizinho.
— Do reformatório?
— Sim, mas não se alarme, são inofensivas.
Inofensivas? Desde quando as pessoas vão para o reformatório por serem inofensivas? Agata queria gritar.
— Talvez sejam um pouco difíceis. — a mulher divagou.
— E qual seria o meu propósito nisso, Madre? — a irritação de Agatha estava quase levando a melhor sobre ela.
— Agatha, preciso te fazer um pedido. Nós precisamos de acompanhamento para essas novas alunas?
— Acompanhamento? — o tom de Agatha se elevou brevemente.
— Essas meninas precisarão de ajuda para se ajustar. Estão vindo de um mundo muito diferente, sem regras e sem rumo. E, como você bem sabe, nós temos regras rígidas e punições tão rígidas quanto. — Agatha avaliou a Madre por um momento, ela parecia se entristecida, mas Agatha não sabia o quão verdadeiro era o sentimento. — E, bem, suas notas são excelentes. Perfeitas, na verdade. E você não saiu da linha nem um dia sequer desde que chegou. Tenho certeza que com seu apoio, e com nossos valores, essa garota pode ser consertada. Posso contar com sua ajuda?
Agatha sabia que negar não era uma opção. Boas garotas não negavam ajuda. Não negavam apoio. E nem se desviavam de tarefas difíceis.
— Claro, Madre. Farei o que eu puder.
— Oh, excelente, Agatha. Sabia que poderia contar com você — a velha sorriu e com um movimento sutil das mãos Agatha sabia que estava dispensada. — Sua colega chegará amanhã bem cedo, e hoje a noite os móveis serão movidos para o seu quarto.
— Certo…
Agatha se levantou e foi a caminho da porta, enquanto a mulher voltava se concentrar nos papéis sobre a mesa.
— Ah, Agatha — a menina parou na porta e voltou o olhar para a velha freira. — Seria ótimo se pudesse mostrar a ela a escola e ajudá-la com a rotina.
— Claro Madre, sem problemas. Com sua licença.
Agatha deixou o escritório o mais rápido que pôde e seguiu para a capela mais próxima. Ela não pretendia rezar, ou pedir qualquer coisa. Mas era um hábito estar na capela quando não sabia o que fazer.
Ela queria gritar.