
Genevive colocou a mochila no armário e lançou a pergunta com curiosidade:
— Você viu a nova professora de defesa pessoal?
— Não!
Mentira descarada. Therese teve a sorte de estar na recepção no momento exato em que ela entrou. A recepcionista precisou atender uma ligação urgente, e foi assim que Therese acabou presenciando a entrada do ser mais magnífico que já pisou na Terra.
O choque ainda era vívido. A voz rouca daquela mulher fez sua pele reagir de um jeito que ela não conseguia explicar. Três dias depois, seu pensamento continuava preso naquela imagem, naquela voz. Era absurdo alguém ocupar tanto espaço na mente de outra pessoa assim, e mesmo assim, era exatamente isso que estava acontecendo.
Ela sabia que, se alguém poderia ajudá-la a entender aquilo, esse alguém era Genevive. Mas falar sobre isso ainda parecia impossível. Não agora.
Genevive foi uma das poucas constantes em sua vida. Além das freiras, é claro.
Aos seis anos, Therese foi deixada em um orfanato católico pela mãe. Logo percebeu que a solidão tinha um significado diferente para cada pessoa. Para as outras crianças, significava que havia algo de errado com ela para ter sido abandonada. Para os possíveis adotantes, significava que ela já era velha demais para ser escolhida. Para as freiras, era apenas mais um problema a ser administrado.
Genevive, no entanto, sempre foi diferente. Desde o início, foi gentil com ela, respeitou seus limites, entendeu suas falhas e validou seus sentimentos de um jeito que ninguém mais fazia.
— Ela é gostosa pra caralho!
A frase saiu da boca de Genevive semanas depois, enquanto ambas observavam a mulher suada demonstrando como se livrar de um abraço de urso.
Genevive dizia coisas assim o tempo todo, sem cerimônia, sem constrangimento. Therese, por outro lado, cresceu sob a rígida educação das freiras — puritana, conservadora, cheia de regras sobre certo e errado.
Ela tinha apenas quinze anos quando Genevive apontou para a garota sentada ao lado delas e soltou, com a maior naturalidade do mundo, que era uma grande gostosa. Therese ficou tão mortificada que, ao voltar para o orfanato depois da aula, rezou um rosário inteiro, só pelo pecado de ter percebido a possibilidade de enxergar alguém daquela maneira.
Por muito tempo, nem soube o que significava achar alguém “gostosa”. Quando finalmente entendeu o conceito de atração, veio junto a certeza de que não era natural sentir aquilo por alguém do mesmo gênero.
Therese tinha 23 anos agora, um emprego estável e um apartamento só seu. Pequeno, mas aconchegante. E, mesmo assim, às vezes, ainda se sentia presa naquele orfanato, ouvindo a Irmã Alicia listar todos os pecados que ela poderia cometer apenas por existir.
Naquele momento, estava concentrada em ajudar uma aluna que tinha dificuldade com o agachamento com barra quando Genevive se aproximou.
— Você não está curiosa para saber como Carol Aird veio parar aqui?
Já fazia quase dois meses que Carol dava aulas na academia, e ela continuava sendo a pauta preferida de Genevive.
— Não!
A mentira saiu com tanta facilidade que até Therese se espantou.
Mas a verdade? Ela queria saber. E muito.
Por isso, fez o que qualquer pessoa da sua idade faria quando quer descobrir algo sobre alguém: pesquisou no Google e nas redes sociais.
Duas coisas chamaram sua atenção.
Primeiro: Carol Aird não era qualquer instrutora. Era uma ex-lutadora famosa, medalhista olímpica, que começou a carreira muito cedo e, no auge, anunciou a aposentadoria aos 32 anos. Isso foi no ano passado. Além disso, era muito, muito rica. Rica o suficiente para viver duas vidas inteiras sem precisar trabalhar um único dia.
Segundo: Abby Gerrard.
As fotos estavam por toda parte. Em cada fase da vida de Carol, lá estava Abby. Em competições, premiações, eventos… sempre ao lado dela.
Therese conhecia Abby. Ela era dona do complexo onde trabalhavam e uma mulher, no mínimo, peculiar. Mas foi uma foto em especial que mexeu com ela. As duas estavam mais jovens, e a maneira como Carol segurava a cintura de Abby, o olhar que trocaram… aquilo fez seu estômago revirar.
