
A luz suave da tarde tentava iluminar os corredores sombrios do que um dia fora a imponente mansão Malfoy. A guerra terminara fazia pouco mais de um ano e o peso das vidas perdidas ainda estavam sobrecarregando seus ombros. Harry não queria estar aqui, mas sem saber o que fazer e por um pedido de Draco, que o ajudou quando ele e seus amigos foram pegos pelos capangas de Voldemort, ele aceitou vir. Lucius e Narcissa não apareceram, mas Draco foi quem o recebeu, então estava tudo bem.
A princípio, ele não sabia o motivo de estar aqui, mas agora, sabendo que tinha um fantasma preso em um dos quartos da mansão, isso atiçou sua curiosidade. Afinal, os Malfoy tinham muitos contatos, como nenhum deles conseguiu expulsar esse? Sem receber muitos detalhes, ele seguiu Draco por diversos corredores que pareciam não ter fim até que eles chegaram em um que continha apenas uma porta.
A porta era alta, escura, cheia de desenhos entalhados, provavelmente contando alguma história que ele não estava disposto a ouvir no momento. Draco não entrou, mas abriu a porta para ele e, um pouco receoso, deu um passo para dentro do quarto. Harry olhou ao redor, esperando encontrar o fantasma que não pararia de aterrorizar aqueles quartos. Andando até uma parede completamente azul, ele pôde ver que os desenhos eram de uma árvore genealógica. O desenho lembrava um pouco o que ele tinha visto em Grimmauld Place, mas dessa vez, a árvore estava praticamente completa, com ninguém sendo apagado. O detalhe que chamou sua atenção foi um lugar em branco, e esse lugar era ao lado da imagem de Abraxas Malfoy.
Sentindo o ar mudar ao seu redor, Harry voltou a olhar o quarto até encontrar um homem perto de uma das grandes janelas que se estendia pela parede do quarto. Por estra de costas, ele não pôde reconhecer o fantasma, mas seu coração pulou, como se eles já se conhecessem. Aos poucos, a figura se virou e Harry reconheceu aquele rosto. Ele era um homem alto, de cabelos loiros platinados e olhos afiados como os de Draco, mas havia algo de mais antigo, mais profundo nele. Harry reconheceu-o imediatamente.
- Você é Abraxas Malfoy. - Harry murmurou, dando um passo para trás, a mão quase indo à varinha. Mas, por alguma razão, ele não sentiu medo. Havia algo na presença de Abraxas que o acalmava, uma estranha familiaridade que ele não conseguia explicar.
Abraxas assentiu lentamente, um leve sorriso nos lábios.
- Sim, Harry Potter. Eu sou aquele que você nunca conheceu, mas cujas memórias... já foram suas.
- O que você quer dizer com isso? - Harry franziu o cenho.
O fantasma flutuou levemente na direção dele, seus olhos prateados observando Harry com uma intensidade profunda.
- Você não se lembra, mas em outra vida, em outra linha do tempo, nós estávamos conectados. Amávamos um ao outro.
Harry piscou, surpreso, sentindo o calor subir pelo seu rosto. Ele tinha que admitir, o gene Malfoy era maravilhoso, mas como ele pôde ter amado um fantasma? E como ele não se lembrava disso? Desde que ele entrou no mundo mágico, aprendeu que muitas coisas podiam estar além de sua compreensão, mas eram reais. Mas isso? Isso beirava ao ridículo.
- Isso... isso não faz sentido. Eu nunca te conheci.
- Não nessa vida. - Abraxas corrigiu suavemente, seus dedos fantasmais atravessando devagar o rosto de Harry, causando um arrepio gelado que percorreu sua pele. - Mas em outra vida, nós nos encontramos. Nós nos amamos, mas esse amor trouxe sua morte. Eu o perdi, Harry. E, ao fazê-lo, eu me perdi também.
A confusão de Harry apenas aumentava.
- O que está acontecendo? Por que está me dizendo isso agora? O que tudo isso tem a ver com você não deixar a mansão Malfoy?
Abraxas deu um passo para trás, suspirando profundamente.
- Eu morri porque precisei fazer o sacrifício de nos separar. Eu sabia que, se você permanecesse comigo, estaria destinado a uma vida de sombras e dor, sempre perseguido pela morte. Assim, eu fiz um ritual para te libertar, para que você pudesse viver uma vida diferente. A minha morte selou a sua liberdade. Mas a verdade, Harry, é que o ciclo do nosso amor, do sacrifício, nunca se quebrou. E agora, você está aqui novamente, sendo assombrado pelo que fomos, mas sem uma verdadeira lembrança.
Harry sentiu o peso da revelação cair sobre ele, uma mistura de tristeza e compreensão começava a se formar em sua mente. Isso era demais, mas... de alguma forma, ele sentia que ele estava falando a verdade. Ele sentia em seu âmago que poderia estar além de sua compreensão, mas não deixava de ser verdade.
- Você... sacrificou o que nós tínhamos para que eu pudesse viver. - Ele pensou em dizer a palavra "amor", mas por que ele diria se ele não se lembrava disso? - E é por isso que está preso aqui? É por isso que me sinto tão... vazio?
Abraxas se aproximou novamente, seus olhos mostrando uma dor que Harry nunca tinha visto antes em ninguém.
- Sim, Harry. Eu fiz o que era necessário, mas, no fim, eu também me prendi ao nosso amor. Estou aqui, entre a vida e a morte, aguardando o momento em que o ciclo finalmente possa ser encerrado.
