
Chapter 1
"Eu não te amo"
Durante o dia todo, sempre que minha mente se distraia eu voltava a ouvir as ultimas palavras de Keana para mim.
Ela alegava que gostava muito da minha pessoa e que se divertia bastante ao meu lado, mas simplesmente não me amava, não conseguia sentir isso por mim.
Olha, eu geralmente não sou o tipo de pessoa que fica choramingando por ser dispensada, principalmente por que eu também não amo Keana, embora gostasse bastante dela e sentisse que eventualmente a gente podia chegar lá, mas o problema era que não era a primeira vez que alguém terminava comigo usando essas palavras.
Estávamos na cafeteria dos pais de Lincoln e Clarke estava linda como sempre. Ela estava com os cabelos loiros jogados por cima do ombro, o short jeans rasgadinho que ela tinha usado quando fomos à praia pela ultima vez e a camiseta do Mickey que era a preferida dela.
Clarke era linda. Estonteante.
E seu sorriso... Deus, seu sorriso me deixava tonta!
Mas ela não estava sorrindo.
Na verdade, não era a primeira vez que eu percebia que tinha algo acontecendo com Clarke. Nas últimas semanas ela andava estranha, vinha me dando o tratamento de silêncio e quando eu tentava perguntar o que estava acontecendo ela sempre me respondia de maneira curta e grossa. Eu não tinha a menor ideia do que tinha feito.
Quando ela me ligou ontem à noite e me disse pra encontrar com ela aqui, eu achei que íamos nos sentar, ela ia jogar na cara uns 450 pequenos erros que eu tinha cometido com ela nos últimos dois meses e então eu ia implorar exageradamente por perdão e a gente ia se resolver.
Isso já tinha acontecido antes, mas Clarke nunca tinha me olhado como vem me olhando ultimamente. E ela nunca tinha passado mais do que uns três dias sem conversar direito comigo. Por isso, achei que podia ter feito algo mais sério sem perceber, mas quando Clarke finalmente terminou o café que tinha pedido e abriu à boca eu senti uma sensação que eu nunca tinha sentido antes.
Era como seu o chão tivesse desaparecido debaixo dos meus pés. Alguém tivesse enfiado a mão no meu peito e estivesse apertando os dedos ao redor do meu coração. E um soco no estômago.
Tudo ao mesmo tempo.
- Eu não te amo - ela disse friamente, tão fria que eu mal conseguia reconhecer seus olhos. Os olhos azuis que sempre tinham me parecido os mais mornos e bondosos - Eu nunca te amei - Ela deu de ombros, um sorriso amargo no rosto - Mas foi divertido né? - ela questionou com um tom de voz que eu nunca tinha ouvido e não sabia interpretar.
- Clar-ke... Eu não - gaguejei, já sentindo meu coração se partindo e lágrimas surgindo em meus olhos.
- Mas agora tá chato - Ela disse desinteressada, puxando o celular do bolso e o encarando por apenas algum segundo antes de se levantar - E eu acho que tá mais do que na hora de seguirmos pra outra.
- O que? - questionei chorosa, tentando puxar sua mão para as minhas, mas ela tirou a sua de perto antes que eu pudesse.
- Foi legalzinho enquanto durou - ela continuou falando, tirando algumas notas da carteira - Você até que é bonitinha, o sexo é razoável. Mas estou meio enjoada de você - ela deu de ombros - Foi bom ter essa conversa contigo - me deu um sorriso cruel, começando a andar na direção da porta - Nos vemos por aí, beleza? - jogou por cima do ombro, rebolando até sair do local.
Lincoln entrou pela mesma porta, franzindo a testa pro jeito estranho que Clarke estava andando e vindo em direção ao balcão.
Eu desabei.
Levou quinze minutos até que Lincoln conseguisse me acalmar o suficiente pra falar.
Um mês para que eu voltasse a pisar para fora de minha casa por vontade própria e quase um ano pra Anya realmente me convencer que eu tinha que tentar esquecê-la e seguir em frente.
Depois de Clarke, cada uma de minhas "relações" terminou com aquela mesma frase. Pra começar, nenhuma passava de algumas semanas depois que eu realmente começasse a me interessar pela garota e todas acabavam quando eu realmente começava a criar esperanças de que poderia dar certo. Que talvez, dessa vez eu tinha achado minha ômega.
A pior parte era que eu era popular. Jogava vários esportes pro time da escola e sempre tinha diversas garotas em cima de mim, mas quando eu me interessava em uma sempre acabava do mesmo jeito.
- Mesmo discurso? - Scarlett perguntou, sentando-se ao meu lado com dois baseados que ela estava terminando de enrolar.
Apenas assenti com a cabeça, trazendo para meus lábios a garrafa que tinha se tornado minha coisa preferida desde que eu saíra do treino e tomando um grande gole.
Estávamos sentadas na borda do telhado do prédio de Scar, assistindo o começo do pôr do sol com bandas aleatórias tocando ao fundo.