Ela não sabia o que era aquela sensação, mas tinha certeza de uma coisa: se perguntasse, Genevive saberia explicar.
Mas ela não iria perguntar. Aquele era um quebra-cabeça que queria montar sozinha.
— Você tem que me agradecer! — A voz de Abby soou estridente. — Você estava meio louca em casa, e eu sei que metade das suas alunas ficaria mais do que feliz em ser fodida por você.
Carol riu alto, aquele tipo de riso que fazia os pelos do braço de Therese arrepiarem. Ela não queria ouvir a conversa, mas aquela voz, aquele riso… mexiam com ela de um jeito que não sabia explicar.
— Eu não quero. — Carol disse, ainda divertida. — Pelo menos, não minhas alunas especificamente.
— Eu sabia! — Abby exclamou. — Quem é ela?
Therese nunca ouviu a resposta, porque, naquele exato momento, deixou cair uma anilha que carregava. O estrondo ecoou pelo ambiente, e ela se amaldiçoou mentalmente.
— Therese, você está bem? — Abby perguntou, lançando-lhe um olhar curioso.
Ela apenas assentiu, receosa de dizer algo errado.
— Deixa, eu te ajudo, Therese.
Sua respiração travou, e o coração errou uma batida ao ver Carol se aproximando. Therese não precisava de ajuda. Só estava guardando alguns materiais que os alunos haviam deixado espalhados. Mas, mesmo assim, estava mais do que feliz em ter a loira ali, ao seu lado.
— Então, Therese… — Carol começou, sem ter ideia do efeito que sua presença causava. — Você sempre quis ser personal trainer?
— Eu sempre quis ser qualquer coisa que me tirasse do orfanato.
A resposta saiu sem pensar, e no segundo em que as palavras deixaram sua boca, Therese se arrependeu. Não tinha vergonha do seu passado, mas queria, mais do que tudo, impressionar aquela mulher.
Carol apenas deu de ombros.
— E conseguiu?
— Sim.
Elas conversaram um pouco mais… e um pouco mais a cada dia. E, com cada palavra trocada, aquela sensação na boca do estômago de Therese só aumentava.
Numa noite particularmente inquieta, ela não aguentou mais: pegou o celular e pesquisou “sensação estranha no estômago”. Os resultados a deixaram apavorada — 99,9% deles falavam de úlceras, gastrite, ou até câncer em estágio terminal. Mas não foi isso que a assustou de verdade. O que realmente a deixou em pânico foi o 0,01% que sugeria: você pode estar apaixonada.
No meio da ansiedade, Therese se levantou, abriu o guarda-roupa e puxou uma caixa há muito esquecida. Dentro, havia pequenos pedaços do seu passado — lembranças da infância que resistiram ao tempo. No fundo da caixa, enrolado entre papéis e objetos que já haviam perdido o cheiro de antigamente, estava o seu rosário.
Segurou-o nas mãos, sentindo o peso familiar das contas entre os dedos. Por um instante, quase rezou. Quase buscou na repetição das orações o consolo de outros tempos. Mas então se lembrou da culpa que ainda carregava — aquela culpa que a Irmã Alicia incutiu nela com tanto zelo, transformando simples sentimentos em pecados pesados demais para uma criança suportar.
Ela caminhou com passos firmes até o vestiário. Therese sabia o que queria agora. E, acima de tudo, havia aceitado seus pecados. Tinha uma lista deles — e, surpreendentemente, isso já não a afligia mais. Sentiu-se tola por ter permitido que sua infância no orfanato e as palavras da Irmã Alicia a afetassem por tanto tempo.
A percepção surgiu alguns dias antes, quando havia esquecido sua bolsa na academia e voltou para buscá-la. O lugar estava fechado e silencioso, exceto por uma pequena luz escapando do vestiário. Therese sabia que, às vezes, Carol treinava sozinha depois do expediente e pensou que poderia entrar e sair sem ser notada.
Mas, antes que pudesse alcançar seu armário, viu.
Carol.
Em toda a sua glória — nua, molhada, sob o chuveiro.
E Therese ficou ali. Parada. Olhando.