Antes que Harry pudesse responder, a figura de Abraxas começou a brilhar com uma luz suave. A figura de um homem mais velho apareceu na porta aberta, algo que ele não conseguiu notar antes: Lucius Malfoy, observando-os com uma expressão séria e pesada.
- Harry. - A voz grave de Lucius o tirou de seus pensamentos. - É hora de você saber a verdade.
Harry olhou de Abraxas para Lucius, sem saber o que esperar. Lucius deu alguns passos para mais perto, mantendo a distância entre ele e o fantasma de seu pai.
- Meu pai morreu por sua causa. - Lucius começou, suas palavras afiadas, mas sem a frieza que Harry costumava associar a ele. "Não pela guerra, não por Voldemort, mas por amor. Ele sacrificou sua vida para romper o laço entre vocês dois. Vocês estavam destinados a se perder, a se destruir. Meu pai o amava, Harry, e sabia que, se você continuasse com ele, o ciclo de morte e destruição nunca teria fim.
Harry sentiu uma pontada no peito, uma dor que ele não sabia explicar.
- Então... ele fez isso para me salvar.
Lucius assentiu lentamente.
- Sim. Ele usou um antigo ritual de separação de almas, algo que custou sua própria vida para garantir que você vivesse uma vida longe desse destino. Eu nunca entendi o porquê até agora. Ele sempre falou de você, sempre o observou, mesmo depois de morto.
Harry respirou fundo, as peças do quebra-cabeça finalmente começando a se encaixar. Ele olhou para Abraxas, a tristeza no olhar do fantasma fazendo seu coração doer.
- Eu sinto que conheço você. - Ele murmurou. - Mesmo que não me lembre... algo em mim lembra.
Abraxas estendeu a mão, embora soubesse que não poderia tocá-lo de verdade.
- Você sempre se lembrará, Harry. Mesmo que nossas vidas tenham sido separadas, nossas almas sempre se encontrarão.
Lucius se aproximou um pouco mais, sua expressão severa suavizando.
- O ciclo precisa terminar, Harry. Você precisa aceitar o que aconteceu e seguir em frente. Meu pai fez isso por você, para que pudesse viver sem o fardo desse amor trágico.
Harry fechou os olhos, sentindo as lágrimas se acumularem. Havia um peso no passado que ele não conseguia evitar, mas sabia que precisava deixar ir. Ele não sabia o que fazer, o que pensar. Ele nem até tentou forçar sua memória, mas não conseguiu. É como se sua memória se recusasse a reviver algo doloroso. Harry, sem ter instruções, pensou apenas em livrar Abraxas, um homem que ele nunca conheceu nessa vida, desse fardo. Ele pensou na liberdade. Ele sentiu em seu coração a força empurrando o fantasma para longe, como se estivesse incitando-o a seguir em frente. Ao abrir os olhos novamente, ele viu Abraxas se desvanecendo lentamente, a luz de seu corpo ficando cada vez mais fraca.
- Eu... eu espero que você seja livre e siga em frente. - Harry sussurrou, e Abraxas deu um último sorriso suave antes de desaparecer completamente, a brisa fria preenchendo o vazio onde ele estava.
O silêncio tomou conta do ambiente. Lucius deu um último olhar para onde seu pai desapareceu e fechou os olhos, sentindo como se um peso tivesse saindo de seus ombros.
- Venha. - Pediu Lucius, com uma voz muito mais mansa.
O mais velho caminhou até a parede com sua árvore genealógica e procurou o nome de seu pai. Ao olhar para o lugar que estivera vazio há tanto tempo, ele encontrou um nome: Hadrian Peverell.
- A magia é magnífica. - Lucius murmurou.
Harry olhou para o mesmo lugar, encontrando o nome.
- Esse Hadrian... - Ele engoliu em seco. - Eu fui ele?
- Sim. - Lucius fechou os olhos e sorriu, se lembrando de um tempo tão distante. - Meu pai. O pai que me gerou, que me criou, que me deu amor...
Harry sentiu seu coração apertar com essas palavras.
- Mas você sempre me odiou...
Lucius abriu os olhos e o encarou. Ele sabia, agora, que havia errado. E muito.
- Meu pai nunca me contou seu verdadeiro nome. - Não era uma desculpa que ele estava procurando, ele sabia que havia sido horrível com muitas pessoas ao longo desse anos. - Mas sua aparência... Você sempre me lembrou o meu pai amoroso que, do dia para a noite, abandonou a família.
- Ele estava tentando proteger minha identidade, com medo de que a história se repetisse...
- Sim...
Lucius não disse mais nada. O que havia a ser dito? Seu pai só contou a história após a guerra, quando o tempo de Harry viajar no tempo havia se passado e ele pôde se sentir aliviado que seu plano de proteger seu amado havia dado certo.
- Eu sou muito jovem para ser seu pai. - Ele disse um tanto inconformado. Lucius não pôde deixar de rir.
- Eu sei disso. - Ele disse depois de um tempo. - Eu não quero que você banque o meu pai, mas gostaria de te conhecer melhor e tentar seguir em frente.
Harry sabia que, de certa forma, os fantasmas do seu passado sempre o seguiriam. Mas agora, ele podia seguir em frente, sabendo que o sacrifício de Abraxas tinha sido por amor, o mais profundo e doloroso tipo de amor — aquele que liberta. Ele poderia não se lembrar daquela vida, mas estava grato pela enfim liberdade e o peso tirado de seu coração. Ele sorriu para Lucius, de alguma forma não sentindo mais aquele ódio, não depois de toda essa revelação.
- Eu adoraria.