Eu fico ali sonhando acordado, juntando o antes, o agora e o depois

Harry Potter - J. K. Rowling Modern Family (TV 2009)
F/M
G
Eu fico ali sonhando acordado, juntando o antes, o agora e o depois
Summary
Claire Dunphy conhecia todas as versões do seu pai. O rabugento, o workaholic, o marido exausto, o pai com regras rígidas e o velho com ideais ultrapassados.Mas esse homem distraído? Esse, ela nunca viu.

— Tem alguma coisa errada com o papai.

Mitchell gritou, quase se engasgando com a própria saliva, quando Claire se esgueirou sorrateiramente por trás dele e sussurrou em seu ouvido.

— Pelo amor de Deus, Claire. O que diabos foi isso?

Ela apontou discretamente para Jay, que estava completamente alheio ao que acontecia ao redor, mexendo sem pressa em uma panela no fogão… com o fogo desligado.

— O que você acha que está acontecendo? — Claire murmurou, ainda incrédula.

— Quem sabe o que se passa na cabeça do nosso pai? Bolas de futebol? Buracos de golfe? Competições de cortar madeira?

Claire o encarou com um olhar estranho.

— O que você acha que se passa na cabeça de um homem hétero?

— Eu sou gay, Claire!

— Certo, tudo bem, ninguém se importa com a sua segunda saída do armário.

— Ninguém se importou com a primeira também.

— Mitchell! Foco!

— O que você quer de mim, Claire? Você quer eu olhe para ele e faça um diagnóstico?

— Sim! Veja o que está errado com o papai!

— As roupas dele? A falta de cabelo? A homofobia disfarçada de “valores tradicionais”? Tem tanta coisa errada…

Claire observou Jay por mais alguns segundos, perplexa, enquanto ele permanecia ali, imóvel, com aquele olhar perdido na parede.

Alex passou por ele, absorta em um livro gigante, e sem dar muita atenção, acendeu o fogo e seguiu tranquilamente para a sala.

Mas Jay... nada.

Nem um movimento. Nem uma piscada. Ele nem mesmo percebeu que o fogo tinha sido aceso.

— Você viu isso? Isso é tão estranho! — Claire sussurrou.

— Eu não vou me meter nisso. — Mitchell fez um gesto largo com as mãos, como se estivesse afastando uma mosca.

— Onde você vai?

— Vou procurar Cameron. — Respondeu Mitchell, sem parar de andar.

Claire bufou, mas não desviou o olhar. Ela estava determinada em descobrir o que estava errado.

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— Tem alguma coisa errada com o papai!

Phil se engasgou, o rosto ficando roxo enquanto ele tentava desesperadamente engolir um pedaço de torta de frango, quando Claire saltou nas costas dele e sussurrou em seu ouvido.

— Claire! O que você tá fazendo?!

Ela ignorou o marido solenemente, e continuou olhando para o pai, com os olhos arregalados.

— Você não está vendo? — Claire segurou as duas mãos na cabeça de Phil e o forçou a olhar para Jay, que agora cantarolava uma canção enquanto cortava tomates.

— Ah, meu Deus! — Phil sussurrou encantado. — Ele está cantarolando!

Claire, com os olhos arregalados e a boca aberta, só conseguiu acenar com a cabeça tentando entender o que estava acontecendo.

— Ele finalmente me ama!

Claire assentiu novamente com a cabeça, até que, de repente, percebeu o que Phil havia dito e o encarou perplexa.

— O quê?

— Você não está vendo? Ele ouviu meu conselho sobre cantarolar para afastar o mau humor, o que significa que ele realmente me escuta, o que significa que ele me ama.

O quê?!

Claire estava sem palavras. Phil estava com os olhos cheios de d’água, profundamente emocionado.

— Eu acho que não foi isso, querid—

Phil colocou o dedo indicador nos lábios de Claire, silenciando-a.

— Eu sei como conquistar um homem, Claire!

E antes que ela pudesse protestar ou questionar a estranha escolha de frase, Phil correu até Jay, abraçou-o com força, lágrimas nos olhos como se tivesse acabado de conquistar um prêmio.

Eu sabia, Jay! Eu também te amo.

Jay, no entanto, não parecia nem um pouco impressionado.