Foi naquele instante que entendeu, de forma visceral, o que a Irmã Alicia queria dizer com luxúria. O pecado da carne sempre fora um dos temas favoritos da freira — horas e horas detalhando as inúmeras maneiras pelas quais alguém poderia cometer o pior de todos os pecados.
Cobiça.
A Irmã Alicia sempre alertou sobre o pecado de desejar aquilo que não era seu. E Therese nunca soube que era possível querer alguém tanto quanto queria Carol. Se aquele desejo a condenaria ao inferno, então que fosse — porque seria o maior prazer da sua vida.
— Você está me olhando tomar banho?
A voz de Carol não trazia raiva. Nem pressa em se cobrir.
Therese encarou seus olhos, esperando encontrar reprovação, mas o que viu foi algo indefinível… e gostou bastante disso.
— Não.
Mentira. Sem vergonha, sem constrangimento.
A Irmã Alicia provavelmente lhe daria uma palmada se pudesse ver a pessoa que ela havia se tornado.
— Eu não me importaria de dar um show para você — Carol disse, um sorriso brincando em seus lábios. — Mas só para você.
O rosto de Therese queimava. Sentia-se exposta, desnorteada. Agarrando sua bolsa, saiu sem olhar para trás.
Naquela noite, sozinha em seu quarto escuro, tudo foi confuso. Suado.
Tentou se lembrar da conversa que teve com Genevive anos atrás. Dos detalhes, das palavras exatas. Sobre se olhar, se conhecer.
Elas tinham dezoito anos quando aconteceu. Therese havia ido pegar uma camiseta na gaveta de Genevive e, sem querer, derrubou um objeto cilíndrico no chão. Gen riu, divertida. Therese lembra daquela risada. Lembra do jeito casual com que a amiga explicou que sua mãe lhe deu aquilo quando ela tinha dezessete, para que pudesse se entender. Se conhecer.
Therese sentiu inveja. Não do objeto, mas da relação que Genevive tinha com a mãe. E sentiu pânico.
Porque, naquele instante, entendeu o que “se conhecer” realmente significava.
Lembra do coração disparado. Das pernas bambas. De cair de joelhos no chão.
Lembra de Genevive a acolhendo, dizendo que estava tudo bem. Que toda mulher precisava se conhecer. Que não havia nada de errado nisso.
Genevive sempre a entendeu. Sempre.
Dias depois, Gen lhe deu um pequeno espelho e, com carinho, pediu: “Se olhe, Therese. Se veja como você é. Como mulher. Entenda o que gosta.”
Therese tentou. Algumas vezes. Mas a culpa sempre estava ali, como uma sombra sufocante.
Mas hoje, não.
Hoje, a única coisa que preenchia sua mente era Carol.
Therese abriu a porta do vestiário com firmeza.
E lá estava ela.
Carol ainda vestia o sutiã esportivo, a pele brilhando de suor, os músculos tensos após o treino. Therese a admirou sem culpa, sem hesitação.
— Me ensine.
Carol se virou, a testa franzida.
— O quê?
— Me ensina.
Sem esperar resposta, Therese puxou a blusa num movimento fluido.
Viu quando a expressão da loira mudou — de confusão para entendimento.
Ela tirou peça por peça, repetindo a frase como um mantra, sem pudor algum.
Carol se aproximou devagar, olhar predatório. Quando chegou perto o suficiente, inclinou-se e aspirou o cheiro do pescoço de Therese.
A respiração de Therese falhou. Seu coração martelava.
Por um segundo, teve certeza de que ia morrer ali, consumida pelo próprio desejo.
Mas então Carol a beijou.
E o beijo foi calmo. Preciso. Certeiro.
Therese já havia sido beijada antes. Por garotos que achou que deveria gostar. Tudo sempre pareceu errado, frio, sem graça.
Mas ali, com Carol, seu corpo poderia entrar em chamas.
E ela morreria feliz.
— Eu não… — Therese ofegou, enquanto Carol beijava seu pescoço. — Eu nunca…
As palavras se perdiam entre suspiros e o bater acelerado do coração, enquanto ela tentava organizar seus pensamentos.
