
Era um dia frio de outono em Hogwarts. As folhas secas estalavam sob os pés dos alunos apressados, enquanto o vento frio soprava pelas torres do castelo. As aulas de feitiços haviam acabado de terminar, e Harry Potter, cansado, estava a caminho da Sala Comunal da Grifinória. Mas algo o fazia sentir-se inquieto, um leve formigamento na nuca que ele não conseguia ignorar.
Ele não estava sozinho no corredor, e, de repente, uma explosão de risos fez Harry virar-se. Vários alunos da Sonserina passavam por ali, sussurrando entre si. Entre eles, ele reconheceu Pansy Parkinson e Draco Malfoy, mas uma outra figura chamou sua atenção: uma garota de cabelos castanhos claros, de expressão calma e indiferente. Tracey Davis. Harry a conhecia vagamente, mais pelo nome do que por qualquer interação real. Ela era discreta, mantendo-se à parte dos dramas que costumavam envolver os outros alunos da Sonserina.
No entanto, naquele momento, enquanto ela passava por Harry, ele sentiu uma leve vibração no ar. Uma sensação incômoda e familiar. Antes que pudesse reagir, suas pernas cederam sob ele, e Harry tropeçou desajeitadamente. Os risos se intensificaram, e Draco zombou alto:
— Cuidado, Potter! Parece que sua fama não te ajuda a ficar de pé!
Harry levantou-se rapidamente, o rosto queimando de raiva. Não era a primeira vez que Malfoy e seu grupo o provocavam, mas ele sabia que algo estava diferente. Ele não tinha simplesmente tropeçado. Não, havia algo mais. Ele podia sentir o eco de uma azaração, algo leve e sutil, mas ainda assim eficaz.
Seus olhos pousaram em Tracey novamente. Ela não estava rindo. Na verdade, ela nem sequer parecia interessada no que acontecera. Seus olhos castanhos estavam voltados para o chão, mas havia uma ligeira curva em seus lábios, como se ela estivesse tentando esconder um sorriso.
Aquele pequeno detalhe fez Harry se aproximar dela quando o grupo começou a se afastar.
— Foi você? — Ele perguntou, sua voz baixa, mas firme.
Tracey parou por um segundo, como se estivesse considerando a pergunta, e então olhou para ele, uma sobrancelha arqueada.
— Não sei do que você está falando, Potter — Disse ela, a voz levemente sarcástica. — Talvez você só seja desastrado.
— Eu senti — Harry insistiu, encarando-a. — Foi uma azaração, não foi?
Os olhos dela brilharam brevemente, como se estivesse se divertindo, mas ela não confirmou nem negou. Em vez disso, deu de ombros.
— Se eu tivesse feito algo, você nem teria percebido — Ela respondeu casualmente, passando por ele e seguindo adiante.
Harry ficou parado, observando-a ir embora. Algo naquela interação mexia com ele. Tracey não era como os outros sonserinos que ele conhecia. Ela era quieta, sim, mas havia uma confiança silenciosa em suas palavras, e uma astúcia que ele não costumava ver.
No dia seguinte, enquanto voltava da aula de Poções, Harry mais uma vez sentiu o familiar zumbido de uma azaração perto de si. Ele estava preparado desta vez, e quando sentiu suas pernas começarem a ceder, ele rapidamente lançou um Finite para desfazer o feitiço.
Mais uma vez, Tracey estava lá. E mais uma vez, ela estava agindo como se nada tivesse acontecido. Mas Harry sabia. Ela estava testando-o, brincando com ele de uma forma que o confundia.
Ao longo dos dias seguintes, Harry percebeu um padrão. Tracey parecia sempre estar por perto quando algo estranho acontecia, e, de alguma forma, ele sempre sabia que era ela. Pequenas azarações — nada sério, apenas o suficiente para irritá-lo. Ela nunca era cruel, mas sua presença constante e as pequenas provocações o deixavam desconcertado.
Finalmente, após mais um desses incidentes, Harry decidiu confrontá-la. Ele a encontrou sozinha no pátio, onde o vento frio fazia suas vestes esvoaçarem. Ela estava sentada em um banco, folheando um livro de feitiços, e não parecia nem um pouco surpresa quando Harry parou em frente a ela.