Em outros dias, ele teria xingado Phil ou feito algum comentários sarcástico. Naquele momento, ele apenas aceitou o abraço de Phil com a mesma expressão desligada.

E isso não era ainda mais estranho?

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— Tem alguma coisa errada com o papai!

Claire saltou para o lado de Alex no sofá da sala, mas a filha nem sequer se moveu. Ela apenas fechou o livro com cuidado e olhou para a mãe com o mesmo ar de inteligência de sempre.

— Talvez ele esteja doente.

— Você acha? Porquê?

Alex suspirou, claramente achando que era óbvio demais.

— Bem, primeiro, ele apresenta os sintomas clássicos de desorientação. Ele claramente demonstra dificuldades de foco e perda de noção da realidade, o que é consistente com sinais de demência inicial ou uma possível degeneração cognitiva, como Alzheimer.

Claire piscou.

Alex continuou o seu discurso sem se abalar.

— O comportamento dele se alinha com estudos científicos que comprovam que, enquanto uma pessoa doente tenta fazer uma atividade que antes era comum, agora está apenas repetindo movimentos familiares sem entender o seu propósito, o que é comum em estágios iniciais de doenças neurodegenerativas. Ou seja, ele está tentando se manter ocupado, mas a mente dele está desconectada.

Claire olhou para Jay novamente, que agora jogava uma colher no lixo e os restos de uma embalagem de iogurte vazia na geladeira.

— Você tem certeza?

— Eu diria que ele pode estar desenvolvendo sintomas de envelhecimento precoce. Pode ser uma combinação de desgaste físico e mental. Os sinais são bastante claros: repetição de ações, falta de foco, desinteresse pelas coisas que ele costumava gostar... É muito comum entre pessoas mais velhas, principalmente se elas estão lidando com estresse ou uma sobrecarga de responsabilidades.

— Ah, meu Deus, pobre papai! — Claire fungou. — O que nós fazemos?

Alex deu de ombros, parecendo mais tranquila do que a mãe.

— A melhor opção seria levar ele a um especialista para fazer um exame mais completo, ver como estão os níveis cognitivos dele. Só para ter certeza. Ou então você pode tentar um programa de atividades cognitivas para idosos. Talvez começar com um livro de palavras cruzadas…

— Sim. — Claire sussurrou, os olhos se enchendo de lágrimas, enquanto Alex voltava a ignorar o mundo e se concentrava em seu livro.

Claire se arrastou para fora do sofá, se esgueirando pelos cantos para observar o seu pai de longe, que agora procurava pela colher no balcão da cozinha, provavelmente tendo esquecido que já havia jogado ela no lixo.

Claire fungou novamente. Pobre papai.

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Claire se refugiou nos jardins para chorar sozinha, escondendo-se entre as plantas, precisando de um momento para processar tudo.

— Claire? O que aconteceu? — Cam perguntou, aparecendo de repente.

Ela tentou esboçar um sorriso, mas o melhor que conseguiu foi uma careta torta, seguida por uma nova torrente de lágrimas que começaram a escorrer novamente pelo seu rosto.

— Tem alguma coisa errada com o papai! — Claire soluçou, os olhos vermelhos e inchados.

— Oh meu Deus, Claire! — Cam gritou, colocando as mãos no rosto dramaticamente. — Ele está doente? Você está me dizendo que ele está doente?

— Ele está com uma doença neurodegenerativa! — Claire disse entre soluços, sua voz embargada de tristeza.

— Oh, meu Deus! Eu não acredito. — Cam continuou em um tom ainda mais agudo, quase à ponto de desmaiar.

— Sim... — Claire sussurrou. — Alex confirmou tudo!

Oh meu Deus!

De repente, Mitchell apareceu correndo pelos jardins, com uma expressão de confusão em seu rosto.

— O que está acontecendo, gente? — Ele olhou para Cam que ainda parecia agitado, balançando as mãos freneticamente. Depois olhou para Claire, que soluçava como uma criança. — O cachorro do vizinho começou a latir com os gritos do Cam…

Jay está morrendo! — Cam anunciou em um lamento estridente.

Claire caiu no choro novamente, sem conseguir se controlar.

— Quem está morrendo? — Luke apareceu, com a roupa completamente coberta de lama. Ele olhou para todos, atônito.