— Hey… — Carol sussurrou, depositando um beijo suave, quase casto. — Tudo bem, não precisamos…
Carol tentou se afastar para pegar as roupas de Therese, mas ela não a deixou. Naquele momento, Therese sabia: queria Carol. Encontrara seus pecados, e nada os impediria de se tornar realidade.
— Não! — Therese exclamou, num misto de desespero e desejo. — Eu quero!
Carol a beijou com fome, com uma intensidade que fazia o corpo de Therese estremecer. A loira deslizou a mão por seu corpo e, com firmeza, segurou sua mão, guiando-a até o centro de si mesma. Então, pressionou seus dedos contra seu clitóris, e Therese gemeu alto, o som ecoando pelo vestiário vazio.
Em um movimento fluido, quase ensaiado, suas mãos se moveram juntas, explorando cada sensação, cada arrepio. Mas então Carol levou a mão ao rosto de Therese, segurando-o com delicadeza, e a olhou nos olhos. De repente, tudo pareceu intenso demais. O desejo. O toque. O jeito como Carol a devorava com os olhos, como se quisesse saborear cada reação.
— Me diz… — Carol ofegou, seus lábios tão próximos que Therese podia sentir sua respiração quente. — Me diz como você se sente.
Como ela se sentia? Como colocar em palavras aquilo que crescia em seu estômago, queimando por dentro? “Bem” era pouco para o que pulsava em seu corpo. O toque que antes gerava culpa agora era puro prazer, e Carol estava ali, incentivando-a, guiando-a, dizendo coisas em seu ouvido que fariam a Irmã Alícia desmaiar de choque. Tudo era demais. Demais e perfeito.
— Eu nunca me senti assim… — Therese gemeu, seu corpo arqueando sob o toque. — Tão bem… tão bom…
E então foi demais. Seu corpo cedeu, um grito escapou de sua garganta, e ela se entregou completamente. Quando abriu os olhos, estava nos braços de Carol, suada, ofegante… e feliz.
“Eu daria meu braço esquerdo para ficar embaixo dessa mulher!”
Genevive se aproximou de Therese algumas semanas depois. A última aluna de Therese para aquele dia já tinha ido embora, e ela observava a loira sem nenhum constrangimento.
Therese olhou para sua amiga e riu—alto e livre. Genevive retribuiu o olhar e estreitou os olhos. Therese havia mudado. E Gen sabia disso.
Não era que Therese não quisesse contar. Genevive era sua melhor amiga, a pessoa em quem mais confiava no mundo, e ela entregaria sua própria vida nas mãos dela se fosse preciso. Mas, nas últimas semanas, Therese tinha estado completamente imersa em um novo tipo de aprendizado. E, para ser sincera, não conseguia pensar em mais nada além disso.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, seu foco voltou para Carol. Uma ruiva escultural havia se aproximado da loira e, claramente flertando, tocou o braço dela com intimidade.
— Você está livre hoje à noite para uma aula particular? — a ruiva perguntou, sorrindo de lado.
Therese sentiu o estômago se revirar.
— Desculpe, já tenho compromisso. — Carol respondeu sem rodeios.
A ruiva, no entanto, não desistiu.
— Tudo bem. Pode ser outro dia desta semana.
Carol suspirou, mas manteve o tom firme:
— Você não entendeu. Meus horários já estão todos comprometidos com uma aluna nova.
A satisfação foi instantânea. Therese tentou esconder o sorriso, mas não passou despercebida por Genevive, que rapidamente alternou o olhar entre ela e Carol. A loira pegou sua bolsa e se aproximou, tocando levemente o ombro de Therese.
— Te pego às oito, no seu?
— Sim.
Therese observou Carol sair da academia e, ao virar-se, encontrou Genevive olhando para ela com uma expressão carregada de divertimento e realização.
— Therese Belivet… — Genevive cruzou os braços. — Você teria algo para me contar?
Não havia acusação ou raiva em sua voz. Apenas curiosidade e um pouco de incredulidade.
Therese sorriu, pegou o braço da amiga e as duas saíram juntas da academia.
— Me conta tudo. Desde o começo. — Genevive insistiu, a ansiedade estampada no rosto.
— Você tem tempo?
— Para fofoca quente? Sempre.
E então, entre risadas e olhares cúmplices, Therese contou cada detalhe. Afinal, ainda havia um tempinho até sua próxima lição.