Popular como era, eu conhecia muita gente e era muito respeitada no geral, mas apenas considerava quatro pessoas como verdadeiros amigos: Anya, Lincoln, Scarlett e Bellamy.
Mesmo assim, eu ainda era muito mais próxima de Anya e Scar do que dos dois garotos. Anya por que ela era minha prima e tinha sido minha melhor amiga desde sempre e Scarlett por que eu podia lhe contar qualquer coisa e sempre sentia que ela me entendia ou ao menos tentava ao seu máximo. E desde que tia Indra e eu tínhamos mudado de bairro eu quase não conseguia mais passar muito tempo com Anya e por isso Scarlett tinha se tornado aquela que eu ia atrás quando precisava conversar, chamar para fazer alguma coisa ou algo do tipo.
Eu também considerava muito os garotos, também amigos de infância, mas já por alguns anos eu não já não conseguia confiar plenamente em Bellamy, sentia que tinha algo diferente nele, algo que não sabia descrever, mas que me incomodava imensamente. Era engraçado considerando que ele era irmão-gêmeo de Scar e a sensação que sua irmã me passava era o perfeito oposto da dele, mas eu já aprendera há muito tempo que sensações não existiam para serem ignoradas. Por isso, mesmo que eu ainda conversasse e saísse com ele o tempo todo, Bellamy era a última opção em minha mente se eu precisasse conversar com alguém.
Quanto ao Lincoln, não tinha nada de errado com ele, ele era um amigo perfeito e estava lá quando eu precisava dele, mas apenas não éramos tão próximos quanto eu era com as meninas.
- Você vai me deixar fazer o teste agora ou quer tentar mais uma vez? - Ela questionou após algumas horas que passamos entre álbuns e mais álbuns de música e muitos assuntos triviais.
Antes de comentar essa pergunta de Scarlett, deixa eu explicar algumas coisinhas...
A muitos, muitos anos atrás, alguns anos depois da ciência descobrir que a magia era real e que qualquer que se devotasse a aprendê-la conseguiria praticá-la, foi descoberto também que -similar á magia- todo ser humano, depois de muito esforço e treinamento poderia se transformar em seu animal interior. A maioria se transformava em lobos, ou em alguma espécie de felino, mas havia até mesmo relatos de pessoas que se transformavam em pássaros e até tubarões.
Antes costumava se acreditar que uma pessoa só poderia se transformar se fosse mordida por outra já na forma do mesmo animal que o dela. Contudo, logo descobriram que o gene responsável pela habilidade de transformação -que ficou conhecido como gene lycan, por causa das antigas lendas de homens que se transformavam em "lobisomens", seres meio lobo, meio humanos e era dito que sofriam de licantropia, na época conhecida como uma maldição- estava presente e dormente em todos os seres humanos e que a mordida fazia nada mais que “acordar” a habilidade de se transformar.
A ciência vem se aprofundando nos dois assuntos (magia e transformações) desde então e há algumas décadas um cara que não lembro o nome agora criou um sistema de classificação baseado no tipo de "lobo" que alguém pode ser (na verdade a classificação serve para qualquer tipo de animal que você se transforme, apesar de que ele provavelmente estudou lobos quando estava pesquisando, já que eles são bem mais comuns que qualquer outro animal).
As categorias mais conhecidas eram Alfas, Betas e Ômegas, contudo existiam mais algumas categorias que ninguém ouvia muito sobre por serem muito raras, tanto que juntas não representavam nem 1% da população e nem eram ensinadas na escola. Nas décadas logo após a primeira descoberta do gene lycan, a grande maioria das pessoas passou a querer e tentar aprender a se transformar. Com o gene ativo e as transformações sendo frequentes era fácil classificar quem correspondia a cada uma das categorias.
Alfas tendiam a serem maiores, mais fortes e resistentes e também mais agressivos. Eles eram os que tinham mais facilidade em aprender a se transformar em seus animais, contudo eram também os que sofriam mais para aprender a controlá-los uma vez com o gene ativo, tanto que a maioria acabava se forçando a se transformar o mínimo possível e quando o faziam se isolavam o máximo que podiam para evitar machucar alguém. Pouquíssimos alfas nos anos que era se permitido transformar-se livremente foram ouvidos de conseguir estabelecer um controle razoável de seus animais e quando conseguiam acabavam virando lendas nas regiões onde moravam.
Ômegas eram seus opostos. Eram menores, mais frágeis e doces. Conseguir se transformar era algo que para eles levava um pouco mais tempo treinando e se esforçando ao máximo e uma vez transformados eram certamente os mais fáceis de controlar, tanto a si mesmos quanto por outros, já que seus instintos não eram agressivos como os do alfa, tanto que muitos ômegas chegavam a ser tratados e cuidados como animais domésticos enquanto estivessem em sua forma animal.
Betas eram o meio termo em questão de tamanho e características físicas, podendo alcançar o tamanho força e resistência de um alfa, mas podendo também serem pequenos e quase tão frágeis como ômegas.
Por isso, naquela época as categorias não eram certeza absoluta pra ninguém. Nem sempre se sabia em qual categoria um lycan se encaixava e existem muitos relatos de betas que foram erroneamente categorizados como ômega ou alfas e também de ômegas e alfas que tinham sido considerados betas por causa da aparência e na verdade não eram betas. Até mesmo em questão de comportamento os betas eram também inconstantes, podendo agir agressivos como um alfa em um momento e dóceis como um ômega em outros.Era dito também que entre as três categorias principais, betas eram os que mais tinham dificuldades em acordar o gene.
Através dos anos, com as novas leis de controle de transformação e consequentemente a diminuição do tanto de pessoas que ainda tentam ativar seus genes, os critérios de análise para que você seja classificado como o tipo de lycan que é são muito mais rigorosos, pois já não há mais como analisar o temperamento do seu lado animal, então eles tentam ir mais pelo lado biológico da coisa e são necessários desde algumas conversas com um psicólogo especialista até todos tipos de exame de sangues e hormônios.
Quando a pessoa completa 14 anos é levada a uma clínica de licantropologia e passa por diversos exames, que juntos podem levar até uma semana para serem todos feitos, até que seja liberada já com a informação de qual sua classificação. Diziam as pesquisas sobre magia mais recentes que, embora qualquer um pudesse aprender a fazer magia, betas tendiam a ter mais facilidade do que ômegas ou alfas.
Por isso, desde que Scarlett fora classificada como tal ela tinha enfiado na cabeça que aprenderia a fazer magia e seria boa naquilo. Ela vinha treinando o que lia nos livros de magia nos últimos meses e -considerando que estava aprendendo por si mesma- estava aprendendo bastante coisas legais.
Uma delas era um feitiço relativamente simples que diria se uma pessoa estava sobre o efeito de algum outro feitiço ou maldição no momento. E com as coincidências na maneira que minhas namoradas sempre me dispensavam, Scar estava certa que eu estava sobre o efeito de alguma maldição ou algo do tipo e vinha pedindo para testar o feitiço em mim desde o término com Mercedes, ou seja, três ex-namoradas antes de Keana.
- Se eu concordar, do que precisaríamos? - questionei derrotada.
- Umas velas, o pôr do sol e um pouco do seu sangue - Ela respondeu com um sorrisinho vitorioso enquanto tragava, eu imagino que ela não estava muito surpresa que eu finalmente me rendera a suas insistentes tentativas de me convencer a deixá-la me testar.
"É uma questão de tempo" ela tinha me dito quando eu negara da última vez.
- Amanhã então? - questionei, me senti cansada. - Pode ser - ela assentiu, também já parecendo um pouco sonolenta
- Quer dormir aqui? - chamou enquanto se levantava, já tendo apagado o restinho de seu baseado. Fiz o mesmo com o meu e observei que minha garrafa de vodka estava vazia.
- Quero - respondi, sabendo que não poderia dirigir de volta para minha casa.
- Vamos - ela chamou, me dando a mão para me ajudar a levantar, aceitei e então seguimos em direção a porta do terraço
- Não fala com a Jane, ela sabe que eu fumo as vezes, mas se ela perceber que você também bebeu vai te dar o maior sermão da história.
- Fumar maconha pode, mas beber que é uma coisa lícita não? - questionei curiosa com a lógica.
- Nenhum dos dois pode, mas ela fingi que não sabe da maconha - Scar comentou - Provavelmente para me pegar desatenta e encontrar meu estoque - comentou com uma risada - Agora o álcool ela reclama abertamente mesmo por que não tem muito lugar pra eu esconder então acho que ela não tá preocupada com isso - explicou enquanto descíamos as escadas. - Outra coisa - ela adicionou, rindo e me segurando pelos cotovelos quando eu quase escorreguei num dos degraus - Tu é menor de idade, jumenta! Você não pode merda nenhuma! - provocou rindo suavemente.
Não me dignei a responder, apenas bufei.
Scar apenas riu baixinho novamente e passou meu braço por cima do seu ombro quando quase escorreguei pela segunda vez.
- Um degrau de cada vez - zombou com um sorrisinho que me irritou quase tanto quanto a provocação em si. Ainda assim, quando chegamos a seu apartamento segui suas instruções as riscas, e uma vez que já estávamos deitadas e de pijamas, nem sequer se passou pela minha cabeça reclamar quando ela me puxou para deitar em seu ombro ou quando beijou minha testa.
- Durma Alexandra, nós vamos resolver isso amanhã - incentivou gentilmente. Assenti contra seu ombro, sentindo seu braço direito enroscando-se em minha cintura e me puxando contra seu corpo, apenas ajeitei-me ali e cai no sono logo em seguida.