— Jay está à beira da morte. — Cam suspirou dramaticamente.

— O quê? Vovô! — Luke saiu correndo em direção à cozinha, completamente devastado e com o rosto banhado em lágrimas.

— Como assim o pai está morrendo? Claire? Isso é sobre o que você me falou mais cedo? — Mitchell sacudiu Claire pelos ombros, tentando, sem muito sucesso, arrancar alguma explicação coerente, enquanto a irmã apenas chorava e soluçava ainda mais.

— Ei pessoal, o que vocês estão fazendo no jardim? Isso é alguma tradição Pritchett que eu não conheço ainda? — Phil apareceu de repente, com um sorriso bobo, completamente alheio ao caos ao seu redor.

— Jay tem pouco tempo de vida. — Cam respondeu por todos, com uma solenidade que fez todos darem um grande “oh” dramático em troca.

— O quê? — Phil gaguejou, agora mais confuso do que nunca. — Mas… mas o que aconteceu? Ele… tá morrendo? Tipo… agora? Ou… o quê?

— Gente, vocês não estão fazendo sentido! — Mitchell ergueu as mãos impacientemente, tentando controlar a situação. — Onde vocês ouviram isso?

— A Alex confirmou! — Claire e Cam falaram em uníssono.

Oh, sim! — Mitchell e Phil trocaram um olhar cúmplice, ambos parecendo acreditar plenamente no que acabaram de ouvir.

Todos ficaram em silêncio por alguns segundos, enquanto tentavam processar a ideia de que os momentos finais de Jay Pritchett poderiam estar mais próximos do que nunca.

— O que nós vamos fazer? — Mitchell finalmente cortou o silêncio.

— Bem, acho que devemos falar com ele, certo? — Claire fungou, limpando os olhos com a manga da camisa.

— Sim. — Phil sussurrou, os ombros caídos em tristeza.

— Vamos lá, então. — Cam puxou o marido para os seus braços, enquanto Phil tentava consolar a esposa.

Era hora de confrontar o seu pai e enfrentar os desafios que estariam por vir, mas Claire estava pronta. Ela faria qualquer coisa pelo seu papai.

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Na mesa de jantar, Jay colocava cuidadosamente uma grande panela de seu famoso molho de tomate no centro, enquanto todos os outros sentavam-se ao redor em clima de enterro (talvez literalmente).

— Esse molho está uma maravilha, pessoal. Vamos comer? — Jay falou, com um sorriso brilhante e satisfeito.

O silêncio se estendeu por longos segundos, e ninguém se mexeu.

— O que há com vocês? — Jay finalmente encarou sua família, que parecia estranhamente silenciosa.

Claire, que ainda estava com os olhos inchados, respirou fundo e apontou para uma das cadeiras, pedindo o que o pai sentasse.

— Nós gostaríamos de conversar antes, papai.

— Hum. — Jay bufou, ainda sem entender. — Da última vez que você me falou isso, você era uma adolescente e estava grávida da Haley.

O quê?? — Haley largou o celular na mesa com um grito incrédulo.

Eu já pedi desculpas! Será que você vai morrer sem me perdoar? — Phil choramingou do canto, desabando sobre a mesa.

— O vovô não pode morrer! — Luke chorou, visivelmente abalado.

— Ninguém vai morrer aqui, gente! — Jay revirou os olhos, impaciente. Mas não foi o suficiente para impedir que Luke o atacasse em um abraço feroz. — O que esse garoto está fazendo aqui?

— Oh, ele também mal reconhece o próprio neto. — Cam suspirou com a mão no coração.

E então a sala explodiu em gritos e choros, cada um tentando falar por cima do outro.

— É a doença que está fazendo isso com ele.

— Danos neurológicos, foi o que eu disse. Um artigo científico mencionou casos em que o paciente começa a agir de forma errática e confusa antes da progressão completa do quadro.

— Oh papai, o que vamos fazer?

— Eu não quero ver você morrer e ficar com essa culpa. Fui que quebrei seu planador em 1998 e culpei a Haley.

— O vovô não pode morrer!

— Chega! — Jay finalmente gritou, fazendo o silêncio tomar conta novamente da mesa. Ele massageou as têmporas, respirando fundo antes de falar.

— Alguém pode, por favor, me dizer por que diabos vocês decidiram que eu estou morrendo?

Todo trocaram olhares hesitantes, como se esperasse que alguém mais corajoso tomasse a frente para responder a pergunta.

— Você estava distraído, e estranho, parecia meio fora da realidade… — Claire sussurrou.

— E por que isso significaria que eu estou morrendo? Quem tirou essa conclusão maluca?

Então, quase em sincronia, todos apontaram para Alex.

Tecnicamente, todos nós estamos morrendo.

— Ah, pelo amor de Deus! — Jay exclamou, arrancando o pano de prato do ombro e jogando sobre a mesa.

Como é que é? — Claire franziu a testa, olhando incrédula para a filha. — Alex, você nos fez acreditar que o papai estava à beira da morte.

— Eu só apresentei fatos. — Alex deu de ombros. — Você surtaram por conta própria.

A sala se encheu novamente de gritos e protestos, todos agora direcionados a Alex, que parecia absolutamente imune.

— Eu tenho um encontro hoje! — Jay anunciou de repente, sua voz cortando a confusão.

Todos se calaram novamente, os olhos arregalados e sem acreditar que acabaram de ouvir.

— Eu estou distraído, porque eu tenho um encontro hoje. — Jay repetiu lentamente, articulando cada palavra como se estivesse falando com um bando de idiotas.

No fundo ele acredita que, sim, ele estava.

— Você tem o quê? — Claire foi a primeira a quebrar o silêncio, olhando para o pai sem acreditar.

— Não pode ser! — Cam e Mitchell sussurraram freneticamente um para o outro.

Eca, que nojo! — Luke murmurou, largando a perna do avô e voltando para o seu lugar na mesa, parecendo genuinamente enojado.

Você tem um encontro? — Haley apontou para o avô, franzindo a testa.

— Por que parece que vocês estão mais chocados com isso do que com a minha suposta morte?

— Na sua idade, a morte sempre parece mais provável. — Alex comentou, indiferente.

— Com quem? — Claire ignorou a filha, fixando um olhar acusador no pai.

— Sim, quem é ela? — Cam arqueou as sobrancelhas, levando a mão ao peito. — Ou será que é ele?

— O quê?! Ele?! — Phil engasgou com o próprio ar. — Você não faria isso comigo, faria, Jay?

— Pelo amor de Deus, cala a boca, Phil! — Jay exclamou, largando o garfo na mesa. — Sim, é uma mulher!

— Mas quem? — Claire insistiu.

— Não é da conta de nenhum de vocês!

— A gente precisa saber, pai! — Mitchell gesticulou freneticamente.

— Sim. — Cam concordou, inclinando-se para frente. — Onde você a conheceu?

— Isso é um golpe, só pode ser. — Haley comentou, analisando as unhas. — Ela deve estar querendo o seu dinheiro.

— Ah, obrigado, pessoal, muito legal da parte de vocês acreditar que uma mulher só se interessaria por mim por causa do meu dinheiro.

Pai! — Claire interrompeu. — Por favor, só nós diz quem é.

Jay olhou ao redor, os olhos saltando de um rosto ansioso para outro. Finalmente, ele soltou um suspiro de resignação.

— O nome dela é Heather. Nos conhecemos em uma lanchonete, trocamos algumas palavras, eu flertei um pouco, a convidei para dar uma volta no dia seguinte, trocamos números e agora nós temos um encontro. É isso.

O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que Jay se perguntou por que não usava essa tática mais vezes.

— Eu não sei o que me assusta mais… — Mitchell começou. — O fato dele ter flertado em uma lanchonete, ou ela ter aceitado sair com ele.

— Bem, eu acho fofo. — Cam sorriu.

— E nós vamos conhecer ela? — Claire insistiu novamente, morrendo de curiosidade.

— Não! Vocês são malucos, eu não quero que ela pense mal de mim. — Jay exclamou, levantando-se rapidamente e pegando seu prato. — Agora, se me dão licença, eu vou comer na sala antes que alguém me declare morto de novo.

Ele se virou e caminhou apressadamente para fora da sala de jantar.

E você me deve U$ 1.500 dólares por aquele planador, Phil! — Jay gritou de longe, antes de desaparecer pela porta.

A sala continuou silenciosamente perplexa durante alguns longos minutos depois disso.