— O que você quer, Potter? — Ela perguntou, sem tirar os olhos do livro.
Harry cruzou os braços, determinado a obter respostas.
— Por que você continua fazendo isso?
— Fazendo o quê? — Ela perguntou, agora levantando os olhos para ele, um leve sorriso nos lábios.
— As azarações. As pequenas provocações. Eu sei que é você.
Tracey fechou o livro devagar e suspirou, como se estivesse debatendo se deveria responder ou não. Então, ela o olhou diretamente, os olhos castanhos fixos nos dele.
— Talvez seja só para ver até onde você aguenta — Ela disse, sua voz baixa e séria desta vez.
Harry franziu o cenho, confuso.
— O que você quer dizer com isso?
Tracey levantou-se do banco, ficando cara a cara com ele. Sua expressão era neutra, mas havia algo mais profundo ali, algo que ela não deixava transparecer facilmente.
— Você é o "Garoto Que Sobreviveu", Potter. Todos esperam que você seja forte, indestrutível, o herói. Mas eu queria saber se você é realmente tudo isso... ou se você é apenas outro garoto que teve sorte.
Harry ficou em silêncio por um momento. Aquelas palavras mexeram com ele de uma forma que ele não esperava. Ele sempre se sentiu pressionado a ser o herói, a pessoa em quem todos confiavam para salvar o dia. Mas no fundo, ele também tinha suas inseguranças, seus medos. Ele não sabia se estava à altura das expectativas que os outros tinham dele.
— E o que você descobriu? — Ele perguntou, a voz mais suave agora.
Tracey olhou para ele por um longo momento, seus olhos avaliando-o de uma forma que fez Harry se sentir exposto, como se ela estivesse vendo além da superfície.
— Ainda não tenho certeza — Ela respondeu. — Mas você parece aguentar mais do que eu esperava.
Ela deu um pequeno sorriso, e Harry, apesar de tudo, sentiu uma faísca de entendimento passar entre eles. Era uma conexão estranha, mas inegável. Eles estavam em lados opostos, sim, mas havia algo ali, uma compreensão mútua, como se cada um visse algo no outro que os outros não viam.
Nos dias que se seguiram, as azarações de Tracey se tornaram menos frequentes, mas sua presença ao redor de Harry se intensificou. Eles começaram a se cruzar mais nas aulas, e, para a surpresa de Harry, suas conversas começaram a se tornar mais longas. Ela ainda era afiada, ainda provocava, mas havia algo diferente agora. Um respeito mútuo, uma curiosidade crescente.
Em uma tarde, durante uma aula de Feitiços, os dois foram colocados como parceiros para praticar feitiços de azaração. Flitwick queria que eles praticassem como se defender e revidar azarações leves. Tracey deu um sorriso provocador para Harry, como se estivesse antecipando o desafio.
— Vamos ver se você aguenta, Potter — Ela disse, levantando a varinha.
Harry sorriu de volta, sentindo a adrenalina correr em suas veias.
— Traga o que você tem, Davis.
E então começaram. Feitiços voavam pelo ar, e o som de Finite ecoava enquanto um desfazia o ataque do outro. Mas, entre os feitiços, algo mais estava acontecendo. Havia uma faísca entre eles, uma tensão que Harry não conseguia explicar completamente. Ele sentia que Tracey o desafiava de uma forma que ninguém mais fazia, e, por mais estranho que fosse, ele gostava disso.
Quando a aula terminou, ambos estavam ofegantes, mas com sorrisos de satisfação.
— Nada mal, Potter — Tracey disse, guardando a varinha. — Talvez você seja mais do que só sorte, afinal.
Harry riu, guardando sua própria varinha.
— Você também não é tão ruim.
Eles se entreolharam por um momento, e Harry percebeu que havia algo mais entre eles, algo que estava crescendo. Talvez fosse a competitividade, ou talvez fosse o fato de que, de algum modo, eles entendiam um ao outro de formas que os outros não conseguiam.
Enquanto Tracey se afastava, Harry sentiu uma estranha sensação de alívio e excitação. A azaração, o constante desafio, parecia ter se transformado em algo mais. Uma conexão, uma faísca que ele não poderia ignorar.
Ele sabia que ainda havia muito a descobrir sobre Tracey, mas algo nele sabia que, de alguma forma, ela seria importante para